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Empire State College - Apologia contra os livros de Rufino Por São Jerõnimo TERCEIRO LIVRO Primeira parte: Procedimentos respectivos dos dois adversários e de seus aliados -- Lidas as cartas de tua sabedoria pelas quais tu te arremessas contra mim - aquele outrora elogiado e que dizias teu verdadeiro colega e irmão, agora é por teus livros que o provocas a responder e tu o aterrorizas com as tuas acusações, - eu compreendi que em ti havia-se cumprido a palavra de Salomão: "Na boca do tolo está o bastão do insulto", e: "O louco não admite as palavras sensatas, a não ser que digas o que ocupa seu coração". Isaías diz também: "O louco dirá loucuras e seu coração meditará tolices, e assim levará a cabo as iniquidades e dirá mentira na presença de Deus". Que necessidade houve, pois, de enviar os volumes de acusação e proferir insultos em público, se tu, na última parte de tua carta, me dissuades, com a notificação de minha morte, que eu ouse responder a tuas acusações, ou antes a teus elogios? São os mesmos pontos, com efeito, que tu proclamas e que tu acusas, e de uma só fonte procede o doce e o amargo. É por isso que te rogo que a discrição e o recato que de mim exiges, tu os exibas antes que eu, e tu que acusas a outrem de mentira, cesses tu de mentir. Quanto a mim, eu não crio escândalo a ninguém e, no momento, não sou o acusador de ti. Com efeito, eu não considero o que tu mereces, mas o que me convém, e temo muito a palavra do Salvador, quando diz: "Aquele que tenha escandalizado a um só destes pequeninos que creem em mim, é melhor para ele que se pendure uma mó de asno em seu pescoço e que seja precipitado no fundo do mar", e "Ai do mundo por causa dos escândalos. É necessário que apareçam os escândalos, mas ai daquele homem por quem um escândalo vem". Eu poderia, pelo menos contra ti, acumular falsidades, e dizer que ou ouvi ou vi aquilo que ninguém ignora, de modo que, junto àqueles que o ignoram, o atrevimento fosse considerado como verdade e o frenesi, firmeza. Mas longe de mim ser teu imitador e eu próprio fazer o que critico em ti! Aquele que pode cometer torpezas é que mantém conversas torpes: o homem mau tira do mau tesouro de seu coração aquilo que é mau. "A boca fala do que abunda no coração". Tem por lucro, para o momento, o fato de que teu antigo amigo não quer, mesmo acusado, objetar-te coisas torpes. E digo isso não pelo fato de temer as espadas de tua acusação, mas porque prefiro ser acusado a acusar, e sofrer a injustiça a fazê-la, sabendo o preceito do Apóstolo: "Não vos vingueis vós mesmos, ó caríssimos, mas dai lugar à ira. Na verdade está escrito: 'A mim a vingança e eu a retribuirei', diz o Senhor. Mas se teu inimigo tem fome, alimenta-o; se tem sede, dá-lhe de beber. Fazendo, pois, isso, tu reunirás carvões ardentes sobre sua cabeça". Aquele que, com efeito, se vinga por si mesmo não merece ser vingado pelo Senhor. -- Entretanto, antes de responder à tua carta, eu acho bom perguntar-te a razão, ó mais velho dos monges, excelente presbítero, imitador de Cristo: tu podes matar teu irmão, se, só de odiá-lo, és um homicida? Tu aprendeste do Salvador que àquele que te bate em uma face tu deves oferecer a outra? Deste modo, ele respondeu a quem lhe batia: "Se falei mal, dá testemunho do que eu disse de mau; se eu falei bem, por que me bates?" Tu me ameaças de morte: as serpentes também podem infligi-la. A morte é de todos, o homicídio é dos piores. Pois quê? Se tu não me matas, eu serei imortal? Por que não te serei grato porque fazes da necessidade uma virtude? Mesmo os apóstolos, sem prejuízo de suas amizades mútuas, não estiveram em desacordo, quando Paulo e Barnabé brigaram por causa de João, com sobrenome de Marcos, e a viagem marítima separou aqueles que o Evangelho de Cristo unia? O próprio Paulo não fez resistência na presença de Pedro, declarando que ele não caminhava com passo acertado no Evangelho? E, entretanto, ele o chama seu predecessor, a coluna da Igreja, e ele expõe a sua pregação, "para não correr ou ter corrido em vão". Em se tratando de religião, os filhos também não discordam dos pais, e as mulheres, dos maridos, sem ferir a sua afeição? Mas vós, se vós vos achais assim como nós nos achamos, por que nos odiais? Se vossa crença é outra, por que quereis matar? Acaso aquele que de vós discordar deve ser morto? Eu invoco a Jesus, testemunha da minha consciência, o qual há de julgar tanto esta carta quanto a tua epístola: à advertência do nosso santo pai Cromácio, eu queria calar-me, pôr fim às malquerenças e vencer o mal pelo bem; mas, visto que ameaças de morte se eu não me tiver calado, sou forçado a responder, para que não pareça o meu silêncio uma confissão de culpabilidade, e que não interpretes a minha doçura como sinal de uma má consciência. -- Este é teu verdadeiro dilema - e ele não passou pela prova da dialética que tu ignoras, mas pela sala de tortura e pelo ofício dos carrascos: se eu me tiver calado, serei culpado; se eu respondo, maledicente. Tu, pois, tanto me proíbes quanto me obrigas a responder. Nisso agirei ponderadamente num e noutro sentido, de modo que eu lave o que foi acusado ao mesmo tempo que me abstenha de injustiça. Quem, pois, não teme aquele que está preparado para matar? Eu seguirei os passos de tua exposição, reservando o resto àqueles livros eruditíssimos, os quais, antes de lê-los, eu refutei. Tu dizes "que tu enviaste tua acusação contra mim apenas àqueles que minhas palavras tinham ferido, e não a muitas pessoas, porque não se deve falar aos cristãos para a ostentação, mas para a edificação". E de onde, eu te pergunto, chegou até mim a fama de teus livros? Quem os difundiu na Itália, em Roma, através das ilhas da Dalmácia? Se em teus cofres e nos de teus amigos estavam escondidos, como chegaram até mim os agravos feitos a mim? E ousas dizer que falas, como se fosses cristão, não para ostentação, mas para a edificação, tu que, em tua velhice, inventas a respeito do velho tanto quanto não diria um assassino de um ladrão, de uma cortesã uma meretriz, de um palhaço um bobo; tu que me pares montanhas de acusações e, desde muito tempo, tu afias as espadas para cravá-las em meu pescoço! Se teus "Cereais" e teus "Anabásios" percorreram diversas províncias, era para ler aí meus elogios? Para recitar o teu panegírico nas esquinas e nas praças ou nas fábricas de tecido das mulherzinhas? Esta é aquela tua santa discrição, esta, a edificação cristã! Tu és tão modesto, tão reservado que aqueles que vêm em multidão do Ocidente narraram-me teus insultos com tal fidelidade à memória e com tal conformidade com a verdade que eu era forçado a responder, não a teus escritos, que não havia ainda lido, mas às opiniões dos escritos, aparar com o escudo da verdade os dardos de falsidade que voavam pelo mundo todo. -- Segue em tua epístola: "Não vás comprar meu secretário a peso de ouro, como teus amigos o fizeram para os meus papéis do Perì Archôn ainda não corrigidos, ainda não passados a limpo, para que mais facilmente pudessem falsificar aquilo que ninguém tinha ou muito poucas pessoas. Recebe gratuitamente, enviado por mim, a obra que desejarias adquirir a grandes custos". Não te envergonha este preâmbulo? Eu compraria a preço de ouro o teu secretário? E quem é tão grande e forte que ousa rivalizar com os Cresos e os Darios quanto a riquezas, que não tenha grande medo de se deparar improvisadamente com Demarato ou Crasso? Até que ponto endureceste a fronte, para que ponhas a esperança tua na mentira e imagines que tu possas ser protegido por uma mentira e penses que se deva acreditar em qualquer coisa que tenhas inventado? Quem roubou em Belém, no quarto do irmão de Eusébio, a carta que fazia teu elogio? Por astúcia de quem e com servos de quem foi encontrada, na pousada de Santa Fabíola e desse homem cristão e prudente que é Oceano, a obra que eles nunca tinham visto? Tu colocas tua inocência no fato de que tudo que é teu tu transferes a outros? Quem te tiver ofendido, ainda que seja simples e irrepreensível, se tornará, sem demora, um criminoso? Tu possuis, com efeito, aquilo pelo qual o pudor de Dânae foi vencido, porque Giezi preferiu, à santidade de seu mestre, aquilo por causa de que Judas entregou o seu Senhor. -- Vejamos, todavia, quais falsificações meu amigo trouxe a teus papéis "que nem mesmo corrigidos estavam, nem ainda passados a limpo" e, por isso, a falsificação foi mais fácil para ele, ou porque ninguém as tinha, ou muito poucos. Eu o escrevi antes e agora assevero as mesmas coisas, tomando Deus por árbitro, que eu não aprovei sua acusação, nem de qualquer cristão para cristão. Que necessidade há que se exponha à luz do dia, para o escândalo e ruína de muitos, aquilo que se pode em segredo censurar ou corrigir? Mas porque cada um vive com seu humor e como um amigo não tem domínio da vontade do outro, como eu repreendo uma acusação, mesmo justificada, eu não admito que seja imputada a um homem santo a falsificação dos teus papéis. O que um latino pôde transformar a partir de uma tradução grega? Ou então o que suprimiria ou acrescentaria nos livros Perì Archôn, onde tudo está tão compactado e uma coisa depende da outra, de modo que, se quiseres tirar ou acrescentar, isto aparecerá como um remendo em uma roupa? O que, pois, me aconselhas, faze-o tu mesmo. Um pouquinho de modéstia pratica, pelo menos a humana, senão a cristã; nem penses que, depois de desprezar e pisar a tua consciência, tu hás de ser purificado pelas palavras, que és apertado pelo peso dos fatos. Se Eusébio resgatou a preço de ouro os papéis não corrigidos para falsificá-los, produz tu os que não foram falsificados; e se nada tiveres encontrado neles de herético, então é ele que será sujeito ao crime de falsidade. Por mais que mudes, por mais que corrijas, não provarás que são católicos. Se, pois, houvesse um erro em palavras ou em algumas ideias, poder-se-ia cortar o ruim, e no lugar dele recolocar o bom. Mas quando toda a discussão é nivelada, e todas as criaturas racionais que, por vontade própria, decaíram, devem retornar depois a um único estado, de modo que de um outro começo haja novas quedas, que tens a corrigir, a não ser que mudes tudo? Porque, se quiseres fazê-lo, já não traduzirás os livros alheios, mas comporás os teus. Eu não compreendo de qual espécie é este argumento: "E, disse ele, porque meus papéis não estavam corrigidos e ainda não passados a limpo, que Eusébio falsificou-os mais facilmente". Ou eu sou mais lento, ou para mim parece-me um argumento bastante tolo e estúpido. Se os teus papéis não estavam corrigidos nem passados a limpo, o erro destes papéis não será imputado a Eusébio, mas a teu atraso e à tua lentidão, pois demoraste a corrigir; e apenas por este motivo será ele culpado: porque difundiu teus escritos junto ao povo, os quais tu decidiras corrigir paulatinamente. Se, porém, como tu queres, é Eusébio que os falsificou, por que tu discutes alegando que é sem terem sido corrigidos nem passados a limpo que eles surgiram em público? Quer tenham sido corrigidos, com efeito, quer não tenham sido corrigidos, eles sofrem falsificação similar. "Ninguém, diz ele, tinha esses livros, ou bem poucos." Em uma só sentença, quanta contradição! Se ninguém os tinha, como existiam em casa de poucos? Se poucos os tinham, por que mentes dizendo que ninguém os teve? Porém, porque dizes que eles estiveram em mãos de poucos, e, segundo tua própria confissão, seja derrubada a afirmação de que ninguém os tenha detido, de onde vem a tua queixa acerca de teu secretário comprado a preço de ouro? Diz o nome do secretário, a quantidade de ouro dada, o lugar, o intermediário ou o destinatário. Com certeza, tu te livraste daquele que te traiu, e rompeste relações com um culpado de tão grande crime. Cuida para que não haja uma outra versão mais exata: esses poucos amigos teus teriam dado a Eusébio e a outros uns exemplares que entre si se assemelham e concordam que nem por um ponto sequer eles diferem um do outro. Então, que prudência há em dar a outros um exemplar que tu não corrigiste ainda? Teus papéis não estavam passados a limpo, e os teus erros que era necessário corrigir já estavam em poder de outros! Tu sentes que tua mentira não tem consistência própria, e que aquilo que em dado momento foi útil a ti para esquivar-te das sentenças dos bispos está aberto à discussão, e que tu és refutado por tuas próprias palavras? Donde aparece que, segundo uma nota de um célebre orador, tu tens a vontade de mentir, mas não tens a arte de fingir. -- Eu seguirei a ordem da carta e acrescentarei tuas próprias palavras, como as empregaste: "A tua eloquência, como tu dizes, eu reconheço ter louvado, mas que também agora eu louvaria, se tu não a tivesses tornado, contra o parecer de teu Cícero, odiosa por muita presunção". Onde é que gabei a minha eloquência, eu que nem mesmo por ti admiti de bom grado que ela fosse louvada? Por acaso dizes isso porque não queres ser lisonjeado por uma pregação hipócrita? Tu serás abertamente acusado, de modo que tu que escarras sobre aquele que te louva, sentirás quem te ataca. Tua incompetência, porém, eu não seria tão tolo de repreender, a qual ninguém pode acusar com mais força senão tu próprio, quando escreves; mas eu quis mostrar a teus condiscípulos, que contigo não aprenderam as letras, os progressos que fizeste por trinta anos no Oriente, a ti que, letrado sem letras, tomas a insolência por eloquência e o maldizer a todos como sinal de boa consciência. Eu não aplico a palmatória em ti, como dizes, nem me esforço a ensinar as letras a meu discípulo senil de Atenas, com o açoite e as chagas; mas como não podemos, nós todos os escritores, suportar o raio de tua eloquência e de tua ciência, e, como feres os nossos olhos pela agudeza de teu talento, a tal ponto que consideras que todos têm inveja de ti, nós nos rivalizamos no desejo de te arrebentar, para que não ocorra que, se porventura tu obtiveres a primazia escrevendo e te instalares no pináculo da eloquência, não nos seja permitido murmurar a todos nós que presumimos saber alguma coisa. Eu sou filósofo, retórico, gramático, dialético, hebreu, grego, latino, trilíngue? Nestes termos, tu serás, quanto a mim, bilíngue, porque é tamanho o teu conhecimento, que tens do grego e do latim, que, ao mesmo tempo, os gregos te consideram um latino, e os latinos, um grego; e nosso papa Epifânio será pentaglota, porque ele fala em cinco línguas contra ti e teu favorito. E, ao mesmo tempo, eu me admiro do atrevimento com que ousas dizer contra um homem de tantas qualificações: "Tu que vigias com olhos armados de tantas disciplinas, como devemos agraciar-te com o perdão se cometeres engano, e não fores encoberto com o eterno silêncio da vergonha?" Assim que li esta frase, achei que, em alguma parte em meu estilo, tivesse falhado - "Quem, com efeito, não peca em palavra, este é perfeito" - e suspeitava que ele fosse denunciar algum de meus defeitos, subitamente ele introduziu estas palavras: "Há dois dias antes que partisse o portador desta, a minhas mãos chegaram estas invectivas que lançaste contra mim". Onde está, pois, o que ameaças e dizes: "como devemos agraciar-te com o perdão se cometeres engano, e não fores encoberto com o eterno silêncio da vergonha?" A menos que, por acaso, não pudeste, premido pelo tempo, colocar em ordem estas frases, ou havias de incumbir a alguém entre as pessoas instruídas que fosse procurar em meus opúsculos os adornos das pérolas para a tua eloquência. Mais acima, tu escreves: "Recebe gratuitamente de minha parte a obra que desejarias comprar a grandes custos", e agora fala sob os embustes da humildade: "Não quis te imitar; mas como aquele que voltava para ti retornava apressadamente, eu achei melhor escrever a ti em poucas palavras que aos outros responder mais desenvolvidamente a teus insultos". E durante este tempo, aproveita da tua incompetência. Uma vez, com efeito, confessaste dizendo: "Foi-te supérflua a repreensão em poucos pontos, porque, proferida a nós, abrange tudo". Assim, não criticarei que tenhas empregado adquirido a respeito da obra, em vez de comprado, ainda que aquisição se refira a termos equivalentes, compra seja o cálculo de um preço, nem cometido um pleonasmo de elocução sordidíssima como "aquele que voltava para ti retornava apressadamente". Vou responder apenas pelo conteúdo, e eu te convencerei em todas as coisas que, de nenhum modo, tu és o autor de solecismos e barbarismos, mas um mentiroso, um astuto, um desavergonhado. -- Se só para mim escreves uma carta, para me chamar a atenção, e queres corrigir-me, para que não faças escândalo aos outros e que uns não sejam degolados por outros desvairados, por que escreves livros contra mim para outros, e espalhas ao mundo todo por tua escolta para serem lidos? Onde está teu silogismo, pelo qual tentas enredar-me e falas: "Quem nisso, ó mestre excelente, desejavas corrigir? Se aqueles aos quais escreves, em nada cometeram falta; se a mim que acusas, não foi a mim que tinhas escrito?" Eu responderei a ti então com tuas próprias palavras: A quem querias corrigir, ó mestre ignorante? Aqueles que não tinham pecado, ou a mim a quem não tinhas escrito? Tu pensas que teus leitores são broncos e que nenhum deles entende tua penetração, ou antes tua malícia, pela qual também a serpente foi o mais compenetrado do que todos os animais no paraíso, a ponto de tu me pedires uma advertência secreta, a mim que persegues com uma acusação pública? Não te envergonhas de chamar "apologia" tua acusação? Tu te queixas também que eu oponha um escudo a teu punhal e te metes, como um religioso e santinho, a máscara da humildade, e dizes: "Se eu tivesse errado, por que escreves a outros e não te diriges a mim próprio a tua refutação?" É isso precisamente que eu vou retornar contra ti. Com efeito, tudo o que me censuras por não ter feito, por que tu próprio não fizeste? E como se alguém, batendo em outro com socos e pontapés e, se este quisesse resistir, diga a ele: Não te foi prescrito: "Aquele que te tiver batido numa face, apresenta-lhe também a outra?" O que, com efeito, ó bom homem, foi-te prescrito que me batas, que me vases o olho? E se me remexo um pouco, tu me cantarás os preceitos do Evangelho? Queres saber todos os ardis das tuas argúcias e as armadilhas das raposinhas que habitam nos escombros, das quais também fala Ezequiel: "Como raposas no deserto são teus profetas, Israel?" Escuta o que fizeste: Tu me louvaste em teu prefácio a tal ponto que me censuram por teus elogios e, se eu me dissesse alheio a tão grande panegirista, eu seria julgado herético. Depois que eu repeli os teus agravos, isto é, teus louvores e, sem ódio a teu nome, eu respondi a estes agravos, não àquele que os formulava, e para provar minha ortodoxia, eu que tu havias desacreditado, eu me lancei contra os hereges, e tu te enraiveces, tu deliras e forjas contra mim livros elegantíssimos. E como tu os tinhas dado a todos para serem lidos e cantados, chegaram até mim, da Itália, da cidade de Roma e da Dalmácia os escritos, com os quais tu me terias ornado com elogios, meu panegirista de antanho. -- Eu o confesso, eu respondi logo às censuras e tentei provar com todas as forças que eu não era herege. E eu enviei estes livros de minha apologia àqueles que tinhas ferido para que, aos venenos teus, seguisse o nosso antídoto. Por causa desta falta, tu me envias ao mesmo tempo teus livros anteriores e a recente carta cheia de injúrias e agravos. Que queres que eu faça, ó bom amigo? Calar-me? Darei a entender que eu reconheço minha culpabilidade. Falar? Tu me aterrorizas com tuas espadas, e me ameaças com a acusação não mais eclesiástica, mas diante dos tribunais. O que eu fiz? Em que me tornei culpado? Em que te causei dano? É porque eu disse que não era herege? Porque disse que era indigno de teus elogios? Porque descrevi com palavras abertas as fraudulências e os perjúrios dos hereges? E quanto a ti que te gabas de ser ao mesmo tempo católico e sincero, que, com melhor disposição, me acusas do que te defendes? Por acaso minha defesa é a tua acusação? Ou, então, não poderias ser ortodoxo de outra forma senão provando que sou herege? Em que minha companhia te é útil? Ou então o que é esta sagacidade? Acusado por uns, tu acusas um outro. Tu és atacado por um, e dando as costas a ele, tu provocas contra ti um outro que está tranquilo. -- Eu tomo Jesus como mediador: é contra minha vontade e a contragosto que eu desço a essas palavras e, se tu não me provocasses, sempre teria guardado o silêncio. Em suma, não queiras acusar, e eu, por minha parte, cessarei de defender-me. Qual é, na verdade, a edificação daqueles que ouvem se dois velhos se digladiam entre si por causa de hereges, sobretudo quando ambos querem passar-se por católicos? Abandonemos o patrocínio dos hereges e não haverá entre nós nenhum conflito. Com o mesmo fervor com o qual anteriormente louvamos, condenemos Orígenes, que agora está condenado pelo mundo todo. Apertemos as mãos, unamos os corações e sigamos, com passo alegre, os dois porta-troféus do Oriente e do Ocidente. Quando jovens, nós erramos: corrijamos, quando velhos. Se tu és um irmão, alegra-te de me ver corrigido. Se eu sou um amigo, pela tua conversão devo parabenizar-te. Enquanto houver entre nós desavença, nós pareceremos enunciar a verdadeira fé por obrigação, e não espontaneamente. As nossas inimizades nos tiram um ao outro o testemunho de um verdadeiro arrependimento. Se temos uma só fé, se queremos e recusamos ao mesmo tempo a mesma coisa - que daí nascem as amizades sólidas, até Catilina atesta, - se nós igualmente odiamos os hereges, e condenamos indistintamente nosso antigo erro, por que nós nos erguemos um contra o outro, visto que são as mesmas ideias que atacamos, as mesmas que defendemos? Perdoa-me que eu tenha louvado, em minha idade juvenil, a erudição de Orígenes e o zelo pelas Escrituras, antes que eu conhecesse mais plenamente a sua heresia, e eu te darei o perdão por teres escrito a apologia de seus livros no tempo de tua cabeça branca. -- Tu atestas que meus opúsculos chegaram a tuas mãos dois dias antes que nos escrevesses tua carta, e que, por esta razão, não tiveste tempo livre para responder. Ao contrário, se nos tivesses falado contra nós depois de preparação e meditação, pareceria que tu lançavas raios, não agravos. E quem, pois, acredita em ti, o homem sinceríssimo, quando um negociante de víveres orientais que, ao mesmo tempo, tinha a obrigação de vender o estoque levado daqui e lá comprar o que ele traria de volta para cá, teria estado dois dias apenas na Aquileia, de tal modo que, às pressas e de improviso, tu serias forçado a ditar uma epístola contra nós. Teus livros, com efeito, que poliste por três anos, estão mais eloquentes? A não ser que não houve atualmente quem corrigisse tuas bagatelas e, por esta razão, todo o percurso de tua elocução, à qual falta a arte de Palas, se acha entrecortado pelas asperezas e voragens de teus defeitos. Tão manifesta é tua mentira acerca do tempo que não direi quanto a responder, mas que não sejas capaz de ler meus escritos em dois dias. O que vem mostrar que, ou tu levaste vários dias para escrever aquela carta, como prova a elegância de seu estilo, ou que, se tua elocução é caótica, tu és bastante negligente, porque tal como tu és na improvisação, tu foste mais medíocre ainda, depois de reflexão. Segunda parte: retorno sobre os métodos de tradução e de comentário, bem como sobre um problema de atribuição -- Aquilo, porém, para o qual buscas escapatória e dizes que tu traduziste do grego aquilo que eu traduzira primeiramente para a língua latina, não entendo muito o que queiras dizer, a menos que, talvez, tu não incrimines ainda os Comentários aos Efésios e, como se nada sobre este assunto te tivesse sido respondido, tu endureces a falta de vergonha da fronte e, com os ouvidos tapados, tu não recebes as palavras do encantador. Nós, em nossos comentários, tanto esses quanto aqueles, desenvolvemos o nosso ponto de vista e o dos outros, abertamente reconhecendo o que é herético e o que é católico. Isto é, com efeito, o usual em termos de comentários e a regra dos exegetas: eles buscam as opiniões divergentes quanto à explicação, e expõem o seu próprio ponto de vista e o dos outros. É isto o que fazem não apenas os exegetas das Santas Escrituras, mas também os comentadores das literaturas profanas, tanto latina quanto grega. Tu não podes alegar o mesmo para os livros do Perì Archôn. Condenar-te-á, com efeito, o teu prefácio, no qual prometes que, cortadas as más passagens e as que tinham sido acrescentadas por hereges, ficaram as passagens excelentes, de modo que tudo o que aí disseres de bom ou de mau já não seja imputável àquele que traduzes, mas a ti, que o traduziste. A menos que, por acaso, tu devas ter que corrigir os erros dos hereges e divulgar aos olhos de todos os maus aspectos de Orígenes! Mas a este respeito, visto que nos remetes à tua obra, nós te respondemos antes que lêssemos teus escritos. -- Quanto ao livro de Pânfilo, por acaso aconteceu-me uma aventura, não ridícula, como escreves, mas risível, que, depois que afirmei que aquele livro era de Eusébio, e não de Pânfilo, eu disse no fim que também eu acreditava há vários anos que era de Pânfilo e que tinha tomado emprestado de ti um exemplar deste volume. Vê quanto eu temo as tuas gargalhadas, a tal ponto que até agora eu apresento as mesmas afirmativas. Sobre a base de tua obra, nós recebemos um exemplar como se fosse de Pânfilo. Eu acreditei em um cristão, eu acreditei em um monge: não pensei que tu pudesses imaginar tamanho crime. Mas, em seguida, tendo-se elevado a questão contra Orígenes, por meio da tua tradução, eu diligenciei-me em buscar exemplares e descobri na biblioteca de Cesareia os seis volumes de Eusébio da Apologia de Orígenes. Tendo-os lido, eu encontrei como primeiro livro aquele que tu publicaste isoladamente sob o nome do mártir, tendo sido comutadas, em boa parte, várias blasfêmias em relação ao Filho e ao Espírito Santo. Eu não sei quem é que fez isto, se foi Dídimo, ou tu ou um outro, isto que declaradamente tu estás convencido de ter feito nos livros do Perì Archôn, tanto mais que o próprio Eusébio - como já em dois livros eu mostrei - escreve que Pânfilo não publicou nenhuma obra própria. Dize, pois, tu também a quem tomaste teu exemplar, não me cites, para esquivar-te à acusação, alguns nomes de mortos, de modo que, quando não puderes mostrar o autor, tu apontes alguém que não pode responder. Mas se este riachozinho tem sua fonte em teus escrínios, o que se segue, mesmo que eu me cale, não representa nenhuma dúvida para ti. Porém, supõe que um outro admirador qualquer de Orígenes tenha mudado o título deste livro e do nome do autor: por que traduzes isso para a língua latina? Evidentemente para que, pelo testemunho de um mártir, todos cressem nos escritos de Orígenes, com a muralha erguida de tão grande autoridade e testemunha. Não te basta a apologia de um homem muito sábio, a não ser que escrevas também um volume próprio em sua defesa. Uma vez estes escritos largamente difundidos, doravante com segurança tu traduzes os livros Perì Archôn do grego e recomendas esses livros com um prefácio, dizendo que alguns pontos nesses livros foram adulterados por hereges, os quais corrigiste pela leitura de outros livros de Orígenes. Tu fazes meu elogio para que algum dos meus amigos não contradiga a ti. Tu celebras o arauto de Orígenes; tu elevas aos céus a minha eloquência para afundar minha fé na lama, tu me chamas de irmão e colega e declaras-te o imitador de minha obra. Enquanto tu gabas as setenta homilias de Orígenes traduzidas por mim e alguns dos tomos sobre o Apóstolo, nos quais eu teria polido tudo "de modo que nada neles que destoe da fé católica o leitor latino encontre", agora tu acusas os mesmos livros heréticos e, com o estilete virado, aquele que tinhas celebrado porque consideravas teu associado, tu o acusas, porque enxergas nele um inimigo de tua perfídia. Qual de nós dois é o caluniador do mártir? Eu, que digo que ele não foi herege nem escreveu um livro que é censurado por todos, ou tu, que publicaste um volume de um ariano sob o nome de um mártir com título mudado? Não te basta o escândalo da Grécia a não ser também aquele que trazes aos ouvidos dos latinos e deformas com tua tradução um ilustre mártir, com tudo o que tens. Tu, certamente, agiste com outra intenção, não a de denunciar um mártir, não a de acusar-me, mas a de defender, por nosso intermédio, os escritos de Orígenes. Sabe, porém, que a fé romana, louvada pela voz do Apóstolo, não admite artifícios desta natureza, e que, mesmo se um anjo anunciasse diferentemente do que foi pregado uma vez por todas, a fé sustentada pela autoridade de Paulo não poderia mudar. Portanto, irmão, que o livro tenha sido falsificado por ti, como muitos pensam, ou então por outros, como tu talvez tentas convencer-nos - e levianamente acreditaste que a obra composta de um homem herege fosse de um mártir!, - muda o título e livra a simplicidade romana de tão grande perigo. Não te é útil que por ti um mártir de grande fama seja tido como um herege, de modo que aquele que verteu seu sangue pelo Cristo fosse considerado um adversário da fé do Cristo. Dize tu antes: eu achei um livro, eu presumo que seja de um mártir. Não temas a penitência. Já não te pressionarei, não direi de quem o recebeste. Cita alguém dos mortos, ou então dize que o compraste de um desconhecido na praça pública. Não é a tua condenação, com efeito, que procuramos, mas tua conversão. É melhor que tenhas cometido um erro que um mártir tenha sido herege. Enquanto isso, tira o teu pé como quer que seja do grilhão presente. Tu é que tens que ver, quando do julgamento por vir, o que responder às queixas do mártir contra ti. -- Tu apresentas para ti também as objeções que ninguém fez e dissolves as acusações que ninguém dirige a ninguém. Tu declaras, com efeito, que leste em minhas cartas: "Dize-me quem te permitiu que, na tua tradução, tu tirasses, acrescentasses ou modificasses certas coisas?" Logo tu te dás a resposta e falas contra mim: "E eu te digo: eu te suplico, o que te permitiu que, em teus comentários, tu escrevesses alguma coisa de Orígenes, ou de Apolinário ou de ti mesmo e não totalmente a partir de Orígenes, ou de ti ou de outro? Durante este tempo, é contra ti mesmo que, enquanto fazes outra coisa, tu produziste um agravo extremamente forte, e esqueceste o velho provérbio, de que os mentirosos têm que ter memória. Tu dizes, com efeito, que eu pus em meus comentários textos de Orígenes, de Apolinário, e de mim próprio. Se, pois, os textos são de Apolinário e de Orígenes, aqueles que sob o nome de outros eu mencionei, como em teus livros a mim diriges o agravo que, quando eu escrevo: "Um outro diz isso..., alguém assim conjectura...", que o "outro" seja ele e o "alguém" seja eu? Entre Apolinário e Dídimo, tanto o estilo de exegese quanto a divergência de doutrinas é grande. Quando, em um único capítulo, eu cito diversos pontos de vista, deve-se acreditar que eu adoto sentidos contraditórios? Mas estas questões veremos em outra ocasião. -- Neste momento, eu te pergunto quem te censurou por ter, na obra de Orígenes, suprimido alguns pontos, ou ter acrescentado, ou ter modificado, e ter-te interrogado como se estivesse colocado em um cavalete: são bons ou maus os textos que traduziste? Em vão finges inocência, para enfraquecer por uma pergunta boba a verdadeira questão. Eu não te acusei de ter traduzido Orígenes por tua vontade: eu mesmo, com efeito, o fiz e, antes de mim, Victorino, Hilário e Ambrósio o fizeram; mas porque reforçaste com o testemunho de teu prefácio uma tradução herética. Tu me obrigas a repetir mais uma vez as mesmas coisas e fazer o meu caminho. Tu dizes, com efeito, no mesmo prólogo, que tu cortaste as coisas que tinham sido acrescentadas pelos heréticos e que puseste em seu lugar boas coisas. Se tiraste os maus textos dos hereges, então os que deixaste e os que acrescentaste ou serão de Orígenes ou teus, os quais seguramente citaste como bons. Mas muitas passagens más nestes textos não poderás negar que as há. Tu me dirás: o que eu tenho a ver com isso? Atribui a Orígenes; quanto a mim, com efeito, eu apenas modifiquei as passagens que tinham sido acrescentadas pelos hereges. Expõe as causas por que tu suprimiste as coisas más dos hereges e deixaste intactas as coisas más de Orígenes? Não é evidente que condenaste os maus textos de Orígenes, em parte sob a atribuição dos mesmos aos hereges, e em parte aceitaste, porque julgavas que não eram maus, mas bons e de acordo com a tua fé? Esses textos são aqueles dos quais eu inquiri se eram bons ou maus, aqueles que no teu prefácio louvaste, dos quais, cortadas as piores partes, tu confessaste que ficaram como excelentes. E é assim que eu te dependurei ao cavalete do raciocínio verdadeiro, de modo que, se disseres que são bons, tu te mostras herético, e se maus, tu ouças logo: Por que, pois, tu louvaste em teu prefácio os que são maus? E não acrescentei aquela frase que tu imitas com esperteza: por que traduziste os maus textos para dá-los a conhecer aos latinos? Mostrar os maus textos, com efeito, às vezes, cabe não a quem ensina, mas a quem procura evitá-lo; para deixar o leitor precavido, não para que siga os erros; para que ele despreze as coisas conhecidas que, por vezes desconhecidas, são objeto de admiração. E ousas dizer que eu seja o autor de tais escritos; tu, porém, como tradutor nos quais pudeste corrigir alguma coisa, fizeste mais do que um tradutor; e nos trechos em que não pudeste corrigir, apenas traduziste. Com razão isto dirias se os teus livros Perì Archôn não tivessem um prefaciozinho. "É o que fez também Hilário, ao traduzir suas homilias para que os bons e os maus textos não fossem atribuídos ao tradutor, mas a seu autor." Se não tivesses dito que cortaste as piores passagens e que ficaram as melhores, de um modo ou de outro tu sairias da lama. Isto é o que destrói os artifícios de teu parco talento, e não te permite sair daqui, tu que estás encerrado nele. Não abuses também da simplicidade do leitor e, assim, considera rudes todos os que lerão teus escritos, a tal ponto que não riam ao te verem aplicar emplastros a um corpo são enquanto deixas as feridas apodrecerem. -- A tua posição quanto à ressurreição da carne, já a aprendemos na tua Apologia: "sem amputação de nenhum membro nem corte de nenhuma parte do corpo". Esta é a confissão declarada e pura de tua simplicidade que afirmas que foi aceita por todos os bispos da Itália. Eu creria em tua palavra se este livro, que não é de Pânfilo, não me fizesse duvidar de ti. Entretanto, eu admiro que a Itália aprove o que Roma desprezou, que os bispos tenham aceitado o que a Sé Apostólica condenou. Terceira parte: Esclarecimentos acerca de diversas personalidades no Oriente e no Ocidente -- Tu escreves igualmente que, em minha carta, eu indiquei que o nosso papa Teófilo publicou recentemente uma exposição da fé que até vós ainda não chegou. E tu prometes que segues tudo o que ele escreveu. Eu não sei se escrevi isso nem se alguma vez despachei carta desse tipo. Mas se tu concordas com o que é incerto e com aquilo do qual ignoras o que há de ser, é para afastar o que é certo e para não ser tido por apoiá-los. Eu traduzi mais ou menos, no decorrer dos dois últimos anos, duas de suas epístolas, uma sinódica e outra pascal, contra Orígenes e seus discípulos, e outra contra Apolinário e o próprio Orígenes, e dei-as a ler aos homens de nossa língua para a edificação da Igreja. Uma outra obra dele eu ignoro tê-la traduzido. E, entretanto, tu que dizes seguir em todos os pontos o parecer de nosso papa Teófilo, toma cuidado para que os teus mestres e condiscípulos não ouçam isto, e para que não ofendas o maior número possível que nos chamam, a mim, de ladrão e a ti, de mártir; toma cuidado para que não se enfade contra ti aquele que, despachando cartas para ti contra o papa Epifânio, exortava-te a que permanecesses na verdade da fé, para que não mudasses de opinião sob terror nenhum. Esta carta autógrafa está em poder daqueles aos quais ela foi remetida. E depois disto, tu falas por teu costume e, a respeito daquilo que acima disseras: "Por mim, eu te darei satisfação mesmo se estás em desvario", agora dizes: "O que te parece? Tu tens além disso algum ponto ao qual possas mandar as forças de tua loquacidade?" E tu te indignas se eu te condeno quando falas afetadamente, quando tu, escritor eclesiástico, assumes as obscenidades das comédias e as brincadeiras das prostitutas e dos devassos! -- Em seguida vem a tua pergunta sobre o momento em que eu comecei a seguir o parecer de nosso papa Teófilo e associar-me a ele pela comunhão da fé e tu respondes a ti mesmo: "Eu creio, que seja então quando, com todos os esforços e com todos os zelos, tu defendias Paulo, a quem ele condenara; quando a este induzias a recuperar o sacerdócio, que ele perdera por sentença episcopal, graças a um escrito imperial". Não responderei para defender-me antes de ter falado dos danos causados aos outros. Que humanidade, que piedade é essa de insultar as calamidades dos outros e as feridas alheias a todos mostrar? Assim te ensinou também aquele samaritano a levar à estalagem o homem semimorto, a derramar óleo nas feridas, a prometer ao estalajadeiro seu salário? Assim tu lês que a ovelha foi trazida de volta, a dracma achada, o filho pródigo acolhido? Convenhamos que eu te tenha prejudicado e, com certas pontadas, como dizes, te tenha levado à loucura de teus insultos. O que mereceu um homem que se escondia para desnudar-lhe as cicatrizes e reabrir a pele fechada, com um sofrimento inesperado? Não é verdade que, mesmo se ele fosse digno de opróbrios, tu não deverias fazê-lo? Salvo engano de minha parte, é verdadeiro o comentário que muitos proferem: que tu persegues os inimigos dos origenistas em sua pessoa e aproveitas da ocasião para ser cruel com um e com outro de uma só vez. Se tu te agradas das sentenças de nosso papa Teófilo e consideras sacrilégio que as sentenças pontificais sejam abolidas, o que dizes de todos os outros que ele condenou? O que dizer do papa Anastásio a respeito de quem, como dizes, "a ninguém parece verdade que o bispo de tão importante cidade pudesse causar prejuízo a ti que eras inocente ou ausente"? Nem digo isto porque faço julgamento das sentenças dos bispos, ou desejo rasgar seus decretos, mas porque cada um deve fazer com seu próprio risco o que bem lhe parecer, e que este mesmo saiba como devem ser julgadas as coisas a partir de seu próprio julgamento. É do nosso agrado a hospitalidade no mosteiro, e todos os que até nós chegam recebemos com semblante alegre de humanidade. Nós tememos, com efeito, que Maria, acompanhada de José, não encontre lugar na hospedaria, e que Jesus nos diga, tendo sido repelido: "Eu era um estrangeiro e vós não me recebestes". Os hereges são os únicos que não recebemos, os únicos que vós recebeis. Nós temos, com efeito, por vocação, de lavar os pés dos que vêm, e não discutir os méritos. Lembra-te da sua confissão e do seu peito que os açoites lavraram; recorda-te do cárcere, das trevas, do exílio, das minas de metais; e tu não te indignarás que ao passageiro tenha sido dada a hospitalidade. Por acaso a ti parecemos rebeldes, porque estendemos, aos que têm sede, um copo de água fresca, em nome de Cristo? -- Tu buscas as razões que temos de amá-lo mais e tu de odiá-lo mais? Uma facção de hereges, há pouco tempo rechaçada do Egito e de Alexandria, dirigiu-se a Jerusalém e quis aliar-se a ele, de modo que, tendo eles uma única dor, que uma só acusação se fizesse. Mas a estes ele repeliu, desprezou, rejeitou, dizendo que ele não era o inimigo da fé nem que empreendia guerra contra a Igreja; que suas empresas anteriores deviam ser tidas como de dor, não de traição; nem que ele tenha atacado a inocência de outrem, mas que ele tenha querido a sua própria. Tu consideras ímpio o rescrito imperial depois das sentenças sacerdotais? O que quer que seja, sabe-o aquele que o mereceu. Que impressão tens daqueles que, quando condenados, vêm sitiar o palácio e, formando o grupo uma cunha, perseguem a fé do Cristo na pessoa de um só homem? Da comunhão que nos unia, a mim e ao nosso papa Teófilo, eu não invocarei nenhum outro testemunho senão aquele que presumes que eu tenha prejudicado, e não ignoras as cartas sempre dirigidas a mim, mesmo naquele tempo em que tu impedias que elas me fossem remetidas e, pelos mensageiros enviados cotidianamente, tu repetias que seu inimigo era um amigo nosso e dos mais íntimos, e tu pregavas as mentiras que agora desavergonhadamente escreves, para atiçar contra nós o seu ódio e fazer com que o sofrimento causado pela afronta se transformasse em violência para a minha fé. Mas como homem circunspecto e de sabedoria apostólica, ele demonstrou, com o tempo e as circunstâncias, ao mesmo tempo, o nosso estado de espírito com relação a si e às vossas armadilhas contra nós. Se os meus discípulos, como escreves, em Roma atiçaram a hostilidade e roubaram, enquanto dormias, os papéis que não haviam sido ainda corrigidos, quem fez o nosso papa Teófilo se levantar contra rebeldes no Egito? Quem fez os decretos dos reis? Quem fez o consenso nesta parte do mundo? E tu te glorias de ter sido, desde tua adolescência, ouvinte e discípulo de Teófilo, quando também ele, antes de tornar-se bispo, por uma modéstia inata em si, nunca ensinou, e tu, depois que ele se tornou bispo, não estavas em Alexandria. E ousas dizer para estigmatizar-me: "A meus mestres não acuso nem modifico". Porque se é verdade, tu fazes suspeita para mim tua frequentação. Não, eu não condeno, como me acusas, os que me formaram, mas temo aquilo que disse Isaías: "Ai daqueles que declaram mau o que é bom, e bom o que é mau, que mudam as trevas em luz e a luz em trevas, que declaram amargo o que é doce, e doce o que é amargo". Tu, porém, enquanto bebes igualmente os venenos e os vinhos melados dos mestres, tu te afastaste do mestre Apóstolo que ensina que não se deve seguir nem mesmo um anjo nem a ele mesmo, se eles tiverem cometido algum erro em matéria de fé. -- Em nome de Vigilâncio, eu não sei o que tu sonhas. Onde, com efeito, eu escrevi que ele se maculou pela comunhão com os hereges, em Alexandria? Apresenta o livro, mostra a carta: não encontrarás em nenhuma parte, de nenhum modo, isso. Com a mesma ousadia, ou antes o descaramento com que mentes, com o qual achavas que todos haveriam de acreditar em teus discursos, tu acrescentas: "quando tu citaste contra ele um testemunho das Escrituras de uma forma tão ofensiva que eu não ouso repeti-lo com minha própria boca". Tu não ousas repeti-lo e, calando-te, tu aumentas ainda mais o agravo, e como não tens nada a lançar-me na cara, tu finges discrição, para que o leitor ache que tu poupas a mim, quando, mentindo, tu não poupaste nem à tua alma. Qual testemunho da Escritura é aquele que não pode sair dessa tua boca discretíssima? Ou que de escandaloso pode ser relatado nos Livros Santos? Se tu coras de falar, escreve pelo menos, para que nos convença o próprio discurso da insolência. Para não falar do resto, é apenas neste único capítulo que eu comprovarei que tu possuis a fronte férrea da trapaça. Vê quanto eu temo tua acusação: se tu inventas aquilo de que me ameaças, recairá sobre mim tudo que é teu. Para mim, na pessoa de Vigilâncio, é a ti que respondi. Ele me acusava, com efeito, com os mesmos termos com que tu, depois, tanto louvas, como amigo, quanto acusas, como inimigo. Eu sei quem atiçou sua raiva contra mim, eu conheço os teus túneis subterrâneos, não ignoro a tua candura que todos proclamam: por causa da tolice dele, a tua maldade arrebatou-se contra mim. Se eu o repeli com a minha carta, para que não pareças ser o único a ter o cajado das letras, tu não deves dissimular a torpeza dos termos, a qual não leste absolutamente em parte alguma, mas deves compreender e reconhecer que é por sua estupidez que houve resposta a tuas calúnias. -- Na epístola de nosso santo papa Anastásio, tu te mostraste inconstante; e na tua agitação, tu não encontras nada em que possas fincar o pé. Com efeito, ora dizes que eu a compus, ora que ela devia ter sido entregue a ti por aquele a quem ela foi enviada. De novo denuncias a injustiça daquele que escreve. Aliás, que a epístola tenha sido escrita por ele ou que ela não tenha sido, tu atestas que não te cabe em nada, porque tens o testemunho de seu predecessor e que, por amor de tua cidadezinha fortificada, tu desprezaste o pedido de Roma de que tu a honrasses pelo brilho de tua presença. Se tu suspeitas que esta carta tenha sido forjada por mim, por que não a procuras no arquivo da igreja romana, para que, assim que descobrires que ela não foi enviada pelo bispo, com toda evidência tenhas o culpado do crime, e de nenhum modo tu me oponhas teiazinhas de aranhas, mas me encerres em uma rede de enorme força e solidez. Se, entretanto, ela é do bispo romano, é tolice o que fazes, de pedir dele um exemplar a quem ela foi enviada, e não de quem a enviou, esperar do Oriente o testemunho do qual tens, na tua proximidade, o autor e a testemunha. Vai antes a Roma e, pessoalmente junto dele, pede satisfação do motivo pelo qual a ti, ausente e inocente, ele tenha feito esta afronta: primeiro, porque não admitiu a exposição da tua fé, que, como escreves, toda a Itália ratificou, e não quis servir-se do cajado da tua carta contra os cães lançados após ti; em seguida, para enviar-te epístolas ao Oriente contra ti, para queimar-te, enquanto não sabes, como cautério da heresia, e dizer que, se os livros de Orígenes Perì Archôn foram por ti traduzidos e entregues à plebe simples da igreja romana, era para que perdessem a verdade da fé que eles aprenderam do Apóstolo, e depois, para que suscitasse contra ti a maior hostilidade, tenham ousado incriminar estes mesmos livros reforçados pelo testemunho de teu prefácio. Não é leve a acusação que te lança o pontífice de tão grandiosa cidade, ou então ele levou em consideração levianamente a acusação que outro introduziu. Vocifera e proclama nas encruzilhadas e nas praças: não é, não é meu livro! E se são meus os papéis não corrigidos, Eusébio retirou-os às escondidas. E de outro modo que eu os publiquei ou antes não os publiquei. A uma só pessoa os dei, ou pelo menos a muito poucas pessoas; foi tão celerado o inimigo e os amigos, tão negligentes, que os códices de todos foram igualmente falsificados. Eis o que deverias ter feito em vez de lhe virar as costas e dirigir-me, além dos mares, as flechas de teus insultos. Em que é útil, pois, às tuas feridas se eu tiver sido ferido? É um consolo do ferido ver um amigo consigo morrendo? -- Tu levas adiante a epístola de Sirício, que já dorme no Senhor, e tu desprezas o que diz Anastásio, que está vivo. O que pode, com efeito, causar-te estorvo, como dizes, que, sem que saibas, ele tenha escrito ou, por acaso, não tenha escrito? Mesmo se ele escreveu, o testemunho do mundo inteiro te basta que "a ninguém parece verdade que o sacerdote de tão grande cidade tenha podido causar prejuízo a um inocente ou a um ausente". Tu te declaras inocente, a ti cuja tradução fez Roma tremer; ausente, quando acusado, não ousas responder. E tu foges a tal ponto ao julgamento da cidade de Roma que preferes enfrentar o assédio bárbaro à sentença de uma cidade em paz. Admitamos que eu tenha forjado a carta do ano passado. Quem enviou ao Oriente os escritos recentes, nos quais o papa Anastásio te adorna com tantas flores que, quando os tiveres lido, tu começarás a querer mais defender-te que acusar-nos? E considera, ao mesmo tempo, aquela tua inimitável sagacidade e os sais áticos, e a graça de uma linguagem santa. Tu és atacado por uns, és trespassado pela acusação de outros e contra mim tu te inchas furioso e falas: "Porventura também eu não posso contar como tu deixaste Roma, que julgamento foi feito de ti naquele momento, o que foi escrito em seguida, o que juraste, aonde embarcaste, quão escrupulosamente tu evitaste o perjúrio? Eu poderia revelá-lo, mas decidi guardar mais segredos do que relatar". Estes são os adornos de tuas palavras. E depois disto, se eu disser contra ti algo de áspero, logo ameaças a mim a citação na justiça e as espadas. E durante aquele tempo, como homem de grande eloquência, tu brincas com a arte retórica, tu finges passar em silêncio o que dizes, de modo que tu tornes criminoso aquilo que, como se esquecido, censuras a mim sem poder dar provas. Esta é toda a tua simplicidade, assim poupas a um amigo; e tu te reservas aos tribunais dos juízes, de modo que, enquanto a mim poupas, tu lanças uma grande quantidade de acusações contra mim. -- Queres saber com detalhes a ordem da minha partida da cidade? Eu os contarei sucintamente. Era o mês de agosto, quando sopravam os ventos etésios. Eu embarquei tranquilamente no porto de Roma com o santo presbítero Vicêncio, meu jovem irmão, e outros monges que agora residem em Jerusalém, com uma enorme multidão de fiéis acompanhando-nos. Cheguei a Régio, parei um momento na praia de Scylla, onde me instruí a respeito das fábulas antigas, e o périplo perigoso do traiçoeiro Ulisses e os cantos das sereias e a voragem insaciável de Caribdes. E como os habitantes daquele lugar narravam muitas coisas e davam-me conselho de navegar, não para as colunas de Proteu, mas ao porto de Jonas - aquele caminho, com efeito, era o dos que fugiam e dos que estavam em dificuldade, este era o do homem tranquilo, - preferi ganhar Chipre por Málea e as Ilhas Cíclades. Eu fui recebido aí pelo Venerável bispo Epifânio, de cujo testemunho tu te prevaleces. Cheguei a Antioquia, onde desfrutei da comunhão com o pontífice e confessor Paulino. Ele me reconduziu sobre a estrada de Jerusalém, onde entrei em pleno inverno e com um frio muito rigoroso. Vi muitas maravilhas e o que, em primeiro lugar, me fora contado pelo rumor público, eu pude comprovar, julgando com os olhos. Daí tomei o rumo do Egito, contornei os mosteiros de Nítria e avistei as áspides se escondendo entre os coros dos santos. Retornei logo com passo rápido à minha cara Belém, onde adorei o presépio e o berço do Salvador. Vi também o famosíssimo lago, e não me entreguei a uma mole ociosidade, mas aprendi muitas coisas que antes não sabia. Quanto ao julgamento feito sobre mim em Roma e ao que foi, em seguida, escrito, não quero que o cales, sobretudo porque tens testemunho escrito, e que, de minha parte, não é por tuas palavras - tu as podes disfarçar e jactar-se de uma mentira impune, - mas por escritos eclesiásticos que eu devo ser censurado. Vê quanto eu te temo: se produzes uma pequena página do bispo de Roma ou de uma outra igreja contra mim, tudo que contra ti foi escrito eu reconhecerei como minha culpa. Por acaso eu não poderia pôr em questão tua partida, que idade tinhas, de onde partiste, por quanto tempo navegaste, onde viveste, as pessoas com quem conviveste? Mas longe de mim fazer o que em ti eu censuro e forjar elucubrações semelhantes à discussão de mulheres velhas quando se trata de uma questão eclesiástica. Que baste ter dito à tua prudência apenas isto: que tu cuides em não dizer a outrem tudo o que pode logo retornar contra ti. -- Admirável a tua escapatória em nome de santo Epifânio, de modo que, depois do beijo, depois das palavras rituais, tu negas que ele teria podido escrever contra ti! Como se afirmasse que não teria podido morrer aquele que, pouco antes, estava em vida, ou que a censura de que foste o objeto seja mais certa que tua excomunhão depois da paz concluída! "Saíram de nós, ele diz, mas não foram dos nossos; se fossem, com efeito, dos nossos, eles teriam seguramente permanecido conosco." O apóstolo preceitua que se deve evitar o herético após uma e outra advertência, que, seguramente, antes que seja evitado e condenado, ele fazia parte do rebanho da Igreja. E ao mesmo tempo eu não posso conter o riso, porque avisado por alguém prudente, tu retumbas em louvores de Epifânio: este é aquele velho tresloucado, este antropomorfita, este que cantou, em tua presença, os seis mil livros de Orígenes; que, nas línguas de todas as nações, ele crê que a pregação contra Orígenes lhe seja obrigatória, que, por causa disto, proíbe que ele seja lido para que os outros não percebam seus furtos! Lê os teus escritos e a epístola dele ou, antes, as epístolas das quais eu vou citar uma passagem que testemunhe sua fé, para que não pareça agora que por ti foi louvado sem merecimento: "A ti, irmão, que Deus te livre - assim como o santo povo do Cristo que te foi confiado e todos os irmãos que estão contigo e sobretudo o presbítero Rufino, da heresia de Orígenes e de outras heresias e da perdição delas. Se, com efeito, por uma palavra ou duas que são contrárias à fé, muitas heresias foram rejeitadas pela Igreja, quanto mais será tido entre os hereges aquele que tantas perversidades e tão más doutrinas inventou contra a fé, ele se mostrou o inimigo de Deus e da Igreja!" Tal é o testemunho que o santo homem dá de ti. Assim, adornado por ele, eis por quais elogios tu te apresentas! Esta é a epístola que do quarto do irmão Eusébio fizeste sair a preço de ouro, para caluniar seu tradutor, por me pegar em flagrante delito de ter colocado em minha tradução "caríssimo" em vez de "venerável". Mas que importa para ti que conduzes todas as coisas com circunspecção e guardas tão bem o caminho médio que, se tu encontras pessoas que em ti acreditem, nem Anastásio nem Epifânio contra ti teriam escrito. Se suas cartas não reclamassem e abrandassem a audácia da tua fronte, tu terias logo desprezado o julgamento de um e de outro e não te importarias que eles tivessem escrito ou que eles não tivessem escrito, porque não teriam podido escrever sobre um inocente ou um ausente. Não devem ser atribuídas a um homem santo estas maldades, de modo que ele seja apresentado como "tendo dado a paz, pelo menos pela boca e pelo beijo, e ter guardado, porém, em seu coração as maldades ea falsidade". Assim, pois, argumentas e estas são as palavras de tua defesa. Que a carta dirigida contra ti seja dele, não apenas o mundo inteiro o reconhece, mas nós nos convencemos de que a epístola original chegou às tuas mãos. Eu me espanto de te ver negar com que pudor, ou melhor, com que impudicícia, aquilo que não duvidas que seja verdadeiro. Epifânio será, portanto, sujo, ele que te deu a paz e conservou as maldades no coração? Por que não seria mais verdadeiro que a ti primeiro tenha advertido, que tenha querido corrigir e colocar-te no reto caminho e não rejeitar o ósculo de Judas, para que, pela paciência, ele quebrantasse um traidor de sua fé? E depois de ter percebido que ele suava por um vão esforço e que "o leopardo não muda de manchas nem o etíope a sua pele", ele mostrou pela carta aquilo que na mente concebera? -- Tu te entregas também ao mesmo gênero de discussão contra o nosso papa Anastásio, de sorte que, porque deténs uma epístola do bispo Sirício, este não pôde escrever contra ti. Tu suspeitas, eu o temo, que algum dano te tenha sido feito. Eu não sei como tu, homem tão penetrante e sensato, podes entregar-te a essas insanidades, a ponto de, tomando teus leitores como tolos, é tua própria tolice que tu manifestas. Depois de uma argumentação notável, citas em tua conclusão: "Longe esteja dos homens santos este comportamento. Da vossa escola costumam estas coisas provir. Vós nos destes a paz quando de nossa partida, e lançastes nas nossas costas dardos armados com venenos". Ainda nisso, a mesma sabedoria, ou antes, a declamação, porque quiseste ser eloquente. Nós te demos a paz, não admitimos a heresia; nós nos apertamos as mãos, nós vos acompanhamos quando de vossa partida para que vós fôsseis católicos e não para que nós não fôssemos hereges. Quero, entretanto, saber quais são aqueles dardos envenenados que tu te queixas que nós teríamos lançado em vossas costas: seriam os presbíteros Vincêncio, Pauliniano, Eusébio, Rufino? Destes, Vincêncio chegou a Roma muito tempo antes de vós, Pauliniano e Eusébio partiram um ano depois de nossa viagem marítima, Rufino foi enviado dois anos após, na ocasião do processo de Cláudio, todos foram a Roma ou por questões familiares ou para acudir a outrem cuja cabeça corria perigo. Nós podíamos, porventura, quando de tua entrada em Roma, saber que um nobre personagem estava sonhando que um navio cheio de mercadorias entrava com velas enfunadas? Que uma explicação não tola pudesse resolver todos os problemas em relação ao Fatum? Que traduzirias o livro de Eusébio como se fosse de Pânfilo? Que tu colocarias a tua espécie de tampa sobre um prato envenenado? Que tu traduzirias a famosíssima obra Perì Archôn com o acréscimo da majestade de teu estilo? Um novo gênero de calúnia: nós teríamos mandado os acusadores antes que cometesses as ações a serem acusadas! Não foi, não foi, eu digo, deliberação nossa, mas da Providência de Deus, que, enviados a outra missão, eles lutavam contra uma heresia nascente e, ao modo de José, aliviavam, pelo ardor de sua fé, uma fome que haveria de vir. Quarta parte: retorno a diversos agravos -- Para onde não leva a audácia uma vez desenfreada? Ele lançou contra si a acusação feita aos outros de modo a dar a entender que nós a tenhamos inventado. Aquilo que foi dito sem nomear ninguém, ele menciona ter sido dito para ele, e, lavando-se de pecados que lhe são estranhos, ele está seguro apenas de sua inocência. Ele jura, com efeito, que não escreveu uma epístola aos africanos sob meu nome, na qual eu confessaria ter sido induzido pelos judeus a traduzir mentiras, e ele envia os livros que contêm tudo isto de que ele jura que nada sabia. E eu me surpreendo como sua sagacidade tenha concordado com a perversidade do outro a ponto de afirmar, em concórdia, como verdade as mentiras que um outro disse na África; e a elegância de seu estilo, eu ignoro qual é o incompetente que possa imitá-la. A ti apenas cabe traduzir os venenos dos hereges e dar a beber a todas as nações do cálice de Babilônia. Tu corrigirás os textos latinos a partir do grego e tu entregas às Igrejas para ler outra coisa que aquilo que elas receberam uma vez dos apóstolos; quanto a mim, eu não tenho o direito, depois da versão dos Setenta, que eu dei, há vários anos, às pessoas da minha língua, uma versão muito cuidadosamente corrigida, de verter também, para confundir os judeus, os mesmos exemplares que eles declaram absolutamente autênticos, a fim de que, se alguma vez os cristãos têm contra eles algo a discutir, eles não tenham desvios para se esquivarem, mas que sejam golpeados com a ponta da sua própria espada? Eu me lembro de ter escrito mais extensamente sobre isto em muitos outros lugares e no fim do segundo livro, onde respondi à tua acusação, e embarguei ostensivamente a tua demagogia, pela qual tu te esforças para suscitar contra mim a hostilidade junto aos simples e ignorantes, e eu penso que é para aí que é preciso transportar o leitor. -- Este ponto não deixarei passar ileso: não te queixes de que o falsificador dos teus papéis usufrui junto a mim da glória de um confessor, quando tu, que és culpado do mesmo crime, após o exílio alexandrino e as prisões obscuras, és chamado de mártir e apóstolo por todos os seguidores de Orígenes! Quanto ao que se refere à tua incapacidade, já te respondi. Mas, visto que repetes os mesmos pontos e, como que esquecido da tua apologia anterior, tu nos fazes lembrar para que saibamos que tu, tendo devorado por trinta anos as obras gregas, não conheces as obras latinas, presta atenção um instante que eu não critico em ti poucas palavras - sem o que todo o teu texto há de ser destruído, - mas que eu quis mostrar a teus discípulos, os quais instruíste com grande cuidado a nada saber, para que entendessem de qual modéstia seja ensinar o que não sabes, escrever o que ignoras, e para que buscassem igualmente no conteúdo a mesma sabedoria do mestre. Em seguida, acrescentas: "o que cheira mal são os pecados, não as palavras, mentira, calúnia, difamação, falso testemunho e todas as invectivas, e 'a boca que mente mata a alma'". E tu me advertes que este fedor pode me penetrar as narinas. Eu acreditaria em ti que dizes, se eu não constatasse fatos contrários: como se o pisoeiro e o curtidor de peles avisassem ao perfumista que passe pelas suas lojas com narizes tapados! Eu farei, pois, o que recomendas: taparei minhas narinas para que não sejam torturadas pelo suavíssimo odor das tuas bênçãos e franqueza. -- Em meu louvor e em minha difamação, porque tu te mostras inconstante, tu argumentaste com admirável penetração que assim tinhas o direito de dizer ao mesmo tempo bem e mal de mim, como eu tinha o direito de censurar Orígenes e Dídimo que eu havia louvado antes. Escuta, pois, ó varão sapientíssimo e chefe dos dialéticos romanos, que não há erro em louvar um homem em alguns pontos e acusá-lo em outros, mas aprovar e reprovar ao mesmo tempo a mesma coisa. Darei um exemplo para que o que não compreendes o leitor atento entenda contigo. Em Tertuliano, louvamos o talento, mas condenamos a heresia. Em Orígenes, admiramos a ciência das Escrituras e, entretanto, não aceitamos a falsidade das doutrinas. Quanto a Dídimo, nós celebramos ao mesmo tempo a memória e a pureza da fé a respeito da Trindade, mas, em outros pontos que ele, sem razão, acreditou em Orígenes, nós nos afastamos dele. Dos mestres, é preciso que se imitem não os vícios, mas as virtudes. Alguém teve em Roma um mestre de gramática africano, homem de grande saber, e considerava-se um rival do professor só pelo fato de reproduzir sua voz estridente e os defeitos de pronúncia. No prefaciozinho do Perì Archôn, chamas-me irmão e colega, tu me declaras eloquentíssimo e celebras a autenticidade da minha fé. A estes três pontos não poderás subtrair-te. Quanto ao resto, rasga como te agradar, para que não pareça que tu resistes ao teu testemunho a meu respeito. Quando tu me declaras irmão e colega, tu me reconheces digno de tua amizade; quando celebras minha eloquência, não denuncias mais minha incapacidade; quando professas que sou católico em todos os aspectos, tu não poderás impingir-me o agravo de heresia. Fora destes três pontos, se há algo que em mim censures, não parecerá que tu te contradizes. O resultado que nasce daquele cômputo, por um lado, é que tu erras ao censurar em mim aquilo que primeiramente louvaras e, por outro lado, eu não estou em falta se, nas mesmas pessoas, ao mesmo tempo eu celebre o que é preciso louvar e censure o que é preciso repreender. -- Tu passas à condição das almas e exprobas abundantemente as fumaças que me circundam; e para que te seja permitido ignorar o que expressamente tu dissimulas que sabes, tu perguntas a mim primeiramente sobre as realidades celestes, como são os anjos, como são os arcanjos? Qual é a habitação deles e de que espécie? Que diferença há entre eles, ou se não há nenhuma absolutamente? Qual é o andamento regular do sol? Donde vem a alternância das fases da lua? De onde vêm os eclipses? Qual é o curso dos astros e de que natureza? Eu me admiro como tenhas esquecido de citar os famosos versos: De onde vem o tremor de terra, por qual força os mares profundos se enfurecem, uma vez rompidos os diques, novamente eles se detêm em si mesmos; os eclipses variados do sol e as fases da lua. De onde vem a raça dos homens e dos gados, de onde vêm a chuva e relâmpagos, o Arcturo e as pluviosas Híadas e as duas Ursas? Por que os sóis de inverno tanto se apressam em molhar-se no Oceano, e que demora obsta que as noites lentas venham? Depois, deixando as alturas celestes e descendo às coisas terrestres, eis que filosofas sobre assuntos de menor importância. Tu me perguntas, com efeito: "Diga-nos qual o regime das fontes e qual o dos ventos; para que servem o granizo, para que a chuva, por que o mar é salgado, por que os rios são doces; por que as nuvens ou as chuvas, relâmpagos e trovões ou raios", de tal modo que, depois que eu tiver respondido que estas coisas não sei, com segurança te seja lícito ser desconhecedor das questões da alma, e pões em paralelo a ignorância de tantos assuntos com a ciência de uma única coisa. Tu que, a cada página, dispersas as fumaças que me rodeiam, não entendes que nós vemos tuas cerrações e tempestades? Na verdade, para que pareças ser para ti mesmo um semissábio, e para gozar da glória ligada à doutrina junto aos discípulos calpurnianos, tu me pões como pretexto a física, de modo que em vão Sócrates teria dito passando à Ética: "O que está acima de nós nada nos diz respeito". Eis que, portanto, a ti darei razão pelos fatos seguintes: Por que a formiga, pequeno animal e puntiforme, por assim dizer, tem seis patas, quando o elefante, de grande porte, anda com quatro patas; por que as serpentes e as cobras se escorregam com o ventre e o peito, quando o vermezinho que vulgarmente é conhecido como centopeia pulula com um batalhão de pés? Da condição das almas não poderei saber? Tu me perguntas qual é a minha posição a respeito das almas, para que, quando eu a tiver pronunciado, tu me ataques logo e, se eu tiver dito esta resposta da Igreja: "A cada dia Deus cria almas e as envia aos corpos dos que nascem", tu me estenderás logo uma armadilha de professor: "E onde está a justiça de Deus, que prodigaliza almas aos que nascem do adultério e do incesto? Assim ele coopera com os maus homens e, enquanto os adúlteros geram os corpos, ele forjará as almas? Como se o defeito da semeadura estivesse no grão que por furto se diz ter sido retirado e não naquele que roubou o trigo, e se a terra não devesse aquecer em seu seio as sementes porque o semeador as teria lançado com uma mão sórdida! Daí vem aquela tua misteriosa questão sobre a morte dos recém-nascidos, quando é por causa dos pecados que eles tomaram corpos. Existe um livro de Dídimo a ti dedicado, pelo qual ele responde à tua indagação que eles cometeram muitos pecados e, por isso, a eles basta apenas ter tocado em suas prisões corporais. Meu mestre e o teu, naquele tempo em que tu indagavas dele estas coisas, ele ditou para mim três livros de comentários para o profeta Oseias, a meu pedido. Eis o que faz daí aparecer o que ele ensinou a mim e o que a ti. -- Tu me pressionas a que eu responda a respeito da natureza das coisas. Se fosse esse o lugar, eu poderia dizer-te as opiniões de Lucrécio conforme Epicuro, ou de Aristóteles conforme os peripatéticos, ou de Platão e de Zenão segundo os acadêmicos e os estoicos. E para passar à Igreja, onde há o critério da verdade, muitos dados nos sugerem sobre problemas deste tipo, tanto o Gênesis e os livros dos Profetas e o Eclesiastes. Ou se ignoramos como estas coisas se dão e o que diz respeito à condição das almas, tu deverias ter confessado em tua apologia tua ignorância de todas as coisas e perguntar a teus caluniadores por que reivindicavam desavergonhadamente de ti uma só resposta, quando estes tantas coisas ignoravam. Ó riquíssima trirreme, que tinha vindo enriquecer a pobreza da cidade romana com produtos do Oriente e do Egito! - Tu és aquele famoso Máximo, o único que, escrevendo, nos restabeleces nossos negócios. Assim, se não tivesses vindo do Oriente, um personagem muito culto estaria detido ainda entre os astrólogos, e todos os cristãos não saberiam o que dizer sobre o Fatum? Com razão fazes-me perguntas sobre astrologia e a marcha do céu e dos astros, tu que trouxeste um navio cheio de tantas mercadorias! Eu confesso minha pobreza, não me enriqueci assim como tu no Oriente. Faros, por muito tempo, instruiu-te daquilo que Roma não sabia, o Egito forneceu aquilo que a Itália não teve até este ponto. -- Tu escreves que há entre os autores eclesiásticos três pontos de vista a respeito das almas: um, seguido por Orígenes; outro, por Tertuliano e Lactâncio, conquanto que a respeito de Lactâncio tu mintas descaradamente; o terceiro que nós, homens simples e limitados, que não entendemos que, neste caso, nós acusamos a Deus de injustiça. E depois disto, juras ignorar o que é verdadeiro. Dize, eu te suplico: tu crês que fora destes três pontos de vista há algo em que se encontre a verdade, e nesses três uma mentira, ou dos três pontos de vista um que seja verdadeiro? Se há um outro, por que encerras em limites estreitos a liberdade dos que discutem e, alegando mentiras, por que te calas sobre a verdade? Se, pelo contrário, dos três, um é verdadeiro e os dois restantes, falsos, por que com igual ignorância tu prestas honra aos falsos junto com os verdadeiros? Ou então dissimulas o verdadeiro, para que a ti seja seguro, quando quiseres, defender os falsos pontos de vista? Estas são as fumaças, estas são as cerrações com as quais tu tentas tirar a luz aos olhos dos homens. Aristipo de nosso tempo, que um navio cheio de todas as mercadorias trazes ao porto romano e, tua cátedra publicamente colocada, tu representas o Hermágoras e o Górgias de Leôncio, em tua pressa em te lançar ao mar - um único probleminha - esqueceste no Oriente uma mercadoria. E novamente vociferas e te gabas de ter aprendido em Aquileia e Alexandria que Deus é o criador tanto das almas quanto dos corpos. A questão que se discute a este respeito é, sem dúvida, se foi Deus ou o diabo que fez as almas, e não se as almas preexistiram aos corpos, como quer Orígenes, e tenham feito algo em razão de que elas foram ligadas a corpos grosseiros, ou, ao modo de arganazes, elas dormiam entorpecidas e caídas em sono profundo! Tu calas sobre o que todos solicitam, e respondes àquelas questões que ninguém levanta. -- Tu escarneces igualmente com insistência as fumaças que me cercam pela razão de que eu finja saber o que não sei e seduza a multidão inculta pela enumeração de homens doutos. Tu, certamente, és todo chama, ou antes raio, que quando falas tu fulminas, e as chamas que se formam em tua boca, tu não as podes segurar; e como aquele Bar-Kokhba, instigador de uma sublevação dos judeus, ele avivava com seu hálito uma palha acesa na boca para que pensassem que ele vomitava chamas, assim tu és para nós outro Salmoneu, tu iluminas para nós todos os lugares por onde passas, e tu nos acusas de ser fazedores de fumaça, de quem talvez se diga: "Tu que tocas as montanhas e elas fumegam"; e tu não compreendes o que significa no profeta a fumaça dos gafanhotos, nem que a beleza de teus olhos não possa suportar o amargo de nossa fumaça. -- Sobre o crime de perjúrio, porém, visto que me remetes a tua obra e, em larga medida, eu te respondi em outros livros, a ti e a Calpúrnio, que baste dizer agora que tu exiges de um homem que dorme o que nunca realizaste em estado de vigília. Sou culpado de um grande crime, se eu disse a uma jovem e a uma virgem de Cristo que as obras profanas não fossem lidas, e se em seguida a uma advertência recebida em sonho eu prometera que não leria. Teu navio apresentado por revelação à cidade romana promete uma coisa e cumpre outra. Ele tinha vindo resolver o problema dos astrólogos e dissolveu a fé dos cristãos. Aquele que tinha corrido de velas enfunadas pelo Jônio e Egeu, Adriático e Tirreno, no porto romano naufragou. Não tens vergonha de buscar divagações desse tipo e a mim impor a necessidade de censurar-te semelhantes coisas? Que seja então! Um outro tinha visto em sonho a teu respeito uma visão gloriosa; teria sido prova de tua modéstia e sabedoria ser discreto quanto ao que ouviras, e não vangloriar-te do sonho do outro como se fosse um grande testemunho. Vê a diferença que há entre o teu e o meu sonho: eu relato humildemente que fui repreendido, tu, com jactância redobrada, ter sido louvado. Não podes dizer: a visão que outro teve é-me indiferente, porque dizes em teus livros elegantíssimos que a razão que te levou a traduzir é o medo de que um varão ilustre a teu respeito tivesse um sonho de ruína. Estes são todos os teus esforços: se me convences de perjúrio, tu não serás herege. -- Eu chego ao agravo mais grave, no qual, depois do restabelecimento de nossas amizades, ele me acusa de deslealdade. Eu o confesso, entre todos os insultos que ele me lança ou de que me ameaça, nada há assim que por mim se deva repelir tanto quanto a fraude, a astúcia, a infidelidade. Pecar, com efeito, é humano, oferecer armadilhas é diabólico. Se, pois, apertamos as mãos na igreja da Ressurreição, na imolação do cordeiro, era para que roubássemos teus papéis em Roma, para que os cães mandados roessem teus papeizinhos não corrigidos? Pode-se acreditar que nós nos tenhamos preparado como acusadores antes que cometesses o crime? Sem dúvida, sabíamos o que revolvias em tua cabeça, o que um outro havia de sonhar a teu respeito, para que se cumprisse em ti o provérbio grego e que um porco instruísse Minerva! Se eu mandei a ladrar Eusébio, quem provocou a ira de outros e a de Atárbio contra ti? Não é este que também a mim julgava herético, pelo fato de tuas amizades? Ora, enquanto eu lhe dava satisfação condenando as teses de Orígenes, tu, trancado em casa, nunca ousaste vê-lo, com receio ou de condenar o que não querias, ou, abertamente resistindo-lhe, não suportares o ódio à heresia. Ou então ele não poderá ser uma testemunha contra ti, porque é teu acusador? Antes que santo Epifânio viesse a Jerusalém e "te desse a paz, pelo menos oralmente e com um beijo, porém, guardava em seu coração maldades e falsidade"; antes que compuséssemos cartas para ele para estigmatizar-te, a fim de que, por escrito, ele designasse o herege de quem garantira por beijos a ortodoxia, Atárbio ladrava contra ti em Jerusalém, e se ele não tivesse se retirado, ele teria sentido o cajado, não da tua carta, mas o da tua mão direita, com a qual te acostumaste a afugentar os cães. Quinta parte: Justificação da réplica de Jerônimo à tradução rufiniana do Perì Archôn -- "Por que, ele diz, aceitaste meus papéis falsificados? Por que, depois da minha tradução, ousaste meter a tua pena nos livros do Perì Archôn? Ou, se eu tinha errado como homem, tu devias chamar-me a atenção com cartas particulares e assim ter comigo a mesma delicadeza que eu tenho para ti em minhas cartas." Toda esta minha culpa se deve ao fato de que, uma vez acusado com elogios pérfidos, eu quis lavar-me deles, e isso sem rancor a teu nome, a fim de que, as acusações de que tu eras o único a ter formulado, tu as imputasse a muitos, não te exprobando a heresia, mas repelindo-a de mim. Sabia eu porventura que tu te enfadarias se eu escrevesse contra os hereges? Tu tinhas declarado que tinhas retirado dos livros de Orígenes as passagens heréticas. Eu já não acreditava que tu fosses um fautor dos hereges, e, por isso, não foi contra ti, mas contra os hereges que eu lancei ataque. Se eu fui, nesse empreendimento, mais contundente do que deveria, perdoa-me; eu pensei que a ti também eu agradava. Tu dizes que teus papéis tornaram-se públicos por furto e armadilhas de meus ajudantes, papéis que estavam guardados em teu quarto, ou se encontravam em casa da única pessoa que te havia incumbido de executar para ele o serviço. E como confessas acima que "ou ninguém as tinha, ou bem poucos"? Se estavam guardados em teu quarto, por qual motivo foram encontrados junto a quem incumbira que o serviço lhe fosse feito? Se, ao contrário, a única pessoa para a qual foram escritos os havia recebido para ocultá-los, não estavam guardados, pois, em teu quarto somente, nem os possuíam poucas pessoas que tu atestaste que os tinham. Tu acusas terem sido roubados, e denuncias que foram novamente comprados com muito dinheiro e com uma infinidade de bens. Sobre um só ponto e em uma pequena carta, quanta variedade e incoerência na mentira! A ti cabe acusar, a mim não cabe defender-me? Quando me acusas, tu não pensas no amigo; quando eu respondo, então te vem à mente o direito da amizade. Diz, eu te peço: tu tinhas escrito os papéis para guardá-los ou para publicá-los? Se era para guardar, por que escreveste? Se era para publicar, por que os guardavas? -- Mas neste ponto é que sou alvo de censuras: porque eu não detive os teus acusadores, meus amigos. Queres que eu te apresente a carta deles nas quais acusam-me de hipocrisia porque, sabendo-te herege, eu me calei, porque, enquanto ofereço incautamente a paz, eu introduzi as guerras intestinas da Igreja. Tu chamas de discípulos aqueles que suspeitam que sou teu condiscípulo. E porque fui mais moderado ao repelir teus elogios, sou tido como teu companheiro de iniciação. O prólogo serviu-me para isto: que tu, como amigo, tu me prejudicavas mais que como inimigo. Eles se convenceram uma vez por todas - com razão ou erradamente, que eles o vejam - que és um herege. Se eu quiser te defender, a única utilidade que isto terá é que eu e tu partilharemos a mesma acusação. Finalmente eles me objetam o teu panegírico e não consideram que tu escreveste perfidamente, mas com sinceridade; e incriminam com veemência aquilo que tu antes elogiavas em mim. Que queres que eu faça? Que eu tenha a teu favor meus discípulos como acusadores? Que eu receba em meu peito os dardos lançados contra o amigo? -- Quanto aos livros do Perì Archôn, porém, tu deves também a mim agradecer. Tu, pois, como dizes, cortando tudo o que era danoso, tu citaste um texto melhor. Quanto a mim, eu expressei exatamente o que o texto grego continha. Eis o que faz aparecer qual é a tua fé, e a heresia daquele que traduziste. De Roma, pessoas eminentes em Cristo escreviam-me: responde a quem te acusa, para que não pareças consentir se calares. Com voz unânime, todos exigiam que eu revelasse as malícias de Orígenes, que eu mostrasse que os venenos dos hereges deviam ser evitados pelos ouvidos romanos. O que isto pode trazer-te de ofensivo? Acaso foste o único a traduzir estes livros e não tens outro que partilhe desta obra? Acaso fazes parte do grupo dos Setenta tradutores que, depois da tua edição, a outros não seja lícito traduzir? Eis que eu também traduzi muitos, como dizes, livretos do grego para o latim: tu tens a possibilidade novamente de os traduzir, se quiseres. Com efeito, os bons e os maus textos ao seu autor é que são imputados. E o que aconteceria com relação a ti, se não dissesses que cortaste as passagens heréticas e traduziste as passagens excelentes? Este é teu nó que não pode ser desfeito. Ou, se erraste como homem, condena tua posição anterior. -- Mas o que farás da apologia tua que escreveste em favor das obras de Orígenes? O que farás da obra de Eusébio em que, apesar de teres mudado muitos aspectos e teres traduzido os escritos de um herege sob o nome de um mártir, tu acrescentaste, porém, vários aspectos que não estão de acordo com a fé da Igreja? Tu até traduzes livros latinos para o grego, tu nos proibirás a dar a nossos compatriotas textos estrangeiros? Se eu te tivesse respondido, em outra obra na qual tu não me tivesses prejudicado, poderia parecer que, para causar-te dano, é que eu traduzia o que já havias traduzido, para manifestar tua incompetência e perfídia. Agora, na verdade, - nova espécie de queixa! - tu te queixas de que te tenham respondido no próprio assunto em que tu me acusaste. Dizia-se que Roma estava revirada com tua tradução, todos solicitavam-me um remédio para esta situação - não pelo fato de que eu tivesse alguma importância, mas aqueles que o pediam julgavam que eu era esse alguém. Tu eras um amigo, que traduziras estes textos. Que queres que eu faça? "Deve-se obedecer antes a Deus ou aos homens"? Proteger os bens de seu senhor ou ocultar o furto de um colega de serviço? De outra maneira, não te acalmarei senão se eu tiver, juntamente contigo, também cometido ações condenáveis? Se não tivesses feito nenhuma menção de meu nome, se não me tivesses adornado com elogios miríficos, eu teria podido ter uma aprovação e alegar diversas razões, para não traduzir novamente o já traduzido. Tu, amigo, me obrigaste a que eu perdesse neste trabalho alguns dias, para expor publicamente o que Caribdes teria devido devorar. E, embora prejudicado, eu salvaguardei os direitos da amizade e, no que dependeu de mim, defendi-me, de tal modo que não te acusei. Tu és por demais desconfiado e dado a se queixar, por tomares por afronta a ti as palavras dirigidas aos hereges. E se não posso ser teu amigo de outro modo que não seja o de ser amigo dos hereges, eu suportarei mais suavemente tuas inimizades que as amizades daquelas pessoas. -- Tu crês que eu também inventei uma nova mentira, ao compor uma epístola destinada a ti com meu nome, como se tivesse sido escrita há muito tempo, pela qual eu passo por bom e moderado, que tu absolutamente nunca recebeste. Esta coisa pode muito facilmente ser provada. Muitos em Roma têm exemplares dela há cerca de três anos, a qual eles não quiseram enviar-te, sabendo o que tu proferias a respeito do meu nome, e como era indigno da vocação cristã e abominável o que forjavas. Eu escrevi sem estar a par, como a um amigo. Eles não responderam à carta daquele que eles sabiam que era inimigo, tendo consideração com o meu erro e com a tua consciência. E ao mesmo tempo tu argumentas que, se eu te tinha escrito tal epístola, não deveria escrever contra ti uma infinidade de maldades em um outro livro. Este é todo o teu erro e esta é tua justa queixa: que aquilo que dizemos contra os hereges, tu imaginas que contra ti foi dito, e, se a eles não poupamos, tu te crês ultrajado. Ou não te damos um pão porque atiramos uma pedra no cérebro dos hereges? E para que não verifiques a nossa epístola, tu dizes que a epístola do nosso papa Anastásio sofreu acréscimo com fraude semelhante. Com relação a este assunto, eu já te respondi. Se tu suspeitares que esta carta não é dele, tu tens a ocasião de denunciar-nos de falsidade. Mas se ela é dele, como as epístolas deste ano contra ti provam isto, é em vão que te esforças por denunciar o falso por meio de um falso, quando, a partir de sua epístola verdadeira, nós indicamos que a nossa é verdadeira. -- Ao te justificar da tua mentira, quão elegante quiseste ser! E para que tu não produzas os seis mil livros de Orígenes, tu exiges de mim os monumentos deixados por Pitágoras. Onde está aquela confiança pela qual proclamavas com tanta frequência, com as bochechas enfunadas, que corrigiste nos livros do Perì Archôn aquilo que tinhas lido em outros livros de Orígenes, e que devolvias a cada um o que era seu, e não as coisas alheias? Da floresta tão densa de livros, tu não podes apresentar nem um rebento, nem um broto. Estas são as verdadeiras fumaças, as brumas, as quais, enquanto tu em mim as culpas, verificas que em ti elas foram eliminadas e dissipadas. Não abaixas tua nuca, mesmo quebrada, mas, com maior descaramento que incompetência, tu dizes que eu nego o que é evidente, a ponto de, tendo prometido montanhas de ouro, nem sequer tirar um tostão de couro de teu tesouro. Eu reconheço o ódio justificado contra mim, e tu te lanças contra nós com verdadeiro frenesi. Se eu não exigia audaciosamente aquilo que não é, tu parecias ter aquilo que não tens. Tu solicitas de mim os livros de Pitágoras. Quem te disse, pois, que existiam volumes daquele? Por acaso não há em minha carta, que condenas, estas palavras: "Mas admitamos que eu tivesse errado em minha adolescência e que, formado para os estudos dos filósofos, isto é, dos pagãos, eu tenha, no começo da minha fé, ignorado as doutrinas cristãs e ter pensado que era dos apóstolos aquilo que eu tinha lido em Pitágoras e Platão e Empédocles? Eu falei das doutrinas deles, não dos seus livros, doutrinas que pude aprender em Cícero, Bruto e Sêneca. Lê o pequeno discurso Pro Vatinio e outro onde se faz menção às confrarias, percorre os discursos de Cícero, volta teu olhar para toda a costa da Itália que era conhecida como a Magna Grécia, e reconhecerás aí as doutrinas pitagóricas gravadas sob placas de bronze por inscrições oficiais. De quem são, com efeito, aqueles famosos preceitos de ouro? Não são de Pitágoras? Todas as doutrinas se acham aí em breve resumo, e o filósofo Jâmblico para elas teceu um comentário em obra extensíssima, imitando em parte a Moderato, homem de grande eloquência, e Arquipo e Lísis, discípulos de Pitágoras. Dentre eles, Lísis e Arquipo tiveram escolas na Grécia, ou mais precisamente, em Tebas. E estes que guardavam de cor os preceitos do mestre, eles se serviam de seu talento, em lugar dos livros. Dentre os preceitos, eis aqui um: Phygadeutéon páse mechkne kaì perikoptéon purì kaì sidéro kaì mechanais pamtoíais apò mèn sómatos nóson, apo dè psychés amathían, koilías dè polytéleian, póleos dè stásin, oíkoy dè dichophrosýnen, omoy dè pánton ametrían. Que podemos traduzir para o latim: Devem ser afastados por todos os meios e cortados a fogo e a ferro e, por todos os procedimentos, distanciados do corpo a enfermidade, a ignorância da mente, os excessos do ventre, a revolta da cidade, a discórdia do lar e, no geral, de todas as coisas a desmedida. De Pitágoras também são os preceitos seguintes: "Entre amigos tudo é comum" e "um amigo é um outro si mesmo"; "de dois momentos deve-se particularmente se preocupar: a manhã e a noite, das coisas que vamos fazer e das coisas que fizemos", "depois de Deus é preciso cultivar a verdade, a qual é a única que nos faz próximos a Deus"; e estes enigmas que Aristóteles muito atentamente em seus livros trata: não saltes sobre uma balança, isto é, não transgridas a justiça; não fures o fogo com uma espada, isto é, não exasperes com palavras insultuosas um espírito irritado e cheio de raiva; "não se deve em nenhum caso desfolhar uma coroa", isto é, devem-se conservar as leis das cidades; "não se deve comer-se o coração", deve-se banir de seu espírito a tristeza; "uma vez tendo partido, não voltes", isto é, depois da morte, não lamentes esta vida; "não andes pela via pública", isto é, não sigas os erros de muitos; não se deve ter sob o mesmo teto homens tagarelas e prolixos; "aos que estão carregados deve-se pôr mais peso, aos que depõem o peso, não se deve partilhar", isto é, aos que marcham para a virtude, devem ser aumentados os preceitos, e os que se entregam ao ócio devem ser abandonados. E porque eu dissera que lia as doutrinas pitagóricas, ouve o que, entre os gregos, Pitágoras foi o primeiro a descobrir: que as almas são imortais e passam de uns corpos a outros - o que, aliás, também Virgílio, no sexto volume da Eneida, nestes termos diz: Todas estas almas, quando elas fizeram girar a roda por mil anos, um deus as chama em longa fila junto ao rio Letes, e é, a saber, sem nenhuma lembrança, para rever a abóbada celeste e começar a querer retornar aos corpos. -- Que Pitágoras foi primeiramente Euforbo, em segundo lugar Aetalides, em terceiro, Hermotimos, em quarto, Pirro e, finalmente, Pitágoras; e depois de períodos cíclicos determinados, o que tinha existido novamente se fez, e nada há, no mundo, de novo a ser visto; a filosofia é a preparação para a morte, em seu esforço quotidiano a tirar da prisão corporal a liberdade da alma; mathêseis anamnêseis, isto é, os conhecimentos são reminiscências; e muitos outros pontos que Platão trata em seus livros e, em particular, no Fédon e no Timeu. Com efeito, depois da Academia e de seus inumeráveis discípulos, sentindo que à sua doutrina faltava muito, veio à Magna Grécia e, aí, instruído pelo tarentino Arquitas e Timeu de Lócris para a doutrina de Pitágoras, mesclou às disciplinas deste a elegância e o charme de Sócrates, todas as coisas que, sob nome mudado, Orígenes em seus livros do Perì Archôn está convencido de ter traduzido. Em que, pois, eu errei, se, em minha juventude, eu disse ter atribuído aos apóstolos aquilo que eu tinha lido em Pitágoras e Platão e Empédocles? Não como calúnias e invenções, nos livros de Pitágoras e Platão e Empédocles, mas: o que neles havia eu lera, e os escritos de outros me informaram que eram eles que tinham isso. Esta maneira de se expressar é muito comum, como se eu dissesse: as doutrinas que eu li em Sócrates, eu as achei verdadeiras. Não que Sócrates tenha escrito algum livro, mas: "Aquelas doutrinas que eu li em Platão e outros socráticos, que as tinham..." E mais: Eu quis imitar as façanhas que eu tinha lido em Alexandre e Cipião. Não que eles tenham descrito suas façanhas, mas porque em outros autores eu li o que eu admirava que eles tivessem feito. Com efeito, mesmo se eu não pudesse mostrar que existem monumentos do próprio Pitágoras, nem se, pelo filho dele, nem pela filha, nem por outros discípulos, eu pudesse convencer das comprovações, tu não me convencerias de mentira, porque eu não disse que li livros, mas doutrinas, e é em vão que quiseste que minha falta cobrisse tua mentira, de modo que, se eu não tiver apresentado um só livro de Pitágoras, tu terás perdido os seis mil livros de Orígenes. Sexta parte: Apreciação cristã do fim do conflito enfim ponderado por Rufino -- Eu chego à peroração, isto é, a teus insultos, em cujo momento tu exortas-me à penitência. E se eu não me tiver convertido, isto é, se não me tiver calado às tuas acusações, tu me ameaças de morte. E tu denuncias que este escândalo há de recair sobre a minha cabeça por ter-te provocado, a ti, homem dulcíssimo e de mansidão mosaica, por minha resposta, à loucura de uma citação na justiça; tu saberias, com efeito, de crimes que a ti apenas, como amigo caríssimo, eu confessei; e estes tu haverias de expor publicamente; e eu deveria pintar-me com minhas próprias cores e deveria lembrar-me que eu me atirei a teus pés, para que não amputasses a minha cabeça com a espada da tua boca. E depois de muitos assaltos nos quais exultas furioso, tu voltas atrás e dizes que desejas a paz, com o aviso tão somente de que eu me cale doravante, isto é, que eu não escreva contra os hereges e que não ouse responder à tua acusação. Se isso eu fizer, serei irmão e colega e varão eloquentíssimo, e amigo e camarada e, o que supera tudo isso, tudo o que traduzi de Orígenes, tu julgarás católico. Se eu resmungo e me movo, serei imediatamente corrompido, herético e indigno da tua amizade. Estes são os teus elogios, assim tu me exortas à paz e não concedes nem mesmo à minha dor que seu gemido e suas lágrimas se expressem livremente. -- Eu poderia, também eu, pintar-te com tuas cores, e responder ensandecido à sandice, e dizer tudo o que sei ou não sei e, com a mesma ousadia, ou antes frenesi e demência, acumular falsidades ou verdades, de modo a nos envergonhar disso, tu de ouvir e eu de falar; e censurar-te coisas que condenariam ou o acusador ou o acusado, de modo a ganhar a confiança do leitor pela severidade da fronte e, porque escreveria impudentemente, julgar-me-iam escrever verdadeiramente. Mas que vá longe dos costumes cristãos que, enquanto pedem o sangue de outro, eles põem o seu a risco e, mesmo sem espada, eles são homicidas pelo desejo de sê-lo. Isto convém à tua bondade, tua mansidão e simplicidade que, com o peito de um esterco só, tu exalas o odor das rosas e o fedor dos cadáveres, e contra a sentença do profeta, tu dizes que o amargo é aquilo que louvaras como se fosse doce. Nem há necessidade de que tratemos, em obras eclesiásticas, de um assunto de tribunais; assim, não ouvirás nada mais sobre isto, que não seja aquele ditado das ruas: "Quando disseres o que queres, ouvirás o que não queres". Ou se a ti parece vil ou vulgar provérbio e, como homem sapientíssimo, tu te deleitas com as sentenças dos poetas e filósofos, lê aquele verso de Homero: "Qualquer palavra que tu digas é uma palavra muito semelhante que ouvirás dizer". Eu requeiro apenas isto de tua exímia censura e santidade, de quem é tanta a pureza que até os demônios rugem ao aspecto de teus lenços e cintos: de quem segues o exemplo ao escrever? E quem, dentre os católicos, alguma vez em debate de seitas, fez uma acusação infamante para aquele contra quem ele debatia? Foi assim que teus mestres te instruíram? Tu recebeste tais ensinamentos que aquele a quem não puderes responder, tu lhe cortas a cabeça, e a língua que não pode calar-se, tu a cortas? Não há muita coisa de que possas vangloriar-te, se fazes o que podem fazer os escorpiões e as cantáridas. Isto tanto fizeram Fúlvia contra Cícero quanto Herodíades contra João, porque não podia ouvir a verdade; e a língua que dizia a verdade elas perfuravam com alfinete de cabelo. Os cães ladram para seus senhores, e tu não queres que eu ladre pelo Cristo? Muitos escreveram contra Marcião, Valentino, Ário e Eunômio; por quem foi acusada sua infâmia? Não ter-se-ão todos aplicado a confundir a heresia? Estes são os expedientes dos hereges, isto é, de teus mestres: que, convencidos de que traíram sua fé, recorrem a insultos. Assim Eustátio, bispo de Antioquia, descobre um filho sem saber; assim Atanásio, pontífice da cidade de Alexandria, cortou uma terceira mão de Arsênio: ele que primeiramente foi dado como morto, depois vivo, mostrou-se ter as duas mãos. Teus condiscípulos também, ou ainda teus mestres, inventam agora coisas sobre o sacerdote da mesma Igreja, e se servem do ouro, isto é, do que faz a tua força e a dos teus, para atacar a verdade da fé. Por que falar dos hereges que, mesmo que estejam do lado de fora, se denominam, porém, como cristãos? Contra os mais ímpios, Celso e Porfírio, quantos dos nossos escreveram? Quem, tendo sido perdida a causa, tomou parte na reprovação inútil dos crimes, que não os escritos eclesiásticos, mas os dossiês judiciários devem contê-los? Ou o que importa que percas tua causa? E, pelo crime, tu vais além. Não é necessário que acuses, pondo em risco tua cabeça: com um único espadachim pago podes satisfazer a teu desejo. E fazes de conta que tens medo do escândalo, tu que estás pronto para matar o irmão de há pouco tempo, agora acusado, o inimigo de sempre. Entretanto, eu me admiro como, homem sagaz que és, surpreendido pela loucura, queres atribuir-me um benefício e tirar da prisão a minha alma e não suportas que eu more contigo nas trevas deste século. -- Queres, pois, que eu me cale? Não acuses. Depõe tua espada que deitarei fora meu escudo. Em apenas um ponto não poderei concordar contigo: que poupe a hereges a fim de que eu não mostre minha catolicidade. Se esta é a causa da discórdia, posso morrer, não posso calar-me. Eu deveria ter respondido, com certeza, à tua loucura, com toda a Escritura e com as palavras divinas, tocando cítara, ao modo de Davi, acalmar o frenesi de teu peito; mas contentar-me-ei com poucas citações de um único livro e oporei à tolice a sabedoria, de modo que, se desprezas as coisas humanas, pelo menos não negligencies as coisas divinas. Ouve, pois, o que diz Salomão de ti e de todos os malevolentes, maledicentes e insultadores: "Os insensatos, quando estão ávidos de injustiça, tornaram-se ímpios e odiaram a inteligência". "Não trames maldades contra teu amigo e não alimentes hostilidade contra alguém sem motivo". "Os ímpios salientam o opróbrio". "Rompe com a boca má e repele para longe de ti os lábios iníquos", "o olho do insultador, a língua do injusto, as mãos que derramam o sangue do justo, o coração que trama maus desígnios e os pés que se apressam a fazer o mal." Quem se apoia em mentiras, apascenta ventos e segue pássaros que voam, porque abandonou, na verdade, os caminhos da sua vinha e deixou perderem-se os eixos de sua cultura. Ele percorre um lugar árido e deserto e recolhe com as suas mãos a esterilidade. "A boca do insolente se aproxima da ruína", e "aquele que profere insultos é o pior dos tolos." É "Alma bendita toda alma simples. O homem violento é um ser abjeto." "É pelo defeito dos lábios que o pecador cai na rede." "Os caminhos dos tolos são retos a seus olhos. O tolo no mesmo dia mostra a sua ira." "É uma abominação para o Senhor os lábios mentirosos." "Aquele que guarda a sua boca conserva sua alma, e aquele que abre sua boca inconsideradamente aterrorizará a si mesmo." "O malvado com o ultraje comete maldades" e "o insensato desenvolve sua malícia". "Tu procurarás junto aos malvados a sabedoria e não encontrarás." "O presunçoso saturar-se-á com seus caminhos." "O sábio que tem temor se afasta do malvado; o tolo, que nele confia, se imiscui com ele". "O homem paciente se mostra bem avisado, o pusilânime é bastante imprudente." "Quem calunia o pobre irrita quem o criou." "A língua dos sábios sabe o que é bom e a boca dos tolos profere o mal." "O homem violento suscita querelas"; e "imundo é, diante de Deus, todo aquele que exalta seu próprio coração; aquele que leva injustamente a sua mão até a mão do outro não ficará impune." "Quem ama a vida poupa a sua boca. O ultraje precede a ruína, e o mau pensamento, a queda." "Quem fixa os olhos seus medita projetos perversos e provoca com seus lábios todos os males." "Os lábios do tolo o levam a males e sua boca audaz chama a morte." "O homem perverso sofrerá muitos danos." "É melhor um pobre justo que um rico mentiroso." "Honra ao homem que se desvia dos insultos; mas aquele que é tolo se deixa pegar por tais coisas." "Não te comprazas a denegrir, para não seres aniquilado." "Suave é para o homem o pão da mentira; depois sua boca se encherá de seixos". "Quem constitui tesouros com uma língua mentirosa corre atrás de coisas vãs e cairá nas redes da morte." "No ouvido do tolo, não queiras dizer alguma coisa, para que ele não ria de teus sábios assuntos." "A maça, a espada e a flecha são perigosas; assim também o homem que contra seu amigo diz falso testemunho." "Assim como voam as aves e os pássaros, assim o vão insulto não atingirá ninguém." "Não respondas ao homem estúpido, na medida da sua estupidez, para que a ele não te faças semelhante; mas responde ao tolo na medida de sua tolice, para que ele não se creia sábio." "Aqueles que preparam armadilhas a seus amigos, quando tiverem sido vistos, dizem: Eu o fiz para rir." "O que a grelha é para os carvões e a madeira é para o fogo, o insultador é para o tumulto da querela." "Se teu inimigo vem te solicitar, abstendo-se de todo brilho da voz, não lhe cedas, pois há sete maldades em sua alma." "Pesada é a pedra e difícil de transportar a areia, mas a ira de um tolo é mais pesada que um e outro. A irritação é cruel, aguda a ira e o ciúme impaciente." "O ímpio calunia os pobres" e "aquele que confia na ousadia de seu coração é assaz tolo." "O insensato exala toda a sua cólera, o sábio a dispensa pouco a pouco." "Um mau filho tem espadas como dentes e facas como queixadas, a fim de consumir os fracos de cima da terra e os pobres dentre os homens." Assim, pois, instruído por estes exemplos, eu não quis morder em quem me morde nem infligir a represália de Talião; e eu preferi dissipar por meus encantamentos a sandice de um louco furibundo e o antídoto de um só livro derramar no peito envenenado. Mas eu temo, se nada adiantar, que eu seja obrigado a cantar aquele salmo de Davi e consolar-me com estas palavras: "Desviaram-se os pecadores desde o ventre, perderam-se desde o ventre materno, eles disseram falsidades. O frenesi para eles é conforme a semelhança da serpente, como a da áspide surda e que tampa seus ouvidos, que não ouvirá as vozes dos encantadores e do mágico que encanta sabiamente. Deus triturará os seus dentes na boca deles, as mandíbulas do leão Deus quebrará. Eles serão reduzidos a nada, como água corrente. Ele entesa seu arco até que estejam sem força. Como a cera que derrete, eles serão retirados". E ainda: "o justo se rejubilará quando ele tiver visto sua vingança dos ímpios, ele lavará suas mãos no sangue do pecador. E dirá o homem: 'Se há um fruto para o justo, verdadeiramente é que há um Deus que julga os homens sobre a terra'." -- No fim da tua carta, tu escreves com tua mão: "Desejo que tu ames a paz". Ao que responderei brevemente: Se desejas a paz, depõe as armas. Eu posso aquiescer à tua doçura, não temo as tuas ameaças. Que haja entre nós uma só fé, e sem demora a paz se seguirá..

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