Vestido Branco Curto Para Ensaio Fotografico

LIU Brooklyn - PRIMEIRA PARTE O SINAL DE CONTRADIÇÃO DO SÉCULO 20 (1917-1958). CAPÍTULO 1. QUANDO O PAPA PEDIU, NOSSA SENHORA ATENDEU Quem se dispõe a perscrutar os eventos de Fátima, deve ter presente que um sinal sobrenatural só pode vir expresso na linguagem das Escrituras e da Tradição, pela qual é o desígnio divino a dirigir os eventos do mundo como a órbita do universo. Nesta linguagem está a chave da autenticidade e da compreensão de todo sinal celeste. Apuremos então a mente na linguagem cristã em que estão cifrados tanto os eventos portentosos como os mais singelos. Nada é fortuito na História e nada escapa à solicitude divina na vida de Sua Igreja. Reconheçamos o motivo próximo das aparições de Fátima para não perder uma manifestação do amor divino, chave de todo saber. Quando em 1917 os horrores da primeira Grande Guerra provocavam rios de sangue e de lágrimas sem que se pudesse prever o seu fim, o papa Bento décimo quinto invocou com toda a Igreja a intercessão de Maria Santíssima pela paz. Eis os termos da carta ao secretário de Estado, cardeal Gasparri, com as disposições para que toda a Igreja invocasse a Rainha da paz nas suas orações mais freqüentes: "Rainha da Paz... Para tal fim, se eleve a Jesus mais freqüente, humilde e confiante, especialmente no mês dedicado a Seu Santíssimo Coração, a oração da miserável família humana para suplicar-Lhe o fim deste terrível flagelo. Purifique-se cada um com maior freqüência no lavabo da confissão sacramental, e ao amantíssimo Coração de Jesus ofereça com afetuosa insistência as suas súplicas. E uma vez que todas as graças que o Autor de todo o bem se digna conceder aos pobres descendentes de Adão provêm, por amoroso conselho de Sua Divina Providência, pelas mãos da Virgem Santíssima, nós queremos que seja dirigido à Grande Mãe de Deus nessa hora horrível, mais que nunca o vivo e confiante pedido de seus filhos muito aflitos. Encarregamos portanto a Vós, Senhor Cardeal, de fazer conhecer a todos os bispos do mundo o nosso ardente desejo que se recorra ao Coração de Jesus, Trono de graças, por meio de Maria. Com esse propósito ordenamos que, desde o dia primeiro do próximo mês de junho, fique inserida na Ladainha de Loreto a invocação Regina pacis, ora pro nobis. "Eleve-se portanto a Maria, que é Mãe de misericórdia e onipotente pela graça, de cada canto da terra, dos templos majestosos como das pequenas capelas, dos palácios e ricas mansões dos grandes como dos mais pobres casebres onde se aloja uma alma fiel dos campos e mares ensangüentados, a piedosa e devota invocação e leve a Ela o angustioso grito das mães e esposas, o gemido dos meninos inocentes, o suspiro de todos os nobres corações: possa mover a Sua amável e muito benigna solicitude a obter para o mundo desvairado a aspirada paz, e possa lembrar depois aos séculos futuros a eficácia de Sua intercessão e a grandeza do benefício por Ela obtido a Seus filhos." A carta é de 5 de maio de 1917. Oito dias depois, 13 de maio, na Cova da Iria em Fátima, Maria Santíssima aparecia, qual arco-íris da paz e da graça, para mostrar aos homens o caminho da verdadeira paz neste mundo e da salvação eterna no outro. Seria reconhecida? De início este evento extraordinário ficou circunscrito à região, mas com o passar dos dias começou "uma concorrência assombrosa de peregrinos incomparavelmente superior a Lourdes na época das aparições e apesar da dificuldade de acesso". A testemunhar e registrar os eventos foi o cônego dr. Manuel Nunes Formigão, laureado em Teologia e Direito Canônico pela Universidade Gregoriana. Pelos seus apontamentos, dia 13 de julho estiveram na Cova da Iria de 4 a 5 mil pessoas, em agosto de 15 a 18 mil, em setembro de 25 a 30 mil. É importante notar que já das primeiras aparições sabia-se terem os pastorzinhos recebido um segredo. Isto despertou grande interesse até no prefeito maçom de Vila Nova de Ourém, que no dia 13 de agosto foi a Fátima e levou a menina Lúcia ao pároco Ferreira a fim de que lhe revelasse a mensagem celeste. Eis a resposta: "Sim (recebi um segredo), mas não posso dizê-lo. Se Vossa Reverência quiser conhecê-lo, perguntarei à Senhora e se ela autorizar, então eu o contarei a vós Diante desta resistência o prefeito, enganando-as, levou as três crianças a Ourém onde, ameaçando-as de morte, tentou ainda obter sem êxito a confissão do segredo recebido de Nossa Senhora. Como se vê, já no início, interessaram-se mais pela mensagem de Fátima autoridades anticlericais do que as eclesiásticas. Estas chegaram a ver nesses eventos mais motivo de embaraço do que uma ajuda providencial para a Igreja. No dia 13 de outubro de 1917, para o qual Nossa Senhora anunciara um grande milagre afim de que todos pudessem crer, havia cerca de 70 mil pessoas a testemunhar o evento. Este era esperado até na França, segundo carta publicada. Dele escreveria o padre José Ferreira de Lacerda: "Raro tem sido o jornal português, quer diário, quer semanário, quer católico quer independente ou livre pensador, que não tenha referido aos acontecimentos da Fátima e muito principalmente ao fenômeno solar." Estas notícias dão idéia da dimensão e universalidade do evento apesar dos obstáculos criados pela autoridade civil e do silêncio da autoridade eclesiástica. É muito importante examinar isto. Aqui vamos fazê-lo considerando as seguintes questões: 1 - se para a fé católica é possível e plausível que um papa seja atendido diretamente por uma intervenção sobrenatural; 2 - se, neste caso, o evento de Fátima se conforma ao pedido feito por Bento décimo quinto; 3 - se a mensagem de Fátima está na linguagem de sempre da Igreja; 4 - se seus avisos e pedidos são atinentes ao momento histórico em que foram dados; 5 - se, satisfeitos os pontos acima, que razões podem subsistir na Igreja para que ignore tal resposta. Em primeiro lugar é preciso dizer que a Igreja ensina como verdade de fé que a revelação concluiu-se com a morte do último apóstolo. Portanto, nenhuma mensagem sobrenatural vem acrescentar algo à revelação. Todavia, pela mesma revelação sabemos que houve a maior intervenção de Deus na ordem natural pela encarnação da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Esta foi o apogeu de uma longa série de intervenções sobrenaturais em favor da preparação desse supremo evento. Depois de Sua Vida, Paixão e Morte, o Verbo de Deus encarnado deixou no mundo a Sua Igreja, sinal visível do Seu poder de Senhor da História. A Ela e à sua hierarquia e pastor foram dados poderes de ligar e desligar, além da promessa dada a todos os fiéis de que se pedissem ao Pai em nome de Jesus seriam atendidos. A fé, a esperança e a caridade na Igreja exprimem-se na oração e no Santo Sacrifício, que são pedidos de intervenção divina. É claro que a resposta sobrenatural segue os desígnios de Deus que dirige os eventos e envia os Seus profetas quando estes se tornam necessários, acima de qualquer entendimento humano. A razão por que foram enviados serão os próprios fatos que nos revelarão cedo ou tarde. Por exemplo, hoje sabemos que São Pio décimo foi o profeta que avisou sobre o flagelo modernista, hoje chamado progressismo. A linguagem sobrenatural, velada para a visão espiritual imperfeita do homem, torna-se indecifrável para a mentalidade racionalista que pretende explicá-la na ordem natural. Negando-se a causa divina, presume-se que fatos e fenômenos possam ter por causa um zombeteiro ou cruel, mas sempre cego, acaso. Como, porém, sinais, milagres e profecias não têm o menor sentido para o acaso, como de resto a própria Igreja que confirmou o evento de Fátima e ensina ser instituída e guiada pela Divina Providência, a visão naturalista não podendo negar o fato objetivo mostra toda a sua cegueira. Mas, atenção: se essa cegueira é lamentável ao pretender explicar os eventos do mundo, quando se manifesta dentro da Igreja e para explicar fatos espirituais, toma a forma de uma letal apostasia. Pondo em dúvida o senso cristão da História, contesta a própria Fé. A Divina Providência tendo instituído a Igreja com o papa por chefe, para guiá-la, guiará a este a quem deu poderes especiais. Este é um fato verificado na História. Dependerá, porém, do uso que a pessoa que ocupa a suprema sede fará de seus poderes, quer para pedir a ajuda divina, quer para reconhecê-la. CAPÍTULO 2. OS AVISOS E AS PROMESSAS DA MENSAGEM DE FÁTIMA O núcleo da mensagem de Fátima está nas palavras ditas no dia 13 de julho de 1917 e registradas nas memórias da irmã Lúcia, a pastora de 10 anos que, acompanhada pelos priminhos Francisco e Jacinta, de 9 e 7 anos, viu e falou com Nossa Senhora na Cova da Iria, em Fátima. Era a terceira aparição, e Maria Santíssima fez ver aos meninos o inferno. Assustados e como que a pedir socorro estes levantaram a vista para Nossa Senhora, que disse com bondade e tristeza: "Vistes o inferno, para onde vão as almas dos pobres pecadores. Para as salvar, Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração. Se fizerem o que Eu vos disser, salvar-se-ão muitas almas e terão paz. A guerra vai acabar, mas se não deixarem de ofender a Deus, no reinado de Pio décimo primeiro começará outra pior. Quando virdes uma noite alumiada por uma luz desconhecida, sabei que é o grande sinal que Deus vos dá de que vai punir o mundo de seus crimes, por meio da guerra, da fome e de perseguições à Igreja e ao Santo Padre. Para a impedir, virei pedir a consagração da Rússia ao meu Imaculado Coração e a comunhão reparadora nos primeiros sábados. Se atenderem a meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz; se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja; os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas; por fim, o meu Imaculado Coração triunfará. O Santo Padre consagrar-me-á a Rússia, que se converterá, e será concedido ao mundo algum tempo de paz. Em Portugal se conservará sempre o dogma da fé, Etc., - isto não o digais a ninguém. Ao Francisco, sim, podeis dizê-lo. "Quando rezardes o Terço, dizei, depois de cada mistério: - Ó meu Jesus! Perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o Céu, principalmente aquelas que mais precisarem." Como se vê, é uma mensagem completa para indicar como conseguir a paz do nosso tempo. É lembrada que a causa das guerras, fomes e revoluções é a ofensa a Deus. É revelado o perigo iminente: os erros que a Rússia espalhará pelo mundo. É preanunciada uma guerra pior que a vivida em 1917 (e o seu sinal premonitório) como castigo pelos crimes do mundo. São preanunciadas perseguições à Igreja e ao Santo Padre. E é indicado o caminho único e necessário para evitar todo esse mal. Mas, deixando entrever que esse não será seguido, ainda assim confirma a esperança na promessa final: Por fim, meu amor triunfará; as portas do inferno não prevalecerão. Na mensagem que começou mostrando o maior perigo para os homens que é a perdição eterna, o inferno, Maria Santíssima convoca maternalmente os pastores, dizendo: "Se fizerem o que Eu vos disser, salvar-se-ão muitas almas e terão paz." Se esse apelo é geral, havia ainda um reservado à hierarquia e ao papa. A que mais poderia aspirar o Santo Padre? Os termos da mensagem mostram conformidade ao pedido de Bento décimo quinto também na explicação implícita do desígnio divino que determinou a grandiosa resposta que constituiu a aparição de Fátima. De fato, a carta do papa fazia a invocação ao Santíssimo Coração, ao amor de Jesus, pela Medianeira de todas as graças, a Mãe de Deus, depois que cada um se purifique para poder pedir e reparar e que a Igreja com todos os seus bispos recorram à Rainha da Paz usando a invocação ordenada pelo pontífice a fim de que pelos séculos se preste glória ao poder de intercessão e triunfo de Maria Santíssima. Anos mais tarde a vidente Lúcia confirmará esse desígnio com a explicação dada por Nosso Senhor sobre a razão pela qual não operaria a conversão da Rússia sem que o papa fizesse a consagração pedida: "Porque quero que toda a Minha Igreja reconheça essa consagração como um triunfo do Coração Imaculado de Maria, para depois estender o Seu culto e pôr, ao lado da devoção do Meu Divino Coração, a devoção deste Coração Imaculado." Tudo isto está não só em conformidade com o modo em que foi feito o pedido de Bento décimo quinto mas também com a linguagem de sempre da Igreja. Há uma continuidade devocional com mensagens dadas a santos de épocas precedentes. Há uma estreita ligação entre os pedidos do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de Maria. E ambos seguem de perto o curso dos eventos históricos. Sobre isto será surpreendente o que veremos mais adiante, referente ao rei da França. Assim como é extraordinário o elo entre Fátima e o Apocalipse, fato prenunciado também por santos anteriores às majestosas aparições de Maria Santíssima, como é o caso de São Luís Maria Grignion de Montfort. Quanto à atinência da mensagem de Fátima ao momento histórico, no mundo e na Igreja, é a razão mesma deste livro e será vista praticamente em todas as suas páginas. Aqui seria apenas necessário acentuar que desde o início foi de conhecimento público que a mensagem secreta referia-se à guerra mundial e, portanto, a eventos históricos de dolorosa atualidade. Além disso, seria possível às autoridades eclesiásticas conhecer o segredo se o quisessem. Estas, porém, não reconheceram a "benigna solicitude de uma grandiosa intercessão", como havia escrito Bento décimo quinto. Por qual obscura razão? Certamente, em 1917 havia dificuldades que tornavam o evento de Fátima embaraçante para as autoridades religiosas portuguesas e isto podia ter criado resistências também no Vaticano. Admitir a hipótese, porém, de que a notícia não chegou aos vértices da Igreja, senão ainda em 1917, quando devido à guerra as fronteiras de Portugal estiveram fechadas, no ano seguinte, seria devanear. As notícias concernentes à perseguição religiosa das autoridades da república então voavam. Há dois indícios consistentes de que Bento décimo quinto conhecia o evento de Fátima desde o começo: O restabelecimento da velha Diocese de Leiria, que compreende Fátima, incorporada a Lisboa desde 1881, com o breve papal Quo vehementius de 17 de janeiro de 1918; na carta de 29 de abril de 1918 ao episcopado português, há referência a "um auxílio extraordinário da parte da Mãe de Deus". O processo canônico para autenticar as aparições de Fátima com um bispo local seria facilitado. Mas infelizmente a nomeação demorou e o titular de então, o cardeal Patriarca de Lisboa, Mendes Belo, voltando em 1919 de Roma, onde fora exilado pelo governo da república, ameaçava de excomunhão qualquer padre que propagasse a devoção de Fátima. Procurava-se um termo de compromisso político-religioso, e a aparição mariana, mesmo sem sua mensagem, parecia um obstáculo. Em 1920 Bento décimo quinto designava para a Diocese de Leiria dom José Alves Correia da Silva, que foi consagrado bispo em julho e tomou posse em agosto daquele ano, mas que, confessando-se alheio aos eventos de Fátima, só abriu o processo para certificá-los em 1922, ordenando o primeiro interrogatório oficial da vidente Lúcia em 1924. Eram assim passados sete anos antes que a Igreja começasse a tomar o devido conhecimento da mensagem, o dobro do tempo necessário para reconhecer oficialmente as aparições de Lourdes, apesar da oposição das autoridades civis e desconfiança das religiosas, também lá. Esse atraso não pode ser justificado pela prudência; ao contrário, evidencia que no pontificado de Bento décimo quinto, morto em 1922 sem se pronunciar publicamente sobre Fátima, transcorria considerável distância entre fazer um apelo a Maria Santíssima pela paz na Terra e crer que a resposta pudesse ser dada por uma aparição do Céu. E, todavia, pode-se negar que Maria Santíssima atendeu o apelo do Papa? É mais fácil supor que a fé que iluminara Bento décimo quinto a convocar os bispos, o clero e os fiéis a pedirem pela paz, não foi suficiente para guiar a esperança em uma resposta que transcendesse as trevas e as ameaças deste mundo. Afinal, que solicitude mais benigna e qual intercessão mais eficaz pela paz podia vir da Mãe Celeste? Que admiráveis benefícios se o papa a reconhecesse! CAPÍTULO 3. BENTO DÉCIMO QUINTO, E A RESPOSTA DE FÁTIMA Os dois acontecimentos principais, que continuam condicionando ainda hoje o século 20, ocorreram durante o pontificado do papa Bento décimo quinto, que por isto deve merecer uma especial atenção. Pelas extraordinárias aparições em Fátima, foi dada por meio de três pastorzinhos uma mensagem de paz para o mundo e de salvação para as almas, diante da sanguinária revolução comunista russa que trouxe terror e fome para os povos e ateísmo para as almas. As aparições sucederam-se até dias antes que ocorresse a revolução que era prenunciada como um grande castigo, fato este sempre mais visível para crentes e descrentes, de 1917 até nossos dias. Surpreende, pois, que não conste nos documentos escritos por Bento décimo quinto alguma menção explícita sobre estes dois eventos, e isto é ainda mais paradoxal se meditarmos sobre o que foi visto antes, isto é, que as aparições da Cova da Iria foram pela época, forma e conteúdo uma clara resposta ao apelo feito pelo próprio Bento décimo quinto pela paz no mundo. Este sinal sensível, representando diretamente a vontade de Deus para os homens, tem um valor tão inestimável que a busca da Igreja para certificar sua autenticidade já seria uma graça. Ao contrário, porém, uma vaga incredulidade, ou pior, indiferença até mesmo para iniciar essa busca, já mostrava um declínio da fé na Igreja. Podem filhos fiéis ficar desatentos aos sinais da vontade do Pai? Podem julgá-los impossíveis ou vagos se crêem no amor do Pai que enviou Seu Filho unigênito ao mundo para salvar os homens? Não nos foram sempre dados sinais proféticos? Ora, o duvidar do Signum Magnum de Fátima confirma-o como um novo sinal de contradição no qual ficariam refletidos desde o início os fatos claros e escuros do mundo e da Igreja neste nosso século. É sintomático, portanto, que Bento décimo quinto, desconhecendo-o, deixou de ver também a dimensão do flagelo que a revolução de 1917 na Rússia seria para o mundo e para a Igreja. E, todavia, a feroz intransigência do bolchevismo ateu de Lênin era conhecida em toda a Europa. A responsabilidade de vigilância papal é de tal ordem que é preciso recorrer à doutrina católica da Comunhão dos Santos para conceber como as forças e fraquezas de um só homem podem influenciar a vida moral e espiritual de multidões: a abundância ou escassez das orações da Igreja inteira é que a farão merecer um chefe forte ou vacilante. A ação do papa seria quase o resultado da fé da Igreja militante, como se os católicos em cada época tivessem o papa que a sua fé merece. Longe de fazer dessas comparações um indevido sistema de medidas, parece claro que o modo mais direto com que Deus pode responder à oração de Sua Igreja é através do amparo dado à ação de Seu Vigário. Isto não justificará as pessoas, mas ajudará a explicar como as altíssimas responsabilidades são de certo modo compartilhadas, tanto com a carga dos pecados como com o amparo das orações. Se o julgamento de intenções é em geral impertinente, de modo especial o é para com um pontífice. A ele se devem dedicar orações e reverência, não insinuações e críticas. Agora, tudo isto não impede que os católicos sejam também vigilantes no avaliar, perante o próprio ensinamento da Igreja, o que pode representar um mal para a fé. Só assim fazendo poderão reforçar de maneira direta ou pela oração e sacrifício a correção de erros. Na defesa da fé o papa deve ser o primeiro a interpelar os que a agridem. Vemos, porém, que esse supremo dever foi afrouxando nos nossos dias, do mesmo modo que a idéia que alguém possa interpelar, sobre isto e sobre a fé, as autoridades da Igreja e sobretudo o papa. E todavia nunca esse dever foi tão urgente, pela avalancha de ataques de todos os lados contra a fé. O afrouxamento geral da sua defesa, mais que a virulência do ataque que sempre existiu, mostra ser o perigo culminante do qual os fiéis devem tomar consciência: a falsificação religiosa que leva à desordem e à perdição. Este livro quer mostrar como em Fátima os desígnios divinos colocaram, para despertar os cristãos, uma "pedra de tropeço", um "sinal de contradição" que, tácita mas objetivamente, interpela as autoridades responsáveis e os fiéis, convocando todos à defesa da fé, cujo vilipendio pela perseguição à Igreja e ao santo padre seria o maior castigo para o mundo. Vejamos os termos desse aviso. Pela mensagem de 13 de julho de 1917 fomos lembrados de que Deus castiga o mundo pelos seus crimes por meio da guerra, da fome e de perseguições à Igreja e ao santo padre. Isto poderia ser evitado e a paz obtida para o mundo se, através da consagração pedida, a Rússia fosse convertida de seus erros; se não, a punição virá pela difusão destes erros no mundo. Estes serão o flagelo permitido por Deus. Note-se que as perseguições à Igreja e ao santo padre são meios para punir o mundo de seus crimes e isto é dito em especial aos filhos da Igreja que vivem no mundo e têm parte na ofensa a Deus, que é a causa de todos esses males. Mas deste modo haveria três classes de punições: uma para o mundo com a guerra, outra dobrada para os católicos, com a guerra e a perseguição da Igreja, e outra ainda para o santo padre, com a guerra, a perseguição e o sofrimento pessoal. Na verdade, este castigo é um só pela perseguição à fé. Se Deus permitir que a fé perseguida decline na Igreja e o papa tenha muito que sofrer na sua fé, isto será para o mundo um castigo pior que as guerras, fomes e revoluções juntas, será o avanço do ódio sobre o amor e a verdade. É o que o mundo está vivendo. Consideremos a veracidade dos avisos da mensagem. Pois bem, depois da última aparição - de 13 de outubro de 1917 - foi questão de dias a Rússia cair sob o poder da revolução bolchevista que trouxe como uma avalancha a morte e o ódio das perseguições que culminam na guerra a Deus e à Igreja, erros espantosos dos quais a Rússia tornava-se ao mesmo tempo vítima e instrumento mundial, como dizia a mensagem. Quanto à grande guerra, que desde 1914 ensangüentava a Europa e que parecia dever durar ainda muito, terminou um ano depois da aparição, deixando porém instalado o flagelo soviético. E como o mundo continuou a ofender a Deus, e a mensagem ficou desatendida, no fim do pontificado de Pio décimo primeiro uma outra guerra ainda pior estava armada! Foi então que na noite de 25 para 26 de janeiro de 1938 uma aurora boreal de dimensão quase inverossímil inflamou os céus da Europa e mesmo da África do Norte, em cujas latitudes esse fenômeno é extremamente raro. Os jornais registraram a notícia, mas com a mensagem menosprezada, quantos poderiam reconhecer nessa luz desconhecida o aviso premonitório da segunda grande guerra que devastou a Europa de 1939 a 1945? Seguiu-se uma ilusória paz em que o mundo, dividido pelos falsos acordos de Yalta, polarizou-se em dois grandes blocos, ocidental e soviético (OTAN e Pacto de Varsóvia), entre os quais a guerra fria passou a ser uma realidade no campo político, diplomático e estratégico, enquanto a guerra cruenta ficava localizada em zonas convenientes ao expansionismo soviético da Rússia, reforçada para impor seus erros com a criação de nações satélites que multiplicariam revoluções e perseguições. Os bons seriam martirizados e a escalada de terror atingiu o ápice com o atentado ao papa na praça de São Pedro, em Roma. O santo padre teve muito que sofrer, como preanunciara a mensagem. Era dia 13 de maio de 1981, aniversário da primeira aparição em Fátima, e o pontífice sentiu-se salvo por milagre e chamado por esse misterioso encontro de datas. A mensagem anunciou ainda o aniquilamento de várias nações, mas sem especificar o modo ou valores demolidos; logo adiante, porém, é dito: "Em Portugal se conservará sempre o dogma da Fé..." e segue a parte ainda secreta, chamada o "terceiro segredo" da mensagem, que permanece escondida no Vaticano, embora devesse ser publicamente conhecida em 1960, como veremos. É lícito, pois, pensar que se trate principalmente de gravíssimas questões concernentes à fé e à Igreja. Não só, mas a frase - "por fim, o meu Imaculado Coração triunfará. O santo padre consagrar-Me-á a Rússia, que se converterá, e será concedido ao mundo algum tempo de paz" - preanuncia uma vitória no fim de um período em que essa deva parecer impossível, bem como a consagração feita pelo papa para a conversão da Rússia. Ora, as dificuldades em atender à mensagem existem desde o começo e continuam crescendo misteriosamente, a ponto de o papa atual, sentindo-se chamado pela urgência dessa consagração, tentar fazê-la junto aos bispos do mundo, mas sem conseguir mencionar a Rússia. Tudo isso será relatado mais adiante. Aqui, interessa lembrar que até essas tergiversações e dificuldades em atender ao pedido, que não deixa de ser reconhecido como celeste, estão previstas nas palavras ouvidas pelos pastorzinhos na aparição de Fátima, cuja história continua a registrar uma série de previsões verificadas, mas também de pedidos eludidos e contornados. Toda verdadeira profecia é voz de Deus que vem lembrar o que está sendo esquecido, chamar à conversão, indicar o caminho perdido. Mas acaso não compete aos chefes e guias religiosos ensinar e operar por vias regulares o que a profecia vem lembrar por vias extraordinárias? A finalidade de chamar à conversão para a salvação pessoal e o bem da Igreja, não é para os homens da Igreja a mesma que a da profecia? Onde, então, a discordância? Pois bem, se as razões desta não estão no conteúdo, nem na oportunidade da mensagem profética, estão necessariamente na carência de fé dos guias humanos ou especialmente nos seus desvios. As profecias são, mesmo quando dirigidas a todos, concernentes de modo particular aos responsáveis pela vida dos povos. Assim foi no passado e o mesmo se dá no presente. E a razão é ser ela uma ajuda para vencer dificuldades humanamente insuperáveis ou invisíveis. É a misericórdia divina que socorre os homens em suas desventuras e perigos. E qual maior perigo que a cegueira espiritual dos guias? Seriam os cegos que guiam os cegos e caem todos no abismo. Não são estes duplamente cegos, porque continuam a guiar com suas próprias idéias e recursos, sem ver que são cegos? Vimos assim que a Igreja, passados treze anos, reconheceu a integridade católica, a fidelidade doutrinal e a utilidade para a fé da mensagem de Fátima. Depois disso, a dificuldade em aceitá-la ou, pior ainda, a crítica para tentar demoli-la levantam suspeitas. Também os doutores da lei e os fariseus negavam Jesus em nome de Abraão. Nosso Senhor mostra, porém, que já não fazem as obras de Abraão. Ao contrário, como seus pais, perseguem, com o intuito de eliminar, os profetas. Seria assim também nos nossos tempos? Há razões para isso? Ora, a História mostra que foi assim em todos os tempos. Há um contínuo combate contra a verdade da parte de um mundo que aderiu ao erro e dos muitos que aderiram a esse mundo e o servem. Mudaram as formas, as técnicas e a dialética. A profecia é agredida pelo ridículo, sufocada pelo silêncio, arquivada pelo seu "alarmismo". Mas quem ainda tem olhos para ver, saberá que isto confirma uma profecia autêntica. Pode significar até mesmo a razão por que foi dada: testemunhar a infidelidade e impiedade de quem falhou. Nossa Senhora atendeu ao apelo do papa e da Igreja pela paz. "O enviado não é maior que aquele que o enviou." Poderia ser melhor recebida pelos grandes da Terra do que o foi Jesus pelos sumos sacerdotes? O desprezo pela mensagem deixa claro que não. CAPÍTULO 4. O "AGGIORNAMENTO" DE BENTO DÉCIMO QUINTO Ora, além dos fatos explícitos que a mensagem de Fátima prenunciou em 1917 e já aconteceram, ou continuam acontecendo, quem almeja entender melhor o evento de Fátima deve aprofundar o significado implícito do sinal sobrenatural ter sido dado em 1917, assim como do fato de ter ficado reservada uma parte secreta da mensagem para ser conhecida somente em 1960. Um sinal dessa ordem, mesmo sem considerar o conteúdo dos avisos que trouxe, já indica a necessidade de testemunhar, para o bem dos homens, acontecimentos espirituais imperceptíveis, mas que pela sua natureza vão determinar os demais, visíveis. Dada a sua origem, nada pode ser casual ou irrelevante em Fátima. Ou é recebida pelo que quer indicar, ou permanecerá como um marco de recusa, senão à sua mensagem, que não é imposta nem obrigatória, a Quem a enviou para ajudar os homens envoltos em trevas. Se foi dada naquelas circunstâncias é porque era necessária e deveria indicar algo que os homens com os meios normais não viam. Era já então o marco de uma renovação ou de uma decadência, segundo fosse aceita e atendida ou recusada e contornada. Não há meio termo. De fato, hoje sabemos que 1917 encerrou uma encruzilhada para o mundo e para a Igreja. Em junho de 1917 reuniu-se um congresso maçom das nações aliadas e neutras com o fim de constituir a Sociedade das Nações, precursora da ONU. Os mesmos maçons fizeram uma manifestação contra o papa na praça de São Pedro exaltando Lúcifer, como lembra São Maximiliano Maria Kolbe, que fundou a Milícia da Imaculada, então, para convertê-los. Em 1917 houve também a declaração do ministro inglês Balfour, que deu o primeiro impulso para a formação do novo Estado de Israel. Em novembro, a revolução bolchevista, tomando o poder na Rússia, constituía a primeira potência da história governada por uma ideologia intrinsecamente contrária a Deus. Era o fato culminante de um processo político que a Igreja sempre condenou. Já em 1846 Pio nono na Encíclica Qui plurimus acusava: "a nefasta doutrina do assim chamado comunismo, contrária em modo extremo ao próprio direito natural, a qual, uma vez admitida, levaria à radical subversão do direito, da propriedade de todos e da própria sociedade humana." Quando em 1917 o comunismo subjugou a Rússia e passou a ser o gigantesco flagelo da ordem social cristã e perseguidora não só da Igreja mas dos próprios princípios da fé, não veio de Roma o necessário e proporcional grito de alarme. Que vírus entorpecera a cristandade? Era sinal de que também na Igreja algo estava mudando? É sempre muito difícil verificar uma mudança dessa ordem na política vaticana, cujos documentos e decisões são amortecidos, na aparência, por palavras estudadas, por medidas prudentes e por atitudes piedosas. Note-se, porém, que mesmo nos movimentos lentos e contínuos a verdadeira mudança não está na velocidade, mas na direção, e esta era diversa do pontificado anterior de São Pio décimo. A distinção fundamental estava no espírito de compromisso. Intransigente sobre tudo que dizia respeito aos direitos divinos e, portanto, da Igreja, foi o papa Sarto; tolerante e diplomático foi seu sucessor, papa Della Chiesa, Bento décimo quinto. A questão está, portanto, em estabelecer os contornos desse espírito novo. A tolerância e a diplomacia não são certamente males; muito ao contrário, podem proporcionar compromissos úteis e benéficos para muitos. Para compor questões e disputas, quase sempre as partes devem conceder vantagens e admitir erros ou incompreensões. Trata-se de ceder sobre o que é próprio, discutível e contingente. Seria absurdo, porém, fazê-lo sobre o que é valor universal, indubitável e permanente, questões relativas ao bem e à verdade e que transcendem o terreno e o temporal; em suma, sobre o que é de Deus e foi confiado à Igreja. Lembrá-lo, oportuna e inoportunamente, é função dos pastores e especialmente do papa. Essa santa intransigência com o erro é inerente à Santa Sede, que por isto deve merecer todo respeito e atenção. O que é o Reino de Cristo senão a pregação do império do bem e da verdade? E como poderia vencer o mal e o erro no silêncio e no compromisso? Por evitá-los sempre, São Pio décimo viu o seu "integrismo" para "instaurar tudo em Cristo", minado dentro da própria Igreja, dor que, ajuntando-se à da luta fratricida na Europa, abreviaram-lhe a vida. Como os cristãos de sempre, teria preferido o martírio a um compromisso com a glória devida a Deus. Qual espírito impediu a Bento décimo quinto ver que esta era o alvo visado pela revolução atéia na Rússia? A mensagem de Fátima veio lembrar o ensinamento católico de que os erros crescentes do mundo, aumentando a ofensa a Deus, tornam-se causa de guerras, revoluções e sofrimentos da Igreja. Tomando o pontificado de São Pio décimo como referência do apelo diuturno a essa vigilância que deve crescer com a virulência do erro, pode-se dizer que sob Bento décimo quinto aparentemente pouco mudou em termos teóricos, mas a aceitação de uma equívoca noção de tolerância e unidade eclesial levou ao abrandamento das defesas erguidas por São Pio décimo. E isto, diante do modernismo que o papa Sarto mostrara ser a síntese das heresias na Igreja e, portanto, laboratório dos erros do mundo, foi uma abertura a funestos compromissos. Esse mal continuava à espreita na Igreja, embora transformado ou camuflado, e desaparecendo a santa intransigência papal que o retinha, voltou a avançar livremente. Bento décimo quinto renovara a exigência do juramento antimodernista para os sacerdotes, mas desejando um apaziguamento dentro da Igreja, chegou a reprovar com a encíclica Ad beatissimi que alguns católicos se proclamassem integrais para distinguir-se dos liberais. Agiu como se o mal adviesse da oposição e não do erro liberal já condenado por todos os papas precedentes. Quando em 1921 uma intriga internacional abateu-se contra o Sodalitium Pianum, verdadeiro quartel-general antimodernista formado sob São Pio décimo, para evitar o embaraço de uma defesa difícil Bento décimo quinto pediu ao responsável por essa organização também conhecida por La Sapinière, monsenhor Benigni, que a dissolvesse. Tinha com que substituí-la? De modo algum, pois já no começo de seu pontificado havia feito uma temerária abertura ao trust de jornais católicos de tendências modernistas. Estes haviam sido reprovados explicitamente por São Pio décimo em comunicação publicada pela Acta Apostolicae Sedis de 1/12/1912. Em outubro de 1914 Bento décimo quinto fez saber através do secretário de Estado, cardeal Gasparri, que essa advertência não tivera caráter de proibição. Tanto bastou para que o jornalismo que auspiciava o aggiornamento da Igreja aos tempos modernos voltasse com vigor às idéias reprovadas por Pio décimo. Seria o laicismo, o naturalismo, o interconfessionalismo, o democratismo, etc, propostos entre os próprios católicos. Bento décimo quinto havia condenado o modernismo inovador mas, propenso às soluções diplomáticas, evitou as questões que pudessem acentuar a "marca de intransigência e reação" que o mundo dava à Igreja para isolá-la. Em 1917 fez um apelo às nações beligerantes pela paz. Não foi ouvido senão para ser criticado, e terminada a guerra a Conferência da Paz o ignorou até mesmo sobre a questão da Palestina. No que concerne a Portugal, São Pio décimo havia anos antes rejeitado as imposições contra a Igreja do governo republicano, assim como fizera com o governo francês em 1905. Com a encíclica Jamdudum in Lusitania, de 24/5/1911, acusou as forças anticlericais da república e condenou como absurda e monstruosa a lei de separação entre a Igreja e a república portuguesa. Essa recusa de procurar compromissos resultou no exílio de bispos e na prisão de sacerdotes, mas também na consolidação de uma resistência católica que demonstrará a sua força anti-revolucionária por ocasião das aparições de Fátima. Com Bento décimo quinto a atitude da Igreja mudou. Terminada a guerra, as relações diplomáticas entre Lisboa e a Santa Sé foram restabelecidas. "Em dezembro de 1919, Bento décimo quinto dirigiu um apelo aos católicos portugueses incitando-os a se submeterem à autoridade da república como legalmente constituída e a aceitar mesmo os cargos públicos que lhes fossem oferecidos. A beatificação de Nuno Alvarez, o herói de Aljubarrota, contribuiu muito também para o incremento dos sentimentos de cordialidade. Não obstante, o governo continuava a perseguir a Igreja de diversas maneiras. Empregava todos os meios ao seu alcance para impedir o surto de devoção de Fátima. Talvez tenha sido por esta razão que o cardeal Mendes Belo, Patriarca de Lisboa (de volta do exílio), tenha ameaçado de excomunhão qualquer padre que propagasse a devoção e falasse sobre as aparições... Parecia-lhe inoportuna a eclosão de uma nova devoção nesse momento em que estavam melhorando tanto? as relações entre a Igreja e o Estado." Neste mesmo livro fala-se de chacotas feitas sobre Fátima, às quais esse prelado à escuta aderiu rindo. Mas tudo isso a pouco serviu. "Em 13 de maio de 1920, o governo mandou dois regimentos do exército à Cova da Iria para impedir a devoção de Fátima. A multidão pôs-se a rezar o terço e a cantar e até guardas acabaram aderindo e o cerco rompeu-se." Nesse mesmo ano a Rússia, sob o governo comunista, foi flagelada por uma das maiores fomes de que se tem notícia, fazendo muitos milhões de mortos. Os governos ocidentais estavam incertos sobre como poderiam ajudar sabendo que socorrer essa população faminta significaria também reforçar o governo que era causa da tragédia. Foi Bento décimo quinto quem simplificou essa grave questão moral proclamando em 1921, diante das nações indecisas, "ser dever de cada homen acorrer onde outro homem morre". Tratava-se de uma caridade toda humana que iria socorrer populações desesperadas, desconhecendo se a ajuda chegaria ao destino, mas sabendo que iria reforçar a causa dessa e de outras desgraças funestas, que era o comunismo. Além disso, as necessárias tratativas para fazê-lo davam inevitavelmente ao regime revolucionário de Lênin, declarado destruidor da ordem civil anterior e perseguidor da religião e da liberdade, o reconhecimento de sua legitimidade. Em o Erro do Ocidente o escritor russo Soljenitsin dirá: "As forças ocidentais ocuparam-se em reforçar o regime soviético com ajuda econômica e apoio diplomático, sem o que esse não teria sobrevivido. Enquanto seis milhões de pessoas morriam de fome na Ucrânia e na região do Kuban, a Europa dançava." Tal acomodamento político, que ajudou a consolidação do ateísmo militante que iria expandir-se a ferro e fogo pelo mundo, foi iniciado com o beneplácito papal de Bento décimo quinto. Certamente o comunismo e também o modernismo não deixaram de ser condenados no seu pontificado, mas em que termos e com quais ações? Não admira que quando da sua morte até comunistas e anarquistas sentissem o luto. O mesmo se daria com Paulo sexto. A aparição de Fátima, antes mesmo que sua mensagem fosse conhecida, vinha reavivar a fé para prevenir da sua perseguição. A suavidade com que o fez demonstra o cuidado divino em não ferir a livre vontade humana. "Porque Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu Seu Filho Unigênito para que todo que Nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna." A fé no Redentor salva os homens e pode consertar também este mundo que Deus amou. Eis a resposta de fé que deu a aparição de Maria Santíssima em Fátima. O primeiro passo para beneficiar-se dela, porém, era reconhecê-la para depois acolhê-la. Hoje sabemos a importância desse evento em 1917, vésperas da revolução comunista e atéia que tomou o poder na Rússia, e - devemos acrescentar - antevésperas das cogitações vaticanas de entabular compromissos com um governo iníquo e inimigo declarado de Deus. A mensagem lembrava que a única saída estava na conversão da Rússia, que com seus erros agredia esta mesma fé à qual seria por fim convertida. Os pastores, porém, iniciaram seus diálogos e compromissos com o erro. Quanto a Bento décimo quinto, muitas razões podem ser alegadas para explicar por que não reconheceu em Fátima a resposta a seu apelo de paz, mas isto é de importância relativa. O fato extraordinário é que em 1917 Deus deu um sinal sensível de Sua Vontade aos homens. O reconhecimento do papa seria um tributo a esta verdade, mas não condiciona o evento em si. Este, mesmo antes que a mensagem fosse conhecida, o que seria possível já então no dizer de Lúcia, indicava o único caminho para a verdadeira paz no mundo e salvação das almas. Para isto são dadas as profecias religiosas. Destas o papa é o supremo juiz quanto à autenticidade, enquanto é também o máximo vigilante sobre os enganos e ilusões contrários à fé. E por isto nada deve impedir que seja o mais informado e atento observador de sinais e luzes divinas para melhor guiar a Igreja. Quantos males evitaria ouvindo antes os avisos de Fátima que as lucubrações de certos doutores! Ainda sobre a relação entre o apelo de Bento décimo quinto e a resposta de Fátima, podemos dizer que esta dá um claro testemunho do poder de invocação do papa quando move toda a Igreja a pedir pela glória de Deus e salvação das almas. O poder está na fé que pode remover montanhas se por ela reconhecermos e almejarmos fazer a vontade de Deus. Não faltarão os Seus sinais. Disto também dá testemunho a mensagem de Fátima que, sendo de origem sobrenatural e representando uma síntese da fé, esperança e caridade católicas, foi dada como solução para a paz do mundo. Mas o mundo, culpado de crimes e revoluções, teve que expiar com a guerra e a fome os flagelos de avidez e domínio que engendrou. A mensagem de Fátima que veio prevenir sobre estes castigos não sendo ouvida, ao contrário, aumentando vertiginosamente a ofensa a Deus, o mundo continua engendrando sem ver um flagelo monstruoso. Mas o pior é que a prevaricação humana coíbe toda solução e saída, prevalecendo também na Igreja, se forem ignorados avisos e desprezadas ajudas. Eis o testemunho silencioso e triste de Fátima. A civilização de Cristo Rei, implantada pelos mártires, difundida por toda a Terra pelos santos e confirmada em todos os tempos pelos papas, está sendo desertada e apostatada? Na Igreja, a preocupação com os perigos terrenos passou a ser maior que com a perdição eterna? Será chegado o tempo em que um delírio de liberdade provocará obscurecimentos da fé, seguido de vertigens, cegueiras e pavores? "Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas e, na Terra, consternação dos povos pela confusão do bramido do mar e das ondas, estremecendo os homens de susto na expectação do que virá sobre o mundo, porque as virtudes dos Céus serão abaladas." CAPÍTULO 5. OS PEDIDOS DA MENSAGEM DE FÁTIMA Foi em 1925 e em 1929, durante o pontificado de Pio décimo primeiro, que Nossa Senhora voltou a aparecer a Lúcia para trazer, confirmando nisso também o que havia dito em 1917, o pedido da consagração da Rússia a Seu Imaculado Coração, e a comunhão reparadora dos primeiros sábados. No dia 10/12/1925, em Pontevedra, na Espanha, a Santíssima Virgem apareceu tendo ao lado o Menino. Mostrava um coração cercado de espinhos e disse: "Olha, minha filha, o meu coração cercado de espinhos que os homens ingratos a todos os momentos me cravam, com blasfêmias e ingratidões. Tu, ao menos, empenha-te em me consolar e diz que todos aqueles que durante cinco meses no primeiro sábado se confessarem, recebendo a sagrada comunhão, rezarem um terço e me fizerem quinze minutos de companhia, meditando sobre os quinze mistérios do rosário, com o fim de me desagravar, Eu prometo assisti-los na hora da morte, com todas as graças necessárias para a salvação dessas almas". Três anos e meio após, no dia 13/6/1929, na capela do convento de Tuy, na Espanha, irmã Lúcia teve a grandiosa visão do Mistério da Santíssima Trindade. Esses eventos extraordinários, ligados à mensagem dada pela Mãe de Deus em Fátima, evidenciam como o Padre Eterno chama os homens à compreensão da indispensável mediação de Maria Santíssima. É como se revelasse: - Eis aquela na qual repousa toda a esperança de salvação para a humanidade. No santo rosário está a válida defesa do papado, da Igreja, da pátria e da paz. Nossa Senhora de Fátima, que trazia em sua mão esquerda o Imaculado Coração com uma coroa de espinhos e em chamas, disse à vidente: "É chegado o momento em que Deus pede para o santo padre fazer, em união com todos os bispos do mundo, a consagração da Rússia ao meu imaculado coração, prometendo salvá-la por esse meio. São tantas as almas que a justiça de Deus condena por pecados, contra mim cometidos, que venho pedir reparação: sacrifica-te por essa intenção e ora." Lúcia deu logo conta do que viu e ouviu a seu confessor, que a mandou escrever tudo. Mais tarde, em carta ao padre Gonçalves (29/05/1930), disse que Deus parecia instar do fundo de seu coração para que pedisse ao santo padre a aprovação da devoção reparadora, e ainda: "Se me não engano, o bom Deus promete terminar a perseguição na Rússia, se o santo padre se dignar fazer, e mandar que o façam igualmente os bispos do mundo católico, um solene e público ato de reparação e consagração da Rússia aos Santíssimos Corações de Jesus e Maria, prometendo, Sua Santidade, mediante o fim dessa perseguição, aprovar e recomendar a prática da já indicada devoção reparadora." Poderia alguém estranhar que comunicações celestes, portanto de inestimável importância e valor, sejam precedidas pela expressão "se me não engano", que admite a possibilidade de erro e, portanto, de contestação de toda a mensagem. Para resolver essa dúvida, deve-se verificar se o que foi transmitido por Lúcia é correto do ponto de vista moral e doutrinal e se era religiosamente oportuno e, portanto, edificante para os fiéis. Além disso, é preciso aquilatar o grau de credibilidade que merece a mesma vidente Lúcia. Certamente ela não foi a única testemunha das aparições, cujos sinais muitos viram e a Igreja reconheceu, mas é a única mensageira sobre a qual se apóia toda a mensagem. Começando, pois, por esta, sabemos que as autoridades da Igreja verificaram que nada contém de contrário à fé ou aos costumes. De resto, ao papa competindo confirmar os irmãos na fé, é assim de conveniência que seja o santo padre a usar de seus poderes para ordenar aos bispos e aos fiéis, como pede a mensagem, o que deve ser feito quando o interesse da fé e, portanto, da salvação está em jogo. Para isto foi pedida a prática de uma devoção e um ato de consagração que se harmonizam com o que a Igreja sempre ensinou e promoveu. Há, por conseguinte, fidelidade católica na forma. Quanto à oportunidade dos pedidos, ela pode ser vista também no simples campo histórico: quanto horror, sofrimento e conflitos teriam sido evitados neste mundo se a Rússia tornasse ao Cristianismo repudiando a ideologia perversa da qual se tornou promotora? Ora, também o modo pelo qual esse pedido é feito segue rigorosamente a teologia sempre ensinada e repetida, por exemplo, por Pio décimo segundo na ocasião em que agradecia a intervenção da Virgem na preservação da Cidade Eterna e de seus habitantes, durante a segunda Grande Guerra contra qualquer previsão humana: "Quem quisesse implorar à Virgem a cessação dos flagelos, sem um sério propósito de reforma da vida privada e pública, estaria pedindo simplesmente a impunidade da culpa, o direito de regular a própria conduta não com a Lei de Deus, mas com as paixões desenfreadas. Tal súplica seria a negação e o contrário da súplica cristã, seria uma injúria a Deus, uma provocação à Sua justa cólera, um obstinar-se no pecado, que é o único e verdadeiro mal do mundo" (Homilia de 13/6/1944, na Igreja de Santo Inácio). O pedido de Fátima funda-se na reparação pelas ofensas e blasfêmias, mas também ingratidões contra Deus e os santíssimos corações, sinais de Seu infinito amor, que a tudo atende e perdoa aos que o invocam, mas não pode permitir que prevaleçam impunemente o erro e o pecado. Também o reconhecimento da onipotência divina sobre os eventos terrestres e o poder de mediação da Virgem Santíssima sobre eles estão iluminados na mensagem, integralmente fiel e a serviço da fé. Quanto à fidelidade de Lúcia: são uma constante no testemunho da irmã o cuidado extremo e os escrúpulos com que transmite as mensagens. Mas o receio concerne somente à própria fraqueza e imperfeição, não aos termos das revelações, sobre as quais jamais vacilou ou se contradisse, embora submetida desde pequena a numerosíssimos e estudados interrogatórios por parte de autoridades sagazes, mas também maliciosas. Assim sendo, a integridade das palavras celestes está também garantida pelo pudor, simplicidade, desinteresse, mas grande firmeza dessa alma cândida, eleita para repetir as palavras da Mãe celeste. Ora, se isto se estende a Francisco e Jacinta, os dois primos pastorzinhos, que em modo mais limitado testemunharam a aparição e de quem está em curso a causa de beatificação, que dizer de Lúcia, escolhida para ser a testemunha plena da aparição e também da mensagem de Fátima! Poderia o Céu enganar-se, escolhendo uma mentirosa ou iludida? A objeção de que não seria acreditada foi feita por Lúcia, que pediu um milagre de Nossa Senhora para que todos cressem. Este foi anunciado por Maria Santíssima em julho, agosto e setembro, realizando-se diante grande multidão em outubro. Foi o chamado "milagre do sol", que no dia 13 de outubro de 1917 teve por testemunhas mais de 70 mil pessoas, entre as quais também jornalistas agnósticos e descrentes. Assim, se o fato "incrível"' se tornou patente para tantos que o viram, por que a mensagem dessa mesma aparição, reconhecida pela Igreja como autêntica, e tão incrível que quase tudo que anunciou já faz parte da história contemporânea, deveria ser suspeitada? Se os pastorzinhos não sonharam a aparição extraordinária, por que deveriam ter inventado, ou mesmo distorcido, a sua mensagem perfeitamente lógica também no plano natural? Ora, tudo isto foi dito com a intenção de pôr em evidência a lição evangélica de que a conversão é necessária a todos e sempre, não só para quem vive longe da religião ou apartado da Igreja. Antes, pelas razões vistas, ninguém mais que os pontífices e guias religiosos precisam preocupar-se com a própria conversão. A responsabilidade, a par das dificuldades, o impõe. Basta pensar que as autoridades não só não são guiadas como os subalternos, mas freqüentemente são desviadas, pela adulação ou reverência destes, a considerar que tudo o que julgam ou decidem é sábio, senão inspirado. Não poucos são os chefes que, do alto da própria posição, esquecem a finalidade desta e o dever da perene vigilância. A Pedro disse Jesus: "Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou com instância para vos joeirar como trigo; mas Eu roguei por ti, para que a tua fé não falte; e tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos." É o grande amor e temor de ofender a Deus que mantêm os chefes à testa, na senda da verdade. Assim, deveriam acolher com reverência e gratidão um aviso celeste que vem ajudá-los com a promessa: "Se fizerem o que Eu vos disser, salvar-se-ão muitas almas e terão paz"; "Se atenderem aos Meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz; se não, - espalhará seus erros pelo mundo..." E isto acontece desde então; o ateísmo espalhado pelo mundo e até dentro da Igreja. Não é preciso acreditar na mensagem de Fátima para verificar essa terrível realidade. Mas ignorar sua ajuda significaria ignorar o grave dever de vigiar sobre o enorme perigo e enfrentá-lo em tempo na defesa da fé. CAPÍTULO 6. CRISTO REI NO REINADO DE PIO décimo primeiro Na aparição de 13 de julho a pastora Lúcia soube de Nossa Senhora que se não a atendessem, deixando de ofender a Deus, começaria outra guerra, ainda pior, no reinado de Pio décimo primeiro. Esse nome era inexistente em 1917 e Lúcia explicará ao padre Jongen não ter idéia se ele seria de um papa ou de um rei. Isto consta do interrogatório feito pelo Monfortiano holandês em 1946, publicado pelo padre João Marchi. O pontificado de Pio décimo primeiro é assim o único mencionado diretamente na profecia de Fátima e nele ficaram claramente definidos os dois eventos principais que, de modo oposto, continuam a condicionar o século 20: a revolução comunista russa que dominou o império czarista e passou a ameaçar o mundo; as aparições de Nossa Senhora em que esse perigo foi anunciado, com sua causa e seus remédios. Para isto prometera voltar com os pedidos de consagração da Rússia e comunhão reparadora dos primeiros sábados, o que fez em 1925 e 1929. Ora, em maio de 1918 o futuro Pio décimo primeiro, monsenhor Achille Ratti, era bibliotecário vaticano e o papa Bento décimo quinto, interrompendo seus estudos histórico-literários, enviou-o como visitador apostólico à Polônia, Lituânia e Rússia, cuja tragédia passou a conhecer muito bem, embora não lhe tivesse sido possível visitá-la. Estes fatos e os que se seguiram mostram que os desígnios da providência faziam com que o futuro papa fosse posto em contato direto com os grandes problemas mundiais e os métodos diplomáticos ensaiados para enfrentá-los. Uma nova era de política concordatária fora aberta por Bento décimo quinto. A ela se aplicaria o espírito aberto às democracias emergentes do futuro Pio décimo primeiro. Tratava-se de concordar sobre os dissídios em potencial da Igreja, a fim de que ela pudesse exercer uma nova função de medianeira no concerto democrático das nações. Em Fátima, porém, na mesma época havia sido lembrado que não pode haver neutralismo católico diante do erro. Este nunca leva à paz e é injurioso a Deus, como ensinou São Pio décimo. Em 1919 monsenhor Ratti foi nomeado núncio em Varsóvia, sendo consagrado arcebispo, com o título de Lepanto, diante do presidente Paderewsky, do marechal Pilsudski e seu governo. Dessa posição desenvolveu grande atividade também em relação à Finlância, Letônia, Lituânia e Geórgia, iniciando alguns acordos que iria concluir como papa. Seria interessante meditar sobre um acontecimento na vida de Pio décimo primeiro, quando ainda era núncio em Varsóvia. Foi no verão de 1920. "A Ucrânia, saída das ruínas da revolução russa e da antiga Áustria-Hungria, restava ameaçada a leste: Kiev desde 1919 fora retomada pelos bolchevistas. A Polônia foi então em socorro da Ucrânia, e o marechal Pilsudski desbaratou o exército vermelho. Mas seus chefes juraram desforra e contra-atacaram furiosamente, reocupando Kiev e dispersando o exército polonês, que foi perseguido até as portas de Varsóvia. Na manhã de 10 de agosto a situação era trágica: os bolchevistas haviam atravessado o Vístula. Houve uma evacuação rápida para Poznan. Os embaixadores deixaram Varsóvia. Permaneceu somente o núncio apostólico, decidido a ficar até o fim, mesmo se a capital caísse nas mãos dos soviéticos. A França enviou às pressas um de seus melhores chefes militares para organizar a resistência. Foi o general Weygand, a testemunhar que monsenhor Ratti foi nesses dias mais intrépido que os poloneses. Sua presença inspirava confiança e dava coragem. Foi em Varsóvia o irmão em armas do cardeal Mercier em Malines. Encarnou a fé polonesa... Uma noite o general lhe disse: - 'Tudo está pronto, nada nos resta senão solicitar a ajuda de vossas preces...' O dia seguinte, 15 de agosto (Assunção), a Virgem estendeu sua proteção sobre a Polônia católica; uma contra-ofensiva atacou pela retaguarda o grosso das tropas bolchevistas reunidas diante de Varsóvia e, dias após, o exército vermelho ficou definitivamente vencido. Assim a Polônia, libertando seu território, preservara a Europa do perigo iminente dos soviéticos. Monsenhor Ratti havia sido ali a figura do 'Defensor Civitatis'." Reconheceria o futuro Pio décimo primeiro em suas preces a causa próxima dessa vitória? De todo modo, a causa final só poderia ser a glória de Deus, cuja participação humana está em proclamá-la para o bem da Igreja inteira. O mesmo seria para com os pedidos de Fátima. Mas, infelizmente, estes sabemos que o papa Pio décimo primeiro não soube acolher. Em fevereiro de 1922 morre Bento décimo quinto e poucos dias após o cardeal Achille Ratti é eleito seu sucessor. Embora se propusesse continuar, em suas grandes linhas, a política de conciliação internacional seguida por Bento décimo quinto, preferiu tomar o nome de Pio. Concluiria 18 concordatas, além de vários acordos e modus vivendi, alguns dos quais havia preparado pessoalmente. Era o resultado da reaproximação à Santa Sé de países que sentiram depois da guerra de 14-18 os inconvenientes da separação forçada entre Igreja e Estado, mas também a necessidade de estabelecer novas relações pelo desmembramento do Império Austro-Húngaro. É, pois, evidente a importância da nova política. Ora, sobre questões de concordatas, que tocam de perto a doutrina da realeza de Cristo, supremo legislador da sociedade humana, os papas sempre se pronunciaram com documentos muito fortes, São Pio nono, com a encíclica Quanta Cura e o Syllabus (8/12/1864), condena a separação e a dependência que o Estado quer impor à Igreja, como se esta não fosse uma sociedade livre com direitos próprios e permanentes conferidos pelo seu Divino Fundador. Não temeu ver Roma invadida pelas tropas italianas para reafirmar essa verdade. Preferiu, a ceder quanto ao princípio acima, considerar-se prisioneiro. Do mesmo modo São Pio décimo, diante da ruptura da concordata napoleônica na França, em 1905, pronunciou-se com a encíclica Vehementer, sem permitir que a força dobrasse os direitos e princípios da Igreja. E apesar das perdas materiais e das humilhações físicas, a vida espiritual na França beneficiou-se muito dessa firmeza. Com Pio décimo primeiro, de certo modo esses problemas voltavam na Itália, na França, em Portugal, no México e em países do leste europeu. Em dezembro de 1922, no início de seu pontificado, Pio décimo primeiro pronunciou no consistório secreto o discurso Vehementer gratum est, em que, fazendo o elogio de Bento décimo quinto, fala do primado da caridade e dos esforços de paz em continuar o envio de ajuda à Rússia. Anuncia também a encíclica Ubi arcano Dei sobre os males presentes e suas causas e remédios é "a Paz de Cristo no Reino de Cristo", que será o lema do seu pontificado. Nela dirá que uma Sociedade das Nações sem Cristo é utopia! Mas confirmando a política de assistência à Rússia comunista, vítima da perseguição e da fome, nutriu a ostpolitik em embrião, cujos resultados falimentares conhecerá bem cedo. Ali a Paz de Cristo seria impossível porque era combatida Sua idéia e Sua Igreja. Em qual base, então, seria negociável uma eventual concordata? Em dezembro de 1925 é publicada a encíclica Quas primas, sobre o Reino de Cristo que vai sendo esquecido pelos homens. É instituída a festa de Cristo Rei para lembrá-lo aos cristãos. Mas quem o lembrará ao mundo? Uma política concordatária justa poderia fazê-lo, mesmo encontrando resistências e perseguições, como ocorre com todo testemunho. E este consistia essencialmente em defender o princípio da soberania social de Cristo em toda a Terra e sobre qualquer conveniência. Em 1926, com a carta Paterna sane sollicitudo Pio décimo primeiro denunciou o governo revolucionário do México que persegue uma maioria de 95 % de católicos, chegando a sustentar para isso uma seita que tem o nome de Igreja Nacional. Esse estado de coisas vem da constituição de 1917 e da qual derivou em 1926 a iníqua lei Cultos-Calles, cuja atitude contra a Igreja católica provocou a reação armada dos cristeros. No início o papa animou-os na sua defesa dos valores cristãos até o martírio. Em 1929, porém, deixou-se aconselhar pelo delegado apostólico Ruiz e Flores e pelo arcebispo Diaz Ibarreto do México, que propunham um modus vivendi com o governo revolucionário (minoritário). Por ouvir a nova orientação do papa e da hierarquia, os defensores da Igreja de Cristo Rei cederam as armas e foram traiçoeiramente dizimados. Foi um modus moriendi, como diria o bispo Lara y Torres. Apesar disso, anos depois Pio décimo primeiro condenou os cristeros que não haviam acolhido - mas desobedecido - suas indicações de apaziguamento. Também em 1926, na França, o papa condenou a Action Française, liderada pelo monarquista Charles Maurras que, embora acatólico, liderava a luta contra o laicismo e pelo monarca que fosse o lugar-tenente de Cristo Rei. Pio décimo primeiro sempre favoreceu e preferiu a Ação Católica mas esta não tinha condições de substituir os primeiros no campo político, o que levou a uma débacle dos valores católicos na França. Quanto à Itália, em 1929 foram firmados os pactos de Latrão, que davam um reconhecimento de fachada à religião católica, mas na verdade eram uma conciliação com o estado moderno fascista ou liberal. Dois anos depois Mussolini atacava a Ação Católica e Pio décimo primeiro condenava o ato com a encíclica Non abbiamo bisogno. Em modo mais rápido e drástico foi a assinatura e a violação da concordata com o Reich de Hitler em julho de 1933. Já em março de 1934 começava uma aberta perseguição da Igreja na Alemanha. Pio décimo primeiro condenava o nazismo com a encíclica Mit brennender sorge, em 1937, nos mesmos dias em que condenava o comunismo com a encíclica Divino Redemptoris. Como se vê, Pio décimo primeiro esteve pronto tanto para tratar com regimes fortes de doutrinas distorcidas como para condenar estas e os regimes respectivos. A Pio décimo primeiro não faltou energia para acusar os erros, suas encíclicas doutrinais o demonstram. Depois de citar as principais veremos como as usou no campo das concordatas que tanto o ocupou. Em janeiro de 1928, com a encíclica Mortalium animos condenou os erros do pan-cristianismo, germe do ecumenismo pós-conciliar hodierno. De fato, há nessa mistura de fé uma verdadeira ofensiva à idéia de Cristo Rei e Sua doutrina, que seria igual a tantas outras, como se caridade e união fossem possíveis sem a única fé. A Quadragesimo anno é de 15 de maio de 1931 e lembra a doutrina social da Rerum novarum de Leão décimo terceiro, baseada no Decálogo e na Lei natural, contra o que se abatem as forças desordenadas do mundo e a rebelião a Cristo do homem moderno. O caráter forte e autoritário do papa Ratti não aceitava intimidações no campo prático nem ameaças à doutrina no campo religioso sem dar uma corajosa resposta ou advertência. Tudo indica, porém, que muitas vezes esteve propenso a tentar soluções pessoais e a tratar com adversários da Igreja, procurando ignorar a malícia anticristã destes. Assim, muitos acordos parecem apoiar-se mais nos recursos humanos que no princípio imutável dos direitos divinos, fazendo com que o reinado de Cristo ficasse no âmbito eclesial. No âmbito civil confiou em que a Ação Católica pudesse promovê-lo, mas essas organizações já haviam mostrado seus limites e inconvenientes sob São Pio décimo. Eram os princípios sobrenaturais na sociedade humana que entravam em crise, o erro organizativo era conseqüente. É preciso relevar que, das concordatas feitas no pontificado de Pio décimo primeiro, as que melhor resistiram ao tempo e às forças inimigas da Igreja foram as de Portugal (1928) e da Itália (1929). A primeira, conseqüência da restauração católica que seguiu os eventos de Fátima, e que se apoiou na fé dos portugueses, povo e governo. Mesmo quando veio a "revolução dos cravos", que trouxe o socialismo a Portugal e ameaçou bombardear Fátima, o espírito católico português resistiu e a concordata não foi anulada. A proteção do Imaculado Coração de Maria que se manifestou desde 1917 e especialmente nas décadas de 30 e 40, repetiu-se em 1975. O povo, guiado pelos prelados devotos, recorreu em massa a essa intervenção. Eis a fé que sustenta as leis cristãs e as concordatas eclesiais. Quanto à concordata da Itália com a Santa Sé, resistiu precariamente até vinte anos depois do Concílio Vaticano segundo, mas no seu espírito foi modificada, como o havia sido a concordata com a Espanha sob Paulo sexto. Depois do espírito concordatário soprou o espírito conciliar e depois deste até a idéia de Cristo Rei esvaiu. CAPÍTULO 7. A LUTA DE PIO décimo primeiro CONTRA OS ERROS DA RÚSSIA Foi durante esse pontificado, que durou de 1922 a 1939, que o poder soviético consolidou-se na Rússia, impondo sua ideologia e ateísmo, apesar das carestias e massacres sem precedentes históricos que isso causou. Trata-se de milhões de mortos. Ora, Pio décimo primeiro conhecia bem essa tragédia e, convocando os católicos à oração, já em 1922 concedia trezentos dias de indulgência para a jaculatória: "Salvador do mundo, salvai a Rússia." Mas as iniciativas para lembrar aos fiéis a gravidade do problema não impediram que fosse continuada a política de assistência, que no fundo implicava aproximações e compromissos, já iniciados por Bento décimo quinto. É justamente chamada de ostpolitik, primórdio da aberta política conciliar atual, e descrita em seus pormenores no livro de frei Michel de la Sainte Trinité, Toute la verité sur Fatima. Ora, nessa mesma obra relata-se como Pio décimo primeiro em 1929 fizera organizar em vários pontos da Europa conferências para que os cristãos tomassem conhecimento da perseguição comunista que o papa assim descrevia: "A reparação mais universal e solene é necessária pela recrudescência da propaganda oficial feita de tantas blasfêmias e impiedades"... Não somente foram fechadas centenas de igrejas, queimados inúmeros ícones, obrigados ao trabalho todos os trabalhadores e alunos das escolas, cancelando-se os domingos e feriados, mas chegou-se a obrigar os operários das fábricas, homens e mulheres, a assinar declarações de apostasia formal e de ódio a Deus sob pena de serem privados de tudo, - "organizaram-se também infames espetáculos de carnaval durante os últimos natais, - escarnecendo e cuspindo sobre a Cruz." Em vista disso tudo, Pio décimo primeiro queria que "todos os seus irmãos do episcopado católico e todos os cristãos do mundo" se unissem em uma súplica solene. Para tanto foi organizada em Roma, no ano de 1930, apesar da hostilidade de governos pró-soviéticos, uma solene cerimônia de reparação pela perseguição na pobre Rússia. Veremos que há razões suficientes para pensar que este ato solene convocado pelo papa poderia levar ao indicado pelo Céu para o cumprimento da consagração da Rússia ao Imaculado Coração. -- Antes de tudo, porque o pedido foi feito em 1929, e transmitido pela vidente Lúcia em seguida, como consta de sua carta ao papa Pio décimo segundo de dezembro de 1940: "Dei conta ao confessor do pedido de Nossa Senhora. Sua Revcia. empregou alguns meios para que ele se realizasse, fazendo-o chegar ao conhecimento de Sua Santidade, Pio décimo primeiro. Naquele ano o bispo de Leiria deve ter estado em estreito contacto com o Vaticano para o reconhecimento oficial pela Igreja do evento de Fátima, que se deu em 13 de outubro de 1930, treze anos depois do grande milagre do sol. Sabe-se que Pio décimo primeiro, tomando conhecimento dos detalhes do processo, havia estimulado dom José a reconhecer as aparições. Já em 13 de maio de 1928 havia o papa autorizado que o Osservatore Romano, publicasse um relato elogioso do que se conhecia de Fátima, tendo no ano seguinte distribuído pessoalmente aos alunos do seminário português de Roma imagens da aparição com a inscrição: "Nossa Senhora do Rosário de Fátima, rogai por nós". Isto foi presenciado por monsenhor Domingos Frutuoso, bispo de Portalegre, que se havia oposto ao culto de Fátima. Expondo seus escrúpulos a Pio décimo primeiro este perguntou: - Quantos seminaristas tínheis em 1917? "Dezoito, Santo Padre." - E agora? "120". Que esperais, então, para agradecer a Nossa Senhora de Fátima? Esta resposta do papa ao bispo sem dúvida dá bem idéia de como estava informado e convencido das origens do grande evento. Devia conhecer também o pedido de 1929. Lúcia responde a William Thomas Walsh: "Em 1929 escrevi os desejos e pedidos de Nosso Senhor e Nossa Senhora, que são os mesmos, e entreguei-os ao meu confessor, que nesse tempo era o reverendo padre Bernardo Gonçalves da Companhia de Jesus, agora Superior da Missão de Zambésia Leifidizi. Sua Reverendíssima transmitiu minha carta a Sua Excia. o senhor bispo de Leiria e, logo depois, chegava às mãos de Sua Santidade Pio décimo primeiro. Não sei a data exata em que Sua Santidade a recebeu, nem o nome da pessoa que a levou. Mas lembro-me muito bem de que meu confessor disse-me que o Santo Padre ouvira bondosamente a mensagem e prometeu tomá-la em consideração." Aqui, é importante notar que já em 17 de dezembro de 1927 Lúcia foi autorizada pelo Céu a revelar as duas primeiras partes da mensagem, como disse sempre ao padre Jongen, em 1946. Estas estavam, portanto, ao alcance das autoridades da Igreja e só não foram melhor conhecidas porque ninguém perguntou sobre elas à irmã Lúcia. Em 1929 havia, portanto, todos os elementos para que os homens da Igreja cumprissem o pedido de Fátima: "É chegado o momento em que Deus pede para o Santo Padre fazer..." No ano seguinte houve em Roma a grande cerimônia de reparação pela Rússia e em outubro o reconhecimento oficial da autenticidade das aparições. A consagração seria uma verdadeira graça celeste, porque vinha dar a forma sobrenatural a um ato reparador para a conversão da Rússia. Era também o momento político mais propício, porque enquanto a repressão e o terror da revolução soviética eram fatos mundialmente conhecidos, ainda não havia assumido uma perigosa dimensão o novo fenômeno político que causaria a segunda Grande Guerra: o nazismo nacional-socialismo alemão cujos erros vistosos e agressividade fariam esquecer durante um período o comunismo soviético. Em 1930 as atenções ainda estavam voltadas para essa ameaça universal e o papa Pio décimo primeiro, depois da grande cerimônia de 19 de março, continuava a lembrar a perseguição religiosa na Rússia, decidindo em 30/6/1930 que as orações depois da Missa (os exorcismos de Leão décimo terceiro) seriam ditas nessa intenção. Foram muitas as iniciativas nesse sentido, mas por alguma razão misteriosa evitou-se utilizar a indicação dada em Fátima. A esta ajuda, cuja origem sobrenatural a Igreja tinha reconhecido, não recorreu o papa para salvar o mundo e a Rússia do seu maior inimigo. Mas assim se deixava passar também a ocasião de uma excepcional homenagem a Nossa Senhora. Frei Michel de la Sainte Trinité, mostra como esta havia estado nos planos de São Pio décimo, que aguardara somente um sinal propício da Providência para convocá-la. É interessante saber, porém, que já autorizara uma festa em honra de Nossa Senhora dos Santíssimos Sacramentos no dia 13 de maio, e concedera em 13/6/1912 a indulgência plenária para quem nos primeiros sábados do mês fizesse atos de reparação pelas ofensas ao nome e prerrogativas de Maria Santíssima Mãe de Deus. Como se vê, tudo em Fátima é dado segundo a Igreja e o papa. O pedido de consagração da Rússia e a devoção reparadora dos primeiros sábados calhavam tão bem para o que Pio décimo primeiro então quisera fazer que parecia resposta a uma pedido deste papa, antes que de Bento décimo quinto. E todavia os termos humanos prevaleceram sobre os de Fátima. E aquela ocasião propícia passou. Nem a milagrosa aparição na Cova da Iria, nem a surpreendente restauração social e religiosa de Portugal, que foram reconhecidas por Pio décimo primeiro, convenceram-no da necessidade de atender os pedidos de Fátima para salvar a Rússia e tantas almas. Em 1933, na Alemanha, o nazismo de Hitler que chegou ao poder com uma rapidez surpreendente já em 14 de julho concluiu uma concordata com o Vaticano. Pio décimo primeiro, que "para salvar almas disse que trataria até com o diabo", tratou com os nazistas e continuava tentando tratar com os soviéticos que o queriam condenado à morte desde 1923. Depois de 15 anos de uma política humilhante e de péssimos resultados, Pio décimo primeiro, com a encíclica Divini Redemptoris, de 1937, condena o comunismo "intrinsecamente perverso, com o qual nenhuma colaboração é possível". Nela é lembrado São Mateus: "Males dessa ordem que hoje atormentam a humanidade só podem ser vencidos por uma cruzada de oração e penitência, - pela potente intervenção da Virgem Imaculada". Pio décimo primeiro, porém, não havia utilizado as armas de fé que lhe tinham sido oferecidas, acompanhadas de sinais extraordinários. Preferira negociar, e o momento passou. CAPÍTULO 8. "O PAPA FARÁ A CONSAGRAÇÃO, MAS SERÁ TARDE" O padre Joaquim Maria Alonso OFM, estudioso de Fátima, cita em seu livro Fátima Ante la Esfinge a carta de irmã Lúcia a seu bispo, de 29 de agosto de 1931, em que comunica as seguintes palavras de Nosso Senhor: "Faça saber a Meus ministros que, como eles seguem o exemplo do rei da França ao retardar a execução de Meu pedido, eles o seguirão na desgraça. Nunca será tarde demais para recorrer a Jesus e a Maria." Essa terrível comunicação do Senhor a Seus ministros, pelas suas omissões em seguir o pedido de Fátima, consta também em outros documentos. Assim em uma comunicação íntima que irmã Lúcia teve: "Não quiseram atender ao Meu pedido! (de consagração). Como o rei da França, arrepender-se-ão e fá-lo-ão, mas será tarde". A Rússia terá já espalhado os seus erros pelo mundo, provocando guerras e perseguições à Igreja. O Santo Padre terá muito que sofrer. Eis um termo de comparação proposto pelo próprio Senhor, entre passados reis cristãos da França e papas de nossos tempos. Ambos deveriam ser essencialmente executores dos desígnios de Cristo Rei e estes haviam sido expressos em forma de pedidos tanto singelos e discretos como extraordinários e necessários. Dependia da fé desses chefes reconhecê-los e cumpri-los para salvar seus reinos. Vejamos o caso do rei da França. Trata-se de Luís DÉCIMO QUARTO, da família Bourbon, que em 1689, quando estava com 50 anos e em pleno poder, recebeu (Há indicações confirmando que o rei Luís décimo quarto recebeu o pedido do Sagrado Coração através - se não do padre La Chaise, provavelmente contrário a devoções que solicitassem demais a fé de um rei pouco religioso - da princesa Maria Beatriz d'Este, muito estimada por Luís décimo quarto e que, tornando-se religiosa visitandina, esteve em estreito contacto com Sta. Margarida Maria. Note-se que o rei, que não atendeu ao pedido ao Sagrado Coração, em 1696 apresentou à Santa Sé o pedido de uma missa ao Sagrado Coração de Jesus, devoção que certamente provinha do convento de Paray-le-Monial e provavelmente por intercessão da princesa d'Este), provavelmente através de seu confessor Père La Chaise, o pedido de consagrar seu reino ao Sagrado Coração, pedido este transmitido a Sta. Margarida Maria Alacoque, que teve uma visão no mosteiro de Paray-le-Monial em 17 de junho daquele ano. Eis os termos: "Faz saber ao filho primogênito de Meu Sagrado Coração que, assim como o seu nascimento temporal foi obtido pela devoção aos méritos de Minha santa Infância, do mesmo modo ele obterá seu nascimento na graça e na glória eterna pela consagração que fará de si mesmo ao Meu adorável Coração que quer triunfar sobre o seu, e pelo seu intermédio, sobre os dos grandes da terra. Ele quer reinar no seu palácio, ser pintado nos seus estandartes e impresso em suas armas, para fazê-las vitoriosas sobre os seus inimigos, dobrando a seus pés as cabeças orgulhosas e soberbas, para fazê-lo triunfar sobre todos os inimigos da Santa Igreja. Note-se, porém, que embora fazendo tal pedido, Nosso Senhor logo após revela à mesma vidente: "Não serão as potências humanas que farão progredir a devoção ao Sagrado Coração, mas estas e o Reino do Sagrado Coração serão estabelecidos por meio de pessoas pobres e desprezadas e no meio de contradições, de tal modo que não se possa atribuir nenhum mérito ao poder humano". E, de fato, Luís décimo quarto, embora herdeiro de uma tradicional devoção católica multicentenária, como mostraremos em seguida, não considerou o pedido, evitando mesmo revelar que o recebera. Para o rei da França, tal pedido não poderia parecer estranho como o é para a mentalidade moderna, mas, ou porque mal aconselhado, ou porque era vítima naquele momento de uma crise de grandeur, deixou de lado a devoção ao Sagrado Coração, cuja consagração era na verdade uma oferta preciosa e talvez extrema. Exatamente cem anos depois, no dia 17 de junho de 1789, festa do Sagrado Coração, o Terceiro Estado despojava a monarquia dos Bourbon de seus poderes. O rei Luís décimo sexto, descendente direto de Luís décimo quarto e, por isto, conhecedor do pedido, já prisioneiro tentou cumpri-lo com uma solene promessa, mas era tarde demais. Na prisão do Templo foram encontradas imagens do Sagrado Coração com a consagração da França assinada por Maria Antonieta e Mme. Elisabeth, irmã de Luís décimo sexto, que compôs então um belo ato de resignação cristã. Em 1793 o rei da França foi guilhotinado e igual destino coube a quase toda a família real e a grande parte de sua corte. Era a revolução desencadeada contra a civilização cristã e seus reis, da qual Nosso Senhor queria preservar a França católica. Mas a suprema misericórdia não foi ouvida. Talvez considerada inverossímil. Voltando atrás no tempo, consta que também a Père La Chaise, jesuíta confessor de Luís décimo quarto, foram prometidas bênçãos à sua Companhia de Jesus caso ele levasse o pedido ao rei, empenhado-se para que o cumprisse. Isto não se deu. Desde então os jesuítas sofreram diversos reveses e perseguições no século 18, sendo expulsos da França, Portugal, Espanha e Reino de Nápoles e sua ordem suprimida pelo papa Clemente décimo quarto em 1773. Seria porém o jesuíta beato Claude La Colombière, confessor de Santa Margarida Maria, e continuadores, como o jesuíta Jean Croiset, lutando contra as contradições do tempo, que iriam difundir a devoção ao Sagrado Coração. É interessante notar como o culto ao Coração de Jesus, nobilíssima parte de Seu divino corpo e símbolo de Seu amor infinito, era dado justamente para enfrentar a revolução racionalista. E curiosamente esse mal, entre todas as ordens religiosas, afetou de modo relevante justamente os jesuítas. Basta citar Teilhard de Chardin, de Lubac, e no recente concílio, cardeal Bea, Karl Rahner, Eduardo Dhanis. Para que se tenha uma idéia do que representava para a França o culto ao Sagrado Coração, será útil lembrar ainda alguns fatos. O pedido de consagração da augusta pessoa do rei e do seu exército foi lembrado também a Luís décimo quinto, em 1744, pela superiora do mosteiro de Paray-le-Monial. Não foi dado só a Luís décimo quarto. Durante e após a revolução de 1789, grande número de suas vítimas e dos contra-revolucionários que a ela se opuseram, especialmente na Vandéia católica, usava a imagem do Sagrado Coração. Em 1899, o papa Leão décimo terceiro com a encíclica Annum Sacrum ordenou a consagração do gênero humano ao Sagrado Coração de Jesus. Nessa ocasião escrevia aos bispos para incitá-los a desenvolverem essa devoção com a prática da comunhão das primeiras sextas-feiras e a consagração do mês de junho ao Sagrado Coração. Ao bispo de Marselha escrevia em 6 de julho de 1899: "Pode-se dizer, sem medo de errar, que estava nos desígnios da divina Providência unir a França ao Sagrado Coração com laços privilegiados de afeto". Por tudo isto, o pedido de consagração da França e de seus exércitos (pedido da mística Claire Ferchaud), e mesmo a idéia de que a imagem do Sagrado Coração com a Cruz fosse pintada na bandeira nacional, estavam ainda vivos nos anos 1917-1918, durante a presidência de Poincaré, que havia feito um apelo à union sacrée dos franceses durante a guerra. Consta, porém, que o papa Bento décimo quinto, consultado a esse propósito, teria considerado a idéia inoportuna e mesmo comprometedora. Disto fez-se porta-voz o prestigioso cardeal Billot, jesuíta, que se manifestou publicamente contra essa "absurda contradição", "este clericalismo aplicado à bandeira, que é um sonho impossível, mesmo porque, esta, é levada também em guerra, e todos os povos têm iguais direitos de honrar o Sagrado Coração de Jesus." CAPÍTULO 9. A DEVOÇÃO CATÓLICA NA FRANÇA ANTIGA A devoção católica, real e popular, na França antiga, era geral. Começara com o primeiro rei católico, Clóvis. Seguiram-se os príncipes merovíngios da primeira dinastia francesa, tendo a segunda dinastia feito notáveis progressos. Rei Pepino viajava pelos seus territórios seguindo o itinerário de capelas, que se enriqueciam à passagem do rei. Seu filho Carlos Magno foi pródigo em fazer erigir igrejas e abadias, obra continuada por seus filhos. Vieram depois os Capetíngios, que proclamaram Maria "Estrela do Reino", erigindo as grandes catedrais de Paris, Chartres, Amiens, Reims, Estrasburgo, Rouen, etc, que são maravilhas da humanidade. De São Luís, rei de França, nem é preciso mencionar a devoção e zelo fervoroso pelas coisas de Deus. É mais o caso de lembrar de como Deus premiou os franceses, dando-lhes como rei um santo. Mas depois dele houve um retorno ao mundano. Mesmo assim, Filipe o Belo e Filipe de Valois estabeleceram o costume de oferecer as armas e cavalos com que venciam suas batalhas a Nossa Senhora. E as suas rainhas e princesas não foram menos reverentes para com a Rainha do Céu. O rei João de Valois instituiu a ordem mariana dos Cavaleiros da Estrela, que jejuavam todos os sábados em honra a Maria Santíssima. Luís décimo primeiro de Valois durante as audiências solenes trazia como único ornamento uma imagem de chumbo da Virgem Soberana de quem foi sempre especialmente devoto. Luís décimo segundo da Casa de Valois-Orleans, em não poucas ocasiões, deu testemunho público de seu reconhecimento a Deus e à Santa Virgem. Também Francisco primeiro soube fazer um ato de reparação exemplar por uma estátua mariana da qual havia sido abatida a cabeça numa praça de Paris: precedeu sua corte, indo à frente da peregrinação descalço e com a cabeça descoberta em reparação pública do gesto sacrílego de um desconhecido. Diante dessa devoção católica e mariana, não admira que protestantes e jansenistas encontrassem tantas dificuldades para obter algum resultado na França. Mas chegamos assim a Luís décimo terceiro de Bourbon, filho de Maria de Medicis e Henrique quarto, convertido ao catolicismo. De seu casamento com Ana de Áustria nasceu, depois de 25 anos de matrimônio, o menino que seria Luís décimo quarto. O rei reconhecia nesse nascimento a intervenção de Maria Santíssima e por isso lhe consagrava solenemente a França, ordenando ao seu exército a recitação do santo rosário para a conversão dos protestantes. No decreto de consagração do rei e de seu reino à Virgem protetora ressoavam palavras ardentes e severas disposições para que a posteridade não deixasse de observá-la. CAPÍTULO 10. LUÍS DÉCIMO QUARTO PERANTE A HISTÓRIA E UM PEDIDO O rei Luís décimo quarto foi o instaurador da monarquia absoluta que levava às últimas conseqüências a idéia do poder divino dos reis. Mas a serviço de que pôs tanto poder? Ora, sua política européia alternou pragmaticamente os desígnios de seus predecessores, sempre em busca da supremacia francesa. Como rei católico, sua política foi, assim, bastante contraditória. Revogou o Edito de Nantes, que preservava os direitos dos protestantes, e ordenou duras perseguições aos jansenistas de Port-Royal, mas evitou a política de Francisco primeiro de unir as nações cristãs contra os turcos invasores. Nisto contrariou até as lições de Nazzarino, que, embora descrito por muitos como homem sem escrúpulos, não hesitou em mandar tropas a Creta para ajudar em 1660 os venezianos contra os turcos. E, mais: em seu testamento recomendara ao rei que "defendesse sempre a Igreja como se fosse seu filho maior". Acontece que o devoto filho de Ana d'Áustria instituiu uma vida de corte cujo mundanismo e luxo não tinha precedentes, aproximando-a de um novo Olimpo pela suntuosidade e motivos mitológicos de suas festas. Foi assim que o Rei Sol passou a ignorar toda piedade, rir-se do pudor e desprezar as conveniências das leis da Igreja. Tornou-se quase um libertino, relata Lavisse. Mas o caráter forte de Luís décimo quarto fazia-o voltar à vida espartana de soldado se estivessem em jogo os interesses da França ou a dignidade do rei. Por isso seu reinado cresceu continuamente em poderio e em 1689 dispunha de 300 mil homens em armas, chegando ainda a disputar com a Inglaterra a supremacia naval. "Nenhum príncipe cristão havia reunido tais forças. Só os reis da Pérsia o fizeram. Tudo é novo, tudo é maravilhoso", escrevia então Mme. Sevigné. Diante de tal exército Louvois dizia ao rei: "Sire, se alguma vez houve uma divisa adequada, foi esta, feita para Vossa Majestade: - Só contra todos." Ora, a História registra grandes vitórias mas também fragorosas derrotas dessas forças. Mas em ambas os historiadores notam algo que as tornavam inúteis e inconclusas. Nessa abreviada descrição histórica deve-se ressaltar um acontecimento de 1683 em que as tropas francesas não tomaram parte, embora envolvesse a Europa. Trata-se da investida do Islã contra o ocidente cristão feita pelo exército de 200 mil homens do grão-vizir turco Kara-Mustafá, que avançou sobre Viena. Nessa ocasião o imperador apostólico Leopoldo apelou aos estados europeus. Estes foram especialmente solicitados pelos núncios enviados pelo Bem-aventurado Inocêncio décimo primeiro através do continente para se mobilizarem. Entre os chefes que acolheram, solícitos, o apelo do papa estão Carlos de Lorena e o rei da Polônia, João Sübieski. Luís décimo quarto, porém, cego pela política hegemônica faz um cínico entendimento com o governo do sultão, esperando que Viena caísse como lhe convinha. A vitória coube, porém, aos que confiaram na força da fé. Sobieski, grato, envia ao papa a mensagem: Venimus, vidimus, Deus vicit. Era a paráfrase cristã do vencedor Júlio César. Para Luís décimo quarto aquele foi, ao contrário, um ano de tristezas e reveses. Morre a rainha Maria Teresa em plena juventude. Perde também seu fiel ministro Colbert e a sua posição de predominância na Europa. Mas o momento especial desse rei da França ainda não passara, e 1689 poderia ser o ano a reconhecê-lo e consagrá-lo, com o seu reino, para a glória de Deus. Poderia, assim, ter tido início uma fase de verdadeiro progresso no enriquecimento moral e espiritual. Isso já havia acontecido no passado e determinara a insuperável civilização ocidental cristã. Provavelmente com Luís décimo quarto e seu século de ouro repetia-se a ocasião. Politicamente, esse rei de índole decidida recebeu poder suficiente para mudar os destinos da Europa e do mundo de então. Teria bastado que seguisse os princípios da sua religião, reprimindo os ímpetos de sua ambição. Foi monarca absoluto de uma nação rica de homens e de solo e as circunstâncias históricas o tornaram árbitro de conflitos alheios. Em Roma reinava um papa, Bem-aventurado Inocêncio décimo primeiro, cuja sabedoria e santidade foi sem igual no século depois de São Pio QUINTO, nem se repetiria até São Pio décimo. Mas, além disso tudo, Luís décimo quarto recebeu o dom de um pedido do Sagrado Coração de Jesus. CAPÍTULO 11. "HOMEM DE POUCA FÉ, POR QUE DUVIDASTE?" No capítulo décimo quarto de São Mateus, depois da multiplicação dos pães, lemos sobre Jesus que caminha sobre as águas e sobre Pedro que, desejando ir ter com Ele, duvida por um instante e se afogaria não fosse a mão divina a sustentá-lo, depois que pediu socorro. Ora, nos tempos tumultuosos de Luís décimo quarto, assim como nos tempos tenebrosos de nosso século, os grandes da terra parecem duvidar poder vencer a intempérie, recorrendo à divina mão capaz de sustentá-los. Eis que a Misericórdia adianta-se ainda, como se o pedido viesse do Alto e aos grandes coubesse decidir quanto a atendê-lo ou ignorá-lo. Mas, não é possível salvar ou salvar-se sem a fé, assim como é impossível pensar que um pedido divino seja menos que uma ajuda extrema. Pedindo ao rei ou aos papas a consagração aos Sacratíssimos Corações para vencer os problemas da terra, na verdade é oferecida uma ajuda para que não soçobrem com seus povos na fé. É como se Jesus dissesse a Pedro: Pede socorro! Já ao pedir darás sinal da fé que te pode salvar. Peço que Me peças. Nisso reconhecerás o Salvador. Limitando-nos aqui ao rei da França, sabemos que ele não pediu, consagrando-se e a seu reino ao Sagrado Coração, como solicitado. O momento passou e faltou-lhe a fé para essa consagração. Desvaneceram-se, assim, também as altas finalidades de seu poder, dado para pacificar os povos e não para perseguir dissidentes; para converter extraviados, não para dizimá-los; para unir nações, não para submetê-las ou traí-las. Desde então teve vitórias sem nexo que aumentaram a miséria do povo. Teve gestos de poder que deixaram somente ressentimentos profundos. Enfim, nos últimos anos de seu reinado, a França foi assolada pelo calamitoso inverno dos anos 1708-1709 que trouxe mais fome e morte que as suas guerras. Tanta carestia, gelo e novas invasões pareceram a todos castigos celestes. E para o povo sofredor a causa procedia do rei, figura marmórea e distante, cujo fausto permanecia como um acinte à miséria geral. Não parecia Luís décimo quarto monarca cristão, mas o faraó de Versailles, como o denominara Jean Héritier. Sua prepotência levava a exasperações políticas de problemas religiosos, favorecendo a formação de um caldo de cultura para a futura revolução. Naquela época Fénelon escrevia ao duque de Chevreuse uma carta destinada ao rei: - Vós me direis que Deus sustentará a França, mas eu vos pergunto até onde vai a promessa? Mereceis vós milagres enquanto a vossa próxima e total ruína ainda não consegue corrigir-vos, a vós que continuais duro, soberbo, faustoso, isolado, insensível e sempre pronto a vos glorificar? Poderia Deus aplacar-se vendo-vos humilhado mas sem humildade, confuso pelos vossos erros inconfessados e pronto a recomeçar? No fim da vida Luís décimo quarto viu-se também distanciado de seus sucessores. Em 1711 morre o "grand Dauphin". Em 1712 morrem, a poucos dias de intervalo, a duquesa e o duque de Borgonha. Depois de poucas semanas, morre também o duque de Bretanha, irmão maior do futuro Luís décimo quinto. Uma geração intermediária ia desaparecendo, levando Mme. de Maintenon, com quem o rei se casara secretamente, a escrever: "Aqui tudo está morto. Falta vida". Os remanescentes foliões da corte faraônica fugiam à procura de divertimentos para uma Paris que já dava mostras de uma babilônia viciada e decadente. Pressentindo a morte, o rei manda chamar o menino que seria Luís décimo quinto e lhe diz: - Meu filho, tua fortuna dependerá da tua submissão a Deus. Peço-te não imitar-me no amor pela guerra, mas ajudar o quanto possível teu povo, fazendo o que eu não pude fazer... No dia primeiro de setembro de 1715 extinguia-se Luis décimo quarto, o Rei Sol, decepção de um século que poderia ter sido "tão fecundo e tão favorável a ele em todos os campos, a ponto de poder ser comparado ao século de Augusto". Assim escrevia Saint-Simon. Algo, porém, falhara fazendo predominar a aridez e germinar o ódio. Assim foi que o féretro do rei atravessou uma multidão que o insultava, vociferante e embriagada como jamais se havia visto. A glória do mundo passara, fugaz e inútil, porque não servira devidamente à glória daquele que ensinara "quem não recolhe Comigo, dispersa". Não soubera ouvir o pedido daquele que dissera "Meu jugo é suave, o Meu peso é leve". Ao contrário, fora tirano de jugo cruel e até seus prêmios se tornavam lágrimas. Tivesse ouvido um dia o pedido que lhe fora apenas sussurrado... Já naquele 1715 outro pacto de poder ia surgindo. Um jovem de 20 anos presenciava o declínio de um reinado sobre cujos erros iria delinear-se a nova forma de domínio que se nutre não mais de direito divino, mas de rebelião revolucionária. Naquele mesmo século, das idéias de Voltaire surgiria o poderoso, utópico, implacável reinado do terror. A França e o mundo não haviam merecido que o rei católico efetuasse um ato de consagração que, fazendo triunfar a idéia do Reino de Cristo, teria afastado a sedição revolucionária. Esta foi vista em germe no édito real de 1682, e também na vontade centralizadora dos Bourbon, segundo o historiador Alexis de Toqueville. Aqui interessa, porém, a comparação. Depois de 1914, o mundo que não havia ouvido São Pio décimo não mereceu que Bento décimo quinto e Pio décimo primeiro reconhecessem a aparição de Fátima, pela qual poderia ter sido obtida a paz e a salvação de muitas almas. Preferiu-se o recurso humano ao sinal divino. CAPÍTULO 12. PAPAS E REIS DIANTE DE SINAIS CELESTES Aos católicos de hoje, familiarizados com as aparições marianas reconhecidas pela Igreja no último século e meio, pode parecer mais adequado a um evento religioso que Nossa Senhora se dirija ou refira nas suas mensagens, a papas e não a chefes civis. E, todavia, em 1689 o Sagrado Coração de Jesus, por meio de Santa Margarida Maria Alacoque, não enviava um pedido ao Seu vigário na Terra, o Bem-aventurado Inocêncio décimo primeiro, mas ao rei da França Luís décimo quarto, que nada tinha de bem-aventurado. Este fato já deve levar à reflexão os homens modernos porque deixa claro que os eventos religiosos não dizem respeito só a fiéis, eclesiásticos e papas, mas a todos os homens. Ainda mais, para o Céu o monarca, absoluto ou não, é o pai e responsável que recebeu o poder para guiar sua nação. E como os desígnios de Deus não mudam, não subsiste indício algum de que os conceitos modernos de democracia e separação completa dos poderes da Igreja e do Estado possam seguir alguma indicação divinamente inspirada. Ao contrário, a instituição do papado pode demonstrar a preferência divina por um monarca que siga os sinais da fé e responda às suas demandas. As democracias modernas são, portanto, simples preferências humanas. O fato principal, porém, relacionado com a presente questão é que aquilo que a bondade divina chama de pedido é na verdade uma ajuda indispensável, talvez extrema, razão pela qual quem recebe esse sinal, se íntegro na sua fé, não deveria considerar-se árbitro quanto a segui-lo ou não, mas, reconhecido autêntico, acolhê-lo grato. Foi por amor à nação francesa, filha primogênita da Igreja, que Luís décimo quarto, seu pai e responsável temporal, recebeu um pedido-ajuda. Para ser amparado na função real que corria perigo devido às crises e desvios morais ligados à pessoa do rei. Porque os problemas do povo não independem dos problemas do governante, assim como os problemas dos fiéis não estão separados dos de seu pontífice. O que ainda é importante ponderar é a posição de um papa perante um pedido-ajuda sobrenatural. Note-se que o papa Bem-aventurado Inocêncio décimo primeiro, único pontífice beatificado em mais de três séculos que decorreram entre São Pio quinto e São Pio décimo, e teve diversos casos com Luís décimo quarto, que chegou a ameaçar um cisma, ficou porém excluído do pedido do Sagrado Coração, que foi dirigido só ao rei. Ao papa que cumpria zelosamente seu dever em Roma, restabelecendo as virtudes religiosas e morais, a instrução catequética, a assistência espiritual aos doentes e sobretudo o culto eucarístico, nada era pedido e nada ele teria negado. Ao contrário, ao monarca vicioso e prepotente que ameaçava também o Santo Padre era dirigido pelo Sagrado Coração de Jesus o pedido-ajuda de consagração, mostrando claramente que a ordem não é estabelecida segundo os homens, mas segundo a misericórdia de Deus que quer salvar rei e súditos. Para salientar ainda como não é aos reinantes fiéis que são encaminhados os pedidos celestes, pensemos no pontificado de São Pio décimo, vazio de aparições ou mensagens. De fato, não havia nada que estivesse ao seu alcance para dar glória a Deus e salvar as almas que não realizasse. O que poderia pedir o Senhor ao doce Jesus na Terra, como dizia Santa Catarina de Sena, que ele não procurasse fazer? Ele era a graça, o homem da Providência dado à Igreja, exemplo para os fiéis, para os bispos, para os papas. E, no entanto, também São Pio décimo não foi seguido e ouvido, acrescentando esta culpa a essa geração esquecida de suas bênçãos e de seus profetas. Quando em 1914 veio a guerra e o coração do Santo Padre parou, era o castigo de ofensas a Deus que São Pio décimo não esmoreceu em denunciar. Foi depois de sua morte que começaram os eventos de Fátima. Antes, com a aparição do anjo e em 1917 com Nossa Mãe celeste, que instrumento da misericórdia de Deus vinha suprir novamente a cegueira dos homens dentro e fora da Igreja. Resumindo então as considerações feitas sobre a comparação entre o rei da França e seus ministros, proposta por Nosso Senhor: o contraste entre o santo papa Inocêncio décimo primeiro e o vicioso Luís décimo quarto, que recebeu o pedido de consagração, mostra que o pedido celeste é uma solicitação, não aos virtuosos que cumprem seu dever, mas aos que estão vacilantes, à beira de decisões ou políticas nocivas aos seus governados. Na nossa época isto é confirmado pelo fato de o pedido mariano de Fátima não ser feito ao "papa do século 20, santo que a Providência deu à nossa era", como dizia Pio décimo segundo por ocasião da beatificação e canonização de São Pio décimo (3/6/1951 e 29/5/1954). Foi feito depois de sua morte, à geração que se mostrou surda a esse profeta, como seria cega às aparições que seguiram. Eis uma culpa que se segue a um benefício desprezado. O que se continua a chamar de pedido celeste é na verdade um pedido de ajuda, um socorro providencial contra um mal imenso já iniciado no silêncio, mas que o orgulho ou vício dos homens não deixa ver. Era o racionalismo que traria à luz a revolução francesa no século 18, para o rei da França; é o modernismo e o comunismo russo, que por dentro e por fora da Igreja darão vida à anti-Igreja. Disso tudo pode-se deduzir que a tergiversação, diante do pedido-ajuda que se reconheceu de origem celeste, indica uma crise de percepção espiritual da vontade daquele que representam, daquele que, detendo todo o poder no Céu e na Terra, concedeu-lhes a coroa ou as chave. Pior ainda, uma crise de fé nos recursos sobrenaturais dados aos homens, para com a oração e penitência obter uma intervenção divina na História. Seria duvidar que Cristo é o Senhor da História. "Não quiseram atender ao Meu pedido! (de consagração). Como o rei da França, arrepender-se-ão e a farão, mas será tarde. A Rússia já terá espalhado os seus erros pelo mundo, provocando guerras, e perseguições à Igreja. O Santo Padre terá muito que sofrer". Observa-se que, assim como Pio décimo primeiro não acolheu a ajuda sobrenatural de Fátima, também não aplicou com eficácia a idéia fundamental do Reino de Cristo no mundo, que é impossível sem um poder temporal católico que opera num campo distinto da hierarquia eclesiástica. A política de concordatas a todo transe, a falta de apoio aos cristeros e a interferência na política francesa pela condenação da "Action Française", demonstram uma ação natural pela diplomacia, com o que a Santa Sé relegou a segundo plano a prioritária e intransigente defesa de princípios sobrenaturais, missão e razão própria a quem detém a suprema cátedra. À política nacional e internacional muitos se sentem chamados. Quem pode e deve assegurar a defesa incondicional da fé? Só a Igreja. Não é difícil entender, neste mundo moderno, a importância de uma voz com autoridade máxima no campo religioso e moral, que se pronuncia sem entraves ou compromissos quando os direitos de Deus são atingidos. Isto não é dado a nenhuma autoridade civil, mas o é à Santa Sé, que está acima das partes, queiram ou não seus inimigos. Eis seu dever precípuo e supremo, que não pode estar subordinado à diplomacia ou a conveniências de poder. Se depois houver circunstâncias nas quais, para evitar um mal maior ou obter algum bem será conveniente evitar pronunciamentos drásticos, isso é compreensível. Muito menos, porém, que impeça os civis de agirem no sentido católico em política. A difusão dos "erros da Rússia", do comunismo lembrado em Fátima, pelo mundo, da Ásia à América, do México à Espanha, deve ter tirado de Pio décimo primeiro toda possível ilusão de "diálogo democrático" com os inimigos da Igreja. Muita documentação sobre essas ilusões, especialmente no drama dos cristeros, parece ter sido deliberadamente suprimida também no Vaticano. Sabemos, porém, que em 1937 Pio décimo primeiro foi explícito quanto ao comunismo, escrevendo também à hierarquia mexicana (28/3/1937): "Quando o poder se levanta contra a justiça e a verdade a ponto de destruir os fundamentos de toda autoridade, não se vê como seria possível condenar os cidadãos que se unissem para defender a nação e a si mesmos com meios legítimos e eficazes contra quem programa sua desgraça... A utilização desses meios, o exercício dos direitos políticos e civis em toda a sua extensão, que incluem problemas de ordem puramente material e técnica ou de defesa pelas armas, não estão de modo algum sob a competência do clero nem da Ação Católica." Isto era dito quando o problema reaparecia em toda a sua atroz dimensão na Espanha republicana que perseguia a religião. De resto, parece que estamos simplesmente ouvindo o que é óbvio. Nenhum pai de família precisa ouvir o pároco ou o papa para saber que deve defender sua pátria e sua casa. E, todavia, nesse mesmo pontificado e subseqüentes, prelados e sacerdotes imiscuíram-se a tal ponto nos problemas civis que muitos deles chegaram a propor revoluções e reformas. Os princípios? Foram tortuosamente postos a serviço das novas ideologias enquanto os católicos eram confundidos não só em política mas também em religião por uma nova classe de eclesiásticos empenhados no social. Eis a gênese sinistra de tantas "teologias" de revolução e libertação. Eis os lobos vestidos de pastores de que falou Nosso Senhor. E não admira que estes lobos rapaces sejam mais ferozes contra as palavras de Fátima, que ilumina falsidades e traições que provêm de dentro da própria Igreja, do que contra as tentativas vaticanas de atacar a revolução com meios naturais. Essa ilusão perigosa, esse naturalismo de ação, essa falta de confiança nos meios sobrenaturais com que Deus arma Sua Igreja, já são crise e derrota do catolicismo que sem a fé sobrenatural é vazio e inútil. Eis de novo a importância e atualidade única de Fátima. A verdadeira defesa do cristianismo e, portanto, da ordem e da paz não está no poder material da tecnologia, mas na força da fé. Só esta pode ocupar os espaços mentais de convicções e certezas capazes de sustentar o espírito de sacrifício e o senso do dever que resistem e enfrentam as seduções e perfídias ideológicas. Só a fé salva, também na sociedade, foi o que o Sagrado Coração procurou lembrar ao rei da França no passado e Nossa Senhora de Fátima aos pontífices atuais. CAPÍTULO 13. PIO DÉCIMO SEGUNDO, CHAMADO O PAPA DE FÁTIMA O sucessor de Pio décimo primeiro foi seu secretário de Estado, cardeal Eugênio Pacelli, que tomou o nome de Pio décimo segundo. Além de grande devoto mariano, Pio décimo segundo, por ter sido consagrado bispo no dia 13 de maio de 1917, quando Nossa Senhora aparecia pela primeira vez na Cova da Iria, foi chamado "Papa de Fátima" título que aceitou (Dia 4 de junho de 1951, por ocasião da consagração da igreja romana de Santo Eugênio, realizada como oferecimento a Pio décimo segundo (Eugênio Pacelli), e onde há um altar de Fátima doado pelos portugueses, peregrinos vindos de Portugal saudaram o papa dizendo: "Viva o papa de Nossa Senhora de Fátima!" A isto respondeu Pio décimo segundo, sorrindo: "Nós o somos!"). Como núncio papal na Alemanha e depois secretário de Estado por nove anos, o sucessor de Pio décimo primeiro sempre demonstrou ter uma visão clara e uma posição firme diante do perigo comunista. Mas, como o seu pontificado se iniciava sob a pressão dessa colossal hecatombe que foi a segunda guerra mundial, encontrou-se sobrecarregado de dificuldades para denunciar o grande mal que naqueles dias podia parecer, de modo geral, secundário face ao temível nazismo em expansão. Ora, na polarização dos blocos a URSS ficaria do lado dos aliados democráticos, contra o eixo nazi-fascista. Daí a enorme dificuldade, em plena guerra, de um ato partindo do papa mencionar um dos contendores sem incorrer em parcialidade. Apesar destas razões, em 1942 Pio décimo segundo quis atender parcialmente ao pedido de consagração do mundo do Imaculado Coração de Maria, com especial menção à Rússia. Assim havia sido pedido por irmã Lúcia, em carta de dezembro de 1940: - "Povos separados pelo erro e pela discórdia, e especialmente aqueles que professam por Vós uma singular devoção e em cujas casas não faltava o vosso venerável ícone para honrar-Vos, provavelmente hoje escondido à espera de melhores dias. Dai-lhes a paz e reconduzi-os ao único rebanho de Cristo, sob o único e verdadeiro pastor!" Era a alusão, indireta mas inequívoca, à Grande Rússia, que se separou de Roma e proclamou-se ortodoxa e ora estava submetida ao comunismo ateu. Faltou, porém, a essa consagração a participação dos bispos, como fora pedido, e isto fazia com que ela fosse incompleta. Apesar disso, pode-se verificar que naqueles dias alterava-se o curso da guerra, e um dos livros que dá testemunho disso, Fátima, The Great Sign, de Francis Johnston, cita como referência a obra The Second World War, vololume 4,33, do insuspeito Winston Churchill, que para aqueles dias usava a expressão: the turning of the hinge of fate, sem certamente referir-se, não sendo católico, à consagração feita dia 31 de outubro de 1942, tão radical foi a mudança do curso da guerra. Johnston cita a frase de irmã Lúcia no mês seguinte: "Deus já demonstrou a Sua satisfação por esse ato. Mas, como ele foi incompleto, fica a conversão da Rússia para mais adiante." Pio décimo segundo não cessava, no entanto, de denunciar o mal que estrangulava a Rússia e ameaçava o mundo. Em rádio-mensagem natalina do mesmo ano, renova a condenação do comunismo: "Movida sempre por motivos religiosos, a Igreja condenou os vários sistemas do socialismo marxista e os condena também hoje, pois é seu dever e direito permanente preservar os homens de correntes e influxos que põem a sua salvação em perigo." Pio décimo segundo não hesitaria lembrar, também, "da exclusão dos Sacramentos dos que aderem conscientemente aos partidos comunistas nos quais militam e da excomunhão dos que se tornam propagadores e defensores dessa doutrina atéia e materialista". O papa Pio décimo segundo trocou também correspondência com o presidente norte-americano Franklin Roosevelt, cuja atitude estranhamente otimista, simplória e entreguista faria dele no melhor dos casos um dos maiores "inocentes úteis" da história quando, firmando os tratados de Yalta com Stalin, efetivou uma divisão prática do mundo em favor dos soviéticos que levou ao repatriamento forçado de milhões de fugitivos do comunismo, dos quais grande número foi trucidado. Talvez isto poderia ter sido evitado se houvesse ouvido com mais atenção ao papa de então, evitando enormes sofrimentos e riscos ao mundo livre. Mas aqui será preciso aprofundar melhor a questão, como mostraremos em seguida, porque hoje é sabido que já em 1942 havia quem, dentro da Igreja, usando da confiança de Pio décimo segundo, e dizendo mesmo representá-lo, contrariava, quando não traía, as instruções papais na política frente aos governos comunistas. Trata-se de monsenhor Montini, futuro Paulo sexto, de estranha personalidade, como veremos. Mas, voltando ao papa Pacelli: conhecendo depois de sua morte o poder que haviam atingido dentro do Vaticano os seus adversários, há sempre que admirar sua determinação e a proteção que recebeu para levar a cabo empresas religiosas que hoje parecem simplesmente impossíveis: a canonização de São Pio décimo, que combatera os perigosos modernistas, inimigos da fé que estão infiltrados na Igreja a ponto de ocupá-la e pretender transformá-la; a proclamação do dogma da Assunção de Nossa Senhora, apesar da incompreensão e resistência encontradas dentro da própria Igreja. No ato de fé na praça de São Pedro, porém, a primeiro de novembro do ano jubilar de 1950, 600 bispos e um verdadeiro mar de fiéis seguiram Pio décimo segundo. Para que se saiba como os dogmas católicos e as aparições de Fátima estão estreitamente ligados, através do vigário de Nosso Senhor, temos um relato feito pelo cardeal Tedeschini diante da multidão reunida no Santuário de Fátima para as cerimônias de encerramento do Ano Santo: o cardeal fora autorizado a revelar que o papa havia visto a repetição do milagre do sol de 13 de outubro de 1917, nos jardins vaticanos, tanto na véspera como na oitava da promulgação do dogma da Assunção de Maria, por quatro vezes (Ano Santo de Fátima, 13 de outubro de 1951, em La verdad sobre Fátima, páginas 190-191. Observou-se que nos três dias do triduum, a estátua peregrina de Fátima havia estado em Roma. Lembremos, porém, que os sinais celestes se destinam a incentivar a ação fiel, mais que a premiá-la). Já em 1950 Pio décimo segundo, ao receber Padre Suarez, geral dos dominicanos, teria afirmado: "Diga aos seus religiosos que o pensamento do papa está contido na mensagem de Fátima. Diga a eles que continuem a trabalhar com grande entusiasmo na propagação do culto de Nossa Senhora de Fátima." Ora, justamente pela atenção e confiança sempre demonstradas por Pio décimo segundo, para com o grande sinal dado por Maria Santíssima em Fátima, não se compreende como em 7 de julho de 1952, quando consagrava os povos da Rússia ao Imaculado coração de Maria, ainda faltasse a participação colegial dos bispos do mundo. Esta condição era parte essencial do pensamento expresso na mensagem de Fátima, já então ao alcance de todos, pelo empenho do mesmo papa Pacelli, através do arcebispo de Milão e seu grande amigo, cardeal Schuster (hoje em processo de beatificação). Diga-se também que não poucas vezes Pio décimo segundo lembrou as lágrimas de Nossa Senhora. Referia-se, por exemplo, à aparição de La Salette dizendo: - "memória perene da misericordiosa aparição de Maria de 19 de setembro de 1846, quando Nossa Senhora, em lágrimas, como se narra, vinha exortar seus filhos a voltarem prontamente ao caminho da conversão ao seu divino filho e da reparação". Em 11 de outubro de 1954, na encíclica Ad Caeli Reginam Pio décimo segundo diz que "com a nossa autoridade apostólica decretamos e instituímos a festa de Maria Rainha, a celebrar-se todos os anos em todo o mundo no dia 31 de maio. Ordenamos também que nesse dia seja renovada a consagração do gênero humano ao Coração Imaculado da beata Virgem Santíssima." Nesse ato é posta, de fato, grande esperança de que possa surgir uma nova era, abençoada pela paz cristã e pelo triunfo da religião. Se essa lembrança que o papa ordenou com toda a sua autoridade tivesse sido respeitada, teríamos tido uma consciência atenta dos povos para o Signum Magnum de Fátima, além das graças sobrenaturais que certamente disso adviriam. Mas assim não foi, infelizmente. CAPÍTULO 14. A ÁUSTRIA CATÓLICA RECORRE A FÁTIMA No que diz respeito aos eventos de Fátima, durante o pontificado de Pio décimo segundo, é importante lembrar um fato político acontecido com uma grande nação católica. Trata-se da ocupação soviética da Áustria e do recurso que os católicos desse país dirigiram a Nossa Senhora de Fátima, à semelhança do que então fazia o papa. Seria justo recordar, antes, a importância que teve o império austríaco na defesa do catolicismo na Europa e, portanto, no mundo. Bastaria dizer que no começo deste século 20 o soberano da Áustria ainda tinha o título de imperador apostólico e o poder de veto num conclave para eleição do papa. E a providência fez com que, por esse direito em si irregular, fosse vetada a eleição do esperado sucessor de Leão décimo terceiro, seu secretário de Estado cardeal Rampolla, provavelmente ligado à maçonaria, como muitos sustentam, e fosse eleito o humilde, simples, mas santo patriarca de Veneza. Certamente não será simples aquilatar todas as razões políticas que fizeram com que o imperador Francisco José, através do arcebispo da Cracóvia, cardeal Puzyna, aplicasse seu veto no conclave de agosto de 1903, mas esse fato, apesar da reação dos outros cardeais, não deixou de influir para que o voto fosse para o cardeal Sarto. Apenas iniciou seu glorioso pontificado, o papa Sarto, isto é, São Pio décimo, cancelou esse privilégio de outra época. De fato, era passado o tempo em que o Sacro Império havia sido o grande defensor da Igreja. Aqui não iremos recordar esses fatos históricos, nem que a ambição das grandes dinastias católicas sempre impediu a aliança entre a Áustria e a França, que teria assegurado a paz na Europa. Mas é interessante lembrar os méritos e a devoção da grande nação que foi o baluarte da cristandade contra o avanço otomano, para, neste século, depois de inúmeros erros políticos, encontrar-se ocupada e reduzida à humilhação. Os governantes austríacos, não menos que os franceses, deram testemunho público de sua fé católica e devoção mariana. O resultado pode ser constatado no quanto a Áustria ficou preservada do protestantismo. Em 18 de maio de 1647 o imperador Ferdinando terceiro consagrava o país à Virgem Imaculada, e para recordar o evento fazia erigir em Viena uma grandiosa coluna com a estátua de Maria Santíssima. Essa grande devoção mariana e católica resistiu às guerras, ao anti-clericalismo do imperador José segundo e também ao nazismo. Depois da segunda grande guerra ainda eram multidões de muitos milhares de austríacos a peregrinar ao santuário nacional de Mariazell, para implorar graças ou agradecer a Gnadenmutter. Falaremos de fatos que parecem confirmar essa maternal ajuda, apesar dos enormes reveses por que passou esse povo. De fato, depois da primeira grande guerra o Império Austro-húngaro foi desmembrado e a Áustria ficou reduzida a um pequeno país. Em 1932 seu chanceler era o católico Dollfuss, partidário de um estado austríaco corporativo de matriz cristã e com estreitos vínculos com a Santa Sé. Nesse sentido esse governo assinou então uma concordata considerada uma das mais completas para um país católico. Havia, porém, em 1933 uma grande pressão política e uma considerável tentação popular, alimentada pela Alemanha nazista, a fim de que a Áustria se tornasse parte do grande Reich idealizado por Hitler. Assim, já em 1933, Dollfuss, contrário a isto, sofreu o primeiro atentado. Não sobreviveu, porém, muito tempo porque em julho de 1934 um grupo de nazistas uniformizados como tropa austríaca invadiu a chancelaria, assassinando o estadista que opunha tenaz resistência à idéia de incorporação da Áustria ao Reich, o Anschluss. Abriam-se assim os caminhos para essa operação, que aconteceu depois da sua aprovação por um referendo popular em 1938. Isso foi considerado por Pio décimo primeiro o verdadeiro início de uma guerra que começaria no ano seguinte, já no pontificado de Pio décimo segundo. Aqui é interessante lembrar que a mensagem de Fátima dá razão a Pio décimo primeiro. Para os austríacos começavam as ilusões pangermanistas que seriam brutalmente interrompidas cinco anos após. No dia 13 de abril de 1945 as tropas soviéticas capturavam Viena que, como Berlim, seria dividida em quatro zonas de ocupação. Igual destino tocou ao país, do qual grande parte ficava sob o regime soviético. Ora, este, diversamente dos outros ocupantes - americanos, ingleses e franceses - não mostrava intenções de querer pôr fim àquela divisão forçada e provisória do pós-guerra nem de liberar a Áustria das despesas dessa ocupação, que escravizava sua economia (os americanos o fizeram em 1947, os soviéticos só em 1953). Em 1954 era discutido na Conferência de Berlim o futuro político da Alemanha e da Áustria, sobre as quais a URSS não fazia segredo de querer manter uma nítida sujeição estratégica. Em vão o governo austríaco renegava sua posição durante a guerra e declarava sua neutralidade. Os aliados o aceitaram, mas os soviéticos não cediam. Foi nessa época que se formou na Áustria uma Cruzada do Rosário promovida pelo padre Pedro Pavliceck, que abriu listas de adesão através das quais os fiéis se comprometiam a cumprir as devoções de Fátima e rezar diariamente o Terço. As listas recolheram mais de um milhão de adesões, cerca de dez por cento de toda a população. Nessa mesma época, por razões desconhecidas e para surpresa geral, dada a falta de precedentes, os soviéticos abruptamente recuavam de sua intransigência e decidiam a retirada das tropas depois de impor ainda uma vultosa indenização de guerra que, segundo eles, dez anos de ocupação não haviam pago. O tratado de paz foi assinado em 15 de maio de 1955, semana em que se comemorava Nossa Senhora de Fátima. Esta primeira evacuação pacífica dos soviéticos fazia um ministro do Gabinete dizer: "Nossa libertação é inexplicável, salvo pela intercessão direta da Virgem de Fátima". CAPÍTULO 15. O DISCURSO CRISTÃO SOBRE A HISTÓRIA, DE BOSSUET O bispo Bossuet, nomeado por Luís décimo quarto preceptor do delfim de França, o monsenhor de seus discursos, prestou a esse rei o juramento de educar o real menino no amor e temor de Deus. Com este espírito, pois, lhe ensinará a história universal, através desses discursos, que constituem uma referência clássica para o entendimento do sentido cristão da História. Aqui faremos um resumo da conclusão desse trabalho, contida no último capítulo. "Lembre-se, porém, monsenhor, que este longo encadeamento de causas particulares, que fazem e desfazem os impérios, depende das ordens secretas da divina Providência. Deus detém, desde o mais alto dos Céus, as rédeas de todos os reinos; tem todos os corações em Sua mão. Por vezes retém as paixões, a outras abranda o freio, e desse modo move o gênero humano. Se quer fazer conquistadores, faz com que o temor saia da frente destes, inspirando-lhes, e a seus soldados, uma coragem invencível. Se quer fazer legisladores, envia-lhes Seu espírito de sabedoria e de previsão; faz com que previnam os males que ameaçam os Estados, e estabeleçam os fundamentos da tranqüilidade pública. "Ele conhece a sabedoria humana, sempre escassa em algum aspecto; esclarece-a, estende-lhe a visão e depois a abandona às suas ignorâncias: Ele a cega e a precipita; a confunde por si só, então ela se enreda, confunde-se em suas próprias sutilezas e as suas precauções ser-lhe-ão uma cilada. Deus exerce deste modo Seus temíveis julgamentos, segundo as leis de sua justiça, sempre infalíveis. "É Ele que prepara os efeitos nas causas mais remotas e desfere os grandes golpes, cujos contragolpes têm grande alcance. Quando quer assinalar o fim e derrubar os impérios, tudo será precário e irregular nas resoluções. O Egito, tão sábio no passado, marcha embriagado, atordoado e cambaleando porque o Senhor derramou o espírito de vertigem em seus projetos, ele não sabe mais o que faz, está perdido. "Que os homens não se enganem, porém; Deus endireita quando quer o sentido perdido e quem insultava os outros pela sua cegueira, cai por sua vez nas trevas mais espessas, sem que seja preciso mais, para perturbar-lhe a mente, que sua longa prosperidade. "É assim que Deus reina sobre todos os povos. Não falemos mais de acaso ou de sorte, ou falemos disso só para usar um nome com que encobrir nossa ignorância. O que é 'acaso', em relação a nossos pareceres incertos, é um desígnio preparado por um parecer superior, isto é, o desígnio eterno que encerra todas as causas e todos os efeitos em uma mesma ordem. Desse modo tudo concorre para o mesmo fim, e é pela incapacidade de entender o todo que nós encontramos, o acaso e a falta de regularidade nas particulares ocorrências. "Daí verifica-se o que diz o Apóstolo, que Deus é bem-aventurado e o único poderoso, o Rei dos reis e o Senhor dos senhores. Bem-aventurado, cujo repouso é inalterável, que vê mudar tudo, sem mudar, e que opera todas essas mudanças com o pensamento imutável; que dá e que tira o poder; que o transfere de um homem a outro, de uma casa a outra, de um povo a outro, para demonstrar que ninguém o detém senão por empréstimo e que Ele é o único em Quem esse poder reside naturalmente. "Eis porque todos os que governam sentem-se sujeitos a uma força superior. Eles fazem mais ou menos o que pensam e seus pareceres não deixaram nunca de ter efeitos imprevistos. Nem eles são senhores de disposições que os séculos passados puseram nas questões, nem eles podem prever o curso que tomará o futuro, por mais que o queiram forçar. Somente Ele tem tudo em Sua mão, e sabe o nome do que é e do que não é ainda, e preside a todos os tempos e prevê todos os pensamentos. "Alexandre não pensava que trabalhava para os seus capitães, nem que arruinaria sua casa pelas suas conquistas. Quando Brutus inspirou ao povo romano um imenso amor à liberdade, não imaginava estar lançando nos espíritos o princípio dessa licenciosidade sem freios pela qual a tirania que pretendia destruir seria restabelecida mais dura ainda que sob os Tarquínios. Quando os Césares elogiavam os soldados, não tinham a intenção de dar patrões a seus sucessores e ao império. Em uma palavra, não há poder humano que não sirva, a despeito dele mesmo, a outros desígnios que não são os seus. Somente Deus sabe submeter tudo à Sua vontade. Eis porque tudo é surpreendente, quando não se vêem senão as causas particulares, e todavia, tudo avança em uma seqüência ordenada. Estes 'Discursos' o fizeram entender. E, para não falar mais de outros impérios, considere-se por quantos pensamentos imprevistos, mas mesmo assim seguidos por eles mesmos, a sorte de Roma foi conduzida desde Rômulo até Carlos Magno. "Talvez vos parecerá, monsenhor, que teria sido preciso falar algo mais de vossos franceses e de Carlos Magno que fundou o novo império. Mas, além de sua história fazer parte daquela da França escrita por vós mesmo e que vós já adiantastes bastante, reservo-me para fazer-vos um segundo Discurso, quando terei uma razão necessária de falar-vos da França e deste grande conquistador, que sendo igual em valor aos mais renomados da antigüidade, superou-os em piedade, em sabedoria e em justiça... Enquanto vereis os impérios caírem quase todos por si, vereis a religião sustentar-se pela própria força, e então conhecereis facilmente qual é a consistente grandeur, onde um homem sensato põe sua esperança." CAPÍTULO 16. PROJETO PARA UM MUNDO MELHOR Pela carta apostólica sacro vergente anno, de 7 de julho de 1952, Pio décimo segundo faz saber: "como anos atrás consagramos todo o mundo ao Imaculado Coração de Maria Mãe de Deus, assim agora, de modo especialíssimo, consagramos todos os povos da Rússia ao mesmo Coração Imaculado, - para com o Seu patrocínio obter a paz e que a verdade cristã, dignidade e suporte da convivência humana, cresça e se fortaleça entre os povos da Rússia. Que todos os enganos dos inimigos da religião, todos os seus erros e tramas falazes, sejam repelidos para longe de vós." Neste ato, havia claramente a intenção de completar a consagração feita em 1942, atendendo ao pedido de Fátima que pedia a menção explícita à Rússia. Mas, como se pode verificar, nessa consagração faltava ainda a participação colegial de todos os bispos do mundo. Por isto continuava a ser incompleta. Poderia o papa ignorá-lo? Não nos é dado saber a razão que havia impedido Pio décimo segundo, chamado o papa de Fátima, de atender inteiramente ao pedido. Pode-se supor que teria sido informado por seus auxiliares imediatos de que encontraria uma resistência por parte de alguns bispos, ainda maior do que na ocasião em que promulgou o dogma da Assunção de Nossa Senhora. Embora sejam questões diferentes, ninguém melhor que Pio décimo segundo, beneficiado, como disse, pelas visões do "milagre do sol", ocorrido em 13 de outubro de 1917 em Fátima, mas visto por ele nos jardins vaticanos nos dias em que promulgava o grande dogma mariano, podia ver como eram intimamente correlatos o dogma e a consagração que dão glória à Mãe de Deus. Todavia, não consta que Pio décimo segundo tenha pedido, e menos ainda convocado, os bispos do mundo para participar na consagração que fez da Rússia ao Imaculado Coração, não atendendo, assim, plenamente ao pedido transmitido por irmã Lúcia, que encerrava a promessa de paz e salvação de muitas almas, pela conversão da Rússia por intervenção de Nossa Senhora. Ora, naquele mesmo período havia um projeto acalentado pelos homens da Igreja, que tinha alguma conexão com Fátima. Chamou-se "Movimento para um Mundo Melhor". Foi fundado pelo conhecido jesuíta padre Ricardo Lombardi e teve entusiástico apoio de Pio décimo segundo. Para descrevê-lo faremos um breve apanhado do livro Pio décimo segundo per un mondo migliore, de autoria do padre Lombardi, publicado em 1954 por La Civiltà Cattolica, dos jesuítas, em Roma. Saberemos que a idéia veio de uma exortação papal onde eram usadas as palavras "para um mundo melhor" no dia 10 de fevereiro de 1952, sendo o livro e o movimento baseados numa série de discursos desse papa que seguem a linha do título. Logo na primeira página há uma carta da Secretaria de Estado de Sua Santidade, de 18 de maio de 1953, pela qual é dado o apoio e é expresso o reconhecimento do papa pelo trabalho e ampliação desse movimento pelo mundo melhor. A carta é assinada G B Montini, isto é, Giovanni Battista Montini, que será o futuro papa Paulo sexto. Seguem descrição e diretrizes do movimento, baseados numa nova ordem cristã para um mundo presente que caminha para a ruína e necessita de um vigoroso despertar para renovar-se desde sua base. Mas ali é dito que o papa havia assumido essa tarefa diante do futuro como seu primeiro construtor. Eis porque tudo é planejado com certeza do êxito para "a grande hora que virá". Nessa perspectiva, a alocução iniciadora do dia 10 de fevereiro - e a resposta obtida dos católicos - teria caráter histórico. Fala-se de uma nova contra-reforma católica, de uma contra-ofensiva de Deus diante da apostasia moderna, a que se segue o dever de renovação da Igreja pela Ação Católica etc. Para isto é feito um apelo a todas as dioceses do mundo católico. Por ocasião de uma importante palestra radiofônica de Pio décimo segundo, dia 13 de outubro de 1952, em que é lembrado que o verdadeiro inimigo é o espírito de rebelião contra Deus e contra Jesus, que seria a revolução de sempre, padre Lombardi associa o apelo ao mundo melhor a Fátima e lembra a consagração da Rússia ao Imaculado Coração feito em julho. Não faz nenhuma menção, porém, ao fato de que esse ato ficou incompleto pela falta de participação dos bispos do mundo católico. Ora, para o seu movimento fez-se o apelo a todas as dioceses, não, porém, para o pedido-oferta de Nossa Senhora de Fátima, privilegiando assim o projeto humano sobre a indicação divina. Nisto se nota uma falta de sintonia do movimento com os eventos de Fátima, o que é também confirmado pelas idéias ventiladas. Por exemplo, lê-se na página 66: "A assombrosa civilização moderna, dona de forças gigantescas, está contudo agonizante porque privada de alma. Que receba o espírito do Evangelho e domine os séculos com uma nova e admirável harmonia: Terra e céu, cantem então pelos milênios a glória de Jesus." Há nisto um otimismo com relação ao progresso tecnológico que não sobreviveu nem vinte anos. A mensagem mariana, ao contrário, faz previsões sombrias até a conversão russa. No fim é dito somente: "será concedido ao mundo algum tempo de paz." O "Movimento pelo Mundo Melhor" parece antecipar o Concílio Vaticano segundo dizendo que seus cursos em algumas dioceses italianas pareciam um novo Pentecostes. É citado, então, um telegrama encorajador da parte do papa em 8 de agosto de 1953: "Sua Santidade vivamente comprazido fraterno convênio sacerdotal de Fognano promovido para estudos urgente atuação Mundo Melhor, invoca abundante efusão e lumes divinos de ajuda e conforto enquanto envia de coração aos numerosos participantes implorada benção. - Assinado, Montini." É curioso o contraste que transparece continuamente no "Movimento" entre um otimismo organizador que prepara "para a grande hora" e as palavras que repete de Pio décimo segundo descrevendo o mundo à beira do abismo. É como se fosse guiado por dois espíritos: o papa e sua visão do mundo em perigo, de um lado, o padre Lombardi e uma euforia conciliar, montiniana, pelos progressos do mundo, de outro. Isto ficará mais patente num programa de 140 pontos escolhidos como sendo a "Doutrina Pontifícia para um Mundo Melhor". Fala-se nele de uma nova ordem nacional e internacional cujos princípios estão na liberdade e segurança, no respeito pelas minorias, na repartição das matérias-primas, na redução dos armamentos e acordos internacionais, na liberdade de ação da Igreja e na dignidade e direitos da pessoa humana. Muitas idéias louváveis, outras utópicas, cujo âmbito não é propriamente religioso, mas teriam grande impulso, depois de Pio décimo segundo, num Concílio da Igreja. Aqui já aparecem, porém, como parte de uma cruzada do papa, junto com a reorganização do mundo por uma sã democracia em que a Igreja seria tutora da liberdade e dignidade humanas no plano nacional, cabendo a um órgão comum a tutela da paz internacional. No programa de 140 pontos, termina-se por reivindicar o universo para todos os homens, depois de dizer: "A Igreja crê na paz e não se cansará de promovê-la. Considera, porém, que há potências ocultas que sempre agiram na História e portanto desconfia de propaganda pacifista." Mais adiante, o Capítulo décimo primeiro é intitulado "O que a Igreja pode fazer para a restauração do mundo". Naturalmente, as palavras de Pio décimo segundo são de jaez diverso do desse programa. É assim que o Capítulo décimo segundo tem por título "Necessidade de almas orantes para a esperada renovação" e, o Capítulo décimo quarto, "Penitência do pecado, primeiro passo para um Mundo renovado". Nele Pio décimo segundo havia falado do "miserável espetáculo de um mundo em demolição pela ruína operada nas fundamentais estruturas da vida moral", atribuindo a culpa ao falso humanismo e repetindo que o primeiro passo é a penitência. Nas palavras papais ainda ecoava o alerta de Fátima. Pio décimo segundo advertia: "devem ser chamados a um mais reto sentimento quantos presumam poder salvar o mundo com o que foi justamente definida 'a heresia de ação', da ação que não se apóia na ajuda da graça e não se serve constantemente dos meios necessários para obter a santidade, dados por Jesus Cristo. Do mesmo modo, consideramos oportuno estimular as obras do Ministério sagrado, os que alheios demais à atividade exterior e quase descrendo na eficácia da ajuda divina, não se dedicaram bastante, segundo suas possibilidades, a fazer penetrar a força do espírito cristão na vida diária, com todas as formas de atividade pedidas pelos nossos tempos." Mas, qual seria então o ponto de equilíbrio na ação cristã? Pio décimo segundo em 14 de setembro de 1952 dava ao Katholikentag austríaco a seguinte mensagem: "Se os sinais dos tempos não enganam, a segunda etapa das lutas sociais, na qual, pode-se pensar, já entramos, colocam agora outras questões e outras tarefas como supremas... A defesa do indivíduo e da família, a fim de impedir que se deixem arrastar para o abismo que procura engoli-los pela socialização universal: uma socialização ao cabo da qual se tornaria horrível realidade a espantosa imagem do Leviatã. A Igreja combaterá esta batalha com grande energia, porque estão em jogo os valores supremos da dignidade do homem e da salvação de sua alma." Posteriormente, a 8 de dezembro de 1953, em rádio-mensagem dirigida à Ação Católica italiana o papa diz: "Mas os perigos que pesam sobre o gênero humano são tais que Nós não devemos cessar nunca de lançar nosso grito de alerta. O inimigo está às portas da Igreja e ameaça as almas. E eis outro aspecto atualíssimo de Maria Santíssima, a Sua força nesse combate." Estas palavras de Pio décimo segundo, que aliás se repetiam em muitos outros discursos, ensinavam a evitar a "heresia de ação", que não se apóia na ajuda da graça, mas confiar na eficácia desta para enfrentar o Leviatã revolucionário presente, luta esta para a qual há que recorrer à força de Maria Santíssima. Ora, não foi justamente isto o indicado e oferecido em Fátima para enfrentar os "erros espalhados pela Rússia?" E, no entanto, não se confiou plenamente na força dessa graça trazida por Nossa Senhora para a Igreja. Aqui foi visto como eram acalentadas soluções humanas que propunham uma evolução religiosa programada para um mundo melhor. Para estas, apelavam-se a todas as dioceses do mundo católico. Para a consagração pedida por Maria Santíssima, não. A Fátima recorreu-se por outro motivos. De fato, padre Lombardi, depois de muito insistir, conseguiu falar com irmã Lúcia no Convento de Coimbra em 7 de fevereiro de 1954. Perguntava então à irmã Lúcia, que estava doente e febril: - Diga-me se o Movimento para um Mundo Melhor (que ela conhecia), é a resposta da Igreja às palavras que Nossa Senhora lhe dirigiu. -- Padre - respondeu, - há certamente necessidade de uma renovação grande. Sem ela, e considerando o presente estado da humanidade, somente uma limitada parte do gênero humano se salvará. -- Crê realmente que muitos vão para o inferno? Eu, pessoalmente, espero que Deus salvará grande número de almas e escrevi a propósito o livro A salvação dos que não têm fé. -- Não Padre, muitos se perderão. -- É certo que o mundo é um abismo de vícios... E no entanto há sempre esperança de salvação. -- Não Padre, muitos, muitos se perderão. Também a pequena Jacinta, que havia visto o inferno, falara em continuação dos muitos que se perdem, de quantos as guerras levam ao inferno. Dizia sempre que era preciso rezar muito para salvar almas. Ora, se essas visões pertencem ao Terceiro Segredo não se sabe, mas padre Lombardi voltou a Roma tão consternado que muitos ficaram alarmados, pensando que conhecera os castigos que nele foram preanunciados. Nem por isto, porém, considerou-se que a resposta da Igreja às palavras de Nossa Senhora de Fátima consistia em atender o pedido feito para o bem dos homens. Nele havia todo um programa de restauração católica, ditado pela graça, que justificaria qualquer movimento mundial ou concílio ecumênico. Qual melhor ajuda? CAPÍTULO 17. "UM ACORDO ENTRE MONTINI E STALIN" Com o título acima o quinzenário romano Si si no no, número 11, ano décimo, de 15/9/1984 levanta novamente essa tenebrosa questão. Isso aconteceu porque monsenhor Roche, autor do livro Pie décimo segundo devant l'histoire e íntimo colaborador do importante cardeal Tisserant, vendo que este é atacado pela importante parte que teve no Acordo Roma-Moscou, que será descrito quando se falar do Concílio Vaticano segundo, manda uma carta ao diretor da revista francesa Itineraires para, mais que desculpar, confirmar um acordo e lembrar outro pior. Eis a parte da carta que interessa ao assunto tratado: "Comentando, não sem razão, o acordo (Roma-Moscou) que data, na vossa opinião, de 1962, demonstrais ignorar um acordo precedente que se situa durante a última guerra mundial, em 1942 para ser exato, e do qual foram protagonistas monsenhor Montini (futuro papa Paulo sexto) e o próprio Stalin. Este acordo de 1942 parece-me de considerável importância (Quem fala conhece bem o assunto). "Quero, porém, no momento seguir-vos somente no comentário feito ao acordo de 1962. Todos sabem? que esse acordo foi negociado entre o Kremlin e o Vaticano no mais alto nível. Monsenhor Nikodim e o cardeal Tisserant não foram mais que porta-vozes, um do chefe do Kremlin e o outro do Sumo Pontífice, então gloriosamente reinante... Eu posso assegurar-vos, senhor diretor, que a decisão de enviar observadores russos ortodoxos ao Concílio Vaticano segundo foi tomada pessoalmente por Sua Santidade João 23, com o aberto encorajamento do cardeal Montini, que foi o conselheiro do patriarca de Veneza (posição anterior do Papa Roncalli), no tempo em que era arcebispo de Milão. Não só, mas era o cardeal Montini que dirigia secretamente a política da Secretaria de Estado durante a primeira Sessão do Concílio, instalado no lugar clandestino que o papa lhe reservara na famosa Torre de São João na mesma muralha da Cidade do Vaticano. "Quanto ao cardeal Tisserant, ele recebeu ordens formais tanto para negociar o acordo como para vigiar sua exata execução durante o Concílio. Portanto, toda vez que um bispo queria enfrentar a questão do comunismo o cardeal da sua mesa no conselho de presidência intervinha para lembrar (ou melhor, impor) o compromisso de silêncio desejado pelo papa (ou pela eminência parda que era Montini). O cardeal Tisserant recebeu instruções firmes e irrevogáveis do próprio papa e, sendo homem de fé, acreditava e obedecia à autoridade, mesmo se estava convencido de erro político." A revista segue comentando que não só monsenhor Roche; mas outros bons conhecedores da "ação de monsenhor Montini como substituto na Secretaria de Estado de Pio décimo segundo, sabem ter ele manobrado à esquerda, de acordo com as simpatias que alimentou desde a juventude, mas no desconhecimento e em nítido contraste com o pensamento e instruções de Pio décimo segundo, o papa que deveria ter representado mas que, evidentemente, julgava desprovido de sua iluminada visão da política e da História. Nesse sentido Montini estabeleceu às escondidas de Pio décimo segundo contactos com os soviéticos durante a última guerra, como lembrou monsenhor Roche; desses o papa foi informado pelo arcebispo protestante de Upsala, o qual, tendo posição oficial na Suécia, dispunha de provas diretas do serviço secreto sueco, sem dúvida um dos melhores informados das manobras dos países do leste europeu. Além disso, em outubro de 1954 Pio décimo segundo teve conhecimento de um documento secreto do arcebispo de Riga, prisioneiro dos soviéticos, que dizia terem sido feitos em nome do papa contactos com os perseguidores, da parte de uma alta autoridade da Secretaria de Estado. Quem, senão Montini? "Por essa traição", escreverá monsenhor Roche, "a amargura de Pio décimo segundo foi tão grande que sua saúde baqueou e ele resignou-se a dirigir sozinho o andamento dos negócios exteriores do Vaticano." Mas havia coisas piores. A publicação francesa La Contre-réforme Catholique, número 97,15, relata a seguinte informação: "A investigação revelou que no grupo de monsenhor Montini havia um traidor. Era o jesuíta Tondi, que durante uma dramática acareação com o cardeal fulano, reconheceu ter dado aos soviéticos os nomes dos sacerdotes enviados clandestinamente à Rússia e que em seguida foram todos presos e eliminados. É sabido que Tondi, casado (no civil e, depois, por insistência superior, também no religioso), com uma ativista comunista, depois de várias aventuras e a morte da mulher, voltou à Roma em 1965, encontrando 'trabalho' graças aos favores de quem era então papa Paulo sexto. Mas daquela atividade passada de Montini, Pio décimo segundo teve conhecimento de que este seu substituto lhe havia escondido todas as mensagens relativas ao cisma dos bispos chineses." Eis o curriculum de um futuro pontífice que, embora claramente desobediente e infiel ao papa que nele confiara, iria, como veremos, impor rigorosa obediência às transformações e aggiornamenti pelos quais decidira fazer passar a Santa Igreja. Aqui não trataremos da reforma litúrgica com a qual Paulo sexto foi bem além do que os padres votaram no Concílio, mas da relação que esse Concílio teve com a mensagem de Fátima, o que é de extrema importância. Há ainda um segredo escondido sobre essa relação. Do segredo trataremos adiante. Aqui é importante registrar que "os erros esparsos pela Rússia", que a mensagem indicou e Pio décimo segundo tentou combater, infiltravam-se na própria Igreja. No ano de 1942, em 31 de outubro, o papa, com a intenção de cumprir o pedido da mensagem de Fátima, consagrava o mundo ao Coração Imaculado de Maria com a rádio-mensagem "Benedicte Deum coeli": "Rainha da Paz, reza por nós e daí ao mundo em guerra a paz a que os povos aspiram" A PAZ NA VERDADE, NA JUSTIÇA E NA CARIDADE DE CRISTO. Daí a paz das almas e a paz das armas, a fim de que na tranqüilidade da ordem se expanda o Reino de Deus." No mesmo ano 1942, porém, em lugar e data ainda desconhecidos, uma iniciativa de monsenhor Montini, futuro Paulo sexto, junto ao sanguinário ateu Stalin, delineava o início de relações ocultas entre personagens da hierarquia eclesiástica e chefes do aparato comunista soviético, declarados inimigos da verdade, da justiça e da caridade de Cristo. Era concebida, assim, veladamente dentro da Igreja a fé no diálogo político com os senhores do mundo que ameaçam com revoluções e terrores que declaravam irreversíveis. Era o perigo do gulag comunista, que incutia mais temor que o inferno. Mas essas relações veladas com o regime que a Igreja declara "intrinsecamente perverso" implicava compromissos inconfessáveis para autoridades dessa mesma Igreja. Para conviver com o mal, deveriam evitar condená-lo, deveriam reprimir quem quisesse condená-lo, e deveriam encontrar uma doutrina para justificar tudo isso. É claro que a mensagem de Fátima, que falava em erros e conversão da Rússia, deveria ser redimensionada, senão banida. Mas, dada a dificuldade de fazê-lo totalmente, já bastaria censurar as palavras "comunismo" e "Rússia". E a tanto se chegou, como veremos. O papa Pio décimo segundo demonstrou-se sempre contrário a compromissos com governos comunistas e sabe-se que reprovou até o limitado modus vivendi iniciado pelo arcebispo Wyszynski na Polônia. De fato, de que outro poder dispõe um prelado católico senão o da representação de princípios e verdades imutáveis? São estes tratáveis? Pio décimo segundo, na mesma linha de São Pio décimo, conhecia a caridade da intransigência nas coisas de Deus, temperada pela esperança na Providência. Por isto consagrou o mundo e a Rússia ao Imaculado Coração e com alegria aceitou ser chamado o papa de Fátima O pontificado do papa Pacelli salientou-se pela voz de um grande doutor da Igreja, trabalhador incansável que não descuidou de nenhum assunto debatido pelos homens nesses anos conturbados. Mas um doutor ensina, e é tudo. O papa é também chefe, e quem comanda tem o dever de fazer-se obedecer. Essa missão é por vezes dura, desagradável, mas necessária na Igreja e na sociedade para o bem das almas. Também nisto o pedido celeste de Fátima para abreviar os males do mundo era categórico: "Se Vossa Santidade se dignar fazer (a consagraçãol), - e ordenar que em união com Vossa Santidade e ao mesmo tempo a faça também todos os bispos do mundo, abreviar..." À imagem deste comando que faltou, muitas insídias puderam ser armadas na Igreja. Entre estas, a controvérsia doutrinal ligada à salvação e, portanto, ao dogma da fé lembrado na mensagem de Fátima. Trata-se do "caso" do brilhante jesuíta americano Leornard Feeney, que, pregando a absoluta necessidade do batismo da Igreja, fora da qual não há salvação, converteu grande número de universitários de Cambridge e redondezas, mas suscitou a reprovação do arcebispo de Boston, movido pelas objeções da maçonaria local. O sacerdote apelou a Roma, que respondeu com uma carta, ao arcebispo Cushing em agosto de 1949, na qual confirmava o dogma que fora da Igreja não há salvação, relativizando-o, porém, pelos conceitos de batismo de desejo e fé implícita e condenando o padre Feeney. Ora, esse documento vaticano, que não foi oficialmente promulgado entre os atos da Sé apostólica, passou a favorecer uma nova tendência pastoral que, diante da possibilidade de "conversões implícitas", atenuou o esforço missionário. A insondável e extrema clemência salvadora de Deus passaria a justificar o recuo do proselitismo católico enleado mais em interpretações que em conversões. As forças contrárias à Igreja são grandes e os problemas doutrinais complexos, mas simples era o pedido da Mãe de Deus ao papa: a consagração colegial da Rússia que também o papa de Fátima não soube cumprir. Temia talvez a oposição de alguns bispos modernistas ou a desaprovação de carreiristas que o circundavam? O resultado foi que, já antes de sua morte, em outubro de 1958, a Igreja estava aberta aos inimigos da verdade, da ortodoxia católica que doutamente ensinara e de Fátima, cuja mensagem salvadora não soubera devidamente acolher. Ora, essas confabulações e tratativas humanas eram as primícias dos compromissos contrários à Providência, que desprezavam a fé na mediação de Maria junto ao único Senhor do Céu e da Terra. E isso, vinte anos após, teria levado ao advento de um concílio ecumênico que silenciaria sobre a terrível ameaça comunista e sobre a esperança de Fátima, extenuando parte do magistério e do testemunho que a Igreja edificou em vinte séculos contra as forças das trevas. Nestes anos, homens da hierarquia sentiam-se capazes de dialogar com estas, para estabelecer uma convivência pacífica de que os "retrógrados" antepassados não haviam sido capazes. A Igreja devia desculpar-se!. É a "humildade na soberba dos novos prelados!" Passaram então a comandar na Igreja homens que tanto estavam próximos à Cátedra papal quanto distantes do pensamento de Pio décimo segundo. Entre eles: seu confessor, cardeal Bea, jesuíta alemão e renomado biblicista, que foi o grande líder progressista do Vaticano segundo; o arcebispo de Milão, Montini, que pelos seus abusos e traições na Secretaria de Estado fora "removido" para aquela posição, mesmo sem ser feito cardeal; o cardeal Roncalli, patriarca de Veneza, futuro papa João 23, cujo primeiro ato foi fazer Montini cardeal e supremo consultor de um concílio que inaugurariam divergindo dos profetas da desdita e abrindo a Igreja a um decantado mundo moderno. Havia nesse novo curso um afastamento da visão do mundo de Pio décimo segundo, dos temores que acometeram padre Lombardi e seu mundo melhor, e da própria mensagem de Fátima que advertiu sobre os perigos deste mundo e do inferno. Pelos novos programas ficou acertado serem os novos chefes contrários à profecia de Fátima. Concebiam perigos e soluções diversas. Pio décimo segundo, em agosto de 1958, e eram seus últimos dias, perguntava a um grupo de peregrinos americanos conduzidos pelo padre Leo Goode: "Acreditais em Fátima?" À resposta positiva dos fiéis o papa continuou: "Se quisermos paz, devemos todos obedecer aos pedidos feitos em Fátima. O tempo de duvidar de Fátima já passou. Agora é o tempo de agir." Mas a ocasião propícia passara e ele se esquecera de que o timão da barca de São Pedro estava em suas mãos e competia-lhe comandar. Se suas palavras foram firmes e seus documentos quase sempre luminosos, seus atos foram por vezes tíbios. Temendo punir e remover, como compete a um verdadeiro chefe da Igreja de Deus, promoveu e transferiu diplomaticamente homens que seriam os bispos, cardeais e papas da autodemolição da Igreja. Seriam os fatos a fazer esse julgamento neste mundo, que apesar dos "projetos" só piorou. Na Arquidiocese de Milão, de onde o santo cardeal Schuster, de acordo com Pio décimo segundo, já em 1941 fazia divulgar a devoção de Fátima, ficava o arcebispo João Batista Montini, que usaria essa devoção e tudo mais na Igreja para mandar avante seu grande projeto de fraternização e paz, pelo culto do homem. CAPÍTULO 18. A TRISTEZA DE NOSSA SENHORA No dia 19 de setembro de 1846, na montanha de La Salette, França, dois pastorzinhos, Melania e Maximino, viram uma linda senhora sentada sobre a pedra onde haviam construído um pequeno "paraíso" de flores. Chorava com a testa entre as mãos. Foi então que chamou os meninos para transmitir-lhes uma grande mensagem. Podia esta não ser muito triste se fazia a Mãe chorar pelos filhos? Esta infinita tristeza de Maria Santíssima será vista e suas lágrimas recolhidas em tantos diversos lugares do mundo, nesta nossa época. Já não é esta uma mensagem, um aviso de valor inestimável? A mensagem que segue esses milagres pode deixar de ser igualmente triste? Ora, isto é dito aqui porque há dois tipos de considerações feitas sobre as aparições que só podem confundir as idéias dos católicos. A primeira, ao dizer que nelas tudo é vago e, portanto, interpretável. A segunda, a de que só a autoridade da Igreja pode entendê-las. No primeiro caso confunde-se vago com velado. Também as Escrituras são veladas, mas nada têm de vago. Cada palavra, vinda de Deus, tem valor inestimável e um sentido único, embora imenso. No segundo caso, confunde-se o que só a autoridade pode esclarecer e confirmar, com o que dispensa explicações humanas. A tristeza de Nossa Senhora é uma mensagem que dispensa palavras. Indica que muitos de seus filhos estão na via da perdição. As palavras podem servir para ajudá-los e guiá-los, mas se não forem ouvidas, se ninguém souber ou quiser chamá-los de volta, se na Igreja prevalecer o silêncio e a omissão sobre os perigos iminentes para tantos, a tristeza da Santa Mãe deveria bastar para adverti-lo. Essa tristeza e esse menosprezo têm sido a constante de nosso tempo e para demonstrá-lo será relatado aqui o caso do padre mexicano Agostinho Fuentes, escolhido como vice-postulante da causa de beatificação dos pastorzinhos Francisco e Jacinta e que para isto interrogou irmã Lúcia no Convento de clausura em Coimbra, onde vive desde que se tornou carmelita descalça. O encontro foi em 16 de dezembro de 1957. Voltando ao México, fez uma conferência em 22 de maio de 1958, onde relatou a entrevista com a vidente de Fátima que foi publicada. O sacerdote relata que irmã Lúcia recebeu-o cheia de tristeza, magra e muito aflita, comunicando-lhe suas meditadas preocupações: "Padre, a Senhora está muito triste porque não se deu atenção à sua mensagem de 1917. Nem os bons nem os ruins tomaram conhecimento. Os bons seguem o seu caminho sem preocupar-se com atender às indicações celestes; os ruins, marcham na estrada larga da perdição sem tomar nenhum conhecimento das ameaças de castigo. Creia, padre, o Senhor Deus muito em breve castigará o mundo. O castigo será material e o padre pode imaginar quantas almas cairão no inferno se não se rezar e fizer penitência. Esta é a causa da tristeza de Nossa Senhora. "Padre, diga a todos o que a Senhora tantas vezes me disse: 'Muitas nações desaparecerão da face da Terra. Nações sem Deus serão o flagelo escolhido por Deus para castigar a humanidade se vós, por meio da oração e dos santos Sacramentos, não obtiverdes a graça da conversão dessas nações.' "Diga, padre, que o demônio está travando a batalha decisiva contra a Senhora, e o que aflige o Coração Imaculado de Maria e de Jesus é a queda das almas religiosas e sacerdotais. O demônio sabe que religiosas e sacerdotes, descuidando de sua excelsa vocação, arrastam muitas almas para o inferno. Estamos ainda em tempo de evitar o castigo do Céu. Temos à nossa disposição meios muito eficazes: a oração e o sacrifício. Mas o demônio faz de tudo para distrair-nos e tirar-nos o gosto pela oração. Ou nos salvaremos ou então nos danaremos juntos. "Porém, padre, é preciso dizer às pessoas que não devem permanecer à espera de uma convocação à oração e penitência, nem de parte do papa, nem dos bispos, nem dos párocos, nem dos superiores gerais. Chegou o tempo de cada um, por sua própria iniciativa, realizar santas obras e reformar a sua vida segundo a convocação de Nossa Santíssima Mãe. O demônio quer se apossar das almas consagradas, trabalha para corrompê-las, para instigar muitos à impenitência final; serve-se de todas as astúcias, sugerindo até mesmo o aggiornamento da vida religiosa. Resulta disso a esterilização da vida interior, o esfriamento nos leigos do espírito de renúncia aos prazeres e a total imolação a Deus. "Lembre-se, padre, de que foram dois fatos que concorreram para santificar Jacinta e Francisco: a grande tristeza da Senhora, e a visão do inferno. A Senhora encontra-se como que entre duas espadas: de um lado vê a humanidade obstinada e indiferente às ameaças de castigos; de outro, vê a profanação dos santos Sacramentos e o desprezo dos avisos de castigo que se aproximam, permanecendo incrédulos, sensuais, materialistas. "A Senhora não disse claramente que nos aproximamos dos últimos dias. Mas me deu a entender, repetindo isso três vezes: na primeira, que o demônio está para iniciar a luta decisiva, isto é, final, da qual sairemos vitoriosos ou vencidos, ou estamos com Deus ou estamos com o demônio. Na segunda vez me repetiu que os últimos remédios dados ao mundo são o Santo Rosário e a devoção ao Imaculado Coração de Maria. E últimos significa que não haverá outros. "Na terceira vez, disse-me que esgotados os outros recursos desprezados pelos homens, oferece-nos com temor a última âncora de salvação: a Santíssima Virgem em pessoa, com suas numerosas aparições, suas lágrimas, as mensagens dos videntes espalhadas por toda parte do mundo. E a Senhora disse ainda que se não a ouvirmos e continuarmos na ofensa, não seremos mais perdoados, será como recusar aberta e conscientemente a salvação que nos é oferecida, e isto no Evangelho é chamado o pecado contra o Espírito Santo. Padre, é urgente que tomemos consciência da terrível realidade. Não se quer encher as almas de medo, mas é uma convocação urgente à realidade, porque desde que a Virgem Santíssima deu grande eficácia ao Santo Rosário, não há problema material ou espiritual, nacional ou internacional, que não possa ser resolvido por ele e pelos nossos sacrifícios. Recitá-lo com amor e devoção, consolando Maria, enxugará tantas lágrimas de Maria Santíssima, de seu Imaculado Coração, nos salvaremos e obteremos a salvação de muitas almas. "Na devoção ao Imaculado Coração de Maria, aproximaremos o trono da clemência, da serenidade e do perdão e encontraremos nele o seguro caminho para o Céu." Essa mensagem foi publicada e difundida pelo mundo em versões inglesa e espanhola, com todas as garantias de autenticidade e com a aprovação do bispo de Leiria. Em seguida, porém, parece que foi distorcida em tom sensacionalista criando alarmes sobre acontecimentos que teriam lugar em 1960. Nesse ponto o bispado de Coimbra interveio com uma comunicação oficial que condenava a "campanha de profecias que chegam a provocar uma tempestade de ridículo", acrescentando uma declaração de irmã Lúcia que declarava ignorar castigos falsamente atribuídos a ela. Referia-se à entrevista de padre Fuentes, mas, como muito bem nota o padre Alonso, que é o maior relator dos fatos de Fátima (obra em vários volumes, em vias de edição póstuma), no seu livro Segredo de Fátima, fatos e lenda: "o que padre Fuentes diz no texto original de sua conferência no México corresponde, sem dúvida, à essência do que ele ouviu durante suas visitas à irmã Lúcia, pois embora no relatório os trechos estejam misturados com adornos oratórios e outros recursos literários, eles não dizem nada que a vidente já não tenha dito em seus numerosos escritos publicados. Talvez o defeito foi ter classificado de mensagem ao mundo o que ouviu." Devemos acrescentar ser verdade que há distorções e abusos sobre muitas mensagens proféticas, isso ocorre até mesmo com a Bíblia, mas não justifica que seja preterida a distinção entre o falso e o genuíno, condenando tudo como fez o bispado de Coimbra. O que nos refere padre Fuentes é sem dúvida valioso e fiel. Além disso, como se viu, não há fantasias sobre as formas de castigos e cataclismas, como devem ter descrito à irmã Lúcia, que quase certamente não leu o texto e é muito reservada quando fala da mensagem, obedecendo sempre às ordens superiores. É preciso lembrar, ainda, que há um segundo relatório em que o padre mexicano fala dos sofrimentos pessoais de Pio décimo segundo, que nos últimos meses de sua vida via uma situação preocupante no mundo e na Igreja. Teria tido irmã Lúcia uma visão do que aconteceria sob os novos pontificados? De fato, o quadro religioso descrito nesse relato de 1957 em pouco tempo demonstrou ser apenas um esboço. Os católicos que testemunharam as transformações da Igreja depois de Pio décimo segundo viram a vida eclesial degenerar rápida e sinistramente. Abandonou-se a oração e a penitência como desprezou-se a doutrina e a virtude, e, embora os perigos do mundo aumentassem em turbilhão e invadissem até o recinto sagrado, ninguém mais convocava à defesa da fé. Se antes não se ouvira Fátima, depois tentou-se deturpá-la e ocultá-la. A tristeza de Maria Santíssima ficou esquecida. E aconteceu que, enquanto crescia a indiferença para com os sinais do Céu, aumentava a invocação de obediência e respeito para com os projetos e transformações efetuados na Terra. Também dentro da Igreja, nunca se convocou tanto à caridade e compreensão para com os erros de toda ordem. Só a fé deixava de ser lembrada. Dirão: quem na Igreja pode saber melhor que o papa e os bispos como operar para a defesa da fé e a salvação das almas! Na verdade essa missão cabe especialmente à hierarquia, mas é responsabilidade, não privilégio humano, e é paga com espinhos, não com aplausos. "Ai de vós quando os homens vos louvarem!" A história da Igreja registra exemplos admiráveis de jovens que aconselharam papas e donzelas que guiaram reis. Eram ajudas dirigidas à hierarquia instituída dentro da ordem natural divina. E a grandeza desses chefes foi reconhecê-la e acolhê-la, confiantes. Santa Catarina de Sena, Santa Brígida e Santa Joana d'Arc foram mensageiras ardorosas e até severas, mas submissas à ordem da caridade. Quantas vezes reis e papas precisaram de ajuda celeste para superar suas crises de fé e cumprir o próprio dever! Mas os males eram superáveis na mesma medida em que crescem, acolhendo a ajuda enviada, que como autoridades não falhariam em reconhecer. Certamente nos últimos 300 anos de História não faltaram as ajudas divinas; faltou, sim, a fé para acolhê-las. O rei da França não acolheu o pedido do Sagrado Coração e a revolução cresceu na França até varrer sua dinastia e infestar o mundo. No século passado não se deu atenção a Nossa Senhora, que apareceu chorando na montanha de La Salette, e a maçonaria com o liberalismo solaparam as defesas da Igreja e da sociedade cristã. Em nosso século é o pontificado que antepõe soluções humanas ao caminho indicado em Fátima e o mundo jaz degradado pelos erros religiosos, pelas ofensas morais e pelo terror comunista..

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