O Que Significa Ige Em Exame De Sangue

Wells College, Aurora - QUINTO LIVRO - Inicio agora um quinto livro contra o tratado de Celso, pio Ambrósio: não para me entregar a um palavrório injustificável, pois seria impossível fazer isto sem pecar, mas para empenhar-me ao máximo para não deixar sem exame nenhuma de suas palavras, principalmente onde certas pessoas poderiam pensar que ele fez críticas pertinentes contra nós ou contra os judeus. Se me fosse possível, com este discurso, penetrar na consciência de cada leitor de sua obra e tirar toda seta que fere uma alma não inteiramente protegida pela armadura de Deus, se eu pudesse aplicar um remédio espiritual que curasse a ferida causada por Celso, ferida que impede a quem confia em seus argumentos de ser robusto na fé, seria exatamente isso que eu faria. Mas é obra de Deus habitar invisivelmente por seu Espírito e pelo Espírito de Cristo aqueles que julga dever habitar. Quanto a mim, tentando, por meio de discursos e tratados, reafirmar os homens na fé, devo empenhar todos os meus esforços para merecer o título de operário que não tem de que se envergonhar, que "dispensa com retidão a palavra da verdade" (2Tm 2,15). Um destes esforços me parece ser refutar da melhor forma os argumentos plausíveis de Celso, executando com confiança o mandato que me confiaste. Citarei, portanto, os argumentos de Celso que seguem depois daqueles a que já respondi - cabe ao leitor julgar se eu os destruí - e lançar minhas refutações. Que Deus me conceda não tratar de meu assunto deixando meu espírito e minha razão no nível puramente humano e vazios de inspiração divina, "a fim de que a fé" daqueles que eu desejo ajudar "não se baseie na sabedoria dos homens", mas que eu receba de seu Pai, o único a concedê-la, "o pensamento de Cristo" (1Cor 2,5 16) e a graça de participar do logos de Deus, e assim eu possa destruir "todo poder altivo que se levanta contra o conhecimento de Deus" (2Cor 10,5) e a presunção de Celso que se levanta contra nós e nosso Jesus, e contra Moisés e os profetas. E que aquele que dá "aos mensageiros seu logos com um grande poder" (Sl 67,12) também o dê a mim e me doe este grande poder, e entre os leitores nasça a lei baseada sobre o logos e o poder de Deus! Descida divina ou descida angélica? - Portanto, o que interessa no momento é refutar a seguinte passagem: Para judeus e cristãos, nenhum Deus, nenhum Filho de Deus desceu nem poderia descer. Pois, se falais de anjos, dizei-nos quem são eles, deuses ou seres de uma outra espécie? De uma outra espécie, demônios, sem dúvida. Estas repetições de Celso - pois já as repetiu várias vezes acima - não exigem uma longa discussão: as respostas dadas bastarão. Limitar-me-ei, entre muitas outras, a algumas observações que parecem estar na linha das anteriores, embora não tenham precisamente o mesmo sentido. Direi, pois, que em sua tese absoluta que nenhum Deus ou Filho de Deus jamais desceu até os homens, Celso reduz a nada as manifestações de Deus geralmente admitidas e mencionadas por ele mesmo anteriormente. De fato, se na afirmação absoluta, nenhum Deus ou Filho de Deus desceu nem poderia descer, Celso disse a verdade, de nada valeram evidentemente todas as descidas dos deuses do céu à terra para fazerem predições aos homens ou curá-los pelos oráculos. Nem Apolo Pítio, nem Asclépio, nem qualquer um daqueles aos quais se atribuem atos semelhantes podem ser um deus descido do céu, a não ser talvez que seja um deus cujo destino seja habitar sempre a terra, como banido da convivência dos deuses ou um dos seres incapazes de entrar em comunhão com os deuses que aí se encontram. Ou então Apolo, Asclépio e todos aqueles cuja ação é venerada na terra não podem ser deuses, mas são demônios bem inferiores aos homens sábios que se elevam pela virtude até à abóbada do céu. - Observa como, em sua intenção de destruir nossa fé, ele que ao longo de seu tratado se recusa a confessar-se epicureu, nós o surpreendemos passando como trânsfuga para o campo de Epicuro. Para ti, leitor dos argumentos de Celso que admites o que antecede, é chegado o momento ou de negares a presença de Deus que estende sua providência a todos os homens individualmente, ou de admiti-la e provares que a doutrina de Celso é falsa. Negas radicalmente a providência? Então, para afirmar a verdade de tua posição, provarás a falsidade das razões que levam Celso a admitir a existência de deuses e de uma providência. Afirmas, contudo, a providência, recusando aderir à afirmação de Celso: Nem Deus nem Filho de Deus desceu ou não desce até os homens? Então, por que não examinar seriamente, naquilo que eu disse de Jesus e nas profecias que lhe dizem respeito, quem é aquele que devemos acreditar ser Deus ou Filho de Deus que desceu até os homens: Jesus, que levou a bom êxito e realizou tão grandes obras, ou aqueles que, sob pretexto de oráculos e adivinhações, em vez de reformar os costumes daqueles que eles curam, chegam ao ponto de afastar do culto venerável, puro e sem mistura devido ao Criador do universo e dividem a alma daqueles que aderem a eles, sob pretexto de honrar a múltiplos deuses, e não ao único, manifesto e verdadeiro Deus? - Em seguida, como se judeus e cristãos tivessem respondido que aqueles que descem até os homens são anjos, ele responde: Se falais de anjos, dizei-nos quem são eles: deuses ou seres de uma outra espécie? E, supondo nossa resposta, ele acrescenta: - De uma outra espécie, demônios, sem dúvida. Pois bem! Vamos esclarecer este ponto. De comum acordo dizemos que os anjos são "espíritos servidores, enviados ao serviço dos que devem herdar a salvação" (Hb 1,14). Eles sobem para levar as súplicas dos homens às regiões celestes mais puras do mundo, ou mesmo às supracelestes mais puras do que aquelas. Em seguida, eles descem de lá para levar a cada um conforme seu mérito uma das graças que Deus ordena dispensar àqueles que recebem seus favores. Portanto, aqueles que aprendemos a chamar de anjos por causa de sua função, nós os encontramos às vezes também nas escrituras sagradas com o nome de deuses, porque são divinos; mas eles não o são a ponto de sermos obrigados a venerar e adorar, em lugar de Deus, aqueles que nos dispensam e nos trazem as graças de Deus. Pois é preciso elevar todo pedido, prece, súplica e ação de graças ao Deus supremo através do sumo sacerdote que está acima de todos os anjos, o logos vivo de Deus. E ofereceremos ao próprio logos pedidos, preces, ações de graças, e mesmo súplicas, se formos capazes de discernir entre o sentido absoluto e o sentido relativo da palavra "súplica". - Pois invocar os anjos sem ter recebido a seu respeito uma ciência que ultrapassa o homem não é razoável. Mas suponhamos, por hipótese, que tenhamos recebido esta ciência maravilhosa e misteriosa: esta ciência em si mesma leva ao conhecimento da natureza dos anjos e dos ofícios confiados a cada um deles e não permitirá que ousemos orar a qualquer pessoa a não ser ao próprio Deus supremo, que a tudo pode satisfazer perfeitamente, por meio de nosso salvador, o Filho de Deus, que é logos, sabedoria, verdade e tudo o que dele afirmam as escrituras dos profetas de Deus e dos apóstolos de Jesus. Para tornar os santos anjos de Deus propícios a nós e levá-los a fazer tudo por nós, basta, enquanto possível à natureza humana, imitar em nossa atitude com Deus a disposição pessoal deles, pois imitam a Deus; e a concepção que temos de seu Filho o logos, enquanto possível, em vez de contradizer a concepção mais clara que dele têm os santos anjos, se aproxima dela a cada dia em clareza e nitidez. Como se jamais tivesse lido nossas escrituras sagradas, Celso dá a si mesmo uma resposta que ele nos atribui: segundo o que afirmamos, os anjos que descem de junto de Deus para fazer o bem aos homens são de uma outra espécie, e, em nossa opinião, são demônios sem dúvida. Celso não percebe que o nome "demônios" não é um termo indiferente como o nome "homens", entre os quais existem bons e maus, nem um termo nobre como "deuses", que não é aplicado aos demônios maus, às estátuas, aos animais, mas é dado por aqueles que são instruídos sobre as coisas divinas aos seres verdadeiramente divinos e felizes. O nome "demônios" sempre é aplicado a estes poderes maus que, separados do corpo grosseiro, seduzem e atormentam os homens e os rebaixam às coisas deste mundo longe de Deus e das realidades celestes. Adoração e culto - Em seguida, ele tem esta passagem sobre os judeus: Eis uma primeira característica surpreendente entre os judeus: eles veneram o céu e os anjos que nele se encontram, mas não dão atenção às partes do céu mais respeitáveis e mais poderosas, o sol, a lua e os outros astros, as estrelas e planetas: como se fosse admissível que tudo seja deus e que suas partes não sejam divinas; ou que se preste um culto supremo a astros que aparecem, como dizem, não sei em que trevas, àqueles que são cegos por uma magia suspeita ou que veem em sonho fantasmas indistintos, e por outro lado sejam vistos como nada aqueles que fazem predições com tanta clareza e brilho para todo o mundo, por quem são dispensadas as chuvas, os calores, as nuvens, os trovões que os judeus adoram, os raios, os frutos e todos os produtos da terra, pelos quais Deus se revela a eles, que são os arautos mais evidentes das coisas do alto, os verdadeiros mensageiros celestes! Celso parece-me neste ponto ter caído em confusão ao escrever coisas aprendidas de outiva, que ele não entendia. Pois o exame do judaísmo e sua comparação com o cristianismo mostram claramente isto: os judeus observam a lei dizendo em nome de Deus: "Não terás outros deuses diante de mim. Não farás para ti imagem esculpida de nada que se assemelhe ao que existe lá em cima, nos céus, ou embaixo na terra, ou nas águas que estão debaixo da terra. Não te prostrarás diante desses deuses e não os servirás" (Êx 20,3-5) Eles adoram exclusivamente o Deus supremo, criador do céu e de tudo mais. É claro que aqueles que vivem segundo a lei, se adoram aquele que fez o céu, não adoram ao mesmo tempo o céu e Deus. Além disso, nenhum observador da lei de Moisés adora os anjos que estão no céu. Não adorando o sol, a lua, as estrelas, "todo o exército do céu", eles evitam igualmente adorar o céu e os anjos que nele existem, por obediência à sua lei: "Levantando teus olhos ao céu e vendo o sol, a lua, as estrelas e todo o exército do céu, não te deixes seduzir para adorá-los e servi-los! São coisas que o Senhor teu Deus repartiu entre todos os povos que vivem sob o céu" (Dt 4,19) - E muito mais, supondo que os judeus veem o céu como um deus, diz que isto é absurdo e censura-os por adorarem o céu mas não o sol, a lua e as estrelas, e desta forma se comportarem como se fosse possível admitir que tudo é deus e que suas partes não são divinas; ele parece dizer que o céu é tudo, e o sol, a lua e as estrelas são suas partes. Mas é bem evidente que nem os judeus nem os cristãos afirmam que o céu é deus. Mas admitamos que ele tenha razão em dizer que os judeus chamam o céu de deus, suponhamos mesmo que o céu, a lua e as estrelas sejam partes do céu - o que não é absolutamente verdade, nem os animais da terra são partes da terra: - seria então verdade, mesmo para os gregos, que se tudo é deus, então também suas partes seriam divinas? Sem dúvida alguma, eles dizem que o mundo em sua totalidade é deus, para os estoicos é o primeiro, para os platônicos é o segundo, para alguns dentre eles é o terceiro. Será então que, segundo eles, sendo o mundo em sua totalidade deus, também suas partes são divinas: de modo que não só os homens mas também todos os animais sem razão, como partes do mundo, são seres divinos, e além deles, também as plantas? E se as montanhas, os rios e os mares são partes do mundo, será que, sendo o mundo em sua totalidade deus, também os rios e os mares serão deuses? Não, os gregos não diriam tal coisa: eles chamariam "deuses" aos seres encarregados dos rios e dos mares, demônios sem dúvida, ou deuses conforme alguns. Mesmo para os gregos que admitem a providência é falsa a afirmação geral de Celso: se tudo é deus, necessariamente suas partes são divinas. Conclui-se de seu argumento que, se o mundo é deus, todas as coisas que nele existem, sendo partes do mundo, são divinas. Dessa maneira, os animais seriam divinos: moscas, vermes da madeira, vermes da terra, toda espécie de serpentes, como também de pássaros e peixes; afirmação que não fariam nem mesmo os que dizem que o mundo é deus. Mas os judeus, que vivem segundo a lei de Moisés, ainda que não saibam interpretar a significação obscura da lei em seu sentido oculto, jamais dirão que o céu ou os anjos são deuses. - Tendo apontado a confusão que resulta de seus mal-entendidos, procuremos esclarecer este ponto da melhor maneira possível e deixar claro que Celso se engana em considerar como judaica a prática de adorar o céu e os anjos que nele se encontram. Uma tal prática, longe de ser judaica, é, ao contrário, uma transgressão do judaísmo, tal como a de adorar o sol, a terra, as estrelas e também as estátuas. Pelo menos encontramos, sobretudo, em Jeremias que o logos de Deus, pelo profeta, censura o povo judeu de adorar estes seres e de sacrificar "à rainha do céu" e "a todo o exército do céu" (cf Jr 51,17; 7,17-18; 19,13). Além disso, quando os cristãos em seus escritos acusam os judeus de pecadores, mostram que se Deus abandona este povo é, entre outros motivos, por causa deste pecado. Pois está escrito nos Atos dos Apóstolos acerca dos judeus: "Deus então voltou-se contra eles e os entregou ao culto do exército do céu, como está escrito no livro dos profetas: Acaso me oferecestes vítimas e sacrifícios durante quarenta anos no deserto, ó casa de Israel? Entretanto, carregastes a tenda de Moloc e a estrela do deus Refã, figuras que havíeis feito para adorar" (At 7,42-43) E nos escritos de Paulo, escrupulosamente educado na prática dos judeus, e mais tarde convertido ao cristianismo por uma aparição milagrosa de Jesus, cabe lembrar esta passagem da epístola aos Colossenses: "Ninguém vos prive do prêmio, com engodo de humildade, de culto aos anjos, indagando de coisas que viu, inchado de vão orgulho em sua mente carnal, ignorando a cabeça, pela qual todo o corpo, alimentado e coeso pelas juntas e ligamentos, realiza o seu crescimento em Deus" (Cl 2,18-19) Mas Celso, que não leu nem aprendeu isto, imaginou, não sei porquê, que os judeus não transgridem sua lei adorando o céu e os anjos que nele existem. - É mais uma vez a confusão e a visão superficial da matéria que o leva a acreditar que os judeus foram incitados a adorar os anjos do céu pelos encantamentos da magia e da feitiçaria, que fazem aparecer fantasmas aos encantadores. Ele não percebeu que seria infringir a lei que diz precisamente aos que pretendem fazer isto: "Não vos voltareis para os necromantes nem consultareis os adivinhos, pois eles vos contaminariam. Eu sou o Senhor vosso Deus" (Lv 19,31) Ele, portanto, devia ou se abster totalmente de atribuir estas práticas aos judeus, se continuasse a ver nelas observadores da lei e a dizer que eles vivem segundo a lei; ou atribuí-las a eles provando que elas eram consequência das transgressões da lei pelos judeus. E muito mais, se já é um ato de transgressão da lei prestar culto a seres ocultos não sei em que trevas, pois as pessoas ficam cegas em consequência da magia e veem em sonhos fantasmas indistintos, e adorar estes seres que, como dizem, então aparecem, da mesma forma, é cometer a transgressão suprema da lei sacrificar ao sol, à lua e às estrelas. Portanto, Celso não podia dizer que os judeus evitam adorar o sol, a lua e as estrelas, mas não evitam adorar o céu e seus anjos. - Nós, porém, que não adoramos nem os anjos nem o sol, a lua e as estrelas, se é preciso justificar por que não adoramos os que os gregos chamam de deuses visíveis e sensíveis, diremos: até a lei de Moisés sabe que estes seres foram dados por Deus como herança "a todas as nações que estão debaixo do céu" (cf Dt 32,9), não porém àqueles que foram tomados por Deus como sua parte escolhida de preferência a todas as nações que existem sobre a terra. É o que está escrito no Deuteronômio: "Levantando teus olhos ao céu e vendo o sol, a lua e as estrelas e todo o exército do céu, não te deixes seduzir de modo a adorá-los e servi-los! São coisas que o Senhor teu Deus repartiu entre todos os povos que vivem sob o céu. Quanto a vós, porém, o Senhor vos tomou e vos fez sair do Egito, daquela fornalha de ferro, para que fôsseis o povo de sua herança, como hoje se vê" (Dt 4,19-20) O povo hebreu foi portanto chamado por Deus para ser "uma raça escolhida", "um sacerdócio real", "uma nação santa", "o povo de sua particular propriedade" (1Pd 2,9): de quem fora predito a Abraão pela palavra do Senhor que lhe era dirigida: "Ergue os olhos para o céu e conta as estrelas, se as podes contar. E lhe disse: Assim será a tua posteridade" (Gn 15,5). Um povo que tinha a esperança de se tornar como as estrelas do céu não ia adorar aquelas de quem seria semelhante, porque compreendia e observava a lei de Deus. De fato, foi dito aos judeus: "O Senhor vosso Deus vos multiplicou e eis que hoje sois numerosos como as estrelas do céu!" (Dt 1,10). Há ainda uma outra passagem em Daniel, uma profecia sobre a ressurreição: "Mas nesse tempo o teu povo escapará, isto é, todos os que se encontrarem inscritos no livro. E muitos dos que dormem no solo poeirento acordarão, uns para a vida eterna e outros para o opróbrio, para o horror eterno. Os que são esclarecidos resplandecerão como o resplendor do firmamento; e os que ensinam a muitos a justiça hão de ser como as estrelas, por toda a eternidade" (Dn 12,1-3). Por isso igualmente Paulo, ao tratar da ressurreição, diz: "Há corpos celestes e há corpos terrestres. São, porém, diversos o brilho dos celestes e o brilho dos terrestres. Um é o brilho do sol, outro o brilho da lua, e outro o brilho das estrelas. E até de estrela para estrela há diferença de brilho. O mesmo se dá com a ressurreição dos mortos" (1Cor 15,40-42) Não, com toda certeza! Depois de ter sido instruído a se erguer nobremente acima de todas as coisas criadas e a esperar de Deus as mais gloriosas recompensas de uma vida muito virtuosa; depois de ter ouvido as palavras: "Vós sois a luz do mundo", "brilhe do mesmo modo a vossa luz diante dos homens, para que, vendo as vossas boas obras, eles glorifiquem vosso Pai que está nos céus" (Mt 5,14 16); quando nos esforçamos por adquirir ou quando já adquirimos a sabedoria resplendente e inalterável que "é um reflexo da luz eterna" (Sb 6,26) - não seria razoável deixar-se impressionar pela luz sensível do sol, da lua e das estrelas a ponto de pensar que por causa de sua luz sensível lhes somos inferiores, quando, na verdade, possuímos uma tão poderosa luz inteligível de conhecimento, "luz verdadeira, luz do mundo, luz dos homens" (Jo 1,9; 8,12; 9,5; 1,4), e adorá-los. Se fosse necessário adorá-los, não seria certamente sua luz sensível, admirada pelo povo, que teria merecido a adoração, mas a luz inteligível e verdadeira, supondo que as estrelas do céu sejam seres vivos racionais e virtuosos, iluminados com a luz do conhecimento pela sabedoria que é "um reflexo da luz eterna" (Sb 7,26). De fato, sua luz sensível é obra do criador do universo, ao passo que a luz inteligível, que eles talvez também possuam, deriva igualmente de sua liberdade. - Mas esta luz inteligível também não deve ser adorada por aquele que vê e compreende a luz verdadeira cuja luz dos astros é sem dúvida uma participação, e por aquele que vê a Deus, Pai da verdadeira luz, da qual foi dito magnificamente: "Deus é luz e nele não há treva alguma" (1Jo 1,5). E se alguém adora o sol, a lua e as estrelas por sua luz sensível e celeste, não adoraria uma centelha ou uma lâmpada na terra, pois é evidente a superioridade dos astros julgados dignos de adoração proporcionalmente à luz das centelhas e das lâmpadas. Da mesma forma refletir no sentido em que "Deus é luz" e compreender como o Filho de Deus é "a luz verdadeira que ilumina todo homem que vem a este mundo" (Jo 1,9), e compreender além disso o que o leva a dizer: "Eu sou a luz do mundo" (Jo 8,12), proíbe dentro da boa lógica adorar o que, no sol, na lua e nas estrelas, é apenas uma centelha em comparação com Deus, luz da verdadeira luz. Sem dúvida, não desacreditamos estas imensas criaturas de Deus, nem dizemos com Anaxágoras que o sol, a lua e as estrelas são apenas "massas inflamadas", se professamos nossa doutrina sobre o sol, a lua e as estrelas. É apenas compreender a divindade de Deus que tudo ultrapassa com indizível superioridade, e a do Filho de Deus único que ultrapassa tudo mais. E quando estamos persuadidos de que o sol, a lua e as estrelas oram ao Deus supremo por meio de seu Filho único, julgamos que não devemos orar aos seres que oram: eles mesmos preferem nos remeter ao Deus a quem eles oram, e não nos abaixar até eles ou partilhar de nosso poder de oração entre Deus e eles mesmos. Darei aqui este exemplo a respeito deles. Nosso salvador e Senhor, ao ouvir um dia alguém chamá-lo: "Bom mestre", remeteu o seu interlocutor a seu Pai: "Por que me chamas bom? Ninguém é bom senão só o Pai" (Mc 10,17-18; Lc 18,18-19). Com razão, em sua qualidade de imagem da bondade de Deus, o Filho do amor do Pai pronunciou estas palavras; mas com quanto mais razão o sol poderia dizer aos que o adoram: Por que me adoras? "Ao Senhor teu Deus adorarás e só a ele prestarás culto" (Mt 4,10). É a ele que eu e todos aqueles que me acompanham adoramos e servimos. Estaríamos longe desta altura, a ponto de orarmos menos ao logos de Deus, capaz de nos curar, e bem mais a seu Pai, que até para os justos de outrora "enviou sua palavra para curá-los e da cova preservar sua vida" (Sl 106,20) - Deus, pois, em sua bondade, desce até os homens não por movimento local, mas por sua providência; e o Filho de Deus não só estava presente outrora com seus discípulos, mas ainda está continuamente, realizando as palavras: "E eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos" (Mt 28,20) E como "o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira" (Jo 15,4-6), fica evidente que os discípulos do logos, ramos espirituais da verdadeira videira, o logos, não podem produzir os frutos da virtude, se não permanecerem na videira verdadeira, o Cristo de Deus. Ele está conosco que existimos localmente na terra, ficando com aqueles que em toda parte aderem a ele; mas ele está sempre e em toda parte, mesmo com os que não o conhecem. Eis o que mostra João evangelista por estas palavras de João Batista: "No meio de vós está alguém que não conheceis, aquele que vem depois de mim" (Jo 1,26-27) Ele encheu o céu e a terra, e disse: "Não sou eu que encho o céu e a terra? Oráculo do Senhor" (Jr 23,24). Ele está conosco e perto de nós, pois nele creio quando diz: "Sou por acaso apenas de perto - oráculo do Senhor - e não Deus de longe?" (Jr 23,23). Seria, pois, absurdo tentar orar ao sol, à lua e a alguma estrela cuja presença não se estende ao mundo inteiro. Mas convenhamos, para citar as expressões de Celso, que o sol, a lua, as estrelas predizem antecipadamente as chuvas, os calores, as nuvens, os raios. Se fazem predições tão importantes, não é acaso uma razão a mais para adorarmos a Deus, que eles servem por suas predições, e de honrá-lo a ele e a não a seus profetas? Que fa-çam predições, portanto, de raios, dos frutos e de todos os produtos da terra, e dispensem todos os bens deste tipo! Nem por isso vamos adorar estes adoradores, nem muito menos a Moisés e a seus sucessores, que predisseram por Deus os bens de uma espécie superior às chuvas, ao calor, às nuvens, aos trovões, aos raios, aos frutos e todos os produtos sensíveis. Muito mais, ainda que o sol, a lua e as estrelas possam predizer acontecimentos mais importantes do que as chuvas, nem por isso são eles a quem adoraremos, mas ao autor de suas profecias, e ao logos de Deus seu ministro. Admitamos mesmo que eles sejam seus arautos, seus mensageiros verdadeiramente celestes: não é evidente, assim mesmo, que se deve adorar a Deus que proclama e anuncia por meio deles, e não por seus arautos e seus mensageiros? - Celso supõe que não damos valor nenhum ao sol, à lua e às estrelas. Mas também reconhecemos que eles em expectativa "anseiam pela revelação dos filhos de Deus", tendo sido no presente submetidos "à vaidade" dos corpos materiais "por vontade daquele que os submeteu na esperança" (Rm 8,19-21) Se Celso tivesse lido tudo o que dizemos ainda sobre o sol, a lua e as estrelas, entre outras coisas: "Louvai-o, sol e lua, louvai-o, astros todos de luz" e "louvai-o, céus dos céus!" (Sl 148,3-4), não teria declarado que não damos nenhum valor a estes corpos sublimes que louvam tão excelsamente o Senhor. Mas Celso nem mesmo conhece as palavras: "Pois a criação em expectativa anseia pela revelação dos filhos de Deus. De fato, a criação foi submetida à vaidade - não por seu querer, mas por vontade daquele que a submeteu - na esperança de ela também ser libertada da escravidão da corrupção para entrar na liberdade da glória dos filhos de Deus" (Rm 8,19-21) Isto parece-me o suficiente para recusarmos adoração ao sol, à lua e às estrelas. Citemos a passagem seguinte, para lhe opor, com a graça de Deus, as razões que a luz da verdade nos há de dar. Escatologia - Eis o que ele diz: É uma outra tolice da parte deles pensar que Deus aplicará o fogo como um cozinheiro, assando todas as outras raças, e sendo eles os únicos a sobreviverem: e não apenas os vivos de então, mas até os que estiverem mortos há muito tempo surgirão da terra com a mesma carne de outrora: jamais serão a esperança dos vermes! Que alma de homem lamentaria um corpo putrefato? Entretanto, esta doutrina não é admitida nem mesmo por nenhum de vós nem pelos cristãos, e sua extrema impureza mostra que é algo revoltante e impossível: que corpo, depois de uma corrupção completa, poderia voltar à sua natureza original e àquela mesma constituição primeira que tinha antes de ser dissolvido? Nada tendo a responder, eles recorrem à mais absurda evasiva: para Deus tudo é possível! Na verdade, Deus nada pode fazer de vergonhoso e nada quer que seja contrário à natureza. Se alguém tivesse uma cobiça infame, na perversidade de seu coração, Deus não poderia ouvi-lo e não devemos crer sem mais nem menos que ela será saciada. Pois Deus não é o autor do apetite desregrado nem da licença desenfreada, mas da natureza correta e justa. Ele pode conceder à alma uma vida imortal; mas, como diz Heráclito, "os cadáveres devem ser rejeitados mais do que o esterco". Portanto, uma carne, cheia daquilo que não se pode decentemente pronunciar, Deus não quererá nem poderá torná-la imortal contra toda razão. Ele próprio é a razão de tudo o que existe; portanto, ele nada pode fazer nem contra a razão nem contra si mesmo. O fogo do juízo - Observa, pois, como ele ridiculariza esta passagem que fala do abrasamento do mundo, admitido até mesmo por filósofos gregos de valor, quando ele pretende que, admitindo a doutrina do abrasamento, fazemos de Deus um cozinheiro. Ele não viu que, conforme a opinião de alguns gregos que talvez o tenham tirado da antiquíssima nação dos hebreus, o fogo é infligido como purificação do mundo e de modo semelhante também de cada um daqueles que precisam ser castigados e curados pelo fogo. Ele queima mas não consome aqueles nos quais não há matéria que exija esta destruição, mas destrói e consome os que construíram, como se diz em sentido figurado, "com madeira, feno ou palha" (1Cor 3,12), o edifício de suas ações, palavras e pensamentos. As divinas escrituras dizem que o Senhor visitará "como o fogo do fundidor e como a lixívia dos lavadeiros" (Ml 3,2) cada um daqueles que precisam, por causa da mistura por assim dizer de uma malícia perversa decorrente do vício - precisam, digo, do fogo para purificar as almas misturadas com bronze, estanho, chumbo. Eis o que qualquer pessoa pode aprender do profeta Ezequiel (cf Ez 22,18) Não queremos dizer que Deus aplica o fogo como um cozinheiro, mas que Deus age como benfeitor daqueles que precisam de provação e de fogo, e é o que o profeta Isaías atestará na sentença contra uma nação pecadora: "Como tens carvões de fogo, senta-te sobre eles, pois serão um socorro para ti" (Is 47,14-15). O logos, que dá ensinamentos adaptados a muitos daqueles que hão de ler a Escritura, diz com uma sabedoria oculta das coisas severas para amedrontar aqueles que não podem de outra forma se converter da onda de seus pecados. Mesmo nestas condições, o observador perspicaz encontrará uma indicação do objetivo visado por estes castigos severos e dolorosos àqueles que os suportam: basta citar aqui a passagem de Isaías: "Mas por causa de meu nome retardo a minha ira, por causa de minha honra procuro conter-me, a fim de não exterminar-te" (Is 48,9) Fui obrigado a relatar em termos obscuros as verdades que ultrapassam a fé dos simples que precisam de uma instrução simples nos termos; não gostaria de parecer deixar sem refutação a acusação de Celso que afirma: Quando Deus, como um cozinheiro, aplicar o fogo. - Do que acabamos de dizer deduz-se para os ouvintes inteligentes a maneira como se deve responder igualmente às palavras: Todas as outras raças serão assadas, e eles serão os únicos a sobreviverem. Não estranha absolutamente que tal seja o pensamento daqueles que, entre nós, são chamados pela escritura: "O que há de loucura no mundo, o que não tem nascimento e é desprezado, o que não é, aprouve a Deus salvar, aqueles que creem nele, pela loucura da pregação, pois o mundo por meio da sabedoria não reconheceu a Deus na sabedoria de Deus" (1Cor 27-28 21) Eles não podem penetrar no sentido da passagem e não querem dedicar seu tempo à busca do sentido da escritura, apesar das palavras de Jesus: "Perscrutai as escrituras" (Jo 5,39); e conceberam tal ideia do fogo aplicado por Deus e do destino do pecador. Convém, sem dúvida, dizer às crianças coisas proporcionadas à sua condição pueril com a intenção de, por menores que sejam, convertê-las para o melhor; desta forma, convém a interpretação óbvia dos castigos para aqueles que a escritura chama de loucos no mundo, sem nascimento, objetos de desprezo, pois só o temor e a representação dos castigos podem convertê-los e afastá-los de numerosos males. Por esta razão, a escritura declara que serão os únicos a sobreviverem, sem passarem pelo fogo e pelos castigos os que estão totalmente puros em suas opiniões, seus costumes, seu espírito; ao passo que aqueles que não o são, mas, segundo seu mérito, precisam do ministério dos castigos pelo fogo, ela declara que eles serão sujeitos ao fogo até um certo ponto que convém a Deus fixar para aqueles que foram criados "à sua imagem" (Gn 1,26), e viveram de modo contrário à vontade da natureza que é "conforme a imagem". Eis minha resposta à sua observação: Todas as outras raças serão assadas, e eles serão os únicos a sobreviverem. A ressurreição - A seguir, tendo compreendido mal as sagradas escrituras, ou ouvido aqueles que não as tinham penetrado, nos atribui a afirmação de que serão os únicos a sobreviverem no momento em que a purificação pelo fogo será infligida ao mundo não só aos vivos de então, mas até àqueles que estarão mortos há muito tempo. Não captou a sabedoria oculta que as palavras do apóstolo de Jesus encerram: "Nem todos morreremos, mas todos seremos transformados, num instante, num abrir e fechar de olhos, ao som da trombeta final; sim, a trombeta tocará, e os mortos ressurgirão incorruptíveis, e nós seremos transformados" (1Cor 15,51-52). Ele deveria conhecer o pensamento que fazia o autor se exprimir desta forma: a não se apresentar como um morto, a se distinguir dos mortos, ele próprio e os que se parecem com ele, e, depois de ter dito que "os mortos ressurgirão incorruptíveis", acrescenta: "e nós seremos transformados". Para confirmar que este tinha sido o pensamento do apóstolo, quando escreveu o que citei da 1Cor, apresentarei ainda a passagem da 1Ts, em que Paulo, como homem vivo, acordado, distinto daqueles que estão adormecidos, declara: "Pois isto vos declaramos, segundo a palavra do Senhor: que os vivos, os que ainda estiverem aqui para a vinda do Senhor, não passarão à frente dos que morreram. Quando o Senhor, ao sinal dado, à voz do arcanjo e som da trombeta divina, descer do céu". E novamente, depois disso ele acrescenta, sabendo que os mortos em Cristo são diferentes dele e daqueles que estão no mesmo estado que ele: "Então os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro; em seguida nós, os vivos que estivermos lá, seremos arrebatados com eles nas nuvens para o encontro com o Senhor, nos ares" (1Ts 4,15-17) - Celso criticou longamente a ressurreição da carne que é pregada nas igrejas, porém mais claramente compreendida pela elite dos pensadores. É inútil, portanto, repetir seu texto já citado. Mas como esta defesa é escrita contra um homem estranho à nossa fé, e por causa daqueles que ainda são crianças, joguetes das ondas, "agitados por todo vento de doutrina, presos pela artimanha dos homens e da sua astúcia que nos induz ao erro" (Ef 4,14), que me seja permitido, a respeito deste problema, expor da melhor maneira e definir alguns pontos adaptados às necessidades dos leitores. Como as divinas escrituras, tampouco nós dizemos que aqueles que morreram há muito tempo, ao surgirem da terra, viverão com a mesma carne sem que ela tenha recebido uma melhora. Ao afirmar tal coisa, Celso nos calunia. Pois entendemos assim diversas passagens da escritura que tratam da ressurreição de uma maneira digna de Deus. Basta que citemos aqui as palavras de Paulo, da 1Cor: "Mas, dirá alguém, como ressuscitam os mortos? Com que corpo voltam? Insensato! O que semeias não readquire vida a não ser que morra. E o que semeias não é o corpo da futura planta que deve nascer, mas um simples grão de trigo ou de qualquer outra espécie. A seguir, Deus lhe dá corpo como quer; a cada uma das sementes ele dá o corpo que lhe é próprio" (1Cor 15,35-38) Repara, pois, no que ele afirma aqui: "não é o corpo da futura planta" que é semeado, mas há uma como ressurreição da semente lançada nua na terra, enquanto Deus dá "a cada uma das sementes o corpo que lhe é próprio": da semente lançada na terra surge ora uma espiga, ora uma árvore como no caso do grão de mostarda, ou ainda uma árvore maior para uma azeitona ou um dos outros frutos. - "Deus, portanto, dá corpo a cada uma das sementes como quer": às plantas assim formadas, como aos seres que são, de certo modo, semeados na morte e recebem em tempo oportuno, daquilo que é semeado, o corpo destinado por Deus a cada um segundo seu mérito. Ouvimos igualmente a escritura ensinar longamente a diferença entre o corpo por assim dizer semeado e o que dele é como ressuscitado. Diz ela: "Semeado corruptível, o corpo ressuscita incorruptível; semeado desprezível, ressuscita reluzente de glória; semeado na fraqueza, ressuscita cheio de força; semeado corpo psíquico, ressuscita corpo espiritual." Quem puder, compreenda ainda o pensamento bíblico desta passagem: "Qual foi o homem terrestre, tais também serão os terrestres. Qual foi o homem celeste, tais serão os celestes. E, assim como trouxemos a imagem do homem terrestre, assim também traremos a imagem do homem celeste." Entretanto, o apóstolo quer deixar oculto o sentido misterioso da passagem, que não convém aos simples e ao entendimento comum daqueles aos quais basta a fé para corrigir. Todavia, ele é forçado em seguida, para nos livrar de mal-entendidos sobre o sentido de suas palavras, a completar a expressão: "Traremos a imagem do homem celeste" por esta: "Digo-vos, irmãos: a carne e o sangue não podem herdar o reino de Deus, nem a corrupção herdar a incorruptibilidade." E conhecendo bem o misterioso sentido oculto que havia nesta passagem, como convém a um autor que deixa por escrito à posteridade a expressão de seu pensamento, acrescenta: "Eis que vos dou a conhecer um mistério" (1Cor 15,42-44 48-49 50-51) É precisamente esta a fórmula de introdução às doutrinas profundas e misteriosas, justamente ocultas às multidões. Assim também está escrito no livro de Tobias: "É bom manter oculto o segredo do rei"; em seguida, com referência ao que é glorioso e adaptado às multidões, dosando a verdade: "Porém, é justo revelar e publicar as obras de Deus" (Tb 12,7) Assim sendo, nossa esperança não é a dos vermes e nossa alma não lamenta o corpo putrefato; sem dúvida, ela tem necessidade de um corpo para passar de um lugar a outro; mas, tendo meditado a sabedoria conforme as palavras: "A boca do justo medita a sabedoria" (Sl 36,30), ela sabe que existe uma diferença entre a morada terrestre em que se encontra a tenda voltada para a destruição, e a tenda em que os justos gemem esmagados, não porque desejem despojar-se da tenda, mas "revestir por cima de nossa morada terrestre" (uma outra) a fim de que, assim revestidos, "o que é mortal seja absorvido pela vida" (2Cor 5,1-4) "Com efeito, é necessário" que, sendo a natureza corporal corruptível, esta tenda "corruptível revista a incorruptibilidade", e que, por outro lado, o que é "mortal" e destinado à morte, consequência imediata do pecado, "revista a imortalidade". Desta forma, quando "este ser corruptível revestir a incorruptibilidade e este ser mortal a imortalidade, então se realizará" a antiga predição dos profetas, o fim do triunfo da morte (cf 1Cor 15,53), que em seu triunfo nos tinha submetido a ela, e a perda do aguilhão com que ela esporeia a alma incompletamente protegida, infligindo-lhe feridas que nascem do pecado. - Eis aí uma exposição parcial de nossa doutrina da ressurreição, nos limites que aqui convêm, pois em outra parte tratei do mistério num exame aprofundado. Agora, como é recomendável, devemos atacar as objeções de Celso. Ele não compreendeu o significado de nossas escrituras, incapaz de julgar que não se deve pensar que o significado destes autores sábios seja apresentado por aqueles que nada professam além da fé relativamente à doutrina cristã. Procuremos então mostrar que homens famosos por sua especulação racional e suas reflexões filosóficas sustentaram opiniões totalmente absurdas. E as palavras que podemos censurar por suas miseráveis inépcias próprias de mulheres ignorantes são mais deles que nossas! Assim, os estoicos do Pórtico dizem que depois de um certo período ocorre um abrasamento do universo, e a seguir, uma arrumação do universo bem semelhante à anterior. Dentre eles os que tiveram vergonha desta doutrina admitiram uma ligeira mudança e bem insignificante entre os acontecimentos de um período e os do anterior. Mas estes autores sustentam que no período seguinte as coisas serão parecidas: Sócrates novamente será filho de Sofronisco e ateniense, e Fenareta, mulher de Sofronisco, novamente o há de gerar. Portanto, ainda que não usem o termo "ressurreição", eles pelo menos indicam a realidade quando dizem: Sócrates novamente surgirá, nascido da semente de Sofronisco, formado no seio de Fenareta; depois de sua educação em Atenas, ele se consagrará à filosofia que, como num renascimento de sua filosofia anterior, será igualmente bem semelhante à antecedente. Ânito e Meleto renascerão também outra vez como acusadores de Sócrates, e o conselho do areópago condenará a Sócrates. E coisa mais ridícula ainda do que isto, Sócrates voltará a vestir roupas bem semelhantes às do período anterior, e viverá numa pobreza bastante semelhante, na cidade de Atenas bem semelhante à do período anterior. Novamente Fálaris será tirano, e seu touro de cobre mugirá pela voz das vítimas que nele estão encerradas, bem semelhantes aos condenados do período anterior. Alexandre de Feres será de novo tirano, com uma crueldade bem semelhante à anterior, e condenará as vítimas também perfeitamente semelhantes às anteriores. Mas, por que é necessário que eu passe em revista a doutrina desenvolvida sobre estas matérias pelos filósofos do Pórtico que Celso deixa de criticar e talvez mesmo os venere, pois Zenão lhe parece mais sábio que Jesus? - Além disso, os discípulos de Pitágoras e de Platão, ainda que pareçam conservar o mundo incorruptível, caem porém em aberrações análogas. Pois as estrelas, depois de certos períodos determinados, assumindo as mesmas posições e as mesmas relações mútuas, existindo todas as coisas, afirmam eles, são semelhantes às do momento em que o mundo tinha a mesma posição relativa das estrelas. Conforme esta doutrina, quando as estrelas depois de um longo período voltam à mesma relação mútua que tinham no tempo de Sócrates, é preciso que Sócrates nasça novamente dos mesmos pais, sofra os mesmos tratamentos, a acusação de Ânito e de Meleto, a condenação do conselho do Areópago. Além disso, os sábios do Egito, por transmitirem doutrinas semelhantes, são para Celso e seus adeptos objeto de veneração e não de crítica. E nós que dizemos que o universo é governado por Deus, em razão da disposição das liberdades de cada um, e enquanto possível sempre conduzido para o melhor, nós que sabemos que a natureza de nossa liberdade é admitir possibilidades variadas, pois ela é incapaz de receber a imutabilidade absoluta de Deus, não parecemos dizer coisas dignas de exame e de pesquisa? - Que ninguém, por causa desta explicação, nos inclua entre aqueles que, dizendo-se cristãos, rejeitam a doutrina das escrituras sobre a ressurreição! Pois, na medida em que aplicam seus princípios, não podem absolutamente provar que "do grão de trigo e de alguma outra semente" ressuscita, por assim dizer, "uma espiga ou uma árvore". Nós, porém, estamos convencidos de que aquilo que semeamos "não readquire vida a não ser que morra" e "não é o corpo da futura planta" que é semeado. Pois "Deus lhe dá o corpo como quer": semeado "corruptível, o corpo ressuscita incorruptível, semeado desprezível, ressuscita reluzente de glória; semeado na fraqueza, ressuscita cheio de força; semeado corpo psíquico, ressuscita corpo espiritual" (1Cor 15,36-44). Conservamos tanto a doutrina da igreja de Cristo quanto a grandeza da promessa de Deus. Podemos provar que é uma coisa possível não por uma afirmação mas por meio de argumento. Sabemos que, embora o céu e a terra com tudo o que eles contêm devam passar, ao contrário as palavras de cada ponto da doutrina sendo como partes de um todo ou espécies de um gênero, as do logos-Deus que "no princípio estava com Deus" (Jo 1,1), jamais passarão. Pois ele disse e queremos ouvi-lo: "Passarão o céu e a terra. Minhas palavras, porém, não passarão" (Mt 24,35) - Portanto, não afirmamos que o corpo putrefato voltará à sua natureza original, assim como o grão de trigo, uma vez corrompido, não retorna ao seu estado de grão de trigo. Afirmamos que, assim como do grão de trigo surge uma espiga, há também no corpo um princípio que não está sujeito à corrupção, a partir do qual o corpo surge "incorruptível". Ao contrário, os estoicos do Pórtico sustentam que o corpo completamente putrefato volta à sua natureza original, por força de sua teoria sobre o retorno a cada período dos seres semelhantes; dizem pois que ele encontra esta primeira constituição que tinha antes de ser dissolvido, acreditando restabelecê-lo por razões obrigatórias. Não recorremos à mais absurda evasiva: tudo é possível para Deus; pois sabemos entender a palavra "tudo" sem incluir nela o que não tem existência ou não é concebível. Concordamos assim que Deus nada pode fazer de vergonhoso, pois então Deus não poderia ser Deus: pois se Deus fizesse algo de vergonhoso, não seria Deus. Mas quando ele afirma: Deus nada quer de contrário à natureza, nós distinguimos: se por "contrário à natureza" queremos dizer a malícia, também dizemos que Deus nada quer de contrário à natureza, nem o que provém da malícia, nem aquilo que é contrário à razão. Mas para aquilo que acontece de acordo com o logos de Deus e sua vontade, evidentemente não deve ser contrário à natureza; quaisquer que sejam as operações de Deus, por mais extraordinárias que sejam ou pareçam aos olhos de alguns, elas não são contrárias à natureza. Com maior precisão poderíamos dizer, tomando a natureza em sua acepção mais comum, isto é, que Deus faz certas coisas acima da natureza: como promover o homem acima de sua natureza, transformá-lo numa natureza superior e divina e mantê-lo nela na medida em que o homem assim mantido prove por seus atos que ele quer isso. - Uma vez estabelecido que Deus nada quer que não lhe convenha ou que tenda a negar que ele seja Deus, diremos: se tivéssemos uma infame cobiça na perversidade do coração, Deus não poderia nos ouvir. E assim, em vez de procurarmos motivo para contendas nas palavras de Celso, num exame leal concordaremos que Deus não é o autor do apetite desregrado nem da licença desenfreada, mas da natureza reta e justa, pois é o autor de todo bem. Além disso, pensamos que ele pode conceder à alma uma vida imortal, e não só pode como de fato a concede. A última observação de Celso não nos causa nenhuma dificuldade, nem mesmo as palavras de Heráclito por ele citadas: "Os cadáveres devem ser rejeitados mais do que o esterco". Todavia, poderíamos dizer a este respeito que o esterco deve ser rejeitado, mas em consideração à alma que neles morou, sobretudo se ela foi virtuosa, os cadáveres humanos não devem ser rejeitados. Pois, segundo os costumes dos povos mais civilizados, eles são considerados dignos de uma sepultura tão honrada quanto possível em tais matérias: assim se quer evitar cuidadosamente cometer injúria à alma que nele habitava ao se livrar do corpo, depois que a alma dele partiu, como fazemos com os corpos dos animais. Concordamos então que Deus não quer contra toda razão declarar imortal nem o grão de trigo, mas certamente a espiga que dele nasce, nem o que é semeado na corrupção, mas aquilo que dele ressuscita incorruptível. Além disso, segundo Celso, o próprio Deus é a razão de tudo o que existe, mas segundo nós, é seu Filho; dele dizemos em termos filosóficos: "No princípio era o verbo, e o verbo estava com Deus e o verbo era Deus" (Jo 1,1). E igualmente para nós, Deus nada pode fazer nem contra a razão nem contra si mesmo. Os costumes de cada país - Vejamos ainda a passagem seguinte de Celso: Os judeus se tornaram uma nação particular e estabeleceram leis conforme os costumes de seu país. Eles os conservam entre si ainda hoje e observam uma religião que, qualquer que seja, é pelo menos tradicional. Agem nesse sentido como os outros homens, pois todos honram os costumes tradicionais, como quer que tenham sido estabelecidos. E parece que assim sucede não apenas porque povos diferentes tiveram a ideia de criar para si leis diversas e é um dever respeitar o que foi decidido para o bem comum, mas também porque possivelmente as diferentes partes da terra desde a origem foram atribuídas a diferentes poderes tutelares e distribuídas entre os governos existentes, e assim eles são administrados. Desde modo, o que é feito em cada nação é realizado com retidão se for da maneira aceita por estes poderes; mas seria impiedade infringir as leis estabelecidas desde a origem em cada região. Celso afirma aqui, portanto, que os judeus, antigamente egípcios, tornaram-se a seguir uma nação particular e estabeleceram leis que eles respeitam. E, para não repetir expressões já citadas, diz que eles conseguiram conservar as práticas religiosas tradicionais a exemplo das outras religiões que têm em grande honra seus próprios costumes. Apresenta uma razão mais profunda segundo a qual os judeus tiveram em grande honra seus costumes tradicionais, insinuando que os seres que conseguiram ser os poderes tutelares da terra cooperaram com os legisladores na fixação das leis de cada povo. Parece pois indicar que ou o país dos judeus, ou a nação que nele mora, encontra-se sob a tutela de um ou de vários seres, e pela colaboração dele ou deles com Moisés as leis dos judeus foram estabelecidas. - É uma necessidade, afirma ele, observar as leis, não só porque povos diversos tiveram a ideia de criar para si leis diferentes e é um dever observar o que foi decidido para o bem comum, mas também porque possivelmente as diferentes partes da terra desde a origem foram atribuídas a diferentes poderes tutelares e distribuídas entre os governos existentes, e é assim que são administradas. A seguir, como se esquecesse todos os seus ataques contra os judeus, Celso os inclui igualmente na aprovação geral dada a todos os que respeitam os costumes tradicionais: assim, o que é feito em cada nação é realizado com retidão se o modo de fazer é aceito por estes poderes. E repara se ele não exprime sem rodeios a vontade, enquanto depende dele, de que o judeu vivendo segundo suas leis particulares não as abandone, pois seria um ato ímpio abandoná-las. Pois ele diz: Seria impiedade infringir as leis estabelecidas desde a origem em cada região. Em resposta, gostaria de perguntar a Celso ou a seus adeptos: quem seria então o autor que distribuiu desde a origem as diferentes partes da terra aos diversos poderes tutelares, e principalmente o país dos judeus e os judeus àquele ou àqueles aos quais eles foram atribuídos? Será que Zeus, como o chamaria Celso, teria distribuído a um ou a vários poderes o povo dos judeus e seu país, e acaso queria ele que aquele que obteve a Judeia estabelecesse estas leis em vigor entre os judeus? Ou tal aconteceu contra a sua vontade? Qualquer que seja a sua resposta, repara como seu raciocínio andará embaraçado. E se as partes da terra não foram atribuídas por um ser unicamente a seus poderes tutelares, é porque cada um, ao acaso e independentemente de um superintendente, se atribuiu ao acaso uma parte da terra. Mas dizer isto é um absurdo; é praticamente negar a providência do Deus supremo. - Além disso, explique quem quiser a maneira como, distribuídas entre os governos existentes, as partes da terra são administradas pelos poderes que velam por elas; que nos diga ainda como aquilo que é feito em cada nação é realizado com retidão, se é do modo aceito por estes poderes: se esta retidão caracteriza, por exemplo, as leis dos citas sobre o parricídio, ou as dos persas que não proíbem o casamento nem das mães com seus filhos, nem dos pais com suas filhas. Para que reunir os exemplos dos autores que trataram das leis dos diferentes povos, para contestar a afirmação que em cada nação as leis são cumpridas com retidão na medida em que elas concordam com os poderes tutelares? Cabe a Celso apontar-nos a impiedade que existiria em infringir as leis tradicionais para aqueles a quem casar-se com sua mãe ou com sua filha é permitido, dar cabo da vida enforcando-se merece a bem-aventurança, entregar-se às chamas e abandonar a vida pelo fogo significa atingir a purificação perfeita. Cabe a ele dizer que impiedade existe em infringir as leis que obrigam por exemplo os habitantes da Táurida a oferecer os estrangeiros como vítimas a Ártemis, ou entre certas tribos da Líbia sacrificar as crianças ao deus Crono. Mas, na lógica da opinião de Celso, existe impiedade se os judeus infringirem as leis tradicionais proibindo venerar um outro deus que não seja o criador do universo. Segundo ele, a piedade seria divina não por natureza mas por convenção e opinião; pois é para alguns um ato de piedade honrar o crocodilo e comer animais adorados entre outras tribos, e é um ato de piedade entre outros venerar o bezerro, e entre outros considerar o bode como um deus. E desta forma as ações de um mesmo indivíduo seriam piedade conforme tais leis, impiedade conforme outras mais: o que é o cúmulo do absurdo. - Alguém talvez objete: a piedade consiste em manter as tradições, e não existe absolutamente nenhuma impiedade em não se observar também as dos estrangeiros; ou ainda, embora isto pareça ímpio para alguns entre eles, não existe impiedade em honrar conforme as tradições suas próprias divindades, e por outro lado em combater e em devorar as dos povos cujas leis são contrárias. Mas repara se não é dar prova de uma grande confusão sobre a justiça, a piedade e a religião não as definir nem lhes atribuir uma natureza própria que permita caracterizar como homens religiosos aqueles que conformam sua conduta a elas. Se de fato a religião, a piedade, a justiça são coisas tão relativas quanto a própria atitude piedosa ou ímpia conforme a diversidade das condições e das leis, não decorre daí que também a temperança é relativa, como a coragem, a prudência, a ciência e as outras virtudes? Nada poderia ser mais absurdo. Atendo-nos à simplicidade e ao senso comum, a resposta dada às citações de Celso pode bastar. Creio, porém, que certos espíritos mais críticos hão de ler este tratado; corro, pois, o risco de propor elementos de especulação mais profunda, que encerram uma teoria mística e secreta sobre a atribuição desde a origem a diferentes poderes tutelares das diferentes regiões da terra. E me esforço por mostrar enquanto possível que nossa doutrina é isenta desta sequência de absurdos. Partilha das regiões da terra - Celso me parece, pois, ter-se enganado sobre algumas das razões misteriosas da partilha das regiões terrestres. A própria história grega, de certa maneira, está envolvida nisto quando mostra que certos deuses da lenda lutaram entre si com vistas à Ática, e faz certos pretensos deuses afirmar nos poetas que certas regiões lhes estão mais estreitamente ligadas. Também a história bárbara, principalmente a do Egito, faz alguma alusão desta espécie à divisão dos "nomos" do Egito, quando diz que a própria Atena que obteve Saís possui também a Ática. Os doutos do Egito dirão mil coisas parecidas, mas não sei se eles incluem igualmente os judeus e seu país na partilha e se os atribuem a algum poder. Na verdade, são testemunhos externos à divina escritura. É o que basta por ora. Afirmamos que Moisés, para nós o profeta de Deus e seu verdadeiro servo, descreve assim a partilha dos povos da terra no cântico do Deuteronômio: "Quando o altíssimo repartia as nações, quando espalhava os filhos de Adão, ele fixou fronteiras para os povos, conforme o número dos filhos de Deus; mas a parte do Senhor foi o seu povo, o lote de sua herança foi Jacó" (Dt 32,8-9). Sobre a divisão das nações, o próprio Moisés, em seu livro do Gênesis, conta na forma de uma história: "Todo o mundo se servia de uma mesma língua e das mesmas palavras. Como os homens emigrassem para o oriente, encontraram um vale na terra de Senaar e aí se estabeleceram." E pouco depois: "Ora, o Senhor desceu para ver a cidade e a torre que os homens tinham construído. E o Senhor disse: 'Eis que todos constituem um só povo e falam uma só língua. Isso é o começo de suas iniciativas! Agora, nenhum desígnio será irrealizável para eles. Vinde! Desçamos! Confundamos a sua linguagem para que não mais se entendam uns aos outros.' O Senhor os dispersou dali por toda a face da terra, e eles cessaram de construir a cidade. Deu-se-lhe por isso o nome de Babel, pois foi lá que o Senhor confundiu a linguagem de todos os habitantes da terra e foi lá que ele os dispersou sobre toda a face da terra" (Gn 11,1-2 5-9) No livro intitulado Sabedoria de Salomão, que trata da sabedoria e daqueles que viviam por ocasião da confusão das línguas, quando se deu a partilha dos povos da terra, assim se fala da sabedoria: "Quando os povos, concordes na malícia, foram confundidos, ela reconheceu o justo e o guardou imaculado diante de Deus, conservando-o forte, sem abrandar-se diante de seu filho" (Sb 10,5) O assunto encerra uma profunda doutrina mística à qual se aplicam as palavras: "É bom manter oculto o segredo do rei" (Tb 12,7). Não devemos expor aos ouvidos profanos a doutrina sobre a entrada das almas no corpo que não se dá por metensomatose; não devemos dar aos cães as coisas sagradas, nem lançar as pérolas aos porcos (cf Mt 7,6). Seria uma impiedade que implica numa traição dos oráculos secretos da sabedoria de Deus, conforme a bela sentença: "A sabedoria não entra numa alma maligna, ela não habita num corpo devedor ao pecado" (Sb 1, 4) Para as verdades ocultas na forma de uma história, basta apresentá-las segundo a forma desta história para permitir àqueles que podem descobrir por si mesmos o significado da passagem. - Imaginemos, portanto, todos os povos da terra, utilizando uma mesma língua e, pelo menos enquanto vivem em harmonia uns com os outros, persistindo em usar esta língua divina. Continuam sem se afastar do Oriente enquanto mantêm o espírito sensível aos efeitos da luz e da irradiação "da luz eterna" (Sb 7,26). E tendo o espírito cheio de preocupações estranhas ao Oriente, ao emigrarem desta terra, encontram "um vale na terra de Senaar", o que pode ser interpretado como abalo dos dentes para indicar simbolicamente que eles perderam os recursos para se alimentarem; e nele habitam. Em seguida, pretendem juntar materiais e unir ao céu o que não pode naturalmente a ele estar associado, para conspirar com a matéria contra o que é imaterial. Eles dizem: "Vinde! Façamos tijolos e cozamo-los ao fogo!" Tornam firme e compacto o que era matéria lamacenta, pretendem transformar o tijolo em pedra e o barro em betume, e desta forma construir "uma cidade e uma torre cujo ápice penetre nos céus", na exaltação de seu orgulho contra o conhecimento de Deus. Então, na medida em que cada um se distanciou mais ou menos do Oriente, na medida em que transformou o tijolo em pedra e o betume em argamassa, todos se entregaram a anjos mais ou menos severos, desta ou daquela natureza, até que cada um tivesse sofrido o castigo de suas audácias. E estes anjos inspiram a cada qual sua língua particular e os conduzem em seguida até às partes da terra que eles merecem, por exemplo uns a uma região ardente, outros a uma região de um frio rigoroso para os que nela habitam, outros a uma região difícil de cultivar, outros a uma outra menos difícil, uns a uma região cheia de animais ferozes, outros a uma outra com menos. - Em seguida, na medida em que permite a forma da narrativa que, embora encerre uma certa verdade histórica, manifesta além disso um sentido oculto, devemos ver que alguns conservaram sua língua original, porque não abandonaram o Oriente, mas permanecem no Oriente; devemos compreender que só estes se tornaram a parte do Senhor e seu povo que leva o nome de Jacó, e se tornaram igualmente "o lote de sua herança, Jacó" (Dt 32,9); só estes foram submetidos a um soberano que não recebeu como os outros seus súditos para os punir. Observe-se, enquanto humanamente possível, que na sociedade daqueles que foram atribuídos ao Senhor como sua parte de escolha foram cometidos pecados, a princípio toleráveis e sem merecer para seus autores um abandono total, em seguida mais numerosos, porém ainda toleráveis. Compreendamos que esta situação durou bastante tempo e havia sempre um remédio, e que estes pecadores se convertiam de tempos em tempos. Devemos ver que proporcionalmente aos pecados que eles cometiam, foram abandonados às potências dominadoras de outras terras. Inicialmente, submetidos moderadamente a castigos e penas por assim dizer educadoras, voltaram à pátria; mas, a seguir, devemos considerar que sofreram uma tirania muito dura por parte dos assírios, depois dos babilônios como os chama a Escritura. Em seguida, devemos ver que, apesar da aplicação destes remédios, eles multiplicaram seus pecados e, por essa razão, foram dispersos nas outras partes da terra pelos chefes das outras nações que devastaram seu país. Mas seu chefe os deixa de propósito se desagregarem pelos chefes das outras nações para que, por sua vez, como por vingança pessoal, tendo recebido a faculdade de arrancar das demais nações os que ele podia, ele a exercesse com razão, lhes desse leis e lhes propusesse o gênero de vida a seguir, a fim de os conduzir à meta para onde levou os do primeiro povo que não pecaram. A parte de Cristo - Aos espíritos sensíveis a verdades tão sublimes, esta história mostra como foi superior aos outros poderes aquele que obteve em partilha os que no princípio não pecaram. Ele conseguiu se apoderar de homens escolhidos na parte de todos os poderes, libertá-los daqueles que os tinham recebido para os castigar e trazê-los às leis e ao gênero de vida que os ajudam no esquecimento das faltas passadas. Mas, como ficou dito, esta história deve ser apresentada por nós com um sentido oculto para estabelecer as verdades deformadas por aqueles que disseram: as diferentes partes da terra, desde a origem, foram atribuídas a diferentes poderes tutelares e distribuídas entre os governos existentes; e é a maneira como são administradas. É deles as palavras citadas por Celso. E como aqueles que abandonaram o Oriente por seus pecados foram entregues "a um espírito perverso", às "suas paixões aviltantes" e "segundo as concupiscências de seu coração à impureza", para que, saciados com o pecado, eles o odiassem, recusamos aprovar a afirmação de Celso: Por causa destes poderes tutelares atribuídos às diferentes partes da terra, o que é feito em cada região é realizado com retidão. Além disso, queremos fazer o que, entre elas, não satisfaz a estes poderes. Pois vemos que existe piedade em infringir as leis estabelecidas desde a origem em cada região, por causa das leis superiores e divinas que Jesus, como o mais poderoso, estabeleceu, arrancando-nos "do presente mundo mau" e "dos príncipes deste mundo votados à destruição" (Gl 1,4; 1Cor 2,6); ao contrário, existe impiedade, em não se lançar aos pés daquele que se manifestou e demonstrou ser mais puro e mais poderoso do que todos os príncipes: ele a quem Deus disse, como os profetas predisseram muitas gerações anteriores: "Pede, e eu te darei as nações como herança, os confins da terra como propriedade" (Sl 2,8). É ele que se tornou "esperança" (cf Gn 49,10) para nós, que provindos "das nações", acreditamos nele e no Deus supremo seu Pai. - Estas observações refutam não só sua teoria dos poderes tutelares, mas de certa forma se antecipam ao que Celso disse contra nós: Mas que apareça o segundo coro: eu lhes perguntarei donde eles vêm, quem é o autor de suas leis tradicionais. Não poderão indicar ninguém. Na verdade, é daí que eles também vêm e não podem indicar como seu mestre e regente nenhuma outra origem. Todavia, eles se separaram dos judeus. Pois bem! Todos nós, "nestes últimos dias" (cf Is 2,2-4), viemos aonde nosso Jesus nos visitou, "ao monte do Senhor", sua palavra, "acima de qualquer outra palavra", e à casa de Deus, "que é a igreja do Deus vivo, coluna e sustentáculo da verdade" (1Tm 3,15). Nós a vemos construída "no mais alto das montanhas", as palavras de todos os profetas que lhe servem de fundamento. Esta casa se ergue "acima de todos os outeiros", estes homens que parecem prometer uma superioridade em sabedoria e em verdade. E nós, "todas as nações", subimos para ela, caminhamos, exortando-nos mutuamente à adoração de Deus que, "nestes últimos dias", resplandeceu através de Jesus Cristo: "Vinde, subamos ao monte de Iahweh, à casa do Deus de Jacó, para que ele nos instrua a respeito dos seus caminhos e assim andemos nas suas veredas". Pois a "lei" saiu dos habitantes de "Sião", e nos foi transmitida totalmente espiritual. Além disso, "a palavra do Senhor" saiu desta "Jerusalém" para ser difundida por toda parte e julgar "cada um no meio das nações", reservando para si aqueles que ela encontra dóceis, mas condenar "a multidão" indócil. Aos que nos perguntam donde viemos e quem é nosso chefe, respondemos: nós viemos, conforme os conselhos de Jesus, quebrar as espadas racionais de nossas contestações e de nossas violências, transformando-as em relhas de arado e forjando as lanças antes usadas na luta em podadeiras. Pois não mais desembainhamos a espada contra qualquer povo nem nos exercitamos nas artes da guerra: nós nos tornamos filhos da paz por Jesus que é nosso chefe, em vez de seguir as tradições que nos tornavam "estranhos às alianças" da promessa (Ef 2,12); recebemos uma lei com que rendemos graças àquele que nos arrancou do erro, dizendo: "Quão falsos são os ídolos que nossos pais possuíram, e não existe um só que faça chover!" (cf Jr 16,19; 14,22). De fato, nosso regente e nosso mestre provém dos judeus e ele dá pastagens à terra inteira por meio da palavra de sua doutrina. Referi antecipadamente esta passagem de Celso, acrescentada a muitas outras e a refutei da melhor forma, associando-a às palavras já citadas. O testemunho de Heródoto - Mas, para não deixar de lado o que Celso disse no intervalo, citemos igualmente estas palavras: A esse respeito, podemos apresentar como testemunha a Heródoto, que se exprime nestes termos: "O povo da cidade de Mareia e Ápis, que habitam as regiões do Egito limítrofes com a Líbia, consideravam-se líbios e não egípcios, e não suportavam as normas referentes aos sacrifícios, recusando-se a se abster de carne de vaca; em consulta ao santuário de Amon, disseram que nada tinham em comum com os egípcios; moravam, diziam, fora do Delta, não partilhavam de suas crenças; e queriam poder comer de tudo. Mas o deus não lhes deu permissão: declarou que o Egito é o país banhado pelo Nilo e que são egípcios os que, habitando abaixo da cidade de Elefantina, bebem a água deste rio." Esta é a história de Heródoto. Ora, Amon não é inferior aos anjos dos judeus para transmitir as vontades divinas. Portanto, não há injustiça alguma no fato de cada povo observar as práticas religiosas de seu país. Sem dúvida, veremos que existe uma diferença considerável entre as nações, e no entanto cada uma delas parece considerar as próprias como as melhores. Os etíopes que habitam Méroe adoram unicamente a Zeus e Dioniso, os árabes a Urânia e Dioniso e apenas a estes. Todos os egípcios adoram a Osíris e Ísis, os saítas a Atena, os naucratitas, desde algum tempo apenas invocam Serápis; os outros seguem cada um respectivamente suas próprias leis. Uns se abstêm de ovelhas, porque honram estes animais como sagrados, outros a cabras, outros a crocodilos, outros a vacas, e se abstêm dos porcos porque os abominam. Os citas consideram uma ação virtuosa comer homens, e existem hindus que pensam realizar uma ação sagrada comendo seus pais. O próprio Heródoto diz isto em algum lugar: e para dar fé, citarei ainda seu texto: "Se efetivamente impuséssemos a todos os homens fazer uma escolha entre todas as leis e os obrigássemos a escolher as mais belas, cada qual depois de maduro exame escolheria as de seu país, tão convencidos estão, cada qual de seu lado, de que suas próprias leis são muito mais belas. Nestas condições, não parece possível que apenas um louco transforme em objeto de zombaria coisas desta natureza. E que esta seja a convicção de todos os humanos com relação às leis, podemos ver por numerosos testemunhos, principalmente por este. Dario, no tempo em que governava, chamou os gregos que estavam a seu lado e lhes perguntou quanto queriam para comer seus pais mortos; declararam que não o fariam por nada deste mundo. Em seguida, Dario chamou os hindus que são chamados calátias, os quais comem seus pais; e, em presença dos gregos que, graças a um intérprete, compreendiam o que ele dizia, perguntou-lhes quanto queriam para queimar seus pais falecidos; deram grandes gritos e rogaram a Dario que não pronunciasse palavras de mau agouro. Tais são de fato os costumes estabelecidos; e, a meu ver, Píndaro tinha razão em dizer que o costume reina sobre todos." - Com base nestes exemplos, o argumento parece a Celso levar a esta conclusão: É preciso que todos os homens vivam conforme suas tradições para assim não incorrerem em censuras; mas os cristãos, que abandonaram suas tradições e não constituem um povo único como os judeus, merecem censura por aderirem ao ensinamento de Jesus. Que ele nos diga então se os filósofos que ensinam que não se deve ser supersticioso têm o dever de abandonar as tradições, até mesmo de comer os alimentos proibidos em suas pátrias, ou se uma tal conduta é contrária ao dever. Pois, se é por causa da filosofia e das lições que proíbem a superstição que eles podem, desprezando traições, comer alimentos proibidos desde o tempo de seus antepassados, por que não os cristãos? O logos lhes prescreve que não parem diante das estátuas, das imagens ou mesmo das criaturas de Deus, mas subam além delas e apresentem sua alma ao criador: por que, comportando-se como os filósofos, não seriam eles irrepreensíveis? Se para salvar a tese deles, Celso e seus adeptos afirmam que mesmo um filósofo deverá observar as tradições, então os filósofos se tornarão perfeitamente ridículos, por exemplo no Egito, evitando comer cebola para observar as tradições, ou certas partes do corpo como a cabeça ou as espáduas para não contrariar os costumes ancestrais. E ainda não falo destes egípcios que tremem aos ruídos vulgares de flatulência. Se algum deles tendo-se tornado filósofo guardasse as tradições, seria um filósofo ridículo, sem filosofia em sua conduta. O mesmo acontece quando somos conduzidos pelo logos a adorar ao Deus do universo, se, por causa das tradições, ficamos abaixados diante das imagens e das estátuas humanas; e se recusamos erguer-nos, por vontade refletida até ao criador, somos então semelhantes a homens que, apesar das luzes da filosofia, temeriam o que não precisa ser temido e julgaríamos coisa ímpia comer tais alimentos. - Quem é então este Amon de Heródoto em quem Celso busca sua citação para provar que é um dever de todos respeitar as tradições? Pois Amon não permite ao povo de Mareia e de Ápis, que habitam as regiões limítrofes com a Líbia, serem indiferentes em comer carne de vaca, prática não só indiferente em si, mas também que não impede a ninguém de ser honesto. Se o Amon destes povos tivesse proibido comer carne de vaca porque o animal é útil à agricultura, e além disso porque é principalmente às vacas que a raça bovina deve seu crescimento, talvez o preceito fosse plausível. Mas na verdade ele quer apenas dizer: como eles bebem a água do Nilo, eles devem respeitar as leis egípcias sobre as vacas. Muito mais, Celso acrescenta esta zombaria sobre os anjos, considerados pelos judeus como mensageiros de Deus: Amon não é inferior aos anjos dos judeus para transmitir as vontades divinas. Não examinou o sentido de suas mensagens e aparições. Pois teria visto que "Deus não se preocupa com os bois" (1Cor 9,9), mesmo quando parece fazer leis sobre os bois ou os animais sem razão; mas o que está escrito por causa dos homens, aparentemente a propósito de animais sem razão, contém certa verdade natural. Diz Celso: Não há injustiça alguma em que cada um queira observar as práticas religiosas de seu país. A consequência disso, segundo ele, é que os citas não cometem injustiça comendo os homens segundo suas tradições. Os hindus que comem seus pais, na opinião de Celso, imaginam que realizam uma ação santa ou pelo menos que não cometem qualquer injustiça. Em todo caso, cita uma passagem de Heródoto em favor do princípio segundo o qual convém que todo homem siga as leis de seu país, e ele parece aprovar os hindus que chamamos calátias do tempo de Dario, que comiam seus pais, porque, à pergunta de Dario: quanto queriam para abandonar esta lei, "eles deram grandes gritos e pediram que não pronunciasse palavras de mau agouro." As duas leis - Devemos, portanto, falar de duas leis em geral: uma, a lei da natureza, da qual podemos dizer que Deus é o autor; a outra, a lei escrita das cidades. Quando a lei escrita não contradiz a de Deus, convém não perturbar os cidadãos com leis estrangeiras. Mas, quando a lei da natureza, quer dizer de Deus, ordena o contrário da lei escrita, vê se a razão não ordena que dispensemos os textos e a intenção dos legisladores e nos entreguemos ao Deus legislador e escolhamos uma vida conforme com seu logos, ainda que tenhamos de enfrentar riscos, mil sofrimentos, a morte e a infâmia. Quando as ações que agradam a Deus são contrárias às que agradam a certas leis das cidades, e é impossível agradar a Deus e aos que cuidam da aplicação destas leis, seria absurdo desprezar as ações pelas quais agradaríamos ao criador do universo e escolheríamos aquelas pelas quais desagradaríamos a Deus satisfazendo plenamente às leis e aos que as amam. Se é razoável, acerca dos outros pontos, preferir a lei da natureza, que é a lei de Deus, àquela que está escrita e promulgada pelos homens em contradição com a lei de Deus, quanto mais não será quando se trata de leis sobre o culto a se prestar a Deus? Assim sendo, não adoraremos, como os egípcios que moram nas redondezas de Méroe, apenas a Zeus e Dioniso como lhes apraz adorar, nem prestarem a mínima honra aos deuses da Etiópia à maneira etíope; nem pensaremos como os árabes que Urânia e Dioniso sejam os únicos deuses, nem mesmo admitiremos de modo algum que sejam deuses nos quais os súditos honram os sexos masculino e feminino, pois os árabes adoram a Urânia como fêmea e a Dioniso como macho; nem tampouco como todos os egípcios consideraremos Osíris e Ísis como deuses, nem associaremos a eles Atena segundo a opinião dos saítas. E mesmo se os naucratitas outrora decidiram adorar outros deuses, e começaram há não muito tempo, a venerar a Serápis que jamais tinha sido deus, nem por isso também vamos fazer um novo deus daquele que antes não era deus, e nem mesmo era conhecido dos homens. Mas, o Filho de Deus, "Primogênito de toda a natureza" (Cl 1,15), embora pareça ter-se feito homem recentemente, nem por isso é novo. As divinas escrituras sabem perfeitamente que ele é anterior a todas as criaturas: foi a ele que Deus, quando criou o homem, dirigiu as palavras: "Façamos o homem à nossa imagem e semelhança" (Gn 1,26) - Pretendo mostrar como Celso comete disparates ao dizer que todos devem prestar culto aos deuses particulares de seu país. Diz ele que os etíopes que habitam Méroe conhecem apenas dois deuses, Zeus e Dioniso, os únicos que eles adoram; que os árabes, igualmente, adoram apenas dois deuses, a Dioniso como os etíopes, e a Urânia que é deles. E segundo o que ele afirma, nem os etíopes adoram a Urânia, nem os árabes a Zeus. Assim sendo, encontrando-se um etíope por acaso entre os árabes, julgado ímpio por se recusar a adorar a Urânia e desta forma pondo em risco sua vida, porventura deverá morrer ou violar as suas tradições e adorar a Urânia? Se ele tivesse o direito de violar suas tradições, cometeria uma impiedade de acordo com os argumentos de Celso. Mas se fosse levado ao suplício, mostre Celso que seria razoável escolher a morte. Não sei se a doutrina dos etíopes lhes ensina a filosofar sobre a imortalidade da alma e a recompensa devida à piedade quando eles adoram, de acordo com as leis tradicionais de pretensos deuses. O mesmo se diria dos árabes que tenham vindo por acaso viver entre os etíopes e moram nas redondezas de Méroe. Também eles, educados para adorar unicamente a Urânia e a Dioniso, recusariam adorar a Zeus com os etíopes. Se então, considerados como ímpios, fossem conduzidos ao suplício, diga Celso o que deveriam fazer segundo a razão! Entrar aqui em detalhes sobre os mitos de Osíris e Ísis seria um trabalho supérfluo. Mesmo interpretados alegoricamente, eles nos ensinariam a adorar a água inanimada e a terra que os homens e todos os animais pisam: é assim que fazem, creio eu, de Osíris a água e de Ísis a terra. Acerca de Serápis existe uma história longa e incoerente: ele foi introduzido não faz muito tempo por certos sortilégios de Ptolomeu, desejoso de apresentá-lo aos alexandrinos como um deus visível. Li nos escritos do pitagórico Numênio, acerca da constituição de Serápis, que ele participava da natureza de todos os animais e vegetais regidos pela natureza. Parece ter sido assim estabelecido como deus, graças aos mistérios profanos e às práticas de feitiçaria que evocam os demônios: e isso não se deu por obra dos escultores apenas, mas também dos mágicos, dos feiticeiros e dos demônios influenciados por seus encantamentos. - Por isso é preciso procurar o alimento que convém ou não convém ao animal racional e civilizado que faz tudo com reflexão, em vez de adorar ao acaso as ovelhas, as cabras e as vacas. Abster-se de comer destas carnes é normal, em vista da grande utilidade destes animais para os homens. Mas poupar crocodilos e considerá-los como consagrados a não sei que divindade mitológica, não é, porventura, o cúmulo da estultice? Será preciso ser extravagante para poupar animais que não nos poupam, venerar animais que devoram homens! Mas Celso aprova aqueles que segundo suas tradições adoram os crocodilos e os veneram, e não escreveu discursos contra eles. Por outro lado, os cristãos lhe parecem repreensíveis, porque aprenderam a abominar o vício e a evitar as ações que delas decorrem, a adorar e a honrar a virtude como nascida de Deus e do Filho de Deus. Pois não se deve acreditar, conforme o gênero feminino de seu nome, que a virtude e a justiça sejam igualmente femininas em sua essência: segundo julgamos, elas são o Filho de Deus, como seu verdadeiro discípulo o determinou dizendo: "Ele que em nome de Deus se tornou para nós sabedoria proveniente de Deus, justiça, santificação e redenção" (1Cor 1,30) Portanto, mesmo quando nós o chamamos "segundo Deus", esta denominação, é bom saber, não designa para nós senão a virtude que engloba todas as virtudes, o logos que engloba tudo o que há de razão das coisas que foram criadas conforme as leis da natureza, seja principalmente, seja para a utilidade do todo. Este logos, dizemos nós, agrega-se à alma de Jesus por uma união muito mais íntima do que a qualquer outra alma, pois só ele era capaz de conter perfeitamente a participação suprema do Logos em pessoa, da Sabedoria em pessoa, da Justiça em pessoa. - Tendo tratado desta forma as diferentes leis, Celso conclui: A meu ver, Píndaro tinha razão ao dizer que a lei reina sobre todos. Que me seja permitido insistir mais uma vez neste ponto. Que lei, meu caro, dizes reinar sobre todos os cidadãos? Mas, tomando a lei no sentido estrito, é exatamente ela que, por natureza, reina sobre todos, a despeito daqueles que, como os salteadores, tiram proveito da lei, a renegam para viverem de pilhagem e injustiça. Nós cristãos, portanto, sabendo que a lei que por natureza reina sobre todos é idêntica à lei de Deus, nos esforçaremos por viver segundo ela, dizendo adeus às leis que não são leis. A pretensão dos judeus - Examinemos também as palavras seguintes de Celso, dentre as quais poucas são as que dizem respeito aos cristãos e a maior parte tem a ver com os judeus: Portanto, se em virtude deste princípio, os judeus observassem ciosamente sua própria lei, não poderíamos criticá-los, mas muito antes aqueles que abandonaram suas tradições, para adotarem as dos judeus. Mas, se quiserem se orgulhar de uma sabedoria mais profunda e fugir da sociedade dos outros que eles julgam menos puros, já têm a resposta: até sua doutrina sobre o céu não é deles, mas, para omitir todos os outros exemplos, era também há muito tempo a doutrina dos persas, como Heródoto diz em alguma parte: "Costumam subir aos mais altos cumes para oferecerem sacrifícios a Zeus, chamando Zeus a todo o círculo do céu." Ora, penso ser indiferente chamar a Deus de Zeus Altíssimo, Zen, Adonai, Sabaot, Amon como entre os egípcios, Papaeos como os citas. E certamente os judeus não são mais santos do que os outros povos por serem circuncisos: os egípcios e os colcos já eram antes deles; nem por se absterem de carne de porco: assim o fazem os egípcios que também se abstêm de comer carne de cabra, ovelha, boi e peixe; assim o fazem Pitágoras e seus discípulos, que se abstêm de favas e de todo ser animado vivo. Não é absolutamente possível que eles gozem do favor e do amor de Deus num grau mais eminente do que os outros, nem que anjos sejam enviados do céu somente a eles, como se tivessem obtido em partilha uma terra de bem-aventurados: vemos perfeitamente que tratamento mereceram eles e seu país. Que este coro portanto vá embora, depois de ter recebido o castigo de sua arrogância, pois não conheceu o grande Deus, mas, seduzido e iludido pela impostura de Moisés, entrou para a escola dele para sua desgraça. - É claro que Celso critica os judeus por mentirem pretendendo ser a parte escolhida do Deus supremo, acima de todas as nações. Por isso os acusa de arrogância, pois se fazem glória do grande Deus quando na verdade não o conheceram, mas seduzidos pela impostura de Moisés e iludidos por ele, entraram para a escola dele para sua desgraça. Ora, nas páginas anteriores, descrevi em parte o regime venerável e superior dos judeus, no tempo em que subsistia para eles a imagem ideal da cidade de Deus e de seu templo, e do culto sacerdotal no templo e sobre o altar. E se tendo o espírito fixo na intenção do legislador e do regime que ele estabeleceu, examinássemos as práticas judaicas para compará-las à conduta atual dos outros povos, não admiraríamos a nenhum mais, pois na medida humanamente possível, eles tinham repudiado tudo o que é inútil à humanidade, conservando apenas os verdadeiros bens. Por isso não tinham jogos públicos, espetáculos, corridas de cavalos, nem mulheres vendendo sua beleza a quem desejasse desperdiçar sua semente ultrajando a natureza da procriação humana. Como era bom, entre eles, ser instruído desde a mais tenra idade acima de toda a natureza sensível, em pensar que Deus não reside em nenhum lugar nela, e a procurá-lo acima e além dos corpos! Como era grandioso ser instruído, quase desde o nascimento e da formação da razão, sobre a imortalidade da alma, sobre os tribunais subterrâneos, sobre as recompensas merecidas por uma vida virtuosa! Estas verdades eram então pregadas sob a forma de história para crianças, porque tinham a inteligência de crianças. Mas, logo, para aqueles que procuravam a doutrina e queriam nela progredir, as histórias de outrora se transfiguravam, por assim dizer, deixando ver a verdade que elas encerravam. E penso que eles mereceram ser chamados a parte da herança de Deus por terem desprezado toda adivinhação como uma vã fascinação dos homens, proveniente de demônios perversos e não de uma natureza superior, e por terem procurado conhecer o futuro junto às almas que tinham obtido por sua extrema piedade o espírito do Deus supremo. - Será preciso dizer o quanto a lei, ao proibir aos judeus manterem em escravidão por mais de seis anos um correligionário, está conforme com a razão, e isto sem injustiça nem para o senhor nem para o escravo? Portanto, se os judeus devem observar ciosamente a própria lei, não é em virtude dos mesmos princípios adotados pelos outros povos. Eles mereceriam censura e repreensão por serem insensíveis à superioridade de suas leis, se acreditassem que elas foram escritas da mesma maneira que as leis dos outros povos. E, apesar do que afirma Celso, os judeus têm uma sabedoria mais profunda não só do que a das massas, mas também do que a dos homens que são considerados filósofos, pois os filósofos, depois de seus sublimes raciocínios filosóficos, se abaixam até aos ídolos e demônios, ao passo que até o último dos judeus tem os olhos fixos no único Deus supremo. E têm de fato razão, pelo menos de se gloriarem e evitarem a sociedade dos outros que eles julgam impuros e ímpios. Oxalá não tivessem pecado por suas transgressões, primeiro por matarem os profetas, depois conspirando contra Jesus! Teríamos neles um modelo da cidade celeste que o próprio Platão procurou descrever; mas não sei se ele teria podido cumprir tudo o que realizaram Moisés e seus sucessores, que educaram uma "raça escolhida", "uma nação santa" (1Pd 2,9) e consagrada a Deus, por doutrinas isentas de toda superstição. - Como Celso pretende equiparar as leis sagradas dos judeus com as leis de certos povos, que me seja permitido examinar ainda este ponto. Penso que a doutrina sobre o céu não é diferente da doutrina sobre Deus, e ele diz que os persas, como os judeus, oferecem sacrifícios a Zeus, subindo aos mais altos cumes. Não vê que os judeus reconhecem apenas um Deus, e igualmente só têm uma única casa de oração, um único altar dos holocaustos, um único incensório para o incenso, um único sumo sacerdote de Deus. Os judeus, portanto, nada tinham de comum com os persas que sobem aos mais altos cumes que são em grande número, e fazem sacrifícios que nada têm de comparável aos da lei mosaica. Segundo esta, os sacerdotes judeus celebravam um culto "que era cópia e sombra das realidades celestes" (Hb 8,5), mas expunham secretamente o significado da lei sobre os sacrifícios e as realidades de que eram figuras. Chamem, pois, os persas este círculo do céu de Zeus; nós, porém, declaramos que, para nós, o céu não é nem Zeus, nem Deus, pois sabemos que existem igualmente seres inferiores a Deus, elevados acima dos céus e de toda a natureza sensível. Eis em que sentido compreendemos as palavras: "Louvai-o, céus dos céus e águas acima dos céus! Louvem o nome do Senhor!" (Sl 148,4-5) Os nomes divinos - E como Celso acha que é indiferente chamar a Deus de Zeus Altíssimo, Zen, Adonai, Sabaot, Amon como os egípcios, Papaeos como os citas, que me seja permitido dizer ainda algumas palavras sobre este ponto, lembrando ao leitor o que ficou dito acima quando o texto de Celso nos convidava a este exame. Ainda aqui, digo que a natureza dos nomes não se reduz às definições convencionais daqueles que os dão, como julga Aristóteles. Pois as línguas em uso entre os homens não têm sua origem nos homens: é coisa evidente quando podemos refletir sobre a natureza dos encantamentos adaptados pelos inventores das línguas à diferença das línguas e à diferença de pronúncia dos nomes; a este respeito dei alguma explicação breve acima dizendo que os nomes naturalmente eficazes numa língua determinada perdem, por sua tradução numa outra língua, o efeito que tinham em suas sonoridades particulares. É o que encontramos entre os homens: a quem recebeu desde o nascimento um nome próprio em língua grega, não poderíamos fazer experimentar ou realizar, traduzindo seu nome em língua egípcia, romana ou outra, o que ele experimentaria ou realizaria ao ouvir alguém chamá-lo pelo nome que lhe foi primitivamente imposto. Tampouco, traduzindo em grego o nome de um homem chamado no começo por um nome romano, não poderíamos obter o efeito que o encantamento pretende obter conservando o nome primitivamente dado. Se tal sucede aos nomes humanos, o que deveremos pensar dos nomes atribuídos por uma razão ou outra à divindade? Por exemplo, existe em grego uma tradução da palavra Abraão, um significado do nome Isaac, um sentido evocado pelo som Jacó. E se numa invocação ou num juramento, chamamos "o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, o Deus de Jacó", a fórmula produz seu efeito, quer pela qualidade natural destes nomes, quer pelo poder. Pois os demônios são vencidos e dominados por aquele que pronuncia estes nomes. Mas se dizemos: o Deus do pai escolhido do eco, o Deus do riso, o Deus do suplantador, só obteremos algum efeito com um outro nome sem poder. Não teríamos mais qualquer resultado traduzindo em grego ou em outra língua o nome de Israel; mas conservando-o e acrescentando a ele aqueles aos quais os peritos na matéria costumam uni-lo, podemos realizar o efeito prometido a estas invocações feitas nesta língua. A mesma coisa se dirá da palavra Sabaot, frequentemente empregada nos encantamentos. Traduzindo-se este nome: "Senhor dos poderes", "Senhor dos exércitos", "Todo-poderoso" - pois seus tradutores lhe dão diferentes acepções - o efeito será nulo; mas, se for conservada sua sonoridade própria, dizem os especialistas que será obtido seu efeito. O mesmo se dirá da palavra "Adonai". Portanto, se nem Sabaot, nem Adonai, na tradução grega do sentido que estas palavras parecem ter, produzem qualquer efeito, menor eficácia e poder terão, acreditando-se ser indiferente chamar a Deus de Zeus Altíssimo, Zen, Adonai, Sabaot! - Instruídos sobre tais segredos e outros semelhantes, Moisés e os profetas proibiram que "os nomes de outros deuses" (Êx 23,13; Sl 15,4) fossem pronunciados por uma boca habituada a só invocar o Deus supremo e que eles fossem lembrados dentro de um coração exercitado em se manter longe de toda vaidade de pensamentos e palavras. É também a razão por que preferimos suportar todos os maus tratos a reconhecer a Zeus como Deus. Pois pensamos que Zeus não é idêntico a Sabaot, mas, longe de ser uma divindade, ele é apenas um demônio que gosta de ser assim chamado, inimigo dos homens e do Deus verdadeiro. E ainda que os egípcios nos proponham Amon ameaçando-nos com castigos, preferimos morrer a proclamar Amon como Deus: provavelmente é um nome utilizado em certos encantamentos egípcios que evocam este demônio. Que chamem os citas de Papaeos ao Deus supremo: nós não acreditaremos nele. Nós admitimos, sim, o Deus supremo, mas recusamos dar a Deus o nome próprio de Papaeos, que é apenas um nome que agrada ao demônio que tem como partilha o deserto, a raça e a língua dos citas. Mas não é pecar dar a Deus o nome comum em língua cita, egípcia, ou qualquer outra língua materna. A circuncisão - A circuncisão dos judeus não tem a mesma razão que a circuncisão dos egípcios e dos colcos. Por isso não se deve ver aí uma circuncisão idêntica à deles. Assim como o sacrificante não sacrifica à mesma divindade, ainda que pareça oferecer ritos sacrificiais semelhantes, e o homem que não invoca a mesma divindade, mesmo que os pedidos de orações sejam idênticos, assim também é falso dizer que não existe qualquer diferença entre as circuncisões, pois elas são totalmente diferentes por causa da finalidade, da lei, da intenção daquele que as pratica. Para melhor compreensão, podemos dizer também: o nome da justiça é o mesmo para todos os gregos. Mas a prova aí está: uma é a justiça de Epicuro, outra a dos estoicos que negam a divisão tripartida da alma, outra a dos platônicos que veem na justiça um ato de cada uma das partes da alma. Assim também, outra é a coragem de Epicuro que suporta sofrimentos para evitar um número maior deles, outra a do estoico que escolhe qualquer outra virtude por ela mesma, outra a do platônico que sustenta que é uma virtude da parte irascível da alma e a localiza em volta do peito. Desta forma, segundo as diferentes doutrinas daqueles que se fazem circuncidar, a circuncisão pode ser diferente. É um assunto de que não precisamos falar agora num tratado como o presente; se alguém quiser conhecer os motivos que me levaram a esta posição, leia a este respeito meu comentário sobre a epístola de Paulo aos romanos. - Os judeus, sem dúvida, orgulham-se de sua circuncisão, distinguindo-a não só da dos colcos e egípcios, mas igualmente da dos árabes ismaelitas, embora Ismael seja filho de Abraão seu ancestral e tenha sido circuncidado com ele. De acordo com os judeus, a circuncisão principal é a que se pratica no oitavo dia e não é a mesma que é devida às circunstâncias. Talvez tenha sido praticada por causa de um anjo inimigo da nação judia, capaz de prejudicar aqueles dentre eles que eram incircuncisos, mas sem poder contra os circuncisos. Dirá alguém, aí está o que mostra a passagem do Êxodo em que o anjo, antes da circuncisão de Eleazar podia agir contra Moisés, mas depois que ele foi circuncidado não teve mais força. E sabendo disso, "Séfora tomou uma pedra aguda, cortou o prepúcio de seu filho", dizendo em testemunho das lições comuns das cópias: "O sangue da circuncisão de meu filho parou", mas segundo o próprio texto hebreu: "Tu és para mim um esposo de sangue" (Êx 4,24-26); pois ela conhecia a história deste anjo que tinha um poder antes da efusão do sangue, poder que o sangue da circuncisão a fez perder: eis por que ela lhe diz: "Tu és para mim um esposo de sangue." A estas considerações, que podem parecer supérfluas e inadaptadas ao povo em geral, que eu tive a ousadia de expor, acrescentarei, antes de seguir em frente, uma reflexão mais cristã. Este anjo, a meu ver, tinha um poder contra os incircuncisos do povo, em geral, contra aqueles que adoravam apenas o criador; além disso, ele tinha este poder durante o tempo em que Jesus ainda não tinha assumido um corpo. Assim que ele o assumiu e foi circuncidado, foi então destruído todo o poder deste anjo contra os incircuncisos desta religião; pois Jesus o destruiu por sua inefável divindade. Por isso a proibição a seus discípulos de se circuncidarem e a afirmação: "Se vos fizerdes circuncidar, Cristo de nada vos servirá" (Gl 5,2) - Além disso, se os judeus se orgulham de se absterem de carne de porco, não é porque exista algum grande mérito, mas porque aprenderam a diferença natural entre animais puros e impuros, e sabem a razão disso, e porque o porco se encontra entre os animais impuros. Isto eram apenas figuras de outras realidades antes da vinda de Jesus; depois dela, seu discípulo ainda não compreendia a razão destas proibições e objetava: "De modo algum, Senhor, pois jamais comi coisa alguma profana e impura!"; e ouviu a palavra: "Ao que Deus purificou, não chames tu de profano" (At 10,14-15) Portanto, não importa nem aos judeus nem a nós mesmos que os sacerdotes do Egito se abstenham não só de carne de porco, mas também de cabra, ovelha, boi e peixe. Como "não é o que entra pela boca que torna o homem impuro" (Mt 15,11 17) e que "não são os alimentos que nos aproximam de Deus" (1Cor 8,8), não nos gloriamos de nossas abstinências, mas tampouco comeremos movidos por glutonaria. Assim sendo, no que nos diz respeito, desejamos boa sorte aos discípulos de Pitágoras que se abstêm dos seres vivos. Mas é preciso ver a diferença do motivo pelo qual se abstêm dos seres vivos os discípulos de Pitágoras e nossos ascetas. Eles praticam esta abstinência dos seres vivos por causa do mito da metensomatose da alma. E quem "seria tão louco de elevar até o céu seu filho bem-amado e imolá-lo com imprecações"? Mas nós, por esta mesma prática castigamos nosso corpo e o sujeitamos a nós; queremos "mortificar nossos membros terrestres: fornicação, impureza, impudicícia, paixão, mau desejo"; tudo fazemos para mortificar "as obras de nosso corpo" (cf 1Cor 9,17; Cl 3,5; Rm 8,13) O favor de Deus - Celso acrescenta esta observação sobre os judeus: não é possível que eles gozem do favor e do amor de Deus num grau mais elevado do que os outros, nem que anjos sejam enviados a eles unicamente, como se tivessem obtido em herança uma terra de bem-aventurados: vemos perfeitamente que tratamento eles mereceram, eles e seu país. Refutarei pois isto dizendo: este povo usufruiu o favor de Deus como mostra já o fato de que o Deus supremo é chamado "Deus dos hebreus", mesmo por aqueles que são estranhos à nossa fé. E justamente porque gozavam de seu favor, enquanto não foram abandonados por ele, continuavam, apesar de seu pequeno número, a serem protegidos pelo poder divino; desta forma, sob Alexandre da Macedônia nada sofreram de sua parte, embora certas convenções e juramentos os tivessem impedidos de tomar as armas contra Dario. Dizem mesmo que então o sumo sacerdote dos judeus, revestido de suas vestes sagradas, foi adorado por Alexandre, que diz ter tido durante o sono a aparição de um ser revestido com tais vestimentas, prometendo-lhe que ele submeteria a Ásia inteira. Nós cristãos, portanto, declaramos: tiveram a sorte de gozar logo do favor e do amor de Deus num grau mais elevado do que os outros. Mas esta disposição favorável nos foi dada quando Jesus transferiu seu poder, que atuava entre os judeus, para aqueles gentios que nele acreditaram. É por isso que os romanos, apesar de seus numerosos planos contra os cristãos para impedi-los de subsistir por mais tempo, não obtiveram êxito. Com efeito, a mão divina garantia a sua defesa para que a palavra de Deus fosse difundida de um recanto da terra da Judeia a todo o gênero humano. - Depois de ter respondido, na medida do possível, às acusações levantadas por Celso contra os judeus e sua doutrina, que me seja permitido, a propósito da passagem que segue, provar que para nós não há arrogância alguma em pretender conhecer o grande Deus, e que não fomos seduzidos, como acredita Celso, pela impostura de Moisés e de nosso próprio salvador. E foi pelo nosso bem que ouvimos Deus que fala por Moisés, e sobre seu testemunho de que ele é Deus, aceitamos Jesus como Filho de Deus. E nutrimos as mais belas esperanças quando vivemos segundo sua palavra. Eu me absterei deliberadamente de voltar às palavras já citadas ensinando de onde viemos, quem é nosso chefe, qual é a sua lei. A pretensão de Celso em não fazer nenhuma diferença entre nós e os egípcios que adoram o bode, o carneiro, o crocodilo, o boi, o hipopótamo, o cinocéfalo, o gato só diz respeito a ele mesmo e aos que a esse respeito estão de seu lado. Mas pelos numerosos argumentos que antecedem, justifiquei da melhor forma a honra prestada a nosso Jesus, e mostrei que encontramos um bem superior. E quando só nós afirmamos que a verdade pura e sem mistura de erro está no ensinamento de Jesus Cristo, não é a nós mesmos que exaltamos, mas a nosso mestre a quem o Deus supremo prestou homenagem por tantos sinais, pelos discursos proféticos dos judeus, e pela própria evidência. Pois é manifesto que ele não pôde realizar sem a ajuda de Deus semelhantes obras. O Anjo e os anjos - Eis a passagem de Celso que pretendo examinar agora: Está bem! Deixemos de lado tudo o que os confunde a respeito de seu mestre; admitamos que ele foi um anjo verdadeiro. Terá sido ele o primeiro e único a vir ou terá havido outros anteriormente? Se respondessem que ele foi o único, estariam convencidos de mentira e contradição. Pois eles dizem que muitas vezes vieram outros, e mesmo até sessenta ou setenta ao mesmo tempo; que eles se perverteram e, como punição, foram acorrentados debaixo da terra, e por isso as fontes quentes são suas lágrimas. Além disso, veio até seu túmulo um anjo - alguns dizem um, outro dizem dois - anunciar às mulheres que ele tinha ressuscitado. Pois o Filho de Deus, pelo que parece, não poderia abrir o túmulo, mas ele teve necessidade de um outro para remover a pedra. E mais, veio também um outro anjo ao carpinteiro para explicar a gravidez de Maria, e um outro anjo para fazê-los fugir tirando a criança do perigo. Mas, de que serve investigar tudo minuciosamente e arrolar os que, segundo dizem, foram enviados a Moisés e a outros dos seus? Ora, se também outros foram enviados, é claro que Jesus também veio da parte do próprio Deus. Digamos que ele tenha tido uma mensagem de uma outra importância: por exemplo, que os judeus estavam cometendo erros, falsificando a religião, praticando ações ímpias. É o que nos dão a entender. - Para respondermos às palavras de Celso, bastaria lembrar o que eu disse nas investigações particulares sobre nosso salvador Jesus Cristo. Mas, para não dar a impressão de desconsiderar de propósito uma passagem de seu tratado como se eu fosse incapaz de refutá-la, que me seja permitido, com o risco de eu me repetir, pois Celso a isso me obriga, discuti-la o mais brevemente possível: talvez as mesmas questões apresentem um aspecto mais claro ou mais novo. Ele declara ter deixado de lado tudo o que confunde os cristãos a respeito de seu mestre, mas nada deixou do que podia dizer, como mostra o trecho anterior, o que na verdade não passa de um procedimento retórico. Mas não estamos confusos a respeito de nosso tão grande salvador, embora nosso caluniador imagine que nos confunda: é o que revelará uma leitura cuidadosa e leal de tudo o que lhe diga respeito, profecias e história. Em seguida, ele pensa fazer uma concessão dizendo a respeito do salvador: Admitamos que ele foi um anjo verdadeiro. Nós dizemos: sem dúvida, admitimos este fato, não porque Celso nos faça esta concessão, mas porque vemos a obra daquele que veio visitar todo o gênero humano por sua palavra e seu ensinamento, na medida em que cada um daqueles que o acolhem era capaz disso. Era obra não apenas de um anjo mas, como o chama a profecia que a ele se refere, do anjo do "grande conselho" (Is 9,6) Pois ele anunciou aos homens o grande conselho que sobre eles formava o Deus e Pai do universo: que aqueles que consentem em viver numa piedade pura se elevam por suas grandes ações até Deus, que aqueles que não o acolhem se afastam de Deus e caminham para a perdição pela recusa de acreditar em Deus. Ele continua: Ainda que este anjo tenha vindo aos homens, terá sido o primeiro e único, ou terá havido outros anteriormente? E pensa responder a cada membro da alternativa por diversos argumentos. De fato, nenhum cristão verdadeiro diz que Cristo é o único a ter vindo visitar o gênero humano. Mas, como se alguém lhe respondesse que ele foi o único, Celso replica que outros apareceram aos homens. - Em seguida, ele se refuta a si mesmo a seu modo: Estamos longe de afirmar que ele é o único a ter vindo ao gênero humano. Mas aqueles que sob pretexto de ensinar em nome de Jesus se afastaram do criador como de um ser inferior, e foram como a um ser superior ao Deus e Pai daquele que veio, reconhecem que mesmo antes dele alguns vieram da parte do criador visitar o gênero humano. Examinando com lealdade a questão, direi que Apeles, discípulo de Marcião, que se tornou o autor de uma heresia e vê as escrituras judaicas como um mito, afirma que só Jesus veio visitar o gênero humano. Portanto, à sua afirmação de que Jesus é o único a ter vindo aos homens da parte de Deus, Celso não poderia logicamente revidar que outros também vieram, pois Apeles, como já se disse, não acredita nas escrituras judaicas que fala dos milagres: com tanto maior razão recusará admitir a passagem que Celso parece ter citado do livro de Enoc sem tê-lo compreendido. Portanto, ninguém nos convence de mentira nem de contradição, como se disséssemos que nosso salvador veio sozinho, quando, na verdade, muitas vezes vieram outros. Quando ele discute a vinda dos anjos aos homens, faz total confusão ao citar passagens obscuras tiradas do livro de Enoc. Parece não tê-lo lido, nem sabe que o livro intitulado Enoc em geral não é considerado divino nas igrejas; poderíamos, porém, crer que ele tirou deste livro a afirmação: Desceram ao mesmo tempo sessenta e setenta anjos que se perverteram. - Mas, concedamo-lhe generosamente o que ele não descobriu no livro do Gênesis: "Os filhos de Deus viram que as filhas dos homens eram belas e tomaram como mulheres todas as que lhes agradaram" (Gn 6,2). Contudo, a esse respeito persuadirei aqueles que são capazes de compreender a intenção do profeta que, conforme um de nossos predecessores, a passagem diz respeito à doutrina das almas que estavam desejosas de viver num corpo humano e que, segundo ele, chamamos em sentido figurado "filhas dos homens". Mas, apesar do que se possa dizer sobre a passagem sobre os filhos de Deus que desejaram as filhas dos homens, ela não dá a Celso qualquer apoio para afirmar que Jesus não foi o único a vir como um anjo aos homens, pois manifestamente é o salvador e o benfeitor de todos os que se converteram da onda dos vícios. Depois, misturando e confundindo o que aprendeu ninguém sabe quando, nem em que texto, considerado ou não como doutrina divina pelos cristãos, ele diz que os que desceram, ao mesmo tempo sessenta ou setenta, foram acorrentados como castigo debaixo da terra. E parece citar Enoc, mas sem nomeá-lo; daí surgiu a afirmação de que as fontes quentes são suas lágrimas, e isto coisa que não se diz nem se ouve nas igrejas de Deus. Pois ninguém é tão estúpido de imaginar materialmente como lágrimas de homens as lágrimas dos anjos descidos do céu. E se fosse permitido responder por uma brincadeira à seriedade das objeções de Celso contra nós, poderíamos dizer: ninguém, ao falar das fontes quentes, cuja maior parte é água doce, as chamaria de lágrimas de anjos, porque as lágrimas são naturalmente salgadas; a não ser talvez que os anjos de Celso chorem lágrimas de água doce! - Ele mistura coisas incompatíveis e equipara entre elas coisas dessemelhantes; e, depois de ter falado dos sessenta ou setenta anjos que desceram, segundo ele, e cujos prantos, a acreditarmos nisto, seriam fontes quentes, ele acrescenta que então vieram ao túmulo de Jesus, como dizem, dois anjos conforme uns, e um apenas conforme outros. Não observou, penso eu, que Mateus e Marcos falaram de um só, Lucas e João de dois, o que não é contraditório. Os outros designam por um só anjo aquele que fez rolar a pedra do sepulcro, e por dois anjos os que se apresentaram "com veste fulgurante" às mulheres que tinham vindo ao túmulo, ou os que tinham sido vistos no interior "sentados vestidos de branco" (Lc 24,4; Jo 20,12) Seria possível mostrar aqui que cada uma destas aparições é ao mesmo tempo um acontecimento histórico e uma manifestação de um sentido alegórico relativo às verdades que se revelam àqueles que estão prontos a contemplar a ressurreição do logos; isto não depende do estudo atual, mas dos comentários do evangelho. - Realidades maravilhosas às vezes se manifestaram aos homens: é o que relatam igualmente entre os gregos não só aqueles que poderiam ser suspeitos de inventar fábulas, mas também aqueles que deram muitas provas de rigor filosófico e de sua lealdade em citar os fatos que lhes chegaram. Li a respeito algumas destas características em Crisipo de Soles, outras em Pitágoras; e mais tarde também em alguns mais recentes, nascidos ontem ou anteontem, como em Plutarco de Queroneia no Tratado da alma, e o pitagórico Numênio no segundo livro Sobre a incorruptibilidade da alma. Assim, quando os gregos, e principalmente os filósofos, contam fatos desta espécie, seus relatos não provocam nem zombaria nem escárnio e não são tratados como se fossem ficções ou fábulas. Pelo contrário, quando os homens dedicados ao Deus do universo, para não dizerem uma palavra mentirosa sobre Deus, aceitam ser maltratados até a morte, anunciam que eles viram aparições de anjos, acaso não mereceriam crédito e suas palavras não seriam reconhecidas como verídicas? Seria insensato decidir assim entre a sinceridade e a mentira. O rigor da crítica exige uma busca longa e precisa, um exame de cada ponto, depois dos quais, com vagar e precaução, podemos afirmar que estes autores dizem a verdade e aqueles outros mentem sobre os prodígios que narram. Nem todos manifestam que são dignos de fé, nem todos mostram claramente que transmitem aos homens ficções e fábulas. É preciso acrescentar a propósito da ressurreição de Jesus dentre os mortos: não admira que então um anjo ou dois tenham aparecido para anunciar que ele tinha ressuscitado, e que eles tenham cuidado da segurança daqueles que por sua salvação acreditavam neste milagre. E não me parece insensato que aqueles que sempre acreditam ter Jesus ressuscitado e apresentam como um fruto apreciável de sua fé a generosidade de sua vida e sua aversão à libertinagem, não estejam separados dos anjos que os acompanham para lhes dar socorro em sua conversão a Deus. - Celso critica igualmente a escritura por afirmar que um anjo rolou a pedra do túmulo onde estava o corpo de Jesus: Celso parece um jovem que se exercita usando lugares comuns para sustentar uma acusação. Como se tivesse encontrado contra a escritura uma objeção sutil, acrescenta: O Filho de Deus, pelo que parece, não podia abrir o túmulo, mas precisou de um outro para remover a pedra. Mas não quero perder meu tempo discutindo a objeção nem, desenvolvendo aqui uma interpretação alegórica, parecer introduzir despropositadamente considerações filosóficas. Do próprio relato direi que parece simplesmente mais digno que o inferior e o servidor fizesse rolar a pedra e não o que ressuscitava pelo bem dos homens. Não quero lembrar que aqueles que conspiravam contra o logos, que tinham decidido matá-lo e mostrar a todos que ele estava morto e reduzido a nada, não queriam absolutamente que seu túmulo fosse aberto, para que ninguém pudesse ver o logos vivo depois de sua conspiração. Mas "o Anjo de Deus" que veio à terra para a salvação dos homens coopera com o outro anjo e, mais forte que os autores da conspiração, faz rolar a pesada pedra, para que aqueles que acreditam no logos morto sejam persuadidos de que "ele não está entre os mortos", mas vive e "precede" (cf Mt 28,7) àqueles que consentem em segui-lo, para explicar a continuação daquilo que ele tinha começado e explicar-lhes anteriormente, quando no primeiro período de sua iniciação eles ainda não eram capazes de captar as verdades mais profundas. Depois disso ele acrescenta, não sei porquê, pois ignoro que vantagem ele disto espera para seu objetivo: Veio um anjo a José para explicar a gravidez de Maria, depois novamente para fazê-los fugir do Egito livrando o menino da conspiração que o ameaçava. Esse ponto também foi discutido acima em minhas réplicas a seus ataques. Mas, qual a intenção de Celso objetando que, segundo o relato das escrituras, anjos foram enviados a Moisés e a outros? Isto não me parece servir de apoio às suas palavras, por esta razão principalmente porque nenhum deles lutou com todas as suas forças para desviar o gênero humano de seus pecados. É verdade, também outros foram enviados de Deus, e Jesus teve uma mensagem de uma outra importância; os judeus enquanto cometiam erros, falsificavam a religião, praticavam ações ímpias, o reino de Deus era entregue "a outros vinhateiros" (Mt 21,41 43), àqueles que em toda parte, cuidando deles nas igrejas, tudo fazem para levar ao Deus do universo também a outros seguindo o ensinamento de Jesus, por um caminho puro e uma doutrina em harmonia com a vida. A grande Igreja - Celso ainda afirma: Portanto, possuem o mesmo Deus os judeus e estas pessoas, evidentemente os cristãos. E como se tirasse uma conclusão que não lhe fosse concedida, diz: É exatamente isto o que reconhecem abertamente os da grande Igreja que recebem como verídica a tradição corrente entre os judeus sobre a criação do mundo, por exemplo sobre os seis dias e sobre o sétimo. Naquele dia, diz a escritura, Deus concluiu seus trabalhos, retirando-se na contemplação de si mesmo. Não atinando ou não compreendendo o que está escrito, Celso traduz repousou, o que não está escrito. Mas a criação do mundo e o repouso sabático reservado depois dela ao povo de Deus oferecem matéria a uma doutrina ampla, profunda e difícil de explicar. Ele me parece inflar seu livro e lhe dar alguma importância acrescentando elementos ao acaso, por exemplo a história do primeiro homem que dizemos ser idêntico àquele a quem os judeus deram um nome; e a genealogia de seus descendentes que determinamos como eles. Quanto à conspiração que os irmãos tramaram um contra o outro, eu ignoro. Conheço a de Caim contra Abel e a de Esaú contra Jacó. Mas não houve Abel contra Caim, nem Jacó contra Esaú. Se tivesse havido, Celso teria razão de dizer que nós narramos conforme os judeus as mesmas conspirações que os irmãos tramaram um contra o outro. Concedamos também que falamos, eles e nós, da mesma descida para o Egito, e do mesmo êxodo deste país, e não de uma fuga como pensa Celso. Haverá nisso algo com que se possa fundamentar uma acusação contra nós ou contra os judeus? Quando ele pensava em nos ridicularizar pela história dos hebreus, falava de fuga; mas, quando se tratava de examinar a história das pragas com que Deus castigou o Egito, preferiu se calar. - Se devo esclarecer melhor minha resposta a Celso, segundo o qual temos as mesmas opiniões que os judeus sobre estas questões, direi: reconhecemos como eles que estes livros foram escritos por inspiração divina, mas não estamos mais de acordo sobre a interpretação de seu conteúdo. Não vivemos como os judeus, pois pensamos que o sentido da legislação ultrapassa a interpretação literal das leis. E dizemos: "Todas as vezes que Moisés é lido, um véu se estende sobre o coração deles", pois a intenção da lei de Moisés está oculta para aqueles que não abraçaram com ardor o caminho indicado por Jesus Cristo. Sabemos que, "quando alguém se converte para o Senhor - e o Senhor é o Espírito - o véu" cai; a pessoa reflete por assim dizer como num espelho "de rosto descoberto a glória do Senhor" que está nos pensamentos ocultos sob a letra, e participa-se para sua própria glória daquilo que chamamos glória divina (cf 2Cor 3,15-18) A palavra "rosto", empregada em sentido figurado, é simplesmente o que se poderia chamar de entendimento, e tal é o rosto "segundo o homem interior" (Rm 7,22), cheio de luz e glória pela verdade contida nestas leis. As seitas - Continua Celso: Ninguém imagine que eu ignore isto: alguns deles concordam em que possuem o mesmo Deus que os judeus, mas os outros pensam que existe um Deus diferente ao qual se opõe o primeiro, e do qual veio o Filho. Se ele acredita que a existência de várias seitas entre os cristãos constitui um agravo ao cristianismo, por que não se veria uma censura análoga à filosofia no desacordo que existe entre as escolas filosóficas, não sobre assuntos irrelevantes, sem importância, mas sobre questões capitais? Deveria igualmente acusar a medicina por causa das escolas que ela apresenta. Admitamos que alguns de nós neguem que nosso Deus seja o mesmo que o Deus dos judeus: não é ainda uma razão de acusar os que provam pelas mesmas escrituras que existe um só e mesmo Deus para os gregos e gentios. Paulo, que passou do judaísmo ao cristianismo, afirma isto claramente: "Dou graças a Deus, a quem sirvo em continuidade com meus antepassados, com consciência pura" (2Tm 1,3) Admitamos igualmente que exista uma terceira espécie, os que alguns chamam psíquicos e outros pneumáticos. Penso que ele quer falar dos discípulos de Valentino. Que conclusão tirar contra nós que pertencemos à Igreja e condenamos aqueles que imaginam naturezas salvas em virtude de sua constituição ou perdidas em virtude de sua constituição? Admitamos mesmo que alguns se proclamam gnósticos, à maneira como os epicureus se gabam de serem filósofos. Mas os que negam a providência não podem ser verdadeiramente filósofos, nem cristãos aqueles que introduzem ficções estranhas desacreditadas pelos discípulos de Jesus. Admitamos enfim que alguns aceitam Jesus, e é por isso que eles se gabam de serem cristãos, mas querem ainda viver segundo a lei dos judeus como a grande massa dos judeus. São as duas espécies de ebionitas: os que admitem como nós que Jesus nasceu de uma virgem, os que não acreditam que ele tenha nascido desta maneira, mas como o resto dos homens. Que razão de queixa ver em tudo isto contra os membros da Igreja que Celso chamou de grande massa? E acrescenta: Entre eles, existem também os sibilistas, talvez por terem compreendido distorcidamente as pessoas que censuram aqueles que acreditam no dom profético da Sibila e os chamaram de sibilistas. - A seguir, despejando sobre nós uma grande quantidade de nomes, declara conhecer ainda certos simonianos que veneram Helena ou Helenos seu mestre e são chamados helenianos. Celso ignora que os simonianos recusam absolutamente reconhecer a Jesus como Filho de Deus: afirmam que Simão é um poder de Deus e contam os prodígios deste homem que, simulando os prodígios análogos aos que Jesus tinha simulado, segundo ele, tinha acreditado que ele teria tanto poder sobre os homens quanto Jesus no meio da grande massa. Mas era impossível a Celso como a Simão compreender a maneira como Jesus pôde semear, como bom "lavrador" da palavra de Deus, a maior parte da Grécia e a maior parte da barbárie, e encher estes países com as palavras que desviam a alma de todo mal e a fazem subir até o criador do universo. Celso conhece ainda os marcelinianos discípulos de Marcelina, os harpocratianos discípulos de Salomé, outros discípulos de Mariame e outros discípulos de Marta. Apesar de meu zelo no estudo, não só em perscrutar o conteúdo de nossa doutrina na variedade de seus aspectos, mas também, enquanto possível, para investigar sinceramente as opiniões dos filósofos, jamais encontrei tais pessoas. Celso menciona ainda os marcionitas que têm a Marcião como chefe. - Em seguida, para dar a impressão de que conhece outros além dos que citou, ele generaliza como de costume: Alguns encontraram como mestre um chefe e um demônio, outros um outro, e andam desnorteados vagando miseravelmente em espessas trevas, perpetrando mais impiedades e impurezas do que os tíades do Egito. Abordando por alto o assunto, parece-me ter dito algo de verdadeiro: alguns encontraram como chefe um demônio, e outros um outro, e andam desnorteados vagando miseravelmente nas espessas trevas da ignorância. Mas já falei de Antínoo que ele compara com nosso Jesus e não voltarei mais a este ponto. Ele afirma: Estas pessoas descarregam umas nas outras todos os horrores possíveis, rebeldes à menor concessão à concórdia e animadas de ódios implacáveis. A esta objeção já respondi: mesmo em filosofia e em medicina é possível encontrar escolas que combatem outras escolas. No entanto, nós que seguimos a palavra de Jesus e colocamos em prática seus preceitos em nossos pensamentos, palavras e atos, "somos amaldiçoados, e bendizemos; somos perseguidos, e suportamos; somos caluniados, e consolamos" (1Cor 4,12-13) Em vez de dizer todos os horrores possíveis contra aqueles que sustentam outras opiniões diferentes das que recebemos, faríamos, ao contrário, tudo o que pudéssemos para que se convertam a uma vida melhor, apegando-se ao único criador e fazendo tudo em vista do juízo futuro. E se aqueles que pensam de outro modo não estão convencidos, observamos a palavra que fixa a conduta a seu respeito: "Depois de uma primeira e de uma segunda admoestação, nada mais tens a fazer com um homem faccioso, pois é sabido que um homem assim se perverteu e se entregou ao pecado, condenando-se a si mesmo" (Tt 3,10-11). Além disso, os que compreenderam as máximas: "Bem-aventurados os que promovem a paz, bem-aventurados os mansos" não poderiam odiar os que alteram as verdades do cristianismo, nem tratar de Circe e agitadores astutos aqueles que caíram no erro. - Celso parece ter compreendido mal estas palavras do apóstolo: "Nos últimos tempos alguns renegarão a fé, dando atenção a espíritos sedutores e a doutrinas demoníacas, por causa da hipocrisia dos mentirosos, que têm a própria consciência como que marcada por ferro quente; eles proibirão o casamento, exigirão a abstinência de certos alimentos, quando Deus os criou para serem recebidos, com ação de graças, pelos que têm fé" (1Tm 4,1-3) Também compreendeu falsamente estas palavras do apóstolo contra aqueles que alteram as verdades do cristianismo; por isso, diz ele, entre os cristãos, alguns são chamados cautérios do ouvido. Acrescenta que outros são chamados enigmas, coisa que nada entendo. É verdade que a expressão pedra de escândalo é frequente nas escrituras: costuma-se aplicá-la aos que desviam da sã doutrina os espíritos simples e fáceis de enganar. O que significa as sereias dançarinas e sedutoras que lacram com cera os ouvidos dos que lhes obedecem e mudam suas cabeças em cabeças de porco, não sei dizer, nem saberá alguém, imagino eu, dos de nossa doutrina nem das seitas. E este homem que professa saber tudo acrescenta estas declarações: Todas estas pessoas radicalmente separadas, que em suas disputas se refutam tão vergonhosamente a si mesmas, podemos ouvi-las repetir: o mundo está crucificado para mim e eu estou para o mundo (cf Gl 6,14). É isso que Celso parece ter guardado de Paulo. Porque então não citarei tantas outras passagens como esta: "Embora vivamos na carne, não militamos segundo a carne. Na verdade, as armas com que combatemos não são carnais, mas têm, ao serviço de Deus, o poder de destruir fortalezas. Destruímos os raciocínios presunçosos e todo poder altivo que se levanta contra o conhecimento de Deus" (2Cor 10,3-5) - E vou convencê-lo de mentira, já que ele diz: Todas estas pessoas tão radicalmente separadas nós as ouviremos repetir: o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo. Há seitas que não aceitam as epístolas do apóstolo Paulo: os ebionitas das duas espécies e os que são chamados encratitas. Eles não citam o apóstolo como um bem-aventurado e um sábio e não sabem dizer: "O mundo está crucificado para mim e eu para o mundo." É mais uma mentira de Celso. Por mais que insista em sua acusação contra a diferença das seitas, parece-me que ele não tem a mínima ideia do que diz, nem mesmo examinou seriamente nem compreendeu a razão pela qual os cristãos entendidos nas escrituras pretendem conhecer mais coisas do que os judeus. Acaso quer ele dizer que, embora admitam os mesmos livros que os judeus, eles os interpretam em sentido contrário, ou que recusam admitir os livros dos judeus? Realmente poderíamos encontrar estas duas atitudes nas seitas. Depois disso ele declara: Pois bem! Ainda que sua religião não tenha nenhum fundamento, examinemos a doutrina em si. Devemos inicialmente dizer tudo o que eles entenderam mal e alteraram pela ignorância, e pela presunção que os leva imediatamente a decidir a respeito dos princípios em matérias que eles não conhecem. Vejamos alguns exemplos. E imediatamente, para certas expressões que estão continuamente nos lábios daqueles que acreditam na doutrina cristã, ele opõe outras tiradas dos filósofos; e pretende que as das doutrinas cuja beleza ele reconhece entre os cristãos foram expressas com beleza e clareza entre os filósofos; com isso quer arrastar para a filosofia aqueles que estas doutrinas cativam por si mesmas, resplendentes de beleza e piedade. Mas finalizemos aqui mesmo o quinto livro e comecemos o sexto com a passagem que vem a seguir..

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