Projeto De Intervencao Servico Social

Cold Spring Harbor Laboratory - APOLOGIA DE JERÔNIMO, PRESBÍTERO ESTRIDONENSE, CONTRA OS LIVROS DE RUFINO, ENVIADA A PAMÁQUIO E A MARCELA Apologia contra os livros de Rufino Por São Jerõnimo PRIMEIRO LIVRO Primeira parte: O conflito dos tradutores -- Pela vossa carta e pelas de muitos outros, tomei conhecimento de ser reprovado a mim na "Escola de Tirano", pela língua dos meus cães de inimigos, por ele mesmo, o fato de eu ter traduzido em latim o Perì Archôn, e - ó atrevimento único! - eles acusam o médico de ter denunciado venenos, de tal modo - isso se entende - a proteger seu farmacêutico, não pela justificação da inocência, mas pela cumplicidade com sua culpabilidade, como se o número dos que pecam diminuísse a culpa, e como se a acusação recaísse sobre as pessoas, não sobre os fatos! Escrevem-se contra mim livros e estes são recitados aos ouvidos de todo mundo; porém, não são publicados, para que também toquem o coração dos simples e retirem de mim a possibilidade de resposta. Maldade de um gênero inédito: acusar aquilo que se teme que seja publicado, escrever o que se possa ocultar. Se é verdadeiro aquilo que ele escreve, por que temeu o público? Se é falso, por que o escreveu? Outrora, quando meninos, nós lemos: julgo ser próprio de um intemperante escrever qualquer coisa que se queira que seja ocultado. Eu vos pergunto: que ressentimento é esse? Por que se inflamam? Por que se ensandecem? Foi porque repeli um panegirista dissimulado? Foi porque eu não quis ser louvado por uma boca hipócrita? Foi porque, sob o nome de um amigo, desvendei as armadilhas de um inimigo? No prólogo, sou chamado de irmão e companheiro e muito abertamente são expostos meus crimes, o que eu teria escrito, os louvores pelos quais eu teria elevado às nuvens Orígenes. Ele diz tê-lo feito em uma boa intenção; mas como pode, agora que ele é meu inimigo, levar a cabo sua crítica sobre os mesmos pontos que ele tinha louvado, quando então era meu amigo? Ele tinha querido, em sua tradução, seguir-me como pioneiro e servir-se de nossos opúsculos para conceder autoridade à sua obra. Tinha bastado que dissesse uma vez o que eu tinha escrito: porque foi necessário voltar a repetir as mesmas asserções e frequentemente recitar - como se ninguém acreditasse em seus próprios louvores, - expor as próprias citações. O louvor simples e puro não se inquieta quanto à lealdade dos que ouvem. Por que ele temeu que não acreditassem nele ao elogiar-me, sem recorrer ao testemunho de minhas próprias palavras? Vós nos vedes compreender sua sagacidade e que brincamos frequentemente nas escolas da pregação da estrofe irônica. Não pode alegar retidão aquele em quem é identificado o artífice pela maldade. Admitamos que ele tenha errado uma ou, quando muito, duas vezes! Por que erra com critério e amiúde? E assim encobriu um erro por inteiro, de modo que não me é permitido negar o que ele elogia! Tinha sido sinal de sabedoria e amizade, depois do acordo feito sobre a malquerença, fugir também às leves suspeitas, para que um ato fortuito não fosse interpretado como feito de propósito. É por isso que Cícero diz também nos comentários dos processos em favor de Gabínio: "Por mim, que sempre considerei todas as amizades a serem mantidas em altíssima religião e fé, eu as tive sobretudo para que fossem reconduzidas para as boas relações; é por essa razão que o dever negligenciado às amizades legítimas é defendido por escusa de falta de conhecimento ou - como interpretamos mais gravemente - falta de cuidado; depois de um retorno à amizade, se algo é cometido, não é interpretado como uma negligência, mas como uma violação; não costuma ser atribuído à falta de conhecimento, mas à traição". Horácio também diz, na carta que ele escreve a Floro: "Uma amizade mal remendada, ele diz, em vão é recosida e se rasga novamente". -- Que me vale agora que ele jure ter se enganado com toda a franqueza? Eis que me são lançados seus louvores e que me censuram o louvor nem franco nem sincero de um amigo de toda franqueza! Se ele granjeava autoridade para a sua obra, querendo mostrar quais modelos ele seguia, teve ao seu alcance o confessor Hilário, que traduziu cerca de quarenta mil versos de Orígenes sobre os Salmos e Jó. Ele tinha Ambrósio, de quem quase todos os livros estão cheios dos discursos desse, e o mártir Vitorino, que manifesta sua candura não preparando armadilhas a ninguém. Ele guarda silêncio a respeito de todos esses, e, tendo deixado de lado aqueles que são como as colunas da Igreja, a mim sozinho como uma pulga, um homem de nada, ele persegue pelos cantos. A menos que, por acaso, com a mesma candura que, ignorante, acusou um amigo, ele jure que ignorava aqueles autores. E quem acreditará nele, homem eruditíssimo que é, cuja ciência dos autores antigos é tamanha, especialmente dos gregos, a tal ponto que, de tanto apegar-se a valores estrangeiros, ele quase perdeu os seus próprios? A ponto de desconhecer autores de memória bem recente e autores latinos? Disso aparece que não tanto eu tenha sido louvado quanto eles tenham sido acusados. Em consequência, que se trate de um elogio - como ele tenta persuadir os tolos - ou de uma acusação - como a dor que me causa minha ferida me faz sentir, - eu não teria nem a glória de meus contemporâneos, em caso de elogio, nem a consolação, em caso de repreensão. -- Eu guardo as vossas cartas, nas quais escreveis que sou acusado e exortais que eu responda a quem acusa; de modo que não pareça, caso me tenha silenciado, confessar a culpa. Eu respondi a vossas cartas, eu o reconheço; e ainda que lesado, eu salvaguardei os direitos da amizade a ponto de defender-me sem acusar meu acusador. Eu diria até que aquilo que apenas um amigo tinha censurado em Roma, reiterado no mundo todo por força de muitos inimigos, era para que eu não parecesse responder a um homem, mas a agravos. Seria o cúmulo se eu tivesse que, para respeitar o direito de amizade, guardar o silêncio sob as acusações e, tendo a face emporcalhada por ele e, por assim dizer, borrifada de herético fedor, nem sequer com água pura tivesse que lavar, de modo que não considerassem que ele fez injustiça contra mim! Esta atitude não pode ser a de um homem nem em relação a outro homem: atacar abertamente um amigo e expor seus crimes sob a máscara de um panegirista, e não deixá-lo sequer livre para provar que ele é católico e responder que o elogio de um herege, que lhe é lançado na face, foi provocado, não por sua adesão à heresia, mas por sua admiração pelo talento. Aprouvera a ele, ou como ele próprio quer dar a entender, ele tinha sido obrigado a verter para a língua latina, coisa que não queria. Que necessidade houve que, escondido e separado por tanta distância de mar e de terras, me introduzisse no caso, e me expusesse à hostilidade de uma multidão, a ponto de me prejudicar por seus elogios mais do que lhe pudesse ser útil pelo exemplo? Agora, pois, porque eu recusei meu panegirista e que, revolvido meu estilete, eu fiz saber que eu não era tal qual proclamou meu amigo íntimo, diz-se que ele está tomado de grande furor e teria composto, com uma elegância ática, três livros contra mim, acusando as mesmas coisas que antes louvara, censurando-me, na tradução de Orígenes, teses sacrílegas, sobre o que dissera no Prólogo da sua louvação: "Eu seguirei a regra de meus predecessores, e principalmente daquele homem do qual fizemos menção acima; o qual, visto que houvesse traduzido em latim mais de setenta opúsculos de Orígenes, aos quais ele deu o nome de homiléticos, sem contar certo número de seus tomos escritos sobre o Apóstolo, nos quais, visto que grande número de pedras de escândalo sejam encontradas em grego, ele tão bem aplainou e apurou tudo em sua tradução, para que o leitor latino não encontre nada neles que esteja em desacordo com a nossa fé. Também a este, pois, nós seguimos, como se deve seguir, não pelas forças da eloquência, mas pelas regras da disciplina, quanto nos seja possível". -- Sem dúvida, são de fato suas palavras, ele não pode negá-lo. A própria elegância do estilo e a ordenação do discurso e, o que mais importa, a simplicidade cristã atestam a marca de seu autor. Outra coisa seria presumir que Eusébio alterou também estas linhas e que, ao mesmo tempo, acusador de Orígenes e a mim dedicado, em uma e mesma obra testemunhou que eu e Orígenes ou errávamos, ou interpretávamos corretamente. Ele não pode, agora que é meu inimigo, tratar-me como herege, eu sobre quem ele disse recentemente em seu prefácio que não estava em desacordo com a sua fé. Ao mesmo tempo, aproveito para lhe fazer também esta pergunta: Que quer dizer esta linguagem moderada e dúbia? "O leitor latino, diz ele, nada encontrará aqui que esteja em desacordo com nossa fé." O que ele chama "sua" fé? Aquela pela qual a Igreja romana exerce seu poder ou aquela que está contida nos volumes de Orígenes? Se ele responde: a fé romana, então nós somos católicos, nós que nada traduzimos do erro de Orígenes. Mas se sua fé são blasfêmias de Orígenes, ele demonstra que é herege, lançando-me sua acusação de inconstância. Ou a fé daquele que me louva é sã e, por sua própria confissão, ele me associa a si, ou então é errônea, e ele mostra que, se fez meu elogio, é porque acreditava que eu fosse participante de seu erro. Mas, em relação àqueles livros que dizem tagarelices pelos cantos e me mordem com sua acusação furtiva, uma vez que eles tiverem sido publicados e avançarem das trevas para a luz, e tiverem podido chegar até nós, ou pelo esforço de nossos irmãos ou a temeridade de nossos rivais, eu tentarei responder a eles. Na verdade, não devem ser muito temidos aqueles livros que seu autor teve medo de publicar e só ordenou a leitura desses livros a seus partidários. Desde então, ou reconhecerei meus erros, ou me desculparei, ou farei voltar contra o acusador as acusações que me lançou e mostrarei que até aqui é de modéstia e não de má consciência o silêncio. -- Por enquanto eu quis ser purificado junto ao julgamento implícito do leitor e desmentir uma acusação gravíssima entre amigos, de modo a não dar a impressão de que fui o primeiro a ter causado prejuízo, que, embora ferido, de nenhum modo dirigi meus dardos contra meu agressor, mas voltei minha mão apenas para minha ferida. Rogo ao leitor que, com a exceção do preconceito em relação às pessoas, faça recair a culpa sobre aquele que a provocou. Não contente de ter-me ultrajado, ele elaborou três livros contra mim, como se eu estivesse sem língua e tivesse que ficar para sempre silencioso. Ele forjou, a partir de meus opúsculos, "antíteses" ao modo de Marcião. Meu espírito deseja ardentemente conhecer sua ciência súbita e minha estupidez inesperada. Talvez em pouco tempo ele tenha aprendido o que ele acredita ter que ensinar-nos e, o que ninguém pensava que ele soubesse, ele vai mostrar um súbito rio de eloquência. Assim faça o Deus Pai, faça assim o grande Jesus, que ele comece a medir forças conosco. Embora tenha balanceado espetadas de sua acusação e as tenha atirado contra nós com todas as forças, nós temos fé no Senhor Salvador, porque a sua verdade nos circundará como um escudo e com o salmista poderemos cantar: "As flechas das crianças tornaram-se as suas desgraças", e se "se erguer contra mim um acampamento, meu coração não temerá. Se uma batalha for travada contra mim, ainda assim esperarei". Mas trataremos estas coisas em outra ocasião. Agora voltemos ao assunto que começamos a abordar. -- E, "esgotados por suas provas, preparam as armas de Ceres", seus sectários me censuram por que razão eu traduzi para a língua latina os nefastos livros de Orígenes, o Perì Archôn, incompatíveis com a fé da Igreja. A essa pergunta há uma resposta breve e concisa: são as tuas cartas, irmão Pamáquio, e as dos teus que me levaram a isso, dizendo que os livros tinham sido infielmente traduzidos por um outro e havia algumas coisas de alteração, seja acréscimos, seja modificações. E para que eu não tivesse tão pouca confiança em vossas epístolas, enviastes a mim exemplares da mesma tradução, com o prefaciozinho que me elogiava. Depois que li e confrontei com o texto grego, percebi imediatamente o que Orígenes havia dito sacrilegamente acerca do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e o que, sendo modificado pelo tradutor, para um sentido melhor, os ouvidos romanos não podiam suportar; mas outras teses suas sobre a queda dos anjos, sobre a fraqueza das almas, sobre as miragens da ressurreição, sobre o mundo e os intermúndios de Epicuro, a restauração de todas as criaturas em uma condição de igualdade e outras bem piores que estas que seria demorado relatar: ou então, ele as tinha traduzido tal qual as tinha encontrado no texto grego; ou então, ele as tinha ampliado e reforçado a partir dos comentariozinhos de Dídimo, que era um defensor de Orígenes absolutamente aberto, a ponto de aquele que o havia lido como católico sobre a questão da Trindade não se desconfiaria de um autor herético em outros pontos. -- Talvez um outro que não fosse seu amigo diria: ou muda tudo que é mau, ou publica tudo que julgas excelente. Se, por causa das almas simples, tu cortas todas as passagens nocivas e que tu não queres traduzir para uma língua estrangeira aquilo que mostras como acréscimos de hereges, corta tudo que seja nocivo. Mas se tu salvaguardas em tua tradução a fidelidade à verdade, por que modificas algumas passagens e outras deixas intactas, ainda que reconheças abertamente, no mesmo prólogo, que tu tenhas corrigido as passagens viciosas e deixado as que são excelentes? Por conseguinte, em vez de gozar da liberdade dada ao tradutor, tu serás retido pela responsabilidade de autor se tua tradução se mostrar repleta de heresia; e tu serás preso em flagrante de ter querido untar de mel as bordas do cálice envenenado para cobrir com uma doçura enganosa a virulência do veneno. Eis as palavras e outras bem mais duras que te diria um inimigo; e ele te arrastaria diante da justiça da Igreja não como tradutor, mas como o responsável por uma obra nefasta. Para mim, entretanto, eu me contentei de ter-me defendido unicamente a mim mesmo, e eu exprimi simplesmente aquilo que continha o texto grego nos livros do Perì Archôn, não para levar o leitor a crer na versão que eu apresentava, mas para que não cresse na tradução que havias anteriormente dado. Foi dupla a utilidade da minha obra, tanto enquanto um autor herético é denunciado, quanto ela acusa um tradutor não verdadeiro. E para que ninguém pense que eu concorde com aquilo que eu traduzira, eu defendi a necessidade de minha tradução com um prefácio e instruí o leitor sobre aquilo em que ele não devia crer. A primeira tradução contém o elogio do autor, a segunda, sua repreensão. Aquela convida o leitor a crer nela, esta o exorta a não crer. Lá sou recrutado também, panegirista a contragosto, aqui estou tão longe de louvar aquele que traduzo, que sou forçado a acusar aquele que o louva. É a mesma empreitada que foi realizada, mas não no mesmo espírito. Mas antes: um único caminho teve diversas saídas. Alguém retirou passagens existentes, dizendo que haviam sido alteradas pelos hereges e acrescentou as que não existiam, sustentando que Orígenes havia tratado as passagens em outros lugares; ora, a não ser que mostre os lugares precisos de onde ele diz tê-los transposto, não poderá prová-lo. Eu me esforcei para nada mudar do texto autêntico. Minha tradução tinha, com efeito, por finalidade denunciar as passagens mal traduzidas. Vós me considerais um tradutor? Eu fui um denunciador. Eu denunciei o herege para defender a Igreja contra a heresia. O livro colocado à frente desta obra indica por que eu tenho louvado previamente Orígenes em certos pontos. No momento, é exposta unicamente a razão de minha tradução. Porque ela tem a intenção de respeitar a fé, não devo ser acusado por impiedade, eu que revelei o que era ímpio, que era transmitido às Igrejas como se fosse piedoso. -- Eu tinha traduzido para o latim setenta de seus livros, como meu amigo me acusa, e muitos de seus tomos. Nunca meu trabalho suscitou algum problema, nunca Roma foi abalada por ele. Que necessidade havia de entregar aos ouvidos latinos aquilo que a própria Grécia detesta, o que o mundo inteiro incrimina? Eu, que por tantos anos traduzi tantos textos, nunca provoquei escândalo; tu, à primeira e única obra, primeiramente desconhecido, tua temeridade tornou-te célebre. O próprio prefácio também nos ensina que tu traduziste o livro do mártir Pânfilo para a defesa de Orígenes. E isso fazes para que a Igreja não recuse aquele cuja fé é confirmada por um mártir. Como já disse antes, Eusébio, bispo de Cesareia, outrora porta-bandeira da facção ariana, escreveu em favor de Orígenes seis livros, obra de grande extensão e trabalhada com esmero; e aprovou por muitos depoimentos que Orígenes era católico para eles, o que para nós quer dizer ser ariano. Tu traduzes o primeiro desses livros sob o nome do mártir. E nós nos assombramos que queiras fazer de mim, homúnculo de pouco valor, um admirador de Orígenes, quando tu caluniaste o mártir. Tendo sido substituídas as poucas citações a respeito do Filho de Deus e do Espírito Santo, as quais sabias que desagradariam aos romanos, mantiveste intactas as outras até o fim, fazendo o mesmo que fizeste na Apologia, considerada obra de Pânfilo, coisa que fizeste também na tradução do Perì Archôn de Orígenes. Se este é o livro de Pânfilo, qual será o primeiro dos seis livros de Eusébio? Fez-se menção aos livros seguintes no mesmo volume que fazes crer que seja de Pânfilo. Igualmente no segundo e nos outros livros, Eusébio menciona o que já havia dito anteriormente no primeiro livro, e que deveria evitar as repetições. Se a obra inteira é de Pânfilo, por que não traduzes os demais livros? Se ela é de outro, por que mudas o nome do autor? Tu silencias. Os fatos falarão por si mesmos: seguramente para que tivessem fé em um mártir aqueles que estavam dispostos a abominar o chefe dos arianos. -- Que te direi daquilo que te passa na alma, ó amigo tão cândido? Porventura pudeste dar um nome de mártir ao livro de um homem herege, e transformar em defensores de Orígenes pessoas ignorantes, sob a garantia de uma testemunha de Cristo? Dada a cultura pela qual tu tens tanto poder e o ilustre escritor pelo qual tu és elogiado no Ocidente, a ponto de todos de teu partido te chamarem de corifeu, não penso que tu tenhas ignorado a composição de Eusébio e que o mártir Pânfilo não tenha sido autor de absolutamente nenhuma obra. Com efeito, o próprio Eusébio, que adorava Pânfilo, celebrava-o e era seu colega, escreveu três livros elegantíssimos contendo a vida de Pânfilo, nos quais, ao proclamar as excelências com admiráveis louvores e levar às nuvens a sua humildade, acrescentou mais isto no terceiro livro: "Quem, entre os dedicados ao estudo, não foi amigo de Pânfilo? Se aqueles que ele via carecer do necessário para viver, a eles oferecia generosamente o que podia. A Sagrada Escritura, ele a distribuía com grande diligência, não só para a leitura, mas para que fosse guardada, e não somente para homens, mas também para mulheres que ele tivesse visto aplicando-se à leitura. É por isso que ele preparava muitos códices para dar de presente àqueles que quisessem, quando a necessidade o exigisse. E ele, por sua vez, não escreveu absolutamente nada de obra própria, salvo as epístolas que ele enviava aos amigos casualmente, tanto havia se abaixado pela humildade. Mas ele lia os tratados dos antigos autores com zelo excessivo e ocupava-se continuamente em meditar neles". -- O defensor de Orígenes e panegirista de Pânfilo diz que Pânfilo não escreveu absolutamente nada, nem compôs nenhum discurso pessoal; e ele o diz estando Pânfilo já coroado pelo martírio, para que não te prives da evasiva de que Pânfilo tenha redigido esta obra, depois de publicados os livros por Eusébio. O que farás? Por aquele livro que publicaste sob nome de um mártir, foram feridas as consciências de muitas pessoas. A autoridade dos bispos, quanto ao que diz respeito à condenação de Orígenes, o qual consideram que um mártir o exaltou, não prevalece sobre eles. O que provocarão as epístolas do bispo Teófilo, o que provocarão as do papa Anastásio, que perseguem o herético no mundo todo, quando o livro, publicado sob o nome de Pânfilo, lutaria contra as epístolas deles e um testemunho de mártir se oporia ao título de bispo? O que fizeste nos livros do Perì Archôn, farás isto também neste volume falsamente intitulado. Ouve o conselho de amigo: Não te arrependas de teu artifício. Ou dirás que o texto não é teu, ou que foi alterado pelo presbítero Eusébio. Como se poderá te convencer que tenha sido por ti traduzido? Porventura se apanha tua mão nisto? Acaso tens tanta eloquência que ninguém te possa imitar? Ou, por certo, se o fato se tornar confirmado, e os testemunhos de muitos oprimirem o atrevimento de tua fronte, canta uma palinódia à moda de Estesícoro. É melhor que te arrependas de teu ato do que o mártir persistir na calúnia e os iludidos persistirem no erro. Não te envergonhes de mudar de ideia: tu não tens tanto crédito e reputação que seja que te envergonhes de enganar-te. Imita-me a mim que tanto amas, e sem quem não poderias viver nem morrer, e proclama comigo o que eu disse em minha defesa, quando por ti fui louvado. -- Eusébio, bispo de Cesareia, de quem fiz menção acima, no sexto livro da Apologia de Orígenes, acusa o bispo e mártir Metódio da mesma coisa de que tu me culpas ao fazer elogios a mim e afirma: "Como Metódio ousou escrever agora contra Orígenes, depois de ter falado tais e tais coisas das opiniões de Orígenes?" Não é este o lugar para se falar a favor do mártir; nem se deve discorrer sobre tudo em todos os lugares. Que baste presentemente ter percebido que isso, por um ariano, tenha sido lançado na face de um mártir de uma reputação e de uma eloquência sem par, o que para mim sejam teus louvores como amigo e tuas acusações como ofendido. A presente passagem te dá ocasião, se quiseres, de maquinar contra mim uma calúnia: por que me torno agora o detrator de Eusébio, que, anteriormente, em outra passagem, louvei? Outro nome, sem dúvida, de Eusébio, mas a mesma calúnia que fizeste com o nome de Orígenes. Louvei Eusébio quanto à sua História Eclesiástica, sua Cronologia, sua descrição da Terra Santa; e, traduzindo para o latim exatamente esses opúsculos, eu os pus ao alcance das pessoas que falam minha língua. E por acaso sou ariano, porque Eusébio, que compôs esses livros, é ariano? Se tiveste a audácia de declarar-me herege, lembra-te do curto prefácio do Perì Archôn, no qual tu testemunhas que eu sou partidário da tua fé. E, ao mesmo tempo, eu suplico que ouças pacientemente a reclamação de teu amigo dos velhos tempos. Tu combates contra outros. Ou és o autor ou a vítima da calúnia. Aqueles a quem acusas e aqueles que te acusam são de tua classe. Se convenientemente ou não, cabe a vós julgar. A mim me desagrada uma acusação, ainda que justificada, contra um irmão e eu não censuro os outros, mas digo aquilo que eu mesmo não faria. Eu que estava separado de ti por tão vastos territórios, qual foi minha falta em relação a ti? Em que me tornei culpado? Será porque respondi que não era origenista? Por acaso defender-me é acusar-te? E tu, se não és ou não foste origenista, creio em ti, que juras; se foste origenista, eu te aceito, arrependendo-se. Por que te afliges se eu sou aquilo que tu dizes que és? Será porque ousei traduzir depois de ti os livros do Perì Archôn de Orígenes e a minha tradução é considerada um ultraje à tua obra? O que eu podia fazer? Enviaram-me teu elogio, isto é, a acusação feita a mim. Tu me tinhas louvado com tamanha força e abundância que, se eu me tivesse comprazido em teus elogios, todos ter-me-iam considerado herege. Veja o que contém a conclusão da epístola a mim enviada de Roma: "Elimina as suspeitas dos homens, e convence o acusador, de modo que não pareças estar de acordo com ele, caso tenhas fingido indiferença". Escuta o que escrevi constrangido por tal ultimato, no momento em que eu ia traduzir os mesmos livros: "Uns amigos meus apresentaram-me isto - não disse amigo para não parecer que te acuso, - de modo que, se me silencio, sou considerado réu, se respondo, inimigo. Uma e outra situação são duras, mas das duas escolherei a que for mais fácil. Pode-se reparar uma malquerença, a blasfêmia não merece perdão". Tu consideras que este fardo foi-me imposto contra minha vontade e com resistência da minha parte e que a malquerença que haveria de resultar de uma obra desta qualidade foi remediada sob pretexto da necessidade. Se tu tivesses traduzido os livros do Perì Archôn, sem considerar meu nome, com razão te queixarias de eu os haver traduzido em seguida para te criticar. Agora, porém, sem razão tu lamentas que eu tenha dado uma resposta naquela obra, na qual tu me acusaste, sob forma de elogios. Aquilo que tu, pois, chamas de elogio, todos entendem como acusação. Tem como certo que fizeste uma acusação, e não te indignarás com o fato de eu haver respondido. Admitamos que tu tenhas escrito com boa intenção e sem querer mal e como amigo muito leal, de cuja boca nunca saiu uma mentira, tu me tenhas ferido, sem que soubesses. E quanto a mim, que fui golpeado? Por essa razão, por acaso, não devo receber cuidados, porque tu me feriste em uma boa intenção? Estirado estou, trespassado, grita em meu peito uma ferida, meus membros a princípio brancos se sujam de sangue; e tu me dirias: "Não ponhas a mão na ferida, para não parecer que eu te feri!". Entretanto, a própria tradução também acusa mais a Orígenes que a ti. Tu, porém, corrigiste o que julgaste que fora acrescentado pelos hereges; eu revelei aquilo que a Grécia inteira proclama que ele escreveu. Quem julgou mais corretamente, não cabe a mim nem a ti julgar. Os escritos de cada um de nós sentirão a varinha de censor do leitor. Toda esta carta, pela qual me faço justiça, é dirigida contra os hereges e meus acusadores. Que te importa que, ao mesmo tempo que dizes ser ortodoxo, fazes elogios a mim, se sou mais severo para os hereges e exponho ao público seus artifícios? Regozija-te com minha invectiva para que não passes por herege, caso te tenhas queixado. Quando se escreve contra os vícios sem citar nomes, aquele que se irrita acusa a si próprio. Mesmo se sofrias, seria próprio de um homem prudente dissimular teu estado de espírito e dissipar pela serenidade de tua fronte as obscuridades de teu coração. -- Aliás, o que quer que seja que é dito contra Orígenes e seus adeptos, tu julgas que é dito contra ti. Portanto, as epístolas do papa Teófilo e Epifânio e dos outros bispos, que ultimamente traduzi sob ordem dos mesmos, também te atacam, te dilaceram? Os rescritos dos imperadores igualmente, que ordenam que os origenistas sejam expulsos de Alexandria e do Egito, foram compostos sob meu aconselhamento? Terá sido meu conselho que fez com que o pontífice da cidade de Roma com ódio tremendo os deteste? Se o mundo inteiro se inflamou, depois de tua tradução, em ódio a Orígenes, o qual anteriormente em boa-fé o mundo lia e relia, isto foi obra de minha pena? Se tão grande é meu poder, admiro-me que tu não me temas! Eu sou aquele indivíduo moderado na carta pública, que cuidei escrupulosamente que tu não achasses que o que se dizia era contra ti, escrevi a ti uma breve epístola, queixando-me contra teus elogios, a qual, visto que não estavas em Roma, os meus amigos não quiseram enviar-te, porque te diziam que tu, com teus camaradas, fazias publicamente comentários indignos do título de cristão sobre minhas relações. A este volume eu ajuntei um exemplo disso para que saibas o tamanho da minha dor e por quanta moderação de nossa amizade eu acalmei. -- Além disso, ouço dizer que tu arrancas certas passagens da minha carta, ó filósofo, e que, sendo homem de testa enrugada, e de sobrancelha franzida, tu zombas de mim com chiste, ao estilo de Plauto, sob pretexto de que eu teria dito que o judeu Barrabás era meu mestre. E não é de se admirar se, em vez de Baranina, onde há alguma semelhança de palavras, tu tenhas escrito Barrabás, visto que tanta permissão tens de mudar os nomes, que de Eusébio tu fazes Pânfilo e de um herege tu fazes um mártir. Tu és pessoa com quem se deve lidar com precaução e devo esquivar-me de teus golpes, para que não aconteça de repente que, sem sabê-lo, tu chames de Sardanapalo a Jerônimo. Ouve, pois, pilar de sabedoria e modelo de severidade catoniana: eu não disse que ele era um mestre, mas eu quis assegurar meu zelo pela Sagrada Escritura, de modo a mostrar que li Orígenes do mesmo modo que tinha escutado aquele judeu. Não me foi necessário dirigir-me a ti, porém, para aprender as letras hebraicas. Ou é uma injustiça feita a ti eu ter sido discípulo de Apolinário e Dídimo, em vez de ter sido teu discípulo? Acaso não teria podido citar, naquela carta, Gregório, homem de grande eloquência, que não tem, entre os latinos, quem se iguale a ele e de quem, quanto a mim, me orgulho e me rejubilo de haver tido por mestre. Mas só mencionei aqueles que sofreram a crítica, para atestar que li Orígenes não por causa da pureza da fé, mas pelo valor de sua instrução. O próprio Orígenes, Eusébio e Clemente, e vários outros, ao tratar de algumas passagens das Escrituras, e querendo comprovar o que dizem, assim costumam escrever: "Um hebreu me relatava que...", e "Ouvi de um hebreu", e: "Tal é a opinião dos hebreus". Ao menos, Orígenes também cita o patriarca Hiúlo, que foi seu contemporâneo; e o trigésimo tomo sobre Isaías, em cujo final expõe: "Ai de ti, cidade de, Ariel, que Davi tomou de assalto" conclui pelo comentário daquele judeu; e porque diz que, primeiramente, tinha outro pensamento, ele reconhece ter sido ensinado por aquele judeu aquilo que é mais verdadeiro. Igualmente, o Salmo 89, que se intitula Oração de Moisés, homem de Deus, e os onze restantes que não têm títulos, segundo a elucidação de Hiúlo, ele os considera da autoria do próprio Moisés, e se digna, interpretando a Escritura Hebraica, intercalar, entre cada uma das passagens, a visão dos hebreus. -- Lidas recentemente as cartas do bispo Teófilo, nas quais ele expõe os erros de Orígenes, diz-se ter tapado suas orelhas e ter condenado, na companhia de todos, com voz nítida, o responsável de tão grande mal, e ter declarado até aquele momento que ele tinha ignorado que haja escrito coisas tão execráveis. Não me recuso a dizer, nem digo - o que um outro talvez diria - que ele não pôde ignorar, porque a traduziu, aquele cuja apologia escrita por um herege publicou sob o nome de um mártir, aquele por cuja defesa também proclamou em um volume pessoal; relativamente a isso, na sequência, se houver tempo de redigir, discuti-lo-ei. Falo daquilo que ele não pode contestar. Se lhe é facultativo não ter compreendido o que ele traduziu, por que não me seria permitido ter ignorado os livros do Perì Archon que eu não havia lido anteriormente e ter lido apenas as homilias que eu traduzi, nas quais não há nada de mau, como ele próprio testemunha? Porém, se, indo contra sua própria sentença, ele me denuncia agora naqueles pontos nos quais me havia elogiado anteriormente, ele vai se ver apertado de todos os lados. Na verdade, ou, se por esta razão louvou em mim primeiramente um homem herético, é que ele tinha a mesma opinião que eu, ou, em vão, agora o inimigo acusa aquele de quem antes proclamou a ortodoxia. Mas, talvez, então, em nome da amizade, ele ocultou meus erros e, agora, irado, expõe o que, primeiramente, havia dissimulado. -- Ainda que a inconstância não mereça crédito, e que as inimizades declaradas sejam suspeitas de mentira, passarei, entretanto, audaciosamente às vias de fato, querendo saber o que escrevi de herético. A tal ponto que, ou com ele peça perdão e jure que eu ignorava as más teorias de Orígenes e que agora acabo de tomar conhecimento de suas impiedades por nosso bispo Teófilo, ou, em todo caso, demonstrarei que tinha bom senso, pelo menos, mas que ele, de acordo com seu hábito, não compreende. E não pode acontecer que, nos mesmos livros sobre a Epístola aos Efésios que, como me dizem, ele incrimina, o que eu disse tenha sido ao mesmo tempo bom e mau e que, da mesma fonte, proceda o doce e o amargo, de modo que eu, em toda a obra, tenha condenado aqueles que creem que as almas são formadas a partir dos anjos, de repente esquecido de mim mesmo, defendesse aquilo que antes condenei. Ele não pode acusar-me de estupidez, a mim que ele cultua em seus opúsculos como extremamente habilidoso e eloquente. Aliás, deve-se atribuir a estúpida verbosidade preferencialmente a um rábula e a um tagarela do que a um homem eloquente. Segunda parte: A arte do comentador Ignoro o que ele acusa ao certo nos livros em questão. A fama de seus agravos chegou até mim, mas seus escritos não chegaram. E é estupidez, segundo o que diz o Apóstolo, "dar socos no ar". Entretanto, responderei generalizadamente, até que chegue a dados precisos, e, velho, instruirei meu rival sobre aquilo que aprendi quando criança, que muitos são os gêneros literários e que, segundo a natureza do assunto, variam não somente as sentenças, mas também a forma das construções. -- Crisipo e Antípatro passam seu tempo em meio a espinhosas sutilezas. Demóstenes e Ésquines desencadeiam ataques fulminantes um contra o outro. Lísias e Isócrates têm um doce fluir. Admirável diversidade, se considerados separadamente, mas todos são perfeitos, cada um em sua ordem. Lê os livros de Cícero a Herênio, lê suas obras retóricas, ou, porque ele diz que estes trabalhos lhe caíram das mãos no estágio de esboço grosseiro, percorre os três volumes do De oratore, nos quais ele introduz uma discussão entre os oradores mais eloquentes daquele tempo, Crasso e Antônio; e seu quarto tratado, o Orator, que, já em sua velhice, escreve para Brutus. Então entenderás que há um modo de compor a história, um outro para os discursos, um outro para os diálogos, um outro para as cartas, um outro para os comentários. Quanto a mim, em meus comentários sobre a Epístola aos Efésios, segui Orígenes, Dídimo e Apolinário, que certamente têm entre si teses contraditórias, sem abandonar a pureza da minha fé. Qual é o papel dos comentários? Eles desenvolvem o que foi dito por um outro. Os textos que comportam obscuridades, eles os explicitam em uma linguagem clara. Eles reproduzem pontos de vista múltiplos e dizem: alguns desenvolveram esta passagem assim, outros assim a interpretam, alguns se esforçam por apoiar seu sentimento e seu modo de ver sobre tais citações e tal argumentação, de modo que o leitor avisado, depois de ter lido as diversas explicações e ter aprendido quais são as múltiplas opiniões suscetíveis de ser aprovadas ou rejeitadas, poderá julgar o que é mais exato e, como bom cambista, recusar o dinheiro de cunho falsificado. Vai-se por acaso manter sob acusação de interpretação flutuante e apreciações contraditórias aquele que terá exposto, nas extensões de uma só obra, as explicações de vários comentadores? Penso que tu leste em tua infância os comentários de Aspro sobre Virgílio e Salústio, de Vulcácio sobre os discursos de Cícero, de Victorino sobre seus diálogos, sobre as comédias de Terêncio os de Donato, meu professor, assim como sobre Virgílio e outros sobre outros autores, a saber Plauto, Lucrécio, Horácio, Pérsio e Lucano. Denuncia seus comentadores por não ter adotado uma linha de interpretação única e por recapitular, sobre o mesmo assunto, seu próprio ponto de vista e os de outros autores. -- Eu deixo de lado os gregos que tu te gabas de conhecer - e a frequentação das obras estrangeiras quase te fez esquecer tua própria língua! - para não parecer, segundo o velho provérbio, que um porco instrua Minerva, e levar madeira à floresta. O que me espanta é que tu, o Aristarco de nosso tempo, tenhas ignorado estes infantilismos, ainda que tu tenhas podido desprezar os preceitos dos gramáticos e dos oradores, absorvido como estás pelas questões de fundo e inclinado a arquitetar contra mim a calúnia, cuidando pouco de resolver os hipérbatos depois das circunlocuções, de evitar a aspereza das cacofonias, de fugir aos hiatos. É ridículo mostrar algumas feridas de um corpo todo quebrado e fraco. Eu não ressalto tal ponto para criticar; que ele próprio escolha o defeito de que carece. Pelo menos ele não deveria conhecer este adágio socrático: "Sei que nada sei"? "Tem medo de conduzir um navio aquele que não entende de navios. Só ousa administrar o abrótano ao doente aquele que aprendeu a fazê-lo. Os médicos se comprometem com aquilo que lhes é próprio. Os operários se ocupam de sua obra. Mas ignorantes e sábios, indistintamente, nós escrevemos poemas!" A menos que, por acaso, ele jure que não aprendeu as letras! Nós acreditaremos nele muito facilmente, ainda que não jure, ou se refugie na declaração do Apóstolo: "Apesar de ser inábil em matéria de discurso, mas não o sou em ciência". Paulo, instruído nas letras hebraicas e aos pés de Gamaliel, que ele não se envergonha de chamar seu mestre, já revestido da dignidade apostólica, desprezava sua facilidade de falar o grego, ou, em sua humildade, dissimulava o que sabia, para que sua pregação não repousasse na persuasão da palavra, mas sobre a força dos signos, desdenhando os recursos alheios, pois era rico de recursos próprios. Aliás, a um incompetente como tu, precipitando-se a cada frase, nunca Festo diria do alto de seu tribunal: "Tu deliras, Paulo, tu deliras! Tua vasta cultura te torna louco". Tu que, nas letras latinas, murmuras e te moves a passo de tartaruga mais do que avanças, ou deves escrever em grego para que pareças saber as letras estrangeiras, junto aos homens que desconhecem a língua grega, ou então, se queres exercitar-te nas letras latinas, ouvir primeiramente o professor de gramática, subtrair a mão à palmatória, e em meio aos garotos, discípulo senil de Atená, aprender a arte de falar. Ainda que se represente Creso ou Dario, as letras não seguem a bolsa. As letras são companheiras do suor e sócias do esforço, dos jejuns, não da saciedade; da continência, não da luxúria. Demóstenes diz que gastou mais óleo que vinho, e que superou todos os artesãos em vigílias noturnas. O que ele fez para articular uma só letra - ele aprendeu o rho de um cão, - tu te queixas disto a mim, que, sendo homem, aprendi de um homem as letras hebraicas. Daí vem que alguns permanecem em um grosseiro bom senso enquanto não quiserem aprender o que ignoram e não ouvem a Horácio com sua admoestação: "Por que, por falsa vergonha, eu prefiro ignorar a aprender?" A sabedoria que nós lemos sob o nome de Salomão diz também: "Em uma alma malévola, a sabedoria não entrará nem habitará em um corpo submetido aos pecados; porque o espírito santo da instrução fugirá à fraude e se distanciará dos pensamentos tolos". É bem outra coisa se, contentando-se de ser lido pelo vulgo, desdenham os ouvidos das pessoas instruídas e desprezam aquela ordem pela qual se estigmatiza a incompetência atrevida: Não és tu, nas encruzilhadas, ignorante, que tinhas o hábito de arruinar um mísero poema com uma charamela estridente? Como se não fosse uma tropa de cabeças encaracoladas que repetem cantando, nas escolas, as fábulas milésias; e o Testamento do Porco, que sacode os membros dos Bessos com um riso incontido, e nos banquetes dos histriões abundam frivolidades desta espécie. Cada dia, nas praças públicas, um falso adivinho bate nas nádegas dos imbecis e, virando rapidamente seu bastão, sacode os dentes daqueles que mordem nele. E nos admiramos que os livros dos incompetentes encontrem leitor? -- Ele fica indignado que eu tenha escrito que os origenistas se ligam pelo culto que eles rendem a mentiras. Eu citei o livro em que eu li isto escrito, isto é, o sexto livro dos Stromates de Orígenes, no qual, combinando nosso dogma com o pensamento de Platão, assim se exprime: Platão, no terceiro livro da República: É preciso ter também um grande apego à verdade. Se, com efeito, como dizíamos há pouco com muita propriedade, a mentira não é conveniente para Deus e lhe é inútil, e aos homens é útil, para que dela façam uso como tempero e remédio, não há dúvida para ninguém de que se deva dar aos médicos e retirar a pessoas imprudentes uma autorização deste gênero. Tua posição é justa. Se, pois, há aqueles a quem concedemos esta faculdade, é, sobretudo, aos governadores das cidades, convém mentir algumas vezes, seja para lutar contra o inimigo, seja no interesse de sua pátria e de seus concidadãos. Mas dos outros, que não sabem servir-se da mentira, é preciso descartar toda mentira. Orígenes: E nós, por conseguinte, lembrando-nos deste preceito: "Dizei a verdade cada um a seu próximo", não devemos dizer: "Quem é meu próximo?", mas considerar com que prudência o filósofo disse a mentira não era conveniente a Deus e lhe era inútil, sendo algumas vezes "útil aos homens", e que não se deve crer que Deus minta às vezes, nem mesmo para realizar seus desígnios. Se, entretanto, o interesse de quem ouve o exige, Deus fala por palavras ambíguas e revela o que quer através de enigmas, para que seja salvaguardada junto de si a dignidade da verdade e que tenha avançado sob a cobertura de certo véu o que poderia ser nefasto, se isto fosse divulgado publicamente com total nudez. O homem, porém, a quem se aplica a necessidade de mentir deve estar atento para servir-se na ocasião da mentira por modo de condimento e remédio e guardar-lhe a medida. Que ele não ultrapasse os limites dos quais fez uso Judite contra Holofernes e o venceu pelo sábio disfarce das palavras. Que ele imite Ester, que reformou o parecer de Artaxerxes guardando silêncio por muito tempo sobre a verdade de sua nação; e sobretudo o patriarca Jacó, de quem nós lemos que ele obteve as bênçãos de seu pai por uma habilidosa mentira. Disto torna-se evidente que, a menos que tenhamos mentido para conseguir algum grande bem para nós, nós deveríamos ser julgados como inimigos daquele que disse: "Eu sou a verdade". Eis o que Orígenes escreveu, não podemos negá-lo, e ele o escreveu nos livros que ele enviava a cristãos amadurecidos e a discípulos; ele ensina aos mestres que se deve mentir, mas que os discípulos não devem mentir. Quem, pois, sabe mentir bem e inventa sem nenhuma vergonha tudo o que lhe vem à boca contra seus irmãos, demonstra ser um excelente mestre. -- Dizem que ele me dilacera igualmente neste ponto: em minha tradução do segundo salmo, onde lemos em latim: Apprehendite disciplinam e onde está escrito nescu bar no rolo hebraico, eu diria: "Adorai o filho" nos comentários. Mas, refazendo todo o saltério em uma versão com tonalidade romana, eu teria posto, como se tivesse esquecido a antiga interpretação: "Adorai de modo irrepreensível". Haveria aí, em todo caso, uma contradição evidente para todo mundo. A bem da verdade, é necessário perdoar-lhe se ele ignora a verdade da língua hebraica, quando hesita às vezes, mesmo nas palavras latinas. Nescu, traduzindo palavra por palavra, quer dizer kataphilesate, isto é, "beijai"; não querendo traduzir com afetação, eu segui o sentido preferencialmente de modo a traduzir por: "adorai". É que, efetivamente, aqueles que adoram costumam beijar a mão e curvar a cabeça, coisa que o bem-aventurado Jó diz ter-se recusado a fazer em relação a elementos e ídolos, dizendo: "Se, vendo o sol em seu esplendor e a lua em sua marcha brilhante, seduziram-me o coração secretamente e com minha boca beijei minha mão, o que é uma falta suprema e uma renegação contra o altíssimo Deus", e como os hebreus, conforme a propriedade da língua, substituem "veneração" por "beijo", adotei o sentido que eles mesmos atribuem a esta palavra que lhes pertence. Quanto a bar, esta palavra tem diversas significações entre eles. Quer dizer ao mesmo tempo "filho", como, por exemplo: "Bariona", filho de pomba; "Bartolomeu", filho de "Tolomeu", e "Bartimeu", "Bariesu", "Barabbas"... E também "trigo" e "feixinho de espigas", "excelente" e "irrepreensível". Onde está minha falta, se eu dei traduções divergentes de uma palavra ambígua e que depois de haver dito nos comentários onde se tem a liberdade de explicar-se: "Adorai o filho", eu tenha dito no corpo do texto para não parecer propor uma tradução forçada e dar lugar à calúnia judaica: "Adorai de maneira irrepreensível" ou "excelente", tradução que é também a de Áquila e Símaco. Em que isto prejudica a fé da Igreja, se se instrui o leitor dos diversos modos pelos quais um só versículo é explicado entre os hebreus? -- A teu Orígenes é permitido tratar de metempsicose, de pôr em cena mundos inumeráveis, revestir as criaturas racionais de corpos sempre diferentes, dizer que Cristo amiúde sofreu e haverá de sofrer com maior frequência ainda, para que seja permanente o benefício que nos valeu uma vez a condição que ele assumiu. Tu assumes para ti uma autoridade tal que tu fazes, por mentiras, de um herege um mártir e dos livros de Orígenes alterações atribuídas aos hereges. Mas a mim, não me será permitido discutir sobre palavras e ensinar aos latinos, em obra de comentários, o que eu aprendi dos hebreus? Se isto não fosse estender-se demais e não cheirasse a vanglória, já te mostraria agora a utilidade que há em gastar o limiar de seus mestres e em aprender a gramática daqueles que são especialistas; e tu verias quão grande é o emaranhado entre os hebreus de nomes e palavras ambíguas! É o que forneceu matéria à diversidade das traduções, enquanto cada um, entre sentidos incertos, traduz aquilo que lhe parece mais coerente. Mas por que te remeto às obras estrangeiras? Percorre Aristóteles e as discussões de Alexandre sobre os volumes de Aristóteles: a leitura deles te fará conhecer qual seja tamanha quantidade de passagens ambíguas, a ponto de cessares de criticar teu amigo sobre aquilo que tu nem sequer uma vez aprendeste por sonho. -- Mas porque meu irmão Pauliniano falou-me de certas críticas feitas por aquele outro acerca dos meus comentários sobre a Epístola aos Efésios, ele confiou algumas delas à sua memória e confiou poucas delas à memória daqueles, indicou-me as passagens precisas, eu não devo esquivar-me; e peço ao leitor que perdoe a necessidade que me toca, se eu me estendo um pouquinho mais longamente para expor estes agravos e deles lavar-me. Na verdade, não acuso outra pessoa destes agravos, mas me esforço por me defender deles e refutar a imputação caluniosa de heresia. Sobre a Epístola de Paulo aos Efésios, Orígenes escreveu três volumes. Dídimo também e Apolinário compuseram pessoalmente obras. Para mim, eu os traduzi ou imitei e acrescentarei o que escrevi no prólogo da mesma obra: "Eu dou também este aviso em meu prefácio: que saibais que Orígenes redigiu três volumes sobre esta epístola e que nós também o seguimos em parte. Há ainda certos breves comentários publicados por Apolinário e por Dídimo: e fizemos empréstimos, ainda que poucos. E fizemos alguns acréscimos ou alguns cortes, como nos pareceu bom. Assim o leitor aplicado reconhecerá imediatamente desde o início que esses comentários são tanto a obra de outrem como a nossa". Portanto, o que quer que seja de vicioso que se terá podido demonstrar na explanação desta epístola, se eu não posso fornecer as referências às obras gregas que indiquei como fontes da minha tradução, eu me reconhecerei culpado, e será meu o que não for de outro. Entretanto, para não parecer ainda sofisticar e pelo viés de um pretexto não ousar chegar às vias de fato, citarei os próprios textos que a acusação invoca. -- Desde o primeiro volume, nossa interpretação do texto de Paulo, em que declara: "Como ele nos elegeu nele antes da formação do mundo, para que sejamos santos e imaculados em sua presença...", não ia dizer em Orígenes que se tratava da eleição daqueles que teriam uma existência anterior, mas a relacionaríamos à presciência de Deus. Com efeito, nós dissemos: "A afirmação de Paulo, declarando que nós fomos eleitos para sermos santos e imaculados em sua presença, isto é, em presença de Deus, antes da criação do mundo, concerne à presciência de Deus, para quem tudo o que há de ser feito já foi feito, e conhece todas as coisas antes que elas aconteçam. Da mesma forma que o próprio Paulo é predestinado nas entranhas de sua mãe, e Jeremias encontra-se santificado no seio de sua mãe, eleito, fortificado, enviado, figura do Cristo, como profeta às nações." Esta exposição não contém seguramente nada de repreensível e, porque Orígenes dizia o contrário, nós adotamos o sentimento da Igreja. Mas como é papel de um comentador expor múltiplos pontos de vista e que tinha prometido fazê-lo em meu prefácio, eu expus também a explicação de Orígenes, sem nenhuma malquerença a seu nome: "Um outro, disse eu, que tenta mostrar que Deus é justo, pelo fato de que ele elege cada um, não por um julgamento prévio de seu conhecimento, mas pelo mérito dos eleitos, diz que, antes das criaturas visíveis, o céu, a terra, os mares e tudo o que eles contêm, existiram outras criaturas, invisíveis, entre outras, almas que, por certas razões somente por Deus conhecidas, foram precipitadas aqui embaixo, neste vale de lágrimas, no lugar de nossa aflição e peregrinação. Um santo que se achava aí fixado pedia nestes termos que voltasse à sua morada primitiva: Ai de mim, meu exílio prolongou-se. Eu morei com aqueles que moram em Cedar. Minha alma teve longa estada em terra estrangeira". E em outro lugar: "Infeliz homem que eu sou! Quem me libertará do corpo desta morte?" E: "Vale mais voltar e estar com Cristo"; e em outra parte: "Antes de ser humilhado, eu pequei". E outras passagens semelhantes a estas que seria demorado citar. Observa o que eu disse: "Um outro, todavia, que tenta mostrar que Deus é justo..." Eu digo que ele "tenta mostrar" e não "mostra". Se, entretanto, isso te escandaliza, que eu tenha resumido em algumas palavras uma extensíssima discussão de Orígenes e que eu tenha demonstrado seu sentimento ao leitor, e se tu vês em mim um adepto secreto deste autor, por não ter omitido nada do que ele disse, tem cuidado, para que não seja para refutar vossa calúnia que eu o fiz, para que vós não vades dizer que eu guardei silêncio sobre o que há de forte naquilo que ele disse e que argumenta com mais vigor em grego. Eu fiz uma exposição completa, ainda que mais breve, do que eu encontrei em grego, para que discípulos dele nada tenham de novo para lançar aos ouvidos dos latinos. Mais facilmente desprezamos, pois, ataques conhecidos do que os inusitados. Escuta bem minha conclusão sobre este capítulo, depois da exposição da interpretação deste: "Paulo não diz, pois: 'Ele nos elegeu antes da formação do mundo, quando então éramos santos e imaculados', mas 'Ele nos elegeu para que sejamos santos e imaculados'. Isto é, nós que anteriormente não éramos santos e imaculados, para que o sejamos em seguida; o que se pode dizer também dos pecadores convertidos a uma vida melhor. Então aquela sentença subsistirá: 'Nenhum vivente será justificado a teus olhos', a saber: ao longo de toda a sua vida, passado todo tempo neste mundo. Assim compreendido, em todo caso, esta passagem vai de encontro àquele que diz que, antes da existência do mundo, houve almas eleitas por sua santidade e ausência de toda corrupção devida aos pecados. Com efeito, dissemos anteriormente, Paulo e os que lhe são semelhantes não são eleitos e predestinados porque eram santos e imaculados, mas são eleitos e predestinados para que suas obras e virtudes os tornem santos e imaculados na vida que se seguirá". E alguém ousa acusar-nos de heresia de Orígenes, após tal opinião? Há quase dezoito anos que eu ditei esses livros, naquele tempo em que o nome de Orígenes florescia no mundo, em que o Perì Archôn, sua obra, os ouvidos latinos ignoravam. Entretanto, eu declarei explicitamente minha fé e indiquei o que me desagradava. Por conseguinte, mesmo se meu inimigo tinha podido designar em todo o resto de minha obra algo de herético, eu estaria convencido, não tanto por ter sustentado teses viciosas, que tantas vezes condenei, aqui como em outros livros, mas por ter deixado escapar um erro. -- A segunda passagem, da qual meu irmão me deu a conhecer as críticas do adversário, exporei brevemente, porque se trata de uma verdadeira futilidade e ele mostra francamente a calúnia relacionada à passagem. É naquele testemunho em que Paulo fala: "Fazendo-o assentar-se à sua direita nos céus, acima de todo principado, potestade, virtude e dominação e acima de todo nome que é pronunciado, não só neste século, mas também no que há de vir". Depois de explicações variadas, quando cheguei aos papéis dos ministros de Deus, tinha falado dos principados e potestades, das virtudes e dominações, acrescentei mais isto: "É necessário que tenham subordinados e também seres que os temam e que os sirvam e aqueles que sejam fortificados por sua força. Essa distribuição dos papéis existirá tanto atualmente quanto no século vindouro. Assim, pelos progressos e honras, ascensões e descensos, ou então alguém se elevaria ou se decresceria, e se faria submeter a tal e tal potestade, virtude, principado e dominação". E depois de ter evocado o exemplo de um rei da terra e toda a organização de uma corte, por meio da qual eu dei a conhecer os diversos papéis dos servidores de Deus, acrescentei: "E nós pensamos que Deus, senhor dos senhores e rei dos reis, se contenta apenas com um tipo de servidores?" Da mesma forma que "arcanjo" não significa outra coisa senão "aquele que tem a primazia sobre os anjos", assim o título de "principado", "potestade" e "dominação" não recebem esse nome senão na condição de ter outros graus que lhe sejam subordinados ou inferiores. Porém, se, por esta razão, ele acredita que eu me guio por Orígenes, por ter colocado em minha exposição progressos, honras, ascensões e descensos, crescimentos e enfraquecimentos, que ele saiba que há uma grande diferença entre a afirmação de que demônios e homens provêm dos anjos, serafins e querubins - o que afirma Orígenes, - e a afirmação que, entre os próprios anjos, foram distribuídas funções de diversos tipos, o que a Igreja não deixa de admitir. Do mesmo modo que, entre os homens, a classificação das dignidades é relativa à diversidade das tarefas e que o bispo, o presbítero e todo grau da hierarquia da Igreja ocupam seus postos respectivos, tratando-se, porém, de homens, da mesma forma, entre os anjos, as tarefas são diversas e, entretanto, todos conservam sua dignidade de anjos, nem podem os homens restabelecer novamente a condição de anjos. -- Há uma terceira passagem, objeto de críticas, quando o apóstolo diz: "Para manifestar nos séculos vindouros as riquezas transbordantes de sua graça, na bondade, para conosco no Cristo Jesus". Nós propusemos um tríplice comentário: a princípio nosso ponto de vista; em segundo lugar, a objeção levantada por Orígenes; em terceiro lugar, a explicação fornecida singelamente por Apolinário. Se não indiquei os nomes destes, perdoa a minha discrição: eu não devia censurar aqueles que eu imitava por um lado e dos quais eu traduzia para o latim as ideias. "Mas, disse eu, aquele que é um leitor circunspecto imediatamente se informará e dirá"; e novamente, no fim: "Um outro todavia relatará o que Paulo diz: 'Para manifestar nos séculos vindouros as riquezas transbordantes da sua graça', ele traduzirá para aquele entendimento". Eis, tu dirás, sob a máscara de um leitor circunspecto, tu desenvolveste as ideias de Orígenes! Confesso meu erro: não deveria ter dito "circunspecto", mas "blasfemador". Se eu o tivesse feito e soubesse por algum presságio que tu estarias à cata de semelhantes frivolidades, eu teria evitado também tuas palavras caluniosas. Grande motivo de acusação ter dito que Orígenes era um leitor "circunspecto", de quem eu traduzi 70 livros, que eu, por meus elogios, elevei às nuvens e em favor de quem fui forçado, há dois anos, a responder em um breve libelo aos elogios que tu dirigias contra mim! Tu me acusas de haver dito que Orígenes era o "mestre das Igrejas" e imaginas que eu deva ter grande medo se, como meu inimigo, tu me acusas de ter falado de um "leitor circunspecto"? Nós temos o hábito de qualificar de "circunspectos" também os homens de negócio mais econômicos, os escravos honestos, os preceptores enfadonhos, os ladrões mais astuciosos. E, no Evangelho, diz-se que o caseiro desonesto fez com cuidado alguns de seus atos: "Os filhos deste mundo são mais avisados entre seus contemporâneos que os filhos da luz"; e: "A serpente era o mais inteligente de todos os animais que Deus criou sobre a terra". -- A quarta passagem criticada ocupa o começo do segundo livro, onde expusemos este texto de Paulo: "'É porque eu, Paulo, prisioneiro de Jesus Cristo para vós, pagãos...' E como a passagem em questão está muito clara por si mesma, eu apenas citarei aquela parte do comentário que patenteia a calúnia: 'Que Paulo seja prisioneiro de Jesus Cristo para os pagãos, isto se pode compreender também de seu martírio, porque é de Roma, onde tinha sido posto em grilhões, que ele enviou esta epístola, no tempo em que - nós o mostramos em outra passagem - foram escritas as epístolas a Filemon, aos Colossenses e aos Filipenses. Ou em todo caso, porque se leu em várias passagens que este corpo chama-se 'liame da alma', pelo qual a alma é mantida como que encerrada em uma prisão, nós dizemos por esta razão que, se Paulo está encerrado pelos liames do corpo, que ele não retorna para estar com Cristo, é para que a pregação dirigida aos pagãos encontre por meio dele sua plena realização. Ainda que alguns introduzam um outro sentido nesta passagem: Paulo, 'predestinado e santificado desde o seio de sua mãe para a pregação aos pagãos' antes de seu nascimento, ele teria recebido em seguida os liames da carne". E eu propus para esta passagem, como acima, um triplo comentário, apresentando em primeiro lugar meu ponto de vista, em segundo lugar as afirmações de Orígenes, em terceiro lugar o pensamento de Apolinário que vai de encontro à teoria daquele. Lê os comentários gregos e, se não achares que a coisa assim se apresenta, confessar-me-ei culpado. Que pecado eu cometi nesta passagem? Aquele sem dúvida para o qual eu respondi acima: por que não ter nomeado aqueles por quem estas coisas foram ditas? Era supérfluo citar, cada vez que ocorressem textos do Apóstolo, os nomes daqueles cujas obras eu havia assinalado em meu prefácio que eu haveria de traduzir. E, entretanto, dizer-se que a alma está atrelada ao corpo, até que retorne ao Cristo e transforme pela incorruptibilidade e imortalidade este corpo corruptível e mortal na glória da ressurreição, não é de absurdo entendimento. Donde também o apóstolo diz: "Coitado do homem que sou, quem me livrará deste corpo mortal?" A expressão corpo mortal ressalta a submissão do corpo aos vícios, às doenças, às paixões e, enfim, à morte, até que ressuscite com o Cristo na glória e que o fogo ardente do Espírito Santo cozinhe o que antes era barro frágil, para se ter um vaso de uma grande resistência. É sobre a glória, não sobre a natureza, que se deve passar esta mudança. -- A quinta passagem, na qual expusemos este texto do Apóstolo, é incontestável. "É por ele que todo o corpo - coordenado e unido por conexões que estão ao seu dispor, trabalhando cada um conforme a atividade que lhe é própria - efetua esse crescimento, visando sua plena edificação na caridade". Nós resumimos com breve discurso o abundantíssimo comentário de Orígenes que desenvolve as mesmas interpretações sob diversas formas, sem nada suprimir dos exemplos e das afirmações do autor; chegando ao fim, nós acrescentamos isto: "Portanto, quando da restauração universal, quando o verdadeiro médico, Cristo Jesus, tiver vindo para curar o corpo de toda a Igreja, atualmente disperso e dilacerado, cada um receberá seu lugar segundo a medida de sua fé e o reconhecimento do filho de Deus - se se diz que ele o reconhece, é porque conheceu e cessou em seguida de conhecer - e começará a ser o que havia sido. Entretanto, não que, segundo uma outra heresia, todos sejam estabelecidos em uma só idade, isto é, no sentido de que todos recuperem a condição angélica; mas então será realizada a perfeição de cada membro, em função de seu tamanho e de seu papel. Assim, por exemplo, o anjo apóstata começará a ser tal qual foi criado e o homem que tinha sido expulso do paraíso será restabelecido lá para cultivá-lo" etc. -- Admira-me que tu, homem de grande perspicácia, não tenhas entendido minha técnica de explicação. Quando, porém, digo: "Não é, porém, deste modo que, segundo uma outra heresia, todos recuperariam a condição angélica", eu mostro que as teorias que discuto são heréticas, e que estão em desacordo com uma outra heresia. Quais são, portanto, estas duas heresias? Uma é aquela que diz que todas as criaturas racionais recuperam a condição angélica; a outra, aquela que afirma que cada coisa será, no momento da restauração universal, tal qual foi criada. Por exemplo: porque os demônios provêm dos anjos, os demônios se tornam anjos novamente; e as almas dos homens, dependendo do estado no qual foram criadas, recuperam não a natureza angelical, mas a natureza na qual foram criadas por Deus, de modo que tanto os justos quanto os pecadores se tornam nivelados. Enfim, para que saibas que eu não desenvolvi o meu pensamento, mas comparei heresias entre si, que eu havia lido uma e outra no texto grego, eu terminei minha discussão com esta conclusão: Se estas teorias, como dissemos acima, são-nos um tanto mais obscuras, é porque são expressas metaforicamente em grego. Ora, toda metáfora, se a transpomos palavra por palavra de uma língua a outra, os sentidos e os germes do discurso são sufocados como se estivessem sob certos tojos. Se não descobres estas mesmas teorias no texto grego, o que quer que seja dito, atribui-o a mim. -- Dizem que ele me faz uma sexta crítica e é também a última - se, todavia, meu irmão nada esqueceu nesse meio-tempo - porque interpretando aquela passagem do Apóstolo na qual diz: "Aquele que ama sua esposa ama a si mesmo. Ninguém, com efeito, nunca teve ódio à própria carne; mas a mantém e a acaricia como o Cristo o faz à Igreja", porque, depois de uma explicação literal, eu teria colocado o problema levantado por Orígenes, de cuja pessoa eu tomaria as afirmações sem o nomear: Podem nos fazer objeção de que não é verdadeira a ideia expressa pelo Apóstolo: "Ninguém nunca odiou sua própria carne, uma vez que aqueles que sofrem de icterícia, tísica, câncer e catarreira preferem a morte a viver e têm ódio dos próprios corpos?" Mas logo eu acrescentei o que eu próprio sentia: "Assim, pois, esta linguagem deveria ser preferencialmente apresentada à compreensão figurada". Quando eu digo "figurada", eu ensino que aquilo que é dito não é real, mas representado sob a obscuridade da alegoria. Citemos, porém, as próprias palavras que figuram no terceiro livro de Orígenes: "Digamos que esta carne destinada a ver a salvação de Deus, a alma deve amá-la, mantê-la e protegê-la, instruindo-a pelos princípios, fartando-a com o pão celeste e banhando-a no sangue de Cristo, para que, reconfortada e resplandecente, ela possa seguir seu esposo com livre curso, e não ser acabrunhada por nenhuma fraqueza ou peso. Ainda mais, na semelhança do Cristo que nutre e afaga a Igreja e diz a Jerusalém: 'Quantas vezes eu quis congregar teus filhos, como a galinha reúne seus pintainhos sob suas asas, e não quiseste!', as almas também afagam os seus corpos, para que 'este ser corruptível revista a incorruptibilidade' e, sustentado pela leveza das asas, ele seja elevado com mais facilidade nos ares. Maridos, afaguemos, pois, nossas mulheres, como também as almas afagam nossos corpos, para que as mulheres sejam assimiladas a seus maridos e os corpos, às almas, e que não haja de modo algum nenhuma diferença de sexos; mas, como entre os anjos, não há homem ou mulher, assim nós também que haveremos de ser semelhantes aos anjos, comecemos desde já a ser aquilo que nos foi prometido para nossa vida celestial". -- Nós expressamos acima nestes termos a explicação literal que nos parecia estar neste texto: "No que diz respeito à compreensão literal, tendo sido recomendado o santo amor entre marido e mulher, agora é-nos ordenado que mantenhamos e afaguemos nossas esposas, seguramente para que lhes forneçamos os víveres, as vestes e o que é necessário". Tal é o nosso ponto de vista. Portanto, tudo que se segue, dizendo: "Podem nos objetar...", nós mostramos que deve ser entendido não a partir da nossa responsabilidade, mas a partir de nossos contraditores. Ainda que haja uma resposta breve e perfeita, e que, assim como o dissemos acima, a resposta tenha sido, além disso, deformada pelas sombras da alegoria, a partir daquilo que é para o sentido daquilo que não era, eu vou abordar o problema mais de perto e interrogar, nesta discussão, o que te desagrada. É seguramente porque eu disse que as almas afagavam seus corpos como os maridos afagavam suas mulheres, "para que este ser corruptível revista a incorruptibilidade e que, sustentado pela leveza das asas, ele seja elevado com mais facilidade nos ares". Quando digo: "Que este ser corruptível revista a incorruptibilidade", não modifico a natureza dos corpos, mas aumento sua glória. Assim também o que se segue: "sustentado pela leveza das asas, ele seja elevado com mais facilidade nos ares", aquele que recebe asas, isto é, a imortalidade, para voar com mais leveza para o céu, não perde sua natureza anterior. Mas tu dizes que o que se segue me perturba: "Afaguemos, pois, tanto os maridos às suas esposas quanto as almas aos corpos, para que as mulheres sejam assimiladas a seus maridos e os corpos às almas, e para que também não haja mais nenhuma diferença de sexos; mas, como entre os anjos não há homem e mulher, assim entre nós, que haveremos de ser semelhantes aos anjos, comecemos desde já a ser o que nos foi prometido para nossa vida celestial". Com toda razão perturbar-se-iam se eu não tivesse acrescentado ao que precede: "Comecemos agora a ser o que nos foi prometido para a vida celestial". Quando digo: "Comecemos a ser aqui na terra, eu não suprimo a natureza dos sexos, mas suprimo a sensualidade e a união carnal de marido e mulher, enquanto o Apóstolo diz: "O tempo é breve. Resta que aqueles que têm mulher devem se comportar como se não tivessem". E o senhor, a quem se perguntava, no Evangelho, de qual dos sete irmãos a mulher devia ser esposa na ressurreição, respondeu: "Vocês estão errados, desconhecendo as Escrituras e o poder de Deus. Na Ressurreição, com efeito, não se tomará marido nem mulher, mas serão como anjos de Deus no céu". E, na verdade, quando a castidade existe entre um homem e uma mulher, eles não começam a ser nem homem nem mulher, mas - ainda que retidos até o momento presente no corpo - eles se transformam em anjos, nos quais não há homem nem mulher. É o que diz igualmente o Apóstolo em mais uma outra passagem: "Todos vós que fostes batizados no Cristo, vós revestistes o Cristo. Não há judeu nem grego. Não há escravo nem homem livre. Não há homem nem mulher. Com efeito, sois todos vós um em Cristo Jesus". Peroração; resposta a dois agravos: os excessos do polemista e o perjúrio do letrado -- Mas, visto que nosso discurso atravessou tranquilamente lugares pedregosos e ásperos, e que nós desprezamos o agravo de heresia impingido com toda audácia da fronte, passemos às outras partes de sua acusação pelas quais ele tenta nos morder. Dentre essas partes, a primeira é que eu, homem maledicente, detrator de todos, finco o dente em meus predecessores. Que ele cite um predecessor cujo nome eu terei repreendido em meus opúsculos, ou o qual terei esmagado por um elogio hipócrita junto à sua arte! Mas se eu falo contra invejosos e a ponta de meu estilo fere fatalmente a um Lúscio de Lanúvio ou a um Asínio Polião, da família dos Cornélios, se eu afasto de mim um indivíduo de espírito ouriçado e invejoso e dirijo todos os meus dardos para uma única estaca, por que ele redistribui os golpes que recebeu contra muitos, ele que, pela impaciência a responder, mostra que é aquele que é visado? Ele me censura também de perjúrio combinado com um sacrilégio, porque no livro em que eu falo da formação de uma virgem de Cristo, eu teria prometido, diante do tribunal do juiz, durante meu sono, que nunca daria atenção à literatura profana e não teria, todavia, lembrado algumas vezes da cultura que eu tinha reprovado. Sem dúvida, este é o Calpúrnio de Salústio que nos tinha posto, por meio do orador Magno, um problema não muito difícil e ao qual nós demos explicações em um curto tratado. Agora - porque está iminente - deve-se responder por um sacrilégio e um perjúrio devidos a um sonho. Eu disse que não leria literatura profana: há compromisso para o futuro e não aniquilamento da memória do passado. Mas tu dirás: como podes guardar na memória aquilo que não relês por tanto tempo? Se, de novo, eu tirar alguma resposta dos meus velhos livros, eu direi também: "É tão importante acostumar-se desde sua tenra idade"; enquanto eu o recuso, exponho-me a esta falta e, quando eu cito a meu favor um testemunho, sou acusado exatamente por aquilo pelo qual me defendo. Sem dúvida agora faz-se necessário compor em uma longa exposição aquilo que as consciências individuais experimentam. Quem de nós não se lembra da sua infância? Eu, em todo caso - isto para te fazer rir a ti, a austeridade em pessoa e para que imites enfim Crasso, "do qual Lucílio disse que riu uma só vez em sua vida" - eu me lembro ter, quando criança, percorrido pelos quartinhos dos pequenos escravos, ter passado meu feriado brincando, e ter sido tirado do regaço da minha avó para tornar-me cativo da crueldade de um Orbílio! E para que tu te espantes mais ainda, agora com a cabeça branca e a testa calva, eu apareço muitas vezes nos sonhos, com longos cabelos anelados e vestido com a toga, declamando diante do rétorico meu exercício de controvérsia. E quando eu estiver acordado, eu me parabenizo de estar liberado da prova de oratória. Crê em mim, a infância traz à mente muitas lembranças em estado puro. Se tu tivesses aprendido as letras, o vaso de teu pequeno talento exalaria o odor de que ele tivesse sido impregnado. Nenhuma água pode descolorir as lãs tingidas de púrpura. Mesmo os asnos e os animais brutos, ainda que em longo percurso, souberam reconhecer pela segunda vez as hospedarias. Tu te admiras que eu não tenha esquecido as letras latinas, ao passo que tu tenhas aprendido as letras gregas sem mestre? Os princípios dialéticos ensinaram-me sete tipos de conclusões; a significação de axioma, que podemos traduzir por "enunciado"; a impossibilidade de compor uma sentença na ausência de verbo e de nome; as gradações dos sorites, as sutilezas do pseudomenos, as ciladas dos sofismas. Eu posso jurar que, depois de ter saído da escola, nunca li absolutamente estas coisas. Ser-me-á necessário, segundo os mitos dos poetas, beber das águas do Letes, para que não me acusem de saber o que eu aprendi! Eia, tu que me acusas de pouca ciência e que tens a imagem para ti mesmo de um pequeno letrado e de um rabino, responde: por que ousaste escrever alguma coisa e traduzir com o esplendor de semelhante enunciado o varão eloquentíssimo Gregório. De onde vem tamanha riqueza vocabular, tais figuras de pensamento, tal variedade de metáforas, para um homem que apenas degustaste em tua mocidade, a duras penas, com os lábios inexperientes, a arte oratória? Ou estou enganado, ou tu costumas ler Cícero às escondidas e assim és tão eloquente; e se tu lanças contra mim a acusação de lê-lo, é para ser o único entre os autores da Igreja a poder gabar-te do rio de eloquência. Entretanto, parece que tu te guias antes pelos filósofos, pelas sutilezas de Cleanto e pelas expressões intrincadas de Crisipo, não aplicando uma disciplina que desconheces, mas partindo da grandeza do teu talento. E como os estoicos reivindicam para si a lógica e tu desprezas os desvarios desta ciência, neste ponto tu és um epicurista, e tu buscas saber, não como dizer, mas o que dizer. Que te importa, com efeito, se um outro não entende o que queres dizer, porque não é a todos, mas aos teus que tu te diriges? Finalmente, eu também, relendo teus escritos, posto que às vezes eu não entenda o que tu falas e creia estar lendo Heráclito, eu não me aflijo nem deploro minha lentidão: o que eu sofro lendo, tu sofres escrevendo. -- Assim falaria se, em estado de vigília, eu tivesse feito alguma promessa. Agora, porém, - espécie inédita de descaramento - ele me censura meu sonho! Oxalá a afluência própria ao lugar e a reunião dos fiéis que vêm do mundo inteiro me permitissem ler as divinas Escrituras! Não tenho tanto tempo de dedicar-me a matérias profanas. Entretanto, aquele que me censura um sonho ouça as vozes dos profetas dizendo que não se deve acreditar nos sonhos, porque o adultério em um sonho não me conduz ao Tártaro, nem a coroa do martírio me eleva ao céu. Quantas vezes eu me vi morto e posto em um sepulcro! Quantas vezes eu me vi voar sobre as terras e atravessar mares e montanhas nadando nos ares! Que ele me obrigue, pois, a não estar vivo ou a ter asas dos lados, porque meu espírito foi iludido por imagens quiméricas! Nos sonhos, quantos que são ricos, de repente abrem os olhos e são mendigos. Quantos que com sede bebem dos rios, mas, ao acordar, ardem com a goela seca. Tu me pedes conta do compromisso feito em sonho, mas eu, eu te citarei em juízo com mais severidade e rigor. Observaste tudo que prometeste no batismo? Cada um de nós cumpriu tudo que requer o nome de monge? Toma cuidado, eu te peço, que não seja a trave do teu olho que te faça ver a palha no meu! Eu falo a contragosto, e é a dor que obriga às palavras a língua que rememora. Aquilo que tu forjas a respeito de um homem desperto não te é bastante, a menos que tu incrimines também seus sonhos. Tens tanta curiosidade a respeito dos meus atos que examinas com atenção o que eu tenha feito ou dito durante meu sono. Deixo de lado o que, contra mim falando, enodoaste teu projeto de vida, o que fizeste em opróbrio de todos os cristãos, seja com palavras, seja por obra. Há apenas uma coisa que eu assinalo e, "reiterando mais e mais, eu darei meu aviso": é uma fera chifruda que atacas! E se eu não prestasse atenção à palavra do Apóstolo: "Os maledicentes não possuirão o reino de Deus" e "Mordendo-vos uns aos outros, vós vos destruístes uns aos outros", tu já sentirias que, a partir de uma mesquinha e enganadora concórdia, grande é a discórdia que surgiu no mundo! Que utilidade tem para ti acumular ultrajes contra nós, tanto diante dos que me conhecem e dos que não me conhecem? Será que é por não ser origenistas e por não saber que pecamos no céu que somos acusados na terra como pecadores? E assim voltamos à concórdia para que não me seja permitido falar contra os hereges sem que, se eu os descrever, tu te consideres atacado. Durante todo o tempo que não recusava teu elogio, tu me seguias como mestre, tu me chamavas irmão e colega, e me declaravas integralmente católico. Uma vez que não admiti mais teus elogios e que me julguei indigno de um panegírico feito por tão grande homem, logo tu revolves teu estilete e tudo que tinhas primeiramente louvado, tu o censuras, proferindo com a mesma boca, doçura e amargura. Tu sentes que eu me calo, que eu não conformo as palavras ao peito borbulhante, e que digo com o salmista: "Põe, Senhor, uma guarda à minha boca e uma porta fortificada a meus lábios. Não inclines meu coração a palavras de maldade"; e em outra parte: "Porque o pecador estava erguido diante de mim, eu fiquei mudo, eu fui humilhado e me calei quanto ao que eu podia avançar de bom". E mais: "Tornei-me como um homem que não ouve e que não tem invectivas em sua boca". Mas o Senhor te responderá, por mim, como vingador, aquele que diz pelo profeta: "Para mim a vingança sou eu que retribuirei, diz o Senhor". E em outra passagem: "Tu estavas assentado e falavas contra teu irmão; contra o filho da tua mãe, tu suscitavas o escândalo. Eis o que fizeste e eu me calei. Tu creste, ímpio, que eu te seria semelhante. Eu te denunciarei e deporei contra tua face"! Assim, para que vejas condenado em ti o que censuras em outros por falsidade. -- Ouço dizer, além disso, que seu adepto Crisógono me censura por ter declarado que, no batismo, todos os pecados eram remidos e, tendo morrido após dois casamentos, o indivíduo ressuscitava homem novo no Cristo e que se achavam na Igreja alguns sacerdotes desta espécie. Eu lhe respondo em poucas palavras: ele tem em mãos o libelo que ele convoca ao agravo; que ele responda ao livro, que ele o destrua pela sua argumentação e denuncie os escritos por escritos. Para que uma fronte severa, as narinas contraídas e franzidas? Examina palavras ocas, desmente a santidade diante de uma multidão grosseira, com austeridade afetada? Que ele nos ouça proclamá-lo de novo: o velho Adão morre inteiro neste banho e o batismo o faz reerguer-se novo com Cristo; morre o que é terrestre e nasce o que é supraceleste. Eis o que dizemos, não porque, graças ao Cristo, nós nos tenhamos preocupado com este problema, mas porque, interpelados por irmãos a respeito de nosso ponto de vista, nós lhe respondemos, sem impedir a quem quer que seja de seguir o que quisesse e sem subverter por nossa opinião o decreto de outrem. Porque não ambicionamos o sacerdócio, nós que estamos escondidos em nossas celas; e não temos pressa, reprovando a humildade, de comprar a preço de ouro o episcopado. Também não temos, em um espírito de revolta, o desejo de degolar o pontífice escolhido por Deus, nem damos a entender que somos hereges, mostrando-nos favoráveis aos hereges. Não temos dinheiro nem queremos ter: "Nós temos os víveres e as roupas, e isto nos basta". E cantamos sem cessar estas palavras daquele que sobe a montanha do Senhor: "O homem que não deu seu dinheiro a juro e não recebeu presentes às custas dos inocentes, aquele que age assim não será abalado para a eternidade". Se, pois, há alguém que não age assim, este já se arruinou para sempre..

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Lagarto:

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