Valor Do Curso De Direito Na Anhanguera Campinas

Iona College, New Rochelle - As sete palavras de Cristo na Cruz Livro de São Roberto Bellarmino Tradução: Permanência Prefácio Observai-me, agora, pelo quarto ano, a preparar-me para a morte. Tendo-me retirado dos negócios do mundo a um lugar de repouso, entrego-me à meditação das Sagradas Escrituras, e a escrever os pensamentos que me ocorrem nas meditações, para que, se já não posso ser de utilidade pela palavra de boca, ou pela composição de volumosas obras, possa ao menos ser útil a meus irmãos por meio destes piedosos livrinhos. Enquanto refletia, então, em qual seria o tema preferível tanto para me preparar para a morte como para ajudar os outros a viver bem, ocorreu-me a Morte de Nosso Senhor, junto com o último sermão que o Redentor do mundo pregou da Cruz, como dum elevado púlpito, à raça humana. Este sermão consiste em sete curtas mas profundas sentenças, e nestas sete palavras está contido tudo o que Nosso Senhor manifestou quando disse: "Eis que vamos para Jerusalém, e será cumprido tudo o que está escrito pelos Profetas relativo ao Filho do homem" (Lc 18,31). Tudo o que os Profetas predisseram acerca de Cristo pode ser reduzido a quatro títulos: seus sermões à gente; sua oração ao Pai; os grandes tormentos que suportou; e as sublimes e admiráveis obras que realizou. Tudo isto se verificou de modo admirável na Vida de Cristo, pois Nosso Senhor não podia ser mais diligente ao pregar ao povo. Pregava no templo, nas sinagogas, nos campos, nos desertos, nas casas, e, mais ainda, pregava até dum barco à gente que estava na margem. Era costume seu passar noites em oração a Deus, pois assim diz o Evangelista: "e estava passando toda a noite em oração a Deus" (Lc 6,12). Suas admiráveis obras, ao expulsar demônios, curar doentes, multiplicar pães, aplacar as tormentas, ler-se-ão em cada página dos Evangelhos (Mt 8; Mc 4; Lc 6; Jo 6). Ainda assim, foram muitas as injúrias que se acumularam sobre Ele, como resposta ao bem que fizera. Consistiam tais injúrias não só em palavras insolentes mas também em lapidá-lo (Jo 8) e despenhá-lo (Lc 4). Em uma palavra, todas estas coisas verdadeiramente se consumaram na Cruz. Sua pregação da Cruz foi tão poderosa, que "toda a multidão… retirava-se, batendo no peito" (Lc 23,48), e não só os corações humanos mas até as rochas se fizeram em pedaços. Ele orou na Cruz, como diz o Apóstolo, "com grandes brados e com lágrimas, preces e súplicas", sendo, assim, "atendido pela sua reverência" (Hb 5,7). Sofreu tanto na Cruz, em comparação com o que sofrera no restante de sua vida, que o sofrimento parece pertencer somente à sua Paixão. Finalmente, nunca operou maiores sinais e prodígios do que quando, na Cruz, parecia reduzido à maior fragilidade e fraqueza. Então não só manifestou sinais do céu, que os judeus tinham pedido até ao fastio, senão que, um pouco depois, manifestou o maior de todos os sinais. Pois que, depois de estar morto e enterrado, se levantou dentre os mortos por sua própria força, chamando seu Corpo à vida, e a uma vida imortal. Verdadeiramente então poderemos dizer que na Cruz se consumou tudo quanto estava escrito pelos Profetas com relação ao Filho do homem. Mas, antes de começar a escrever acerca das palavras que Nosso Senhor pronunciou da Cruz, parece apropriado dizer algo da Cruz mesma, que foi o púlpito do Pregador, o altar do Sacerdote Vítima, o campo do Combatente, ou a oficina d’O que opera maravilhas. Os antigos estavam de acordo em dizer que a Cruz era feita de três pedaços de madeira: um vertical, ao longo do qual se punha o corpo do crucificado; um horizontal, a que se prendiam as mãos; e o terceiro, que se unia à parte baixa da cruz, e sobre o qual descansavam os pés do acusado, mas presos por meio de cravos para lhes impedir o movimento. Concordam com esta opinião os antigos Padres da Igreja, como São Justino – e Santo Irineu. – Mais ainda, estes autores indicam claramente que ambos os pés descansavam na tábua, e não que um pé estava colocado em cima do outro. Segue-se, portanto, que Cristo foi pregado à Cruz com quatro cravos, e não com três, como muitos imaginam, os quais nas pinturas representam Cristo, Nosso Senhor, pregado à Cruz com um pé sobre o outro. Gregório de Túrones – diz claramente o contrário, e confirma sua opinião apelando para antigas gravuras. Eu, de minha parte, vi na Livraria Real, em Paris, alguns manuscritos muito antigos dos Evangelhos, os quais continham muitas gravuras de Cristo Crucificado e o representavam, todos, com quatro cravos. Santo Agostinho – e São Gregório de Nissa – dizem que o madeiro vertical da Cruz se projetava um pouco do madeiro horizontal. Parece que o Apóstolo insinua o mesmo, já que na Carta aos Efésios escreve São Paulo: " possais compreender, com todos os santos, qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade" (Ef 3,18). Isto é claramente uma descrição da figura da Cruz, que tinha quatro dimensões: largura na parte horizontal, comprimento na parte vertical, altura na parte que sobressaía e se projetava da parte horizontal, e profundidade na parte que estava fincada na terra. Nosso Senhor não padeceu os tormentos da Cruz por casualidade, ou contra a sua vontade, pois Ele escolhera este tipo de morte desde toda a eternidade, como ensina Santo Agostinho – pelo testemunho do Apóstolo: ", por determinado conselho e presciência de Deus, vos ser entregue, crucificando-o por mãos de iníquos, vós o matastes" (At 2,23). E assim Cristo, já no princípio de sua pregação, disse a Nicodemo: "E como Moisés levantou no deserto a serpente, assim também importa que seja levantado o Filho do homem, a fim de que todo o que crê n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna" (Jo 3,14-15). Muitas vezes falou aos Apóstolos acerca de sua Cruz, estimulando-os a imitar a Ele: "Se algum quer vir após de mim, negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz, e siga-me" (Mt 16,24). Só Nosso Senhor sabe a razão que o levou a escolher este tipo de morte. Os santos Padres, todavia, pensaram em algumas razões místicas, e deixaram-nas para nós em seus escritos. Santo Irineu, no trabalho a que já nos referimos, diz que as palavras "Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus" foram escritas naquela parte da Cruz onde ambos os braços se encontram para nos dar a entender que as duas nações, Judeus e Gentios, que até então se tinham rechaçado mutuamente, depois foram unidas em um só corpo sob uma só Cabeça: Cristo. São Gregório de Nissa, em seu sermão acerca da Ressurreição, diz que a parte da Cruz que olhava para o céu manifesta que o céu se há de abrir pela Cruz como por uma chave; que a parte que estava fincada na terra manifesta que o inferno foi despojado por Cristo quando Nosso Senhor desceu até ele; e que os dois braços da Cruz que se estendiam para o leste e o oeste manifestam a regeneração do mundo inteiro pelo Sangue de Cristo. São Jerônimo, na Epístola aos Efésios, Santo Agostinho, na Epístola a Honorato, São Bernardo, no quinto livro da obra Acerca da Consideração, ensinam que o mistério principal da Cruz foi levemente tocado pelo Apóstolo nas palavras "qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade" (Ef 3,18). O significado primário destas palavras aponta para os atributos de Deus: a altura significa seu poder, a profundidade sua sabedoria, a largura sua bondade, o comprimento sua eternidade. Fazem referência também às virtudes de Cristo em sua Paixão: a largura sua caridade, o comprimento sua paciência, a altura sua obediência, a profundidade sua humildade. Significam, mais ainda, as virtudes necessárias àqueles que são salvos por meio de Cristo. A profundidade da Cruz significa a fé, a altura a esperança, a largura a caridade, o comprimento a perseverança. Disto deduzimos que só a caridade, a rainha das virtudes, encontra espaço em qualquer lugar, em Deus, em Cristo, e em nós. Das outras virtudes, algumas são próprias de Deus, outras de Cristo, e outras de nós. Em conseqüência, não é de maravilhar que em suas últimas palavras da Cruz, que agora vamos explicar, Cristo tenha dado o primeiro lugar a palavras de caridade. Começaremos, portanto, por explicar as primeiras três palavras, ditas por Cristo à hora sexta, antes que o sol se escurecesse e as trevas cobrissem a terra. Consideraremos depois este eclipse do sol, e por fim chegaremos à explicação de todas as demais palavras de Nosso Senhor, que foram ditas por volta da hora nona (Mt 27), quando a escuridão estava desaparecendo e a Morte de Cristo estava próxima. – Tradução: Permanência. Capítulo 1: Explicação literal da Primeira Palavra: "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem" Cristo Jesus, o Verbo do Pai Eterno, de quem o mesmo Pai dissera: "Ouvi-o" (Mt 17,5), e que dissera de si mesmo: "Porque um só é o vosso Mestre" (Mt 23,10), para realizar a tarefa que assumira, nunca deixou de nos instruir. Não somente durante sua vida, mas até nos braços da morte, do púlpito da Cruz, pregou-nos poucas palavras, mas ardentes de amor, de suma utilidade e eficácia, e em todo o sentido dignas de ser gravadas no coração de qualquer cristão, para ser aí preservadas, meditadas, e realizadas literalmente e em obra. Sua primeira palavra é esta: "E Jesus dizia: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem" (Lc 23,34). Prece que, conquanto nova e nunca antes ouvida, quis o Espírito Santo fosse predita pelo Profeta Isaías nestas palavras: "e pelos transgressores fez intercessão" (Is 53,12). E as petições de Nosso Senhor na Cruz provam quão verdadeiramente falou o Apóstolo São Paulo quando disse: "a caridade… não busca os seus próprios interesses" (1Cor 13,5), pois, das sete palavras que pronunciou nosso Redentor, três foram pelo bem dos demais, três por seu próprio bem, e uma foi comum tanto para Ele como para nós. Sua atenção, porém, foi primeiro para os demais. Pensou em si mesmo ao final. Das três primeiras palavras que Ele disse, a primeira foi para seus inimigos, a segunda para seus amigos, e a terceira para seus parentes. Pois bem, a razão por que orou, então, é que a primeira demanda da caridade é socorrer aqueles que estão necessitados, e aqueles que estavam mais necessitados de socorro espiritual eram seus inimigos, e o de que nós, discípulos de tão grande Mestre, mais necessitamos é amar nossos inimigos, virtude que sabemos muito difícil de obter e que raramente encontramos, ao passo que o amor a nossos amigos e parentes é fácil e natural, cresce com os anos e muitas vezes predomina mais do que deveria. Razão por que escreveu o Evangelista: "E Jesus dizia" (Lc 23,34), onde a palavra "e" manifesta o tempo e a ocasião desta oração por seus inimigos, e põe em contraste as palavras do Sofrente e as palavras dos verdugos, Suas obras e as obras deles, como se o Evangelista quisesse explicar-se melhor desta maneira: estavam crucificando o Senhor, e em sua mesma presença estavam repartindo sua túnica entre si, zombavam-no e difamavam como embusteiro e mentiroso, ao passo que Ele, vendo o que estavam fazendo, escutando o que estavam dizendo, e sofrendo as mais agudas dores nas mãos e nos pés, pagou com bem o mal, e orou: "Pai, perdoa-lhes". Chama-Lhe "Pai", não Deus ou Senhor, porque quis que Ele exercesse a benignidade do Pai e não a severidade de um Juiz, e, como quis Ele evitar a cólera de Deus, que sabia provocada pelos enormes crimes, usa o terno nome de Pai. A palavra Pai parece conter em si mesma este pedido: Eu, Teu Filho, em meio de todos os meus tormentos, os perdoei. Faz Tu o mesmo, Pai Meu, estende Teu perdão a eles. Conquanto não o mereçam, perdoa-lhes por Mim, Teu Filho. Lembra-te também de que és seu Pai, pois os criaste, fazendo-os à Tua imagem e semelhança. Mostra-lhes, portanto, um amor de Pai, pois, conquanto sejam maus, são porém filhos Teus. "Perdoa". Esta palavra contém a petição principal que o Filho de Deus, como advogado de seus inimigos, faz a Seu Pai. A palavra "perdoa" pode referir-se tanto ao castigo devido ao crime como ao crime mesmo. Se está referida ao castigo devido ao crime, foi então a oração escutada: pois, já que este pecado dos judeus demandava que seus perpetradores sentissem instantânea e merecidamente a ira de Deus, sendo consumidos por fogo do céu ou afogados num segundo dilúvio, ou exterminados pela fome e pela espada, ainda assim a aplicação deste castigo foi posposta por quarenta anos, período durante o qual, se o povo judeu tivesse feito penitência, teria sido salvo e sua cidade, preservada, mas, dado que não fizeram penitência, Deus mandou contra eles o exército romano, que, durante o reino de Vespasiano, destruiu suas metrópoles e, parte de fome durante o sítio, parte pela espada durante o saque da cidade, matou grande multidão de seus habitantes, enquanto os sobreviventes eram vendidos como escravos e dispersos pelo mundo. Todas estas desgraças foram preditas por Nosso Senhor nas parábolas do vinhateiro que contratou obreiros para sua vinha, do rei que fez uma boda para seu filho, da figueira estéril, e, mais claramente, quando chorou pela cidade no Domingo de Ramos. A oração de Nosso Senhor foi também escutada se é que fazia referência ao crime dos judeus, pois obteve para muitos a graça da compunção e da reforma da vida. Houve alguns que "retiravam-se, batendo no peito" (Lc 23,48). Houve o centurião que disse "Na verdade este era filho de Deus" (Mt 27,54). E houve muitos que algumas semanas depois se converteram pela pregação dos Apóstolos, e confessaram Aquele que tinham negado, adoraram Aquele que tinham desprezado. Mas a razão por que a graça da conversão não foi outorgada a todos é que a vontade de Cristo se conforma à sabedoria e à vontade de Deus, que São Lucas manifesta quando nos diz nos Atos dos Apóstolos: "E creram todos os que eram predestinados para a vida eterna" (At 13,48). "Perdoai-Lhes". Esta palavra é aplicada a todos por cujo perdão Cristo orou. Em primeiro lugar é aplicada àqueles que realmente pregaram Cristo na Cruz, e repartiram seus vestidos lançando sortes. Pode ser também estendida a todos os que foram causa da Paixão de Nosso Senhor: a Pilatos, que pronunciou a sentença; às pessoas que gritaram: "Seja crucificado… Seja crucificado" (Mt 27,23); aos sumos sacerdotes e escribas que falsamente o acusaram, e, para ir mais longe, ao primeiro homem e a toda a sua descendência, que por seus pecados ocasionaram a morte de Cristo. E assim, de sua Cruz, Nosso Senhor orou pelo perdão de todos os seus inimigos. Cada um, porém, se reconhecerá a si mesmo entre os inimigos de Cristo, de acordo com as palavras do Apóstolo: "sendo nós inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho" (Rm 5,10). Portanto, nosso Sumo Sacerdote, Cristo, fez uma comemoração para todos nós, até antes de nosso nascimento, naquele sacratíssimo "Memento", se assim o posso dizer, que Ele fez no primeiro Sacrifício da Missa que celebrou no altar da Cruz. Que retribuição, ó alma minha, farás ao Senhor por tudo o que fez por ti, ainda antes de que fosses? Nosso amado Senhor viu que tu também algum dia estarias nas fileiras de Seus inimigos, e, conquanto não o tivesses pedido, nem o tivesses buscado, Ele orou por ti a Seu Pai, para que não carregasse sobre ti a falta cometida por ignorância. Não te importa, portanto, ter em conta tão doce Protetor, e fazer todo o esforço por servi-Lo fielmente em tudo? Não é justo que com tal exemplo diante de ti aprendas não só a perdoar a teus inimigos com facilidade, e a orar por eles, mas até a atrair quantos possas a fazer o mesmo? É justo, e isto desejo e tenho o propósito de fazer, com a condição de que Aquele que me deu tão brilhante exemplo me dê também em sua bondade a ajuda suficiente para realizar tão grande obra. Pois não sabem o que fazem. Para que sua oração seja razoável, Cristo diminui-se, ou, mais ainda, dá a desculpa que possa pelos pecados de seus inimigos. Ele certamente não podia desculpar a injustiça de Pilatos, ou a crueldade dos soldados, ou a ingratidão da gente, ou o falso testemunho daqueles que perjuraram. Então, não restou a Ele mais que desculpar-lhes a falta alegando ignorância. Pois com verdade o Apóstolo observa: "porque, se a tivessem conhecido, nunca teriam crucificado o Senhor da glória" (1Cor 2,8). Nem Pilatos, nem os sumos sacerdotes, nem o povo sabiam que Cristo era o Senhor da Glória. Ainda assim, Pilatos o sabia um homem justo e santo, que fora entregue pela inveja dos sumos sacerdotes, e os sumos sacerdotes sabiam que Ele era o Cristo prometido, como ensina Santo Tomás, porque não podiam – nem o fizeram – negar que tinha operado muitos dos milagres que os profetas tinham predito que o Messias operaria. Enfim, a gente sabia que Cristo tinha sido condenado injustamente, pois Pilatos publicamente lhe dissera: "não encontrei nele culpa alguma" (Lc 23,14), e "Eu sou inocente do sangue deste justo" (Mt 27,24). Mas, conquanto os judeus, tanto o povo como os sacerdotes, não soubessem o fato de que Cristo era Senhor da Glória, ainda assim não teriam permanecido neste estado de ignorância se sua malícia não os tivesse cegado. De acordo com as palavras de São João: "E, tendo ele feito tantos milagres em sua presença, não criam nele, para se cumprir a palavra do profeta Isaías, quando disse: – Obcecou-lhes os olhos e endureceu-lhes o coração para que não vejam com os olhos e não entendam com o coração, e não se convertam, e eu não os sare" (Jo 12,37-40). A cegueira não é desculpa para um homem cego, porque é voluntária, acompanhando, não precedendo, o mal que faz. Da mesma maneira, aqueles que pecam na malícia de seus corações sempre podem alegar ignorância, o que não é porém desculpa para seu pecado, pois não o precede, senão que o acompanha. Razão por que o Homem Sábio diz: "Os que praticam o mal erram" (Pv 13,22). O filósofo, de igual modo, proclama com verdade que todo o que faz mal é ignorante do que faz, e por conseguinte se pode dizer dos pecadores em geral: "Não sabem o que fazem". Pois ninguém pode desejar aquilo que é mau com base em sua maldade, porque a vontade do homem não tende para o mal tanto como para o bem, mas sim só ao que é bom, e por esta razão aqueles que escolhem o que é mau o fazem porque o objeto lhes é apresentado sob aparência de bem, e assim pode então ser escolhido. Isto é resultado do desassossego da parte inferior da alma, que cega a razão e a torna incapaz de distinguir nada que não seja bom no objeto que busca. Assim, o homem que comete adultério ou é culpado de roubo realiza estes crimes porque olha só o prazer ou o ganho que pode obter, e não o faria se suas paixões não o cegassem até ou à vergonhosa infâmia do primeiro e à injustiça do segundo. Um pecador, portanto, é similar a um homem que deseja lançar-se a um rio de um lugar elevado. Primeiro fecha os olhos e depois se lança de cabeça; assim, aquele que faz um ato de maldade odeia a luz, e atua sob uma voluntária ignorância que não o desculpa, porque é voluntária. Mas, se uma voluntária ignorância não desculpa o pecador, por que então Nosso Senhor orou: "Perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem"? A isto respondo que a interpretação mais direta por fazer das palavras de Nosso Senhor é que foram ditas para seus verdugos, que provavelmente ignoravam de todo não só a Divindade do Senhor mas até sua inocência, e simplesmente realizaram o labor do verdugo. Para eles, portanto, disse em verdade o Senhor: "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem". Uma vez mais, se a oração de Nosso Senhor há de ser interpretada como aplicável a nós mesmos, que ainda não tínhamos nascido, ou àquela multidão de pecadores que eram seus contemporâneos mas que não tinham conhecimento do que estava sucedendo em Jerusalém, então disse com muita verdade o Senhor: "não sabem o que fazem". Finalmente, se Ele se dirigiu ao Pai em nome de todos os que estavam presentes e sabiam que Cristo era o Messias e um homem inocente, então devemos confessar a caridade de Cristo, que é tal, que deseja atenuar o mais possível o pecado de seus inimigos. Se a ignorância não pode justificar uma falta, pode porém servir como desculpa parcial, e o deicídio dos judeus teria tido caráter mais atroz se conhecessem a natureza de sua Vítima. Conquanto Nosso Senhor fosse consciente de que tal não era uma desculpa, mas antes uma sombra de desculpa, apresentou-a com insistência, em verdade, para mostrar-nos quanta bondade sente com relação ao pecador, e com quanto desejo teria Ele usado uma melhor defesa, até para Caifás e Pilatos, se uma melhor e mais razoável apologia se tivesse apresentado. Capítulo 2: O primeiro fruto que se há de colher da consideração da primeira Palavra dita por Cristo na Cruz Tendo dado o significado literal da primeira palavra dita por Nosso Senhor na Cruz, nossa próxima tarefa será esforçarmo-nos para recolher alguns de seus frutos mais preferíveis e vantajosos. O que mais nos impressiona na primeira parte do sermão de Cristo na Cruz é sua ardente caridade, que arde com fulgor mais brilhante que o que possamos conhecer ou imaginar, de acordo com o que escreveu São Paulo aos Efésios: "e conhecer também aquele amor de Cristo, que excede toda a ciência" (Ef 3,19). Pois nesta passagem o Apóstolo nos informa, pelo mistério da Cruz, como a caridade de Cristo ultrapassa nosso entendimento, já que se estende para além da capacidade de nosso limitado intelecto. Pois quando sofremos qualquer dor forte, como uma dor de dente, ou uma dor de cabeça, ou uma dor nos olhos, ou em qualquer outro membro do corpo, nossa mente está tão atada a isto, que se torna incapaz de qualquer esforço. Então não estamos com humor para receber os amigos nem para continuar com o trabalho. Mas, quando Cristo foi pregado na Cruz, usou seu diadema de espinhos, como está claramente expresso nos escritos dos antigos Padres; por Tertuliano, entre os Padres latinos, em seu livro contra os judeus, e por Orígenes, entre os Padres gregos, em sua obra acerca de São Mateus; e portanto se segue que Ele não podia mover a cabeça para trás nem movê-la de um lado para o outro sem dor adicional. Toscos cravos lhe sujeitavam as mãos e pés, e, pela maneira como lhe dilaceravam a carne, ocasionavam doloroso e longo tormento. Seu corpo estava desnudo, desgastado pelo cruel flagelo e pelo intenso ir-e-vir, exposto ignominiosamente à vista do vulgo, aumentando por seu peso as feridas nos pés e mãos, numa bárbara e contínua agonia. Todas estas coisas combinadas foram origem de muito sofrimento, como se fossem outras tantas cruzes. Não obstante, ó caridade, verdadeiramente a ultrapassar nosso entendimento, Ele não pensou em seus tormentos, como se não sofresse, não estando solícito senão à salvação de seus inimigos, e, desejando cobrir-lhes a pena dos crimes, clamou fortemente a seu Pai: "Pai, perdoa-lhes". Que teria feito Ele se esses infelizes fossem as vítimas de uma perseguição injusta, ou se tivessem sido seus amigos, seus parentes, ou seus filhos, e não seus inimigos, seus traidores e parricidas? Verdadeiramente, ó benigníssimo Jesus! vossa caridade ultrapassa nosso entendimento. Observo vosso coração no meio de tal tormento de injúrias e sofrimentos, como uma rocha no meio do oceano que permanece imutável e pacífica, ainda que as ondas choquem furiosamente contra ela. Pois vedes que vossos inimigos não estão satisfeitos com infligir ferimentos mortais a Vosso Corpo, senão que têm de escarnecer-vos a paciência, e uivar triunfalmente com os maus tratos. E os olhais, digo eu, não como um inimigo que mede o adversário, mas como um Pai que trata com os extraviados filhos, como um médico que escuta os desvarios de um paciente que delira. Vós não estais aborrecido com eles, mas os compadeceis, e os confiais ao cuidado de Vosso Pai Todo-poderoso, para que Ele os cure e os deixe inteiros. Este é o efeito da verdadeira caridade, estar de bem com todos os homens, não considerando nenhum como inimigo, e vivendo pacificamente com aqueles que odeiam a paz. Isto é o que é cantado no Cântico do amor acerca da virtude da perfeita caridade: "As muitas águas não puderam extinguir o amor, nem os rios terão força para o submergir" (Ct 8,7). As muitas águas são os muitos sofrimentos que nossas misérias espirituais, como tormentas do inferno, infligem a Cristo através dos judeus e dos gentios, os quais representavam as paixões obscuras de nosso coração. Ainda assim, esta inundação de águas, quer dizer, de dores, não pode extinguir o fogo da caridade que ardeu no peito de Cristo. Por isso a caridade de Cristo foi maior que tal transbordamento de muitas águas, e resplandeceu brilhantemente em sua oração: "Pai, perdoa-lhes". E não só foram estas muitas águas incapazes de extinguir a caridade de Cristo; também nem sequer depois de anos puderam as tormentas da perseguição sobrepujar a caridade dos membros de Cristo. Assim, a caridade de Cristo, que possuiu o coração de Santo Estêvão, não podia ser esmagada pelas pedras com que foi martirizado. Estava viva então, e ele orou: "Senhor, não lhes imputes este pecado" (At 7,59). Enfim, a perfeita e invencível caridade de Cristo, que foi propagada nos corações de mártires e confessores, combateu tão tenazmente os ataques de perseguidores, visíveis e invisíveis, que se pode dizer com verdade, até o fim do mundo, que um mar de sofrimento não poderá apagar a chama da caridade. Mas da consideração da Humanidade de Cristo ascendamos à consideração de Sua Divindade. Grande foi a caridade de Cristo como homem para com seus verdugos, mas maior foi a caridade de Cristo como Deus, e do Pai, e do Espírito Santo, no dia último, para com toda a humanidade, que fora culpada de atos de inimizade para com seu Criador, e que, se tivesse sido capaz, o teria expulsado do céu, pregado a uma cruz, e assassinado. Quem pode conceber a caridade que Deus tem para com tão ingratas e malvadas criaturas? Deus não poupou os anjos quando pecaram, nem lhes deu tempo para arrepender-se; com freqüência, todavia, suporta pacientemente o homem pecador, blasfemos, e aqueles que se enrolam no estandarte do demônio, Seu inimigo, e não só os suporta mas também os alimenta e cria, e até os alenta e sustém, porque "n’Ele vivemos, e nos movemos, e existimos" (At 17,28), como diz o Apóstolo. Tampouco preserva somente o justo e bom, mas igualmente o homem ingrato e malvado, como Nosso Senhor nos diz no Evangelho segundo São Lucas. Tampouco nosso Bom Senhor meramente alimenta e cria, alenta e sustém seus inimigos, senão que amiúde acumula seus favores sobre eles, dando-lhes talentos, tornando-os honrosos, e os eleva a tronos temporais, enquanto lhes aguarda pacientemente o regresso da senda da iniquidade e perdição. E, não nos ocupando aqui de várias características da caridade que Deus sente pelos homens malvados, os inimigos de sua Divina Majestade, cada uma das quais requereria um volume se as tratássemos singularmente, limitar-nos-emos agora àquela singular bondade de Cristo que estamos tratando. Pois "Deus amou de tal modo o mundo, que lhe deu seu Filho Unigênito"? (Jo 3,16). O mundo é o inimigo de Deus, porque "todo o mundo está sob o maligno" (1Jo 5,19), como nos diz São João. E, "se alguém ama o mundo, não há nele o amor do Pai" (1Jo 2,15), como torna a dizer adiante. São Tiago escreve: "Portanto, todo aquele que quiser ser amigo deste século constitui-se inimigo de Deus" e "a amizade deste mundo é inimiga de Deus" (Tg 4,4). Deus, portanto, ao amar este mundo, mostra seu amor a seu inimigo com a intenção de fazê-lo amigo seu. Com este propósito enviou seu Filho, "Príncipe da Paz’ (Is 2,6), para que por seu intermédio o mundo possa ser reconciliado com Deus. Por isso, ao nascer Cristo, os anjos cantaram: "Glória a Deus nas alturas, e paz na terra" (Lc 2,14). Assim, Deus amou o mundo, seu inimigo, e deu o primeiro passo para a paz, dando seu Filho, que pode trazer a reconciliação sofrendo a pena devida a seu inimigo. O mundo não recebeu Cristo, acresceu sua culpa, rebelou-se diante do único Mediador, e Deus inspirou a este Mediador pagar o mal com o bem orando por seus perseguidores. Orou e "foi atendido pela sua reverência" (Hb 5,7). Deus esperou pacientemente o progresso que teriam os Apóstolos por sua pregação na conversão do mundo. Aqueles que tiverem feito penitência têm o perdão. Àqueles que não se tiverem arrependido após tão paciente tolerância, extermina-os o juízo final de Deus. Portanto, desta primeira palavra de Cristo aprendemos, em verdade, que a caridade de Deus Pai – que "amou de tal modo o mundo, que lhe deu seu Filho Unigênito, para que todo o que crê n’Ele não pereça, mas tenha vida eterna" (Jo 3,16) – ultrapassa todo e qualquer conhecimento. Capítulo 3: O segundo fruto que se há de colher da consideração da primeira Palavra dita por Cristo na Cruz Se os homens aprendessem a perdoar sem murmurações as injúrias que recebem, e assim forçassem seus inimigos a converterem-se em amigos, tiraríamos uma segunda e muito salutar lição da meditação da primeira palavra. O exemplo de Cristo e da Santíssima Trindade há de ser um poderoso argumento para nisto nos persuadirmos. Pois se Cristo perdoou e rezou por seus verdugos, que razão pode ser alegada para que um cristão não atue de modo semelhante com seus inimigos? Se Deus, nosso Criador, o Senhor e Juiz de todos os homens, o qual tem o poder de vingar-se imediatamente do pecador, espera seu arrependimento, e o convida à paz e à reconciliação com a promessa de perdoar as traições feitas à Divina Majestade, por que uma criatura não poderia imitar esta conduta, especialmente se recordamos que o perdão de uma ofensa obtém grande recompensa? Lemos na história de São Egelberto, Arcebispo de Colônia, assassinado por alguns inimigos que o estavam esperando, que, na hora de sua morte, rezou por eles com as palavras de Nosso Senhor: "Pai, Perdoa-lhes", e foi revelado que este gesto foi tão agradável a Deus, que sua alma foi levada ao céu pelas mãos dos anjos, e posta no meio do coro dos mártires, onde recebeu a coroa e a palma do martírio, e sua sepultura tornou-se famosa por realizar muitos milagres. Ó, se os cristão aprendessem quão facilmente poderiam obter tesouros inesgotáveis, se apenas o quisessem; e quão facilmente alcançariam graus notáveis de honra e glória pelo domínio das várias agitações de suas almas e desprezo magnânimo dos pequenos e triviais insultos, certamente não seriam tão duros de coração e tão obstinados contra o indulto e o perdão. Objeta-se que agiriam contrariamente à natureza caso se permitissem ser injustamente rechaçados com desprezo ou ultrajados por obra ou palavra: se os animais selvagens, que apenas seguem o instinto natural, atacam de forma selvagem seus inimigos quando os vêem, e os subjugam com garras e dentes, também nós, à vista de nosso inimigo, sentimos o sangue a ferver e o desejo de vingança aflorar. Tal argumento é falso. Não faz distinção entre a defesa própria, que é válida, e o espírito de vingança, que é inválido. Ninguém pode achar falta em um homem que se defende por uma causa justa, e a natureza nos ensina a rechaçar a força com a força – mas não nos ensina a vingar-nos nós mesmos uma injúria que tivermos recebido. Ninguém nos impede tomar as precauções necessárias para nos preparamos contra um ataque, mas a lei de Deus nos proíbe que sejamos vingativos. O castigo de uma injustiça pertence não ao indivíduo privado, mas ao magistrado público, e, por isso que Deus é o Rei dos reis, Ele clama e diz: "A mim me pertence a vingança, eu retribuirei" (Rm 12,19). Quanto ao argumento de que um animal é levado por sua própria natureza a atacar o animal inimigo de sua espécie, respondo que isto é o resultado de serem animais irracionais, que não podem distinguir entre a natureza e o que é vicioso na natureza. Mas os homens, que são dotados de razão, hão de traçar uma linha entre a natureza ou a pessoa, que, criadas por Deus, são boas, e o vício ou o pecado que é mau e não procede de Deus. Da mesma maneira, quando um homem for insultado, deve amar a pessoa de seu inimigo e odiar o insulto, e deve antes se compadecer dele que se perturbar com ele, assim como um médico que ama seus pacientes e lhes prescreve com o devido cuidado, mas que odeia a enfermidade e luta com todos os recursos a sua disposição para afugentá-la, destruí-la, torná-la inofensiva. E isto é o que o Mestre e Doutor de nossas almas, Cristo Nosso Senhor, ensina quando diz: "Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos perseguem e caluniam" (Mt 5,44). Cristo, nosso Mestre, não é como os Escribas e Fariseus que se sentavam na cátedra de Moisés e ensinavam, mas não praticavam o que ensinavam. Quando subiu ao púlpito da Cruz, Ele praticou o que ensinou ao rezar por seus inimigos, que amava: "Pai, Perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem". Porém, a razão pela qual a visão de um inimigo faz que em algumas pessoas o sangue ferva em suas veias, é esta: são animais que não aprenderam a trazer as moções da parte inferior da alma, comum tanto à raça humana como à criação selvagem, sob o domínio da razão, ao passo que os homens espirituais não estão sujeitos a estes movimentos da carne, pois sabem como mantê-los controlados, e não se turbam com aqueles que os injuriaram, senão que, ao contrário, se compadecem, e, estendendo a eles atos de bondade, se esforçam por levar-lhes a paz e a unidade. Objeta-se que isto é uma prova demasiado difícil e severa para homens de nascimento nobre, os quais devem ser zelosos de sua honra. No entanto, não é assim. A tarefa é fácil, pois, como testemunha o Evangelista, "o jugo" de Cristo, que deu esta lei para guia de seus seguidores, "é suave, e sua carga ligeira" (Mt 11,30); e seus "mandamentos não são custosos" (1Jo 5,3), como afirma São João. E assim, se parecem difíceis e severos, parecem também pelo pouco ou nenhum amor que temos por Deus, pois nada é difícil para aquele que ama, como disse o Apóstolo: "A caridade é paciente, é benigna; tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo sofre" (1Cor 13,4-7). Nem foi Cristo o único que amou a seus inimigos – ainda que, na perfeição com a qual praticou a virtude, a todos superou – pois o Santo Patriarca José amou com amor especial a seus irmãos que o haviam vendido à escravidão. E na Sagrada Escritura lemos como Davi, com muita paciência, resignou-se com as perseguições de seu inimigo Saul, que por muito tempo procurou matá-lo; e que, quando pôde Davi tirar a vida de Saul, não o matou. E sob a lei da graça, o proto-mártir Santo Estevão imitou o exemplo de Cristo ao fazer esta oração enquanto o apedrejavam à morte: "Senhor, não lhes impute este pecado" (At 7,59). E Santiago Apóstolo, Bispo de Jerusalém, que foi lançado de cabeça desde o cume do templo, clamou no céu no momento de sua morte: "Senhor, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem". E São Paulo escreve de si mesmo e de seus companheiros apóstolos: "amaldiçoam-nos e bendizemos; perseguem-nos e o sofremos; somos difamados e rogamos" (1Cor 4,12-13). Enfim, muitos mártires e inumeráveis outros, logo após o exemplo de Cristo, não encontraram nenhuma dificuldade em cumprir este mandamento. Mas pode haver alguns que continuem argumentando: não nego que devemos perdoar nossos inimigos, mas escolherei o tempo que me apraze fazê-lo, quando, em verdade, tenha quase esquecida a injustiça que me foi feita, e tenha me acalmado após o primeiro arrebatamento de indignação. Mas, quais seriam os pensamentos destes se fossem então chamados a prestar as contas finais, e fossem encontrados sem o traje da caridade, e fossem perguntados: "como entraste aqui, não tendo a veste nupcial?" (Mt 22,12). Por acaso não se assombrariam enquanto Nosso Senhor pronuncia sua sentença: "Atai-o de pés e mãos, e lançai-o nas trevas exteriores; aí haverá pranto e ranger de dentes." (Mt 21,13). Age melhor e com prudência agora, e imita a conduta de Cristo, que rezou a seu Pai, "Pai, perdoa-lhes", no momento em que era objeto de escárnios, quando o sangue caía gota a gota de seus pés e mãos, e seu corpo inteiro era presa de torturas dolorosas. Ele é o verdadeiro e único Mestre, cuja voz a devem escutar todos que não serão guiados ao erro: a Ele se referiu o Pai Eterno quando uma voz se ouviu do céu dizendo: "Ouviu-o". Nele estão "todos os tesouros da sabedoria e da ciência" de Deus (Cl 2,3). Se pudesses perguntar a opinião de Salomão sobre qualquer assunto, poderias com segurança ter seguido seu conselho, mas "aqui está quem é mais que Salomão" (Mt 12,42). Continuo ainda a ouvir objeções. Se decidimos retribuir o mal com o bem, o insulto com a bondade, a maldição com a benção, os maus se tornarão insolentes, os infames se tornarão aprumados, os justos serão oprimidos, e a virtude calcada sob seus pés. Este resultado não se dará, pois de ordinário, no dizer do Homem Sábio, "a resposta branda aquieta a ira" (Pr 15,1). Ademais, a paciência de um homem justo não poucas vezes enche de admiração seu opressor, e o persuade a estender a mão da amizade. Por outra, esquecemos que o Estado nomeia magistrados, reis e príncipes, cujo dever é fazer que os malvados sintam a severidade da lei, e prover meios para que os homens honestos vivam uma vida tranquila e pacífica? E se em alguns casos a justiça humana é tardia, a Providência de Deus, que nunca permite que um ato malévolo passe sem castigo ou um ato bom sem recompensa, está continuamente nos observando e, de um modo imprevisível, cuidando para que as ocasiões em que os malvados crêem que humilharão os virtuosos, conduzam estes à exaltação e honra. Pelo menos assim o diz São Leão: "Estiveste furioso, ó perseguidor da Igreja de Deus, estiveste furioso com o mártir, e aumentaste sua glória aumentando sua dor. Pois que inventaste em tua ingenuidade que se voltasse em tua honra, se até seus instrumentos de tortura foram tomados em triunfo?". O mesmo deve ser dito de todos os mártires e santos da antiga lei, pois que trouxe mais reputação e glória ao patriarca José que a perseguição de seus irmãos? O ter sido vendido por inveja aos ismaelitas foi ocasião para que se convertesse em senhor de todo Egito e príncipe de todos seus irmãos. Mas, omitindo estas considerações, passemos revista aos muitos e grandes inconvenientes que sofrem aqueles homens que, apenas para escapar de uma sombra de desonra diante dos homens, estão obstinados a se vingar daqueles que lhes fizeram qualquer mal. Em primeiro lugar, agem como estultos ao preferir um mal maior a um menor. Pois é um princípio considerado certo em toda parte, e que nos foi declarado pelo Apóstolo nestas palavras: "Não façamos o mal para que venha o bem" (Rm 3,8). Segue-se que, por conseqüência, um mal maior não há de ser cometido para que se possa obter alguma compensação por um menor. Aquele que recebe a injúria, recebe o que é chamado de mal da injúria: aquele que se vinga de uma injúria, é culpável do que se chama de mal do crime. Ora, sem dúvida, a desgraça de cometer um crime é maior que a desgraça de ter de suportar a injúria, pois, ainda que a ofensa possa tornar um homem miserável, não necessariamente o torna mau. Um crime, no entanto, o faz, a um tempo, miserável e malvado. A injúria priva o homem do bem temporal, o crime o priva tanto do bem temporal como do eterno. Assim, um homem que remedia o mal de uma injúria cometendo um crime, é como um homem que corta uma parte dos seus pés para calçar sapatos menores, o que é um ato de total loucura. Ninguém comete tal insensatez em suas preocupações temporais, mas, no entanto, há alguns homens tão cegos a seus interesses reais, que não temem ofender mortalmente a Deus para escapar daquilo que tem aparência de desgraça, e para manter um semblante de honra aos olhos dos homens. Caem, pois, sob o desagrado e a ira de Deus, e, a menos que se corrijam a tempo e façam penitência, terão que suportar a desgraça e o tormento eterno, e perderão a honra sem fim de habitarem no céu. Acrescente-se a isto que realizam um ato dos mais agradáveis ao diabo e seus anjos, que urgem a este homem fazer algo de injusto a aquele outro, com o propósito de semear a discórdia e a inimizade no mundo. E cada um deve refletir com calma quão desgraçado não é quem agrada o inimigo mais feroz da raça humana e desagrada o Cristo. Ademais, se sucede que o homem injuriado que ambiciona vingança fira mortalmente a seu inimigo, e o mate, é ele ignominiosamente executado por assassinato, e toda a sua propriedade é confiscada pelo Estado, ou, ao menos, é forçado ao exílio, e tanto ele como sua família viverão uma existência miserável. Assim é como o diabo joga e como se ri daqueles que escolhem antes se aprisionar com as ataduras da falsa honra, que se fazerem servos e amigos de Cristo, o melhor dos Reis, e serem reconhecidos como herdeiros de reino mais vasto e mais durável. Por isso, posto que o homem insensato, apesar do mandamento de Cristo, se nega a reconciliar-se com seus inimigos, e se expõe ao desastre total, todos os que são sábios escutarão a doutrina que Cristo, o Senhor de tudo, nos ensinou no Evangelho com suas palavras, e na Cruz com suas obras. Capítulo 4: Explicação textual da segunda palavra: "Amém, Eu te digo: Hoje estarás comigo no paraíso." A segunda palavra, ou a segunda frase, pronunciada por Cristo na Cruz foi, segundo o testemunho de São Lucas, a magnífica promessa feita ao ladrão, que pendia em uma cruz a seu lado. A promessa foi feita nas seguintes circunstâncias: dois ladrões foram crucificados juntos ao Senhor, um a sua mão direita, outro a sua esquerda; um desses acrescentou a seus crimes do passado o pecado de blasfemar de Cristo, zombando de sua falta de poder para salvá-los, dizendo: "se és o Cristo, salva-te a ti mesmo e salva-nos a nós!" (Lc 23,39). De fato, São Mateus e São Marcos acusam ambos os ladrões desse pecado, mas é mais provável que os dois evangelistas usem o plural para se referirem ao número singular, como freqüentemente se faz nas Sagradas Escrituras, conforme observa Santo Agostinho no trabalho "Sobre a Harmonia dos Evangelhos". Assim São Paulo, em sua Epístola aos Hebreus, diz dos profetas: "taparam bocas de leões… apedrejados…, serrados ao meio…; andaram errantes, vestidos de pele de ovelha e de cabra" (Hb 11,33-37). Sem embargo, um só profeta houve – Daniel – que fechou a boca dos leões; um só profeta – Jeremias – que foi apedrejado; um só profeta – Isaías – que foi serrado. Mais ainda, nem São Mateus nem São Marcos são tão explícitos a respeito desse ponto como São Lucas, que disse de maneira mui clara: "um dos malfeitores, ali crucificados, blasfemava contra Ele" (Lc 23,39). Pois bem, mesmo se considerarmos que ambos vituperavam o Senhor, não existe razão para que um mesmo homem não haja amaldiçoado em um momento e, já em outro, proclamado seus louvores. Não obstante, a opinião dos que sustentam que um dos ladrões blasfemadores se converteu pela oração do Senhor – "Pai, Perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem" – contradiz manifestamente a narração evangélica, uma vez que São Lucas diz que o ladrão começou a blasfemar contra o Cristo tão logo Ele fizesse essa oração; daí estarmos inclinados a adotar a opinião de Santo Agostinho e de Santo Ambrósio, que dizem que um só dos ladrões o vituperou, enquanto o outro o glorificou e defendeu. Conforme essa narração, o bom ladrão exprobrou o blasfemador: "nem sequer temes a Deus, tu que sofres no mesmo suplício?" (Lc 23,40). O ladrão fora feliz por sua solidariedade ao Cristo na Cruz. Os raios da Luz Divina que logravam penetrar na obscuridade da alma o levaram a exprobrar no companheiro a maldade e a convertê-lo a uma vida melhor; este é o sentido pleno de sua exprobação: "tu, pois, queres imitar a blasfêmia dos judeus, que ainda não aprenderam a temer os juízos de Deus, porquanto se ufanam da vitória que crêem ter alcançado ao pregar o Cristo numa cruz. Reputam-se por livres e seguros, e não receiam castigo. Mas acaso tu, que fostes crucificado por tuas enormidades, não temes a justiça vingadora de Deus? Por que cumulas pecado sobre pecado?". Logo, galgando de virtude em virtude, auxiliado pela crescente graça de Deus, confessa seus pecados e proclama que Cristo é inocente. "Nós", diz, fomos condenados "com razão" à morte de cruz, "porque a merecemos por nossos feitos; mas este não fez mal nenhum" (Lc 23,41). Finalmente, à luz crescente da graça em sua alma, acrescenta: "Jesus, lembrai-vos de mim quando retornardes com vosso reino" (Lc 23,42). Admirável a graça do Espírito Santo que se derramou no coração do bom ladrão! O apóstolo Pedro negou seu Mestre, o ladrão o confessou quando Ele estava pendurado na Cruz. Os discípulos que iam a Emaús disseram: "esperávamos que seria Ele a libertar Israel" (Lc 24,21). O ladrão pede com confiança: "lembrai-vos de mim quando retornardes com vosso reino". O apóstolo São Tomé declara que não creria na Ressurreição até que visse ao Cristo; o ladrão, contemplando o Cristo – Que vira subjugado no patíbulo – não duvida de que Ele será Rei após sua morte. Quem instruiu o ladrão em mistérios tão profundos? Chama de Senhor esse homem que vê desnudo, ferido, desgraçado, insultado, rebaixado, pendido a uma cruz a seu lado; diz que após sua morte, Ele há de vir com seu reino. Do que podemos inferir que o ladrão não figurou o reino de Cristo como temporal – como o imaginavam os judeus – mas que após sua morte Ele seria Rei para sempre, no Céu. Quem foi o instrutor de segredos tão sagrados e sublimes? Ninguém, decerto, senão o Espírito de Verdade, que o aguardava com suas mais doces bênçãos. Cristo, quando de sua Ressurreição, disse aos apóstolos: "Não era necessário que o Cristo padecesse e entrasse deste modo em Sua Glória?" (Lc 24,26). Entretanto, o ladrão milagrosamente o previu, confessando que o Cristo era Rei no momento mesmo em que o não cercava nenhuma aparência de realeza. Os reis reinam durante a vida e, quando param de viver, param de reinar; o ladrão, sem embargo, proclama em alta voz que o Cristo – por intermédio de Sua morte – herdaria um reino, que é aquele que o Senhor refere nesta parábola: "um homem ilustre foi para um país distante, a fim de ser investido da realeza e depois regressar" (Lc 19,12). Nosso Senhor disse tais palavras pouco tempo antes de sua Paixão, para nos mostrar que, mediante sua morte, iria a um país distante, i é, para outra vida; ou, em outras palavras, que iria ao Céu, que está mui distante da terra, para receber um reino grande e eterno, mas que voltaria no último dia, recompensando cada homem de acordo com sua conduta na vida, seja com prêmio, seja com castigo. Com respeito a esse reino, desta feita, que o Cristo receberia imediatamente após sua morte, o ladrão disse sabiamente: "lembrai-vos de mim quando retornardes com vosso reino". Mas, pode-se objetar, não era Cristo Nosso Senhor Rei antes de sua morte? Sem dúvida o era, e por isso os Reis Magos inquiriam insistentemente: "Onde está o Rei dos Judeus, que nasceu?" (Mt 2,2). E o mesmo Cristo disse a Pilatos: "Sim, tu o dizes, sou Rei. Para isso nasci e vim ao mundo: para dar testemunho da verdade" (Jo 18,37). Mas Ele era Rei neste mundo tal como um viajante entre estranhos, daí não ser reconhecido como tal senão por uns tantos, sendo humilhado e mal recebido pela maioria. Assim, na parábola que vimos de citar, diz-se que iria "a um país distante, a fim de ser investido da realeza". Não digo que Ele a adquiriria da parte de outro, mas que a receberia como sua própria, e retornaria. E o ladrão observou sabiamente: "quando retornardes com vosso reino". Nessa passagem, o reino do Cristo não é sinônimo de poder ou soberania régia, porque o exercera desde o princípio, conforme estes versículos dos Salmos: "Em Sião, já tenho eu consagrado a meu rei meu monte santo" (Sl 2,6). "Dominará de mar a mar, desde o Rio até aos confins da terra" (Sl 72,8). E conforme Isaías: "Porque uma criatura nos nasceu, um filho nos foi dado. O senhorio habitará por sobre seu ombro" (Is 9,5). E conforme Jeremias: "Suscitarei a Davi um Rebento justo: reinará um rei prudente, praticará o direito e a justiça, na terra" (Jr 23,5). E conforme Zacarias: "Exulta à larga, filha de Sião; grita de júbilo, filha de Jerusalém! Eis que aqui vem a ti teu rei: justo ele e vitorioso, humilde e montado em um asno, um burrico, cria de jumenta" (Zc 9,9). Por isso, na parábola do advento do Reino, Cristo não se referia a um poder soberano, e tampouco, em sua petição, o bom ladrão: "lembrai-vos de mim quando retornardes com vosso reino", mas ambos falavam dessa perfeita dita, que liberta o homem da servidão e da angústia dos assuntos temporais, submetendo-os tão-somente a Deus, para quem servir é reinar, e pelo qual fora posto acima de todas as suas obras. Deste reino, de inefável dita à alma, Cristo gozou desde o momento de sua concepção, mas a dita do corpo – que era sua por direito – não a gozou efetivamente até sua Ressurreição. Uma vez que fora um forasteiro neste vale de lágrimas, estava submetido a fadigas, fome e sede; a lesões, feridas, e à morte. Entrementes – como seu Corpo sempre fora glorioso – imediatamente após a morte, entrou no gozo da Glória que lhe pertencia. A isso se referiu – após a Ressurreição – nestes termos: "não era necessário que o Cristo padecesse e entrasse deste modo em sua Glória?" Essa glória Ele chama sua própria – pois está em seu poder fazer outros partícipes dela, e por essa razão Ele é chamado "Rei da Glória" (Sl 24,8) e "Senhor da Glória" (1Cor 2,8) e "Rei dos Reis" (Ap 19,16), dizendo Ele mesmo a seus apóstolos: "Eu, do que é meu, disponho um Reino para vós" (Lc 22,29). Ele, em verdade, pode receber glória e reino, mas nós não podemos alcançar nem um nem outro; fomos pois convidados a entrar "no gozo do teu Senhor" (Mt 25,21), e não no nosso próprio. Este é então o reino de que falou o bom ladrão quando disse: "quando retornardes com vosso Reino". Entrementes, não devemos pôr de lado as muitas excelentes virtudes que se manifestam na oração do santo ladrão. Um breve bosquejo delas nos preparará para a resposta do Cristo à petição: "senhor, lembrai-vos de mim quando retornardes com vosso reino". Em primeiro lugar, chama-o Senhor, para mostrar que se considera a si como servo, ou melhor, como um escravo redimido, reconhecendo que o Cristo é seu Redentor. Logo acrescenta um pedido simples, mas cheio de fé, esperança, amor, devoção e humildade: "lembrai-vos de mim". Não disse: "se puderes, lembrai-vos de mim", pois acredita firmemente que o Cristo pode de fato fazê-lo. Não disse: "por favor, Senhor, lembrai-vos de mim", pois tem inteira confiança em sua caridade e compaixão. Não disse: "desejo, Senhor, reinar convosco em vosso Reino", pois a humildade o proibia. Enfim, não pede nenhum favor especial, mas tão simplesmente reza: "lembrai-vos de mim", como se dissesse: "tudo que desejo, Senhor, é que vos dignais recordar-me, inclinando vossos benignos olhos sobre mim, pois sei que sois Todo-Poderoso e tudo sabeis; por isso, ponho minha confiança em vossa bondade e vosso amor". Isso fica claro com as palavras conclusivas de sua oração: "quando retornardes com vosso reino", que não buscam nada perecível e vão, senão que aspiram a algo eterno e sublime. Atentemos agora à resposta do Cristo: "amém, Eu te digo: hoje estarás comigo no Paraíso." A palavra "amém" era usada pelo Cristo cada vez que queria fazer uma declaração solene e grave a seus seguidores. Santo Agostinho não duvidara em afirmar que essa palavra era, na boca do Senhor, uma sorte de juramento. Por certo, não podia ser um juramento, de acordo com as palavras do Cristo: "Pois vos digo que não jureis de modo algum… Seja vossa linguagem: sim, sim; não, não; o que passa além disso vem do Maligno" (Mt 5,34-37). Não podemos, por conseguinte, concluir que Nosso Senhor realizava um juramento cada vez que usava a palavra "amém". "Amém" era um termo habitual em seus lábios, e em algumas oportunidades não apenas precedia suas afirmações com "amém", mas com "amém, amém". Assim, pois, a observação de Santo Agostinho – de que a palavra "amém" não é um juramento, mas uma espécie de juramento – é perfeitamente justa, porque o sentido da palavra é "verdadeiramente": em verdade; e quando o Cristo diz: verdadeiramente vos digo, Ele afiança gravemente o que diz, e, por conseguinte, a expressão tem quase a mesma força de um juramento. Com grande razão, dirigiu-se assim ao ladrão, dizendo: "amém, Eu te asseguro", i é, Eu te asseguro do modo mais solene que posso sem prestar juramento: uma vez que o ladrão poderia negar – por três razões – dar crédito à promessa do Cristo, se Ele não a asseverasse solenemente. Em primeiro lugar, poderia se negar a crer por razão de sua indignidade ao ser o receptor de um prêmio tão grande, de um favor tão elevado. Pois quem imaginaria que o ladrão seria de pronto trasladado de uma cruz para um reino? Em segundo lugar, poderia se negar a crer por razão da pessoa que fez a promessa, ao ver que Ele estava, nesse momento, reduzido ao extremo da pobreza, da debilidade e do infortúnio, podendo o ladrão por isso ter argumentado: "se este homem não pôde, durante sua vida, fazer um favor a seus amigos, como vai ser capaz de assisti-los depois da morte?" Por último, poderia se negar a crer por razão da mesma promessa. Cristo prometeu o Paraíso. Pois bem, os judeus interpretavam a palavra "Paraíso" em referência ao corpo e à alma – pois sempre a usavam no sentido de um Paraíso terrestre. Se Nosso Senhor quisesse dizer: "hoje mesmo tu estarás comigo em um lugar de repouso, junto a Abraão, Isaque e Jacó", o ladrão o creria facilmente; mas como não quis dizer isso, firmara Sua promessa com esta garantia: "amém, Eu te asseguro". "Hoje". Não disse: "por-te-ei à Minha mão direita, em meio aos justos, no Dia do Juízo". Nem disse: "levar-te-ei a um lugar de descanso, logo após sofreres alguns anos no Purgatório". Nem tampouco: "consolar-te-ei dentro de alguns meses ou dias", mas "hoje mesmo, antes que o sol se ponha, passarás comigo do patíbulo da cruz às delícias do Paraíso". Maravilhosa é a liberalidade do Cristo; maravilhosa também é a boa fortuna do pecador. Santo Agostinho, em seu trabalho "Sobre a Origem da Alma", considera, com São Cipriano, que o ladrão pode ser considerado um mártir, e que sua alma foi diretamente ao Céu, sem passar pelo Purgatório. O bom ladrão pode ser chamado mártir pois que confessou Cristo publicamente, quando nem sequer os apóstolos se atreveram a pronunciar palavra a Seu favor; e por causa dessa confissão espontânea, a morte que sofreu em companhia do Cristo merecera um prêmio tão grande diante de Deus, como se houvesse sofrido por nome de Cristo. Se Nosso Senhor não fizesse outra promessa senão: "hoje estarás comigo", só essa benção seria inefável ao ladrão, conforme escreve Santo Agostinho: "Onde pode haver nele algum mal; e sem Ele, algum bem?". Em verdade, Cristo não fizera uma promessa trivial aos que o seguem quando disse: "se alguém me serve, que me siga; e onde eu estiver, ali também estará meu servo" (Jo 12,26). Sem embargo, ao ladrão prometeu não apenas sua companhia, mas também o Paraíso. Ainda que algumas pessoas tenham discutido acerca do sentido da palavra "Paraíso" neste texto, não parece haver fundamento para a discussão. Pois é seguro – porque é artigo de fé – que no mesmo dia de Sua morte, o Corpo do Cristo foi colocado no sepulcro, e Sua Alma desceu ao Limbo; é igualmente certo que a palavra "Paraíso" – falemos do Paraíso celeste, ou do terrestre – não se pode aplicar nem ao sepulcro, nem ao Limbo. Não se pode aplicar ao sepulcro, pois era um lugar mui triste – a primeira morada dos cadáveres – e o Cristo foi o único enterrado nele: o ladrão o foi em outro lugar. Mais ainda, as palavras "estarás comigo" não se cumpririam, se o Cristo falasse meramente do sepulcro. Tampouco se pode aplicar a palavra "Paraíso" ao Limbo. Pois "Paraíso" é um jardim de delícias – inclusive, no Paraíso terrestre haviam flores e frutas, águas límpidas e uma deliciosa suavidade no ar. No Paraíso celestial, delícias sem fim, glória interminável, além dos lugares dos Bem-aventurados. Mas no Limbo, onde as almas dos justos estavam detidas, não havia luz, nem alegria, nem prazer; certo, essas almas não estavam sofrendo, já que a esperança da redenção e a perspectiva de ver a Cristo era motivo de consolo e gozo para eles; contudo, se conservavam como cativos na prisão. Sobre isso, conforme o Apóstolo, ao explicar os profetas: "subindo às alturas, levou os cativos" (Ef 4,8); e conforme Zacarias: "quanto a ti, por causa de tua aliança de sangue, libertarei os teus cativos da fossa sem água" (Zc 9,11), onde as palavras "teus cativos" e "a fossa sem água" apontam evidentemente não às delicias do Paraíso, mas à obscuridade de uma prisão. Por isso, na promessa do Cristo, a palavra "Paraíso" só poderia significar a Bem-aventurança da alma, que consiste na visão de Deus – este é realmente um Paraíso de delícias, não um Paraíso corpóreo ou extenso, mas um espiritual e celestial. Por essa razão, ao pedido do ladrão – "Lembrai-vos de mim quando retornardes com vosso reino" – o Senhor não respondeu "hoje estarás comigo" em meu reino, mas "estarás comigo no Paraíso", porque nesse dia o Cristo não entrou em Seu reino – não entrou até ao dia da Ressurreição, quando Seu Corpo tornou-se imortal, impassível, glorioso, já não sendo passível de servidão ou sujeição nenhuma. Não terá o bom ladrão por companheiro seu, em seu reino, até a ressurreição de todos os homens, no último dia. Sem embargo, com grande verdade e propriedade, lhe disse: "hoje estarás comigo no Paraíso", pois naquele mesmo dia comunicaria, tanto à alma do bom ladrão como às dos santos no Limbo, essa glória da visão de Deus que Ele recebera em Sua concepção; está é pois a verdadeira Glória e felicidade essencial; este é o gozo supremo do Paraíso Celeste. É de se admirar mormente a escolha das palavras utilizadas pelo Cristo, a essa ocasião. Não disse: "hoje estareis no Paraíso", mas "hoje estarás comigo no Paraíso", como se quisesse se explicar mais amiúde, da seguinte maneira: "hoje, estás tu comigo na Cruz, mas tu não estás comigo no Paraíso – Paraíso este atinente à parte superior de minha alma. Mas, em pouco tempo – hoje mesmo – tu estarás comigo, não tão-só liberto da Cruz, mas aconchegado no seio do Paraíso". Capítulo 5: O primeiro fruto que se há de colher da consideração da segunda Palavra dita por Cristo na Cruz. Podemos colher alguns frutos, tirados da segunda palavra dita na Cruz. O primeiro fruto é a consideração da imensa misericórdia e liberalidade do Cristo, e de como é bom e útil servi-lo. As muitas dores que Ele, Nosso Senhor, sofria, poderiam ser alegadas como escusa para não escutar a petição do ladrão; mas, em Sua caridade divina, preferiu olvidar Suas próprias dores atrozes a não escutar a oração de um pobre pecador penitente. Esse mesmo Senhor não respondeu nada às maldições e imprecações dos sacerdotes e soldados, mas ante o clamor de um pecador a se confessar, Sua caridade proibira-lhe permanecer em silêncio. Quando é ultrajado não abre a boca, porque é paciente; quando um pecador confessa sua culpa, fala, porque é bondoso. Que dizer, pois, de Sua liberalidade? Os que servem a um chefe temporal com freqüência obtêm uma magra recompensa por muitos labores. Entre esses não raro vemos os que terão gasto os melhores anos de sua vida ao serviço de príncipes, e se retiram em idade avançada com mirrado salário. Mas o Cristo é um Príncipe verdadeiramente liberal, um Amo verdadeiramente magnânimo. Das mãos do bom ladrão não recebe nenhum serviço, exceto algumas palavras bondosas e o desejo cordial de o assistir, e, como galardão, com que grande prêmio o retribui! Nesse mesmo dia, todos os pecados que cometera durante sua vida são perdoados; é igualado aos principais de seu povo, a saber, os patriarcas e os profetas; e, finalmente, o Cristo o eleva para partilhar de sua mesa, de sua dignidade, de sua glória e de todos os seus bens. "Hoje", disse, "estarás comigo no Paraíso". O que Deus diz, faz. Tampouco difere essa recompensa para algum dia longínquo, mas, àquele mesmo dia, derrama em seu seio "uma medida boa, cheia, recalcada, transbordante" (Lc 6,38). O ladrão não é o único que experimentara a liberalidade do Cristo. Os apóstolos, que tudo abandonaram – seja um barco, um ofício de coletor de impostos ou um lar – para servir ao Cristo, foram feitos por Ele "príncipes de toda a terra" (Sl 45,17), submetendo-lhes demônios, serpes e toda casta de enfermidades. Se algum homem deu por esmola alimento ou vestimenta aos pobres em nome de Cristo, escutará estas palavras consoladoras no Dia do Juízo: "Tive fome, e me deste de comer… estava desnudo, e me vestiste" (Mt 25,35-36), receba tua recompensa, e entra na posse do meu Reino Eterno. Enfim, para não nos demorarmos em muitas outras promessas de recompensa, poderia o homem crer na quase inacreditável liberalidade do Cristo, se não fosse o mesmo Deus quem prometesse que "todo o que deixar a casa, ou os irmãos ou irmãs, ou o pai ou a mãe, ou os filhos, ou os campos, por causa do meu nome, receberá o cêntuplo e possuirá a vida eterna"? (Mt 19,29). São Jerônimo e os outros santos doutores interpretam o texto acima citado desta maneira: se um homem, pelo amor do Cristo, abandona tudo nesta vida presente, receberá uma dupla recompensa em adição à vida de valor incomparavelmente maior que a pequenez da que se deixara. Em primeiro lugar, receberá um gozo ou dom espiritual nessa vida, cem vezes mais precioso que o objeto temporal que pelo Cristo desprezara; um homem espiritual escolheria antes conservar esse dom à substituí-lo por cem casas ou campos, ou outras coisas semelhantes. Em segundo lugar – como se Deus Todo-poderoso considerasse tal recompensa como de pequeno ou nenhum valor – o feliz comerciante que troca bens terrenos por celestiais receberá no outro mundo a vida eterna, palavra esta que contém um oceano de todo o bem. Essa é, pois, a maneira por que o Cristo, o grande Rei, mostra sua liberalidade aos que se entregam sem reservas aos seus serviços. Não são estultos os homens que, abandonando as bandeiras de tal monarca, desejam fazer-se escravos de Mamón, da gula, da luxúria? Mas os que ignoram aquilo que Cristo considera como verdadeira riqueza poderiam obstar que estas promessas não passam de palavras, pois muitas vezes verificamos que os amigos diletos do Senhor são pobres, esquálidos, abjetos e sofridos e, por outro lado, nunca enxergamos a tal recompensa centuplicada, que se diz tão magnífica. Assim é porque o homem carnal não pode ver o cêntuplo que Cristo prometeu, pois não tem olhos com que possa vê-los; não participará jamais desse gozo durável, que engendra uma consciência pura e um verdadeiro amor de Deus. Contudo, darei um exemplo para mostrar que até um homem carnal pode apreciar os deleites e as riquezas espirituais. Lemos, num livro de exemplos sobre os varões ilustres da ordem Cisterciense, que um certo homem, nobre e rico, chamado Arnulfo, abandonou toda sua fortuna e fez-se monge cisterciense, vivendo sob a autoridade de São Bernardo. Deus testou a virtude desse homem mediante dores amargas e muitos tipos de sofrimentos, em particular no final de sua vida; numa certa ocasião, quando sofria mais agudamente que de costume, clamou com voz forte: "Tudo o que dissestes, oh! Senhor Jesus, é verdade". Ao perguntar-lhe, os que estavam presentes, qual a razão de sua exclamação, respondeu-lhes: "O Senhor, em Seu Evangelho, diz que os que abandonam suas riquezas e todas as coisas por Ele receberiam o cêntuplo nesta vida e, após, a vida eterna. Compreendo largamente a força e a gravidade desta promessa, e reconheço que estou agora a receber o cêntuplo por tudo que abandonei. Em verdade, a grande amargura desta dor me é tão agradável por causa da esperança na Divina Misericórdia, que me estenderão os sofrimentos, dos quais não consentiria libertar-me, ainda que a cem vezes o valor da matéria mundana que abandonei. Porque, em verdade, a alegria espiritual que se concentra na esperança do que há de vir ultrapassa cem vezes toda alegria mundana, que brota do presente". O leitor, ao ponderar estas palavras, poderá julgar em quão grande estima se há de ter a virtude vinda do céu da esperança infalível, da felicidade eterna. Capítulo 6: O segundo fruto que se há de colher da consideração da segunda Palavra dita por Cristo na Cruz. O segundo fruto que se há de colher da consideração da segunda palavra é o conhecimento do poder da divina graça e da debilidade da vontade humana; tal conhecimento é o de que a melhor política consiste em depositar toda a confiança na graça de Deus, e em desconfiar inteiramente da própria força. Se algum homem quer conhecer o poder da graça de Deus, volte os olhos ao bom ladrão. Era notório pecador, pecara durante o perverso curso de sua vida até ao momento em que fora subjugado à cruz, i é, ao momento quase derradeiro de sua vida; nesse momento crítico, com a salvação em jogo, nada havia que pudesse aconselhá-lo ou assisti-lo. Embora estivesse bem próximo a seu Salvador, ouvia tão-somente os sumos sacerdotes e fariseus a declará-Lo sedutor e homem ambicioso que buscava alcançar poder soberano. Ouvia também seu companheiro exprimindo-se perversamente em termos similares. Não havia boa palavra em favor de Cristo, e até o Mesmo Cristo não refutava as blasfêmias e maldições. Contudo, com a assistência da graça de Deus, quando as portas do céu lhe pareciam cerradas, e os adros infernais abertos a recebê-lo, e o pecador tão afastado da vida eterna quanto possível – fora de súbito iluminado desde o alto: seus pensamentos dirigiram-se ao canal apropriado e confessou Cristo por inocente e Rei do Mundo que há de vir e, como ministro de Deus, censurou o ladrão que o acompanhava, persuadindo-o de seu arrependimento, e encomendou-se humilde e devotamente a Cristo. Em suma, foram tão perfeitas suas disposições que as dores da crucificação compensaram todo sofrimento que pudesse guardar para o purgatório, de tal modo que, tão logo morrera, ingressou no gozo do Senhor. Por tal circunstância, fica evidente que se não deve desesperar da salvação, pois o ladrão que entrou na vinha do Senhor à hora duodécima, recebeu o prêmio com os que vieram à hora primeira. Por outro lado, para nos permitir ver a magnitude da debilidade humana, o mau ladrão se não converte nem pela imensa caridade de Cristo – o Qual orou com amor profundo por Seus executores – nem pela grandeza dos próprios sofrimentos, nem pela admoestação e exemplo do companheiro, nem pela escuridão temporã, pelas rochas fendidas ou pela conduta dos que, após a morte de Cristo, retornaram à cidade golpeando o peito. Tudo isso se sucedeu depois da conversão do bom ladrão, para nos mostrar que, se por um lado, um pode se converter sem auxílios, outro, com todos os auxílios, não pôde, ou, em realidade, não quis ser convertido. Poder-se-ia argumentar: por que Deus dera a graça da conversão a um e negou-lha a outro? Contestar-se-ia que a ambos se deram a graça suficiente para a conversão, e que se um pereceu, pereceu por culpa própria e, se o outro se converteu, foi convertido por graça de Deus, não sem a cooperação de sua própria vontade livre. Todavia, poder-se-ia perguntar: por que Deus não dera a ambos a graça eficaz, capaz de sobrepujar o mais endurecido dos corações? A razão de que assim não sucedera é um desses segredos que podemos admirar, mas não penetrar; devemos repousar no pensamento que não há injustiça em Deus, como disse o Apóstolo , pois, como aquilo de Agostinho, os juízos de Deus podem ser secretos, mas não podem ser injustos. Aprender com esse exemplo a não adiar a conversão até à proximidade da morte, eis a lição que nos respeita de forma imediata. Ainda que um dos ladrões cooperasse com a graça de Deus no último momento, o outro a rechaçou, caindo em perdição para sempre. Quem estuda história, ou observa o que se lhe sucede ao redor, sabe que a regra é os homens terminarem uma vida perversa com uma morte miserável, de sorte que é exceção o pecador morrer feliz; por outro lado, não é comum que os que vivem bem e santamente tenham um fim triste e miserável, mas sim que muitas pessoas boas e piedosas entrem, depois da morte, na posse dos gozos eternos. As que, em assunto de tal monta como a felicidade ou tormento eternos, ousam permanecer em estado de pecado mortal, ainda que por um só dia, são por demais néscias e presunçosas, porquanto após a morte não há lugar para arrependimento e, uma vez no inferno, já não há redenção. Sobre a Sexta Palavra de Cristo na Cruz Introdução Explicação Literal da Sexta Palavra: "Está tudo consumado". A sexta palavra que disse Nosso Senhor na Cruz está como que unida à quinta palavra mencionada por São João. Pois entre o Senhor dizer "Tenho sede", e tomar o vinagre oferecido, não houve tardança. Acrescenta São João: "Havendo Jesus tomado do vinagre, disse: Tudo está consumado" (Jo 19,30). Em verdade, nada se pode acrescentar a tais palavras: "Está tudo consumado", senão que estava a obra da Paixão aperfeiçoada e completa. Impusera Deus Pai duas missões a seu Filho: a primeira, pregar o Evangelho; a segunda, sofrer pela humanidade. Quanto à primeira, já dissera o Cristo: "Eu te glorifiquei na terra. Terminei a obra que me deste para fazer" (Jo 17,4). Proferira tais palavras por ocasião do discurso de despedida aos discípulos, na Última Ceia. Já ali cumprira a primeira obra que lhe impusera o Pai Celestial. Quanto à segunda missão, tomar o cálice amargo, estava por se cumprir. Aludira a isso, quando perguntou aos dois filhos de Zebedeu: "Podeis vós beber o cálice que eu devo beber?" (Mt 20,22); e ainda: "Pai, se é de teu agrado, afasta de mim este cálice!" (Lc 22,42); e em outro passo: "Não hei de beber eu o cálice que o Pai me deu? (Jo 18,11). Cristo pudera então exclamar ao momento da morte, como remate da missão: Está tudo consumado, pois o cálice do sofrimento foi tomado até às fezes, nada mais me resta senão morrer. E inclinando a cabeça, expirou (Jo 19,30). Entretanto, como nem Nosso Senhor, nem São João, mui concisos no que disseram, explicaram o que se cumpriu, temos oportunidade de aplicar a palavra com grande razão e vantagem a diversos mistérios. Santo Agostinho, comentando este passo, refere a palavra ao cumprimento de todas as profecias do Testamento Velho. "No instante que soubera Jesus do cumprimento de todas as coisas, para se cumprirem as Escrituras, disse: "Tenho sede", e "Havendo Jesus tomado do vinagre, disse: Está tudo consumado" (Jo 19,28-30), i é, o que havia por cumprir estava cumprido. Por isso, conclui-se que Nosso Senhor queria manifestar que o que se predissera por boca dos profetas sobre sua Vida e Morte já estava feito e acabado. Em verdade, todas as predições se comprovaram. Sua concepção: "Uma virgem conceberá e dará à luz um filho" (Is 7,14). Seu nascimento em Belém: "Mas de ti, Belém Efratá, apesar de seres a menor do clã da família de Judá, de ti sairá aquele que há de governar Israel" (Mq 5,2). A aparição de uma nova estrela: "De Jacó nascerá uma estrela" (Nm 24,17). A adoração dos Reis: "Oferecer-te-ão dádivas os reis de Tarsis e das ilhas, e os reis da Arábia e de Sabá trarão presentes" (Sl 71,10). A pregação do Evangelho: "O espírito do Senhor repousa sobre mim, porque o Senhor me ungiu, e me enviou para evangelizar os pobres, aliviar os aflitos de coração, anunciar a remissão dos cativos e a liberdade aos encarcerados" (Is 61,1). Seus milagres: "O próprio Deus há de vir e os salvará. Então abrir-se-ão os olhos do cego, e os ouvidos dos surdos. E saltará o coxo como o cervo e desatar-se-á a língua dos mudos" (Is 35,4-6). O cavalgar sobre o burrinho: "Eis que vem a ti o teu rei, justo e vitorioso; ele é simples e vem montado num jumento, no potro de uma jumenta" (Zc 9,9). Davi no Salmos, Isaías, Jeremias, Zacarias e outros mais predisseram a Paixão como se a testemunhassem. É o significado das palavras de Nosso Senhor, quando dizia estar próxima sua Paixão: "Vede, subamos a Jerusalém, pois lá se há de cumprir o que escreveram os profetas sobre o Filho do Homem" (Lc 18,31). Do que se havia de cumprir, disse: "Está tudo consumado", tudo terminado, para que na predição dos profetas encontre-se, a partir de agora, a verdade. Em segundo lugar, São João Crisóstomo diz que a palavra "Está tudo consumado" manifesta que o poder dado a homens e demônios sobre a pessoa do Cristo acabara-se com sua morte. Quando disse Nosso Senhor aos Sumos Sacerdotes e doutores do Templo "esta é a vossa hora e do poder das trevas" (Lc 22,53), aludia ele a esse poder. O período durante o qual, com a permissão de Deus, os iníquos se apoderaram do Cristo terminou com a exclamação "Está tudo consumado", pois a peregrinação do Filho de Deus entre os homens, conforme predissera Baruque, findara: "É ele o nosso Deus, com ele nenhum outro se compara. Conhece a fundo os caminhos que conduzem à sabedoria, galardoando com ela Jacó, seu servo, e Israel, seu favorecido. Foi então que ela apareceu sobre a terra, onde permanece entre os homens." (Br 3,36-38). E juntamente com a peregrinação, terminou sua condição de vivente e mortal, por que sentia fome e sede, e dormia, e se fatigava, e sujeitava-se a atritos e flagelos, e a feridas e a morte. Deste modo, quando o Cristo na Cruz exclamou "Está tudo consumado, e inclinando a cabeça expirou", concluiu-se o caminho daquele que dissera "Saí do Pai e vim ao mundo. Agora deixo o mundo e volto para junto do Pai." (Jo 16,28). O termo da peregrinação foi como aquilo do profeta Jeremias: "Senhor, esperança de Israel, vós que sois o seu salvador no tempo da desgraça, por que sois qual estrangeiro nessa terra, viajante de uma noite apenas?" (Jr 14,8). Acabava a sujeição de sua natureza à morte, findara o poder de seus inimigos sobre Ele. Em terceiro lugar, ultimou o sacrifício dos sacrifícios. Ante o real e verdadeiro Sacrifício, os da Lei Antiga consideram-se como meras sombras e figuras. Disse São Leão: "Atraíste tudo para ti, Senhor, pois quando se rasgou o Véu do Templo, o Santo dos Santos apartou-se dos sacerdotes indignos; as figuras se converteram em verdade, manifestaram-se as profecias, converteu-se a Lei nos Evangelhos". Mais adiante, continua: "A oblação única de teu Corpo e Sangue é superior à variedade dos antigos holocaustos". Neste único Sacrifício do Cristo, o sacerdote é Homem-Deus, o altar a Cruz, a vítima o Cordeiro de Deus, o fogo para o holocausto a caridade, o fruto do sacrifício a redenção do mundo. O sacerdote, digo, era o Homem-Deus, e nada há de maior: "Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque" (Sl 109,4), e com justiça, de acordo com a ordem de Melquisedeque, porque lemos na Escritura que Melquisedeque não tinha pai, nem mãe, nem genealogia, e o Cristo não tinha Pai na terra, nem mãe no Céu, nem genealogia, pois "Quem contará sua geração?" (Is 53,8). "Eu te gerei antes da aurora" (Sl 109,3); "saíste desde o princípio, desde os dias da eternidade" (Mq 5,2). O altar foi a Cruz. Assim como o tempo que o Cristo sofreu sobre o madeiro era sinal de grande ignomínia, assim agora está dignificada e enobrecida, e no último dia aparecerá no céu mais resplandecente que o sol. A Igreja aplica à Cruz as palavras do Evangelista: "Então aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem" (Mt 24,30), já que canta "O sinal da cruz no céu aparecerá, quando vier o Senhor para julgar". São João Crisóstomo confirma essa opinião, e observa que quando "o sol se escurecer, e a lua não tiver claridade" (Mt 24,29), a Cruz há de ser vista mais brilhante que o sol no esplendor do meio-dia. A vítima foi o Cordeiro de Deus, totalmente inocente e imaculado, de quem fala Isaías: "Foi maltratado e resignou-se; não abriu a boca, como um cordeiro que se conduz ao matadouro, e uma ovelha muda nas mãos do tosquiador” (Ele não abriu a boca – Is 53,7), e também o Precursor: "Eis aqui o Cordeiro de Deus, eis o que tira o pecado do mundo" (Jo 1,29), e por último São Pedro: "Porque vós sabeis que não é por bens perecíveis, como a prata e o ouro, que tendes sido resgatados da vossa vã maneira de viver, recebida por tradição de vossos pais, mas pelo precioso sangue de Cristo, o Cordeiro imaculado e sem defeito algum" (1Pd 1,18-19). No Apocalipse, chamam-no também de "o cordeiro imolado desde o princípio do mundo" (Ap 13,8), porque o mérito do sacrifício já o previra Deus, em benefício daqueles que viveram antes da vinda do Cristo. O fogo do holocausto, que o consome e perfaz, é o imenso amor que ardeu no Coração do Filho de Deus, qual ardente fogueira que as muitas águas da Paixão não extinguiram. Finalmente, o fruto do Sacrifício foi a expiação dos pecados de todos os filhos de Adão, i é, a reconciliação do mundo com Deus. Na sua primeira epístola, disse São João: "Ele é a expiação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo" (1Jo 2,2), o que é dizer, com outras palavras, a ideia de São João Batista: "Eis aqui o Cordeiro de Deus, eis o que tira o pecado do mundo" (Jo 1,29). Aparece aqui um embaraço: como é possível o Cristo ser ao mesmo tempo sacerdote e vítima, posto que fosse dever do sacerdote matar a vítima? Certamente o Cristo não se matou a si, nem havia de fazê-lo, pois se o fizesse, cometeria um sacrilégio e não ofereceria um sacrifício. É verdade que o Cristo não se matou a si, mas ainda assim ofereceu um sacrifício real, porque pronta e alegremente se ofereceu a si à morte por glória de Deus e salvação dos homens. Nem soldados o prenderiam, nem cravos trapassariam suas mãos e pés, nem a morte – não obstante tivesse pregado à Cruz – se apoderaria dele se ele assim não o quisesse. Em consequência, com muita propriedade disse Isaías: "Ofereceu-se porque o quis" (Is 53,7); e disse Nosso Senhor: "O Pai me ama, porque dou a minha vida para a retomar. Ninguém a tira de mim, mas eu a dou de mim mesmo." (Jo 10,17-18). Com mais claridade, afirma São Paulo: "Progredi na caridade, segundo o exemplo de Cristo, que nos amou e por nós se entregou a Deus como oferenda e sacrifício de agradável odor" (Ef 5,2). Portanto, de modo maravilhoso dispôs-se que todo o mal, e todo o pecado, e todo o crime da condenação à morte do Cristo recaíssem sobre Judas e os judeus, sobre Pilatos e os soldados. Eles não ofereciam sacrifício, senão que foram culpados de sacrilégio, e não mereciam o título de sacerdotes, senão que de sacrílegos. Toda a virtude, e toda a santidade, e toda a obediência pertencem ao Cristo, que se ofereceu a si como vítima a Deus, sofrendo pacientemente a morte, e morte de Cruz, para apaziguar a ira do Pai, reconciliar a humanidade com Deus, saciar a justiça divina, e salvar a raça decaída de Adão. São Leão expressa com elegância e economia este pensamento: "Ele permitiu as mãos impuras se voltassem contra si, e já então se convertiam em colaboradores da Redenção no momento em que cometiam um abominável pecado". Em quarto lugar, por morte do Cristo findou-se a batalha entre o Salvador e o príncipe deste mundo. Na alusão desta luta, valeu-se o Senhor destas palavras: "Agora é o juízo deste mundo; agora será lançado fora o príncipe deste mundo. E quando eu for levantado da terra, atrairei todos os homens a mim" (Jo 12,31-32). Foi batalha de foro, e não de milícia. Foi batalha entre dois demandantes, e não de dois exércitos rivais. Satanás disputou com o Cristo a possessão do mundo, e o domínio sobre a humanidade. Por muito tempo, o demônio lançara a mão com dolo para possui-lo, porque vencera o primeiro homem, e dele e seus descendentes fizera-os escravos. Por essa razão, chama São Paulo aos demônios de "principados e potestades, príncipes deste mundo tenebroso" (Ef 6,12). Como disséramos, até o mesmo Cristo chama ao demônio "príncipe deste mundo". Eis que o demônio não quisera apenas ser príncipe, mas arvorar-se em deus deste mundo, como na exclamação do Salmo: "Porque os deuses dos pagãos, sejam quais forem, não passam de ídolos. Mas foi o Senhor quem criou os céus" (Sl 95,5). Nos ídolos dos gentios, adorava-se Satanás, e lhe rendiam culto de sacrifício de cordeiros e vitelos. Por outro lado, o Filho de Deus, verdadeiro e legítimo herdeiro do universo, demandou para si o principado deste mundo. A sentença da lide deu-se na Cruz, e o juízo se pronunciou em favor de Jesus Cristo, porque na Cruz expiou à saciedade os pecados do primeiro homem e seus filhos. A obediência do Filho ao Pai Eterno superou a desobediência do servo ao Senhor, e a humildade da morte do Filho de Deus na Cruz redundou em maior honra do Pai, que o orgulho do servo em sua desonra. Assim Deus, nos méritos de seu Filho, se reconciliou com a humanidade, arrancando-se ao poder do demônio a mesma humanidade, e "nos introduziu no Reino de seu Filho muito amado" (Cl 1,13). Há outra razão, a que aduz São Leão, conforme dá-la-emos com suas próprias palavras: "Se o orgulhoso e cruel inimigo conhecesse o plano da misericórdia de Deus, reprimira as paixões dos judeus, e lhes não inculcara o ódio injusto por que perderia o domínio sobre os cativos, ao atacar em falso a liberdade daquele que nada devia". Esta consideração é de muitíssimo peso. Era justíssimo que o demônio perdesse toda a autoridade sobre os escravos do pecado, porque se atrevera a pôr as mãos sobre o Cristo, que não era escravo seu, nem havia pecado, e todavia perseguira até à morte. Ora se este é o caso, se é terminada a batalha, se é vitorioso o Filho de Deus, e se "quer que todos os homens se salvem" (1Tm 2,4), como é possível tantos estarem submissos ao poder do demónio nesta vida, e atormentados no inferno, na que há de vir? Respondo-o com uma palavra: querem-no. Cristo saiu vitorioso da disputa, outorgando à raça humana dois favores inefáveis. Primeiro, abriu aos justos a porta dos céus, que estavam cerradas desde a queda de Adão até aquele dia, em que pronunciou a justificação do ladrão, alcançada por meio da fé, da esperança e da caridade, pelos méritos de seu sangue: "Em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso" (Lc 23,43). Exultante, clama a Igreja: "Tu, vitorioso sobre o aguilhão da morte, abriste aos crentes o Reino dos Céus". Segundo, instituiu os Sacramentos, que têm poder de perdoar pecados e conferir a graça. Envia os pregadores da Palavra a toda parte do mundo, a proclamar: "Quem crer e for batizado será salvo" (Mc 16,16). Assim Nosso Senhor franqueou o caminho para todos adquirirem a gloriosa liberdade dos filhos de Deus, e se há quem se recuse a nele entrar, morrem pela própria culpa, e não pela míngua do poder ou da vontade do Redentor. Em quinto lugar, a palavra "Está tudo consumado" é possível aplicá-la ao término do edifício, i é, a Igreja. Cristo Nosso Senhor usa dela, ao se referir a um edifício: "Hic homo coepit aedificare et non potuit consummare, Este homem principiou a edificar, mas não pode terminar" (Lc 14,30). Ensinam os Padres que o estabelecimento das fundações da Igreja deu-se no batismo do Cristo, e o término da construção na sua morte. Epifânio, no terceiro livro contra os hereges, e Santo Agostinho, no último da Cidade de Deus, mostram que Eva, feita da costela do Adão adormecido, faz figura da Igreja, feita da costela do Cristo adormecido na morte, advertindo que, não sem razão, o livro do Gênesis usa o termo "construiu", e não "formou". Santo Agostinho, com as palavras do Salmista, prova que o edifício da Igreja começa no batismo do Cristo: "Ele dominará de um ao outro mar, desde o grande rio até os confins da terra." (Sl 71,8). O reino do Cristo, a Igreja, se iniciou no batismo recebido das mãos de São João, consagrou as águas e instituiu o sacramento que é a sua porta de entrada; foi nesse momento que se escutou claramente a voz do Pai nos céus: "Eis meu Filho muito amado em quem me comprazo" (Mt 3,17). Desde então Nosso Senhor começou a pregar e reunir discípulos, que foram os primeiros filhos da Igreja. Todos os sacramentos tiram sua eficácia da Paixão do Cristo, apesar de terem aberto o costado de Nosso Senhor quando já estava morto, fluindo daquela chaga sangue e água, os tipos dos dois principais sacramentos da Igreja. Fluírem sangue e água das costelas do Cristo, estando já morto, era sinal dos sacramentos, e não sua instituição. Podemos concluir que se consumou a edificação da Igreja quando Cristo disse: "Está tudo consumado", porque só lhe restava morrer, o que logo aconteceu, já que pagara o preço de nossa redenção..

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