Otras Normas Del Derecho Presupuestario Monografia

Alfred - A GRAMÁTICA DE Padre GASPAR. 3ª PARTE - TEMPO DA PÁSCOA A PÁSCOA DO SENHOR 97 - Da Morte à Vida Completados, nos dias anteriores, os eventos da Paixão, que realizaram nossa redenção, celebramos hoje a Páscoa. Estamos alegres porque também ressuscitamos com Cristo, caminhando na vida nova e desejando, como os discípulos, ver Jesus na Galiléia. Do temor e da contrição, passamos agora, com firmeza, à confiança na divina misericórdia. Da alegria do século e consolação do mundo estamos nos elevando - pela compunção e recolhimento, conforme Deus deseja - a uma santa e devota exultação e a um vibrante júbilo espiritual no Espírito Santo. Por isso, não nos causa tristeza a lembrança das culpas passadas. Pelo contrário, muito mais nos alegra e anima o desejo dos prêmios eternos. Felizes somos nós, portanto, que vivemos hoje a experiência da alegria. Vamos procurar, então, dar continuidade à nossa caminhada para o céu. Atinjamos a meta feliz cujo rumo tomamos, sem retroceder um passo sequer nem mesmo volver o olhar para esta mísera terra, da qual temos que nos desapegar. "Se ressuscitastes com Cristo , buscai as coisas do alto, onde Cristo está entronizado à direita de Deus; cuidai das coisas do alto, não do que é da terra. Pois morrestes, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus" (Cl 3,1-3). 98 - Contemplação de Cristo Ressuscitado Imaginemos vê-lo como apareceu aos discípulos: muito glorioso e luminoso, com as cicatrizes das chagas, enquanto nos chama para o céu, para onde se dispõe a retornar. Peçamos a graça de participar da alegria imensa do Salvador. A vida gloriosa, assumida por Cristo em sua ressurreição, foi realmente uma vida nova. Se realmente desejamos a ressurreição verdadeira e perfeita, é preciso que nos transformemos de acordo com esta vida nova e realizemos mudança e reforma do interior para o exterior: "como Cristo foi ressuscitado dos mortos pela ação gloriosa do Pai, assim também nós vivamos uma vida nova" (Rm 6,4). Convém copiar de Cristo ressuscitado, não mais sensível às coisas que passam, a completa insensibilidade a todos os condicionamentos da vida humana, além da inalterável tranqüilidade de espírito e profunda paz do coração. A deslumbrante luminosidade, que reveste a nova vida de Cristo, deve injetar em nosso intelecto a sabedoria cristã que o eleva ao ápice de toda a criação e o faz perceber Deus em si. Daí provém, mediante a oração, um claríssimo e sólido conhecimento de tudo o que diz respeito à nossa salvação e perfeição. Como o dom da agilidade levava, imediatamente, o Ressuscitado de um lugar para outro, assim também deve ser nossa prontidão e nosso ardor nas ações para fazer o bem e agradar a Deus. Como o dom da sutileza tornou espiritual o corpo do Ressuscitado e o faz penetrar em qualquer lugar, assim também deve ser nossa vida, segundo o espírito: vida de fé convicta e independente das influências dos bens terrestres. Ela deve ser o resultado da morte infligida pelo espírito a tudo o que é material. A NOSSA PÁSCOA 99 - Mortos ao Pecado Ensina São Paulo: "acaso ignorais que todos nós, batizados em Jesus Cristo é na sua morte que fomos batizados? Pelo batismo fomos sepultados com ele na morte, para que, como Cristo foi ressuscitado dos mortos, pela ação gloriosa do Pai, assim também nós vivamos uma vida nova" (Rm 6,3-4). O que significa estar morto ao pecado? Jamais servir ao pecado em coisa alguma. O Batismo já o fez uma vez e a Penitência o renovou. Estamos mortos para o pecado. Agora é necessário que o façamos com nosso empenho. Fiquemos totalmente surdos a algo que nos sugira o pecado ou a paixão desordenada ou a afeição perversa. Não sejamos submissos a essas coisas e a elas permanecemos indiferentes, como se estivéssemos mortos. Uma pessoa morta não fala de ninguém, a ninguém faz injúrias ou causa violência, não calunia ninguém, a ninguém oprime, não inveja os bons, não insulta os maus, não se dobra aos prazeres da carne, não se consome nas chamas do ódio, não adula os ricos e poderosos do mundo, não se abala por qualquer curiosidade, não procura os aplausos do mundo que a rodeia, não se preocupa com as honras, nem sofre com as injúrias. A soberba não a envaidece, a ambição não a atrai, a vanglória não a agita, as falsas riquezas da vida não a enganam, o furor insano da ira não a perturba, a beleza frágil de um rosto não a arrebata. Tudo isso significa estar morto ao pecado: não apreciar as coisas terrenas, os afetos desordenados, os desejos do mundo e da carne. 100 - Ressuscitados para a Vida Nova Após haver relembrado a ressurreição futura, São Paulo exige de nós uma outra ressurreição, isto é, um novo estilo de vida mediante a mudança dos costumes. De fato, quando um dissoluto se torna casto, um avarento, misericordioso, um irascível, manso, está acontecendo a ressurreição, que é início da vida futura. Ao ouvir falar de vida nova, cada um tem que visar a uma grande transformação, à mudança completa. Seria lamentável se, pensando sobre as virtudes que o Apóstolo exige de nós, viermos a constatar as múltiplas falhas em que caímos! Realmente, depois do batismo, voltamos a envelhecer nos vícios; depois do maná celeste, voltamos a procurar os desprezíveis alimentos do Egito. Depois de rejuvenescidos tantas vezes pela penitência e libertados da escravidão, tornamos a cair na deplorável corrupção do pecado e, livremente, colocamos as mãos nos elos dessas infames correntes. Agora, que nesta Páscoa ressuscitamos para a graça e estamos mortos para o pecado, por que abusar novamente de tamanha misericórdia? Por que não perseverar com todo empenho? A penitência não existe só para apagar pecados cometidos, mas para nos fortificar contra os futuros. Como neste sacramento fizemos nossa parte com o arrependimento, com a acusação dos pecados, com a vontade de satisfazer, coloquemos também nosso empenho para não sermos novamente contaminados. Acrescenta ainda São Paulo: "se fomos, de certo modo, identificados a Ele por uma morte semelhante à sua, seremos semelhantes a Ele também pela ressurreição" (Rm 6,5). Como o corpo de Cristo, sepultado na terra, produziu fruto para a salvação do mundo, assim também nós, sepultados novamente na penitência, conseguiremos o fruto da justiça, da santificação e de inumeráveis dons. Conseguiremos, ainda, a graça da ressurreição. 101 - Escondidos com Cristo em Deus "A vossa vida está escondida com Cristo em Deus", diz São Paulo (Cl 3,3). Vejamos um pouco em que sentido se entende o "estar escondido" de nossa vida com Cristo em Deus. A vida nova, concedida a nós, é a vida da graça que possuímos e é a vida da glória que esperamos. Uma e outra estão escondidas aos olhos do mundo. O mundo desconhece este novo gênero de vida interior, espiritual e santo. Por isso, o detesta e o considera sem atração e insípido. Além disso, a vida interior se apresenta, às vezes, encoberta pelo humilde véu de mortificações, aparentes tristezas e tribulações. A graça, as virtudes e os dons divinos, que são como a alma desta vida, estão escondidos no âmago do coração e do espírito. "Os bons parecem estar escondidos, porque o bem de cada um está oculto e o que eles amam não é visível, nem corpóreo. Por isso, tanto seus méritos como suas recompensas permanecem em segredo". E São Gregório Magno esclarece ainda mais diretamente que quem cultiva a virtude está escondido em Deus: "qualquer pessoa que goste de se mortificar alegra-se muito com a paz encontrada na contemplação. Ela assemelha-se a um morto, escondido do mundo e distante de todas as perturbações humanas, para somente viver no seio do amor interior". Podemos, assim, ter uma justa idéia do homem ressuscitado com Cristo. Por acaso, terá ele prazer em apreciar as desprezíveis baixezas da terra? Ou, ao contrário, não vai procurar com afinco os bens sobrenaturais e celestes, entre os quais desejará viver eternamente? Se ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas do alto, onde Cristo está entronizado à direita de Deus; cuidai das coisas do alto, não do que é da terra. Pois morrestes, e a vossa vida está escondida, com Cristo, em Deus (Cl 3,1-2). 102 - Voltados para a Vida de Glória A vida de glória, para cuja direção caminhamos, é menos conhecida ainda pelo mundo, porque este não vê a vida gloriosa para a qual Cristo ressuscitou e na qual vive junto ao Pai. É por isso que São Paulo diz: "a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, vossa vida, se manifestar, então vós também sereis manifestados com ele, cheios de glória" (Cl 3,3-4). Santo Agostinho elucida essa passagem com uma comparação. Durante o inverno, também a árvore, cheia de seiva, apresenta-se, à primeira vista, como seca. Quando chega o verão, porém, a raiz, que permanece viva, faz brotar de novo as folhas e a reveste de frutos. Assim também é nossa vida. Assemelha-se ao inverno no tempo em que nosso sol, que é Cristo, está mais distante de nós e permanece oculto a nossos olhos, envolto em densas nuvens. Então, parecemos ser plantas externamente áridas, sem folhas e sem o brilho da beleza. Todavia, guardamos no interior uma raiz viva, que é a caridade, apoiada e vivificada em Deus, seu `húmus' vital. E, quando chegar o verão, ao resplandecer a glória de Cristo, então, contemplar-nos-ão revivificados na ressurreição. Produziremos folhas e frutos, que são as promessas gloriosas da felicidade eterna. "Avante, pois avante, e que seja selada por mim esta aliança contigo, meu dulcíssimo Jesus. Que eu morra inteiramente a mim mesmo, a fim de que só tu vivas em mim". "Eu vivo, mas não eu; é Cristo que vive em mim" (Gl 2,20), exclama São Paulo. E, em outra passagem: "somos cidadãos do céu" (Fl 3,20), pois "vós não viveis segundo a carne" (Rm 8,9). E insiste: "desejo ardentemente partir para estar com Cristo" (Fl 1,23). Sublimes anseios de um homem morto para o pecado e que não aprecia mais os valores terrenos. Sublimes sentimentos de um espírito que já vive escondido com Cristo em Deus e que não procura senão os bens superiores e celestes, onde está Cristo sentado à direita de Deus. Suaves arroubos de um coração extasiado em doce júbilo, com santos pensamentos! 103 - Ao Céu, ao Céu! Ao céu, portanto, nossos pensamentos. Ao céu, nossos afetos. Ao céu, nossos corações, onde estão o nosso tesouro e a nossa vida. Lá encontraremos delícias sem amarguras, prazeres sem tristezas, honras sem invejas. Seremos inebriados por um rio de consolações divinas (Sl 36,9). No entanto, enquanto nossa vida ainda está escondida, mantenhamonos crucificados para o mundo e o mundo crucificado para nós. Mortifiquemo-nos. São Paulo prossegue esse discurso: "mortificai os vossos membros, isto é, o que em vós pertence à terra" (Cl 3,5). Quer dizer: estais já mortos para o pecado. Então, perseverai nessa morte, por meio da mortificação. Mortificai as paixões que, mesmo depois da penitência, renascem com atos, que ele explicita em seguida: "imoralidade sexual, impureza, paixão, maus desejos, especialmente a ganância, que é uma idolatria. Estas coisas é que provocam a ira de Deus. Foi assim que vós também procedestes outrora, quando vivíeis nestas desordens" (Cl 3,5-7). "Que frutos colhíeis, então, de ações das quais hoje vos envergonhais?" (Rm 6,21). Ainda queremos, novamente, voltar atrás? Desenterrar o pecado? Reassumir a escravidão? Esvaziar a redenção tão copiosa de Jesus Cristo e anular o preço de seu sangue? Ah! Não, não. Ao céu, ao céu, somos chamados à vida eterna. Estamos já a caminho e muito bem encaminhados. Vamos, portanto, prosseguir até ao fim, até à pátria celeste. Desde toda a eternidade Deus nos inscreveu como cidadãos do céu, seus servidores e herdeiros. Apressemos o passo nesta direção com toda coragem e vigor. Cristo nos espera e nos prepara, desde já, um lugar, ou melhor, um trono. Ao céu, ao céu! "Se ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas do alto, onde Cristo está entronizado à direita de Deus; cuidai das coisas do alto, não do que é da terra. Pois morrestes, e a vossa vida está escondida, com Cristo, em Deus" (Cl 3,1-2). A EUCARISTIA, PÁSCOA PERENE 104 - O Sacrifício da Nova Aliança "Em todo lugar se oferece a meu nome um sacrifício puro, um incenso puro" (Ml 1,11). É o sacrifício totalmente puro e santo oferecido, em todo lugar da terra, por todos os povos. Sabemos, pela fé, que essa oblação pura e santa é o sacrifício do corpo e do sangue de Cristo na Eucaristia. Não há nada, em todo o mundo, que engrandeça tanto o nome de Deus e celebre a sua glória como o sacrifício eucarístico, no qual o próprio Cristo se oferece como vítima a Deus Pai pelas mãos de seus sacerdotes. Primeiramente, a Eucaristia é chamada "incenso", porque é o sacramento do Corpo e do Sangue de Cristo, consumado no fogo da caridade sobre o altar da cruz. Ele, por meio de agradabilíssimo perfume, aplacou a ira de Deus e o reconciliou com os homens. A Eucaristia não somente representa, mas contém realmente Cristo imolado por nós, consumado na dor e no amor em sacrifício a Deus. Incensos são também, simbolicamente, as orações fervorosas e as aspirações tanto dos sacerdotes que consagram a Eucaristia como dos fiéis que a recebem e dela se nutrem. Os anjos oferecem a Deus "taças de ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos" (Ap 5,8). Portanto, saiamos da mesa eucarística como leões emanando fogo, capazes de incutir terror aos demônios, com o coração e a mente transbordantes do amor com o qual Cristo, nosso Cabeça, nos inflamou. O corpo de Cristo é uma oblação totalmente pura e santa que não pode ser manchada por nenhuma indignidade ou malícia, nem pelo sacerdote, nem pelos fiéis. De fato, a Eucaristia mantém sempre intacta sua pureza, sua força sacramental e purificadora, mesmo quando o celebrante não é pessoa digna. Ela tem, em si mesma, a capacidade de purificar do pecado, de concupiscências, tentações e paixões. Além disso, é capaz até mesmo de remover ocasiões de pecado ou comunicar vigor suficiente para superá-las. 105 - O Banquete Sagrado "Vinde comer" (Pr 9,5), assim nos convida o Senhor. Eis a mesa que apresento a vós, peregrinos e exilados aqui na terra. Eu vos preparo o mesmo alimento do qual se nutrem os anjos e os bem-aventurados no céu. "Tomai, comei, isto é o meu corpo; bebei dele todos, pois este é o meu sangue" (Mt 26,26, seguinte). Com eles, resgatei-vos de vossos pecados e da escravidão de vossos inimigos. Contemplai os sofrimentos e a morte que me custaram para vos preparar esta mesa. O melhor modo de expressar vossa gratidão é o de corresponder ao meu desejo, aproximando-vos habitualmente dela. A quem ireis para receber vida, se não vierdes a mim, que sou o único que a pode dar? Quem vos poderá dar paz de espírito ou saciar os desejos do coração, senão eu, que sou vosso princípio e último fim? Eu sou Pai, Mestre, Amigo, Irmão. Se vós estais enfermos, sou também vosso Médico e vossa Saúde. E, um dia, vossa Bem-aventurança e Glória. Se eu me sentasse aqui num trono, com todo o esplendor de minha majestade, iria compreender vossa timidez. Mas, se estou escondido no Sacramento e totalmente familiarizado com os homens, por que não vos aproximais, com toda confiança, sabendo que a minha delícia é a de estar convosco? Quem de nós não gostaria de ouvir tais palavras amorosas e acolher tão agradável convite no mais profundo do coração? Bem-aventurados os que ouvem a palavra divina. Duplamente bem-aventurados se a guardarem para observá-la. 106 - Remédio Espiritual Se cada um de nós se reconhecesse digno, dizem alguns, certamente, aproximar-se-ia, com mais freqüência, da Eucaristia. Porém, somos pecadores, cheios de imperfeições, sem o fervor que se vê em tantos cristãos comprometidos. Por isso, temos medo de comungar. Talvez estejamos mais preocupados com nossa condenação do que com nossa salvação. Quem raciocina desse modo apóia-se na expressão de São Paulo: "todo aquele que comer ou beber do cálice do Senhor indignamente come e bebe sua própria condenação" (1Cor 11,27-29). É preciso, pois, refletir também no conselho que o Apóstolo acrescenta, em seguida, para colocá-lo em prática: "examine-se cada um a si mesmo e assim coma do pão" (1Cor 11,28). Tais palavras foram sempre interpretadas com muita convicção pela prática constante de toda a Igreja, tendo o seguinte sentido: o fiel deve examinar a própria consciência e, se descobre que está em culpa grave, apresse-se em purificá-la com o sacramento da confissão, com o propósito firme de não mais pecar. Feito isso, comungue, sem nenhum temor, o pão, do qual diz Santo Agostinho: "recebei-o tranqüilamente, pois é pão e não veneno". Procuremos relembrar o acolhimento afetuoso que o pai deu ao filho pródigo. Este, ao se prostrar aos pés do pai, depois de haver, com uma vida dissoluta, dissipado toda a fortuna, confessa seu pecado, recebe imediatamente gestos do mais terno afeto. É revestido com roupas novas e belas, sendo homenageado na casa paterna com um banquete festivo. Quanto àqueles que se mantêm afastados do sacramento porque não sentem fervor algum, estão procedendo, na verdade, como pessoas que, passando frio, evitam aproximar-se do fogo. Elas se esquecem de que a Eucaristia, como diz São João Damasceno, "é um carvão aceso que afasta o frio e a tibieza". E assim como os que se afastam do fogo tornam-se cada vez mais frios, assim também, aquele que, com alguns pretextos, se mantém longe do fogo celestial acaba por tornar-se espiritualmente gelado e enrijecido. É coisa saudável e útil ao homem que se disponha a utilizar, com freqüência, deste remédio, procurando tomá-lo com muita confiança. Mesmo que sinta-se frio e com falta de fervor, confiante na divina misericórdia, tome-o assim mesmo. E, se alguma vez se julgar indigno, pense que é tanto mais urgente procurar o médico quanto mais se está doente. 107 - Disposições Requeridas Pensemos na mesa da Eucaristia! Nutrimo-nos do que os anjos vêem com assombro, não ousando sequer fixar o olhar no esplendor que dele se irradia. Assimilamos o alimento eucarístico e nos tornamos um só corpo e uma só carne com Cristo. Efeito próprio deste sacramento, como ensina São Tomás, é transformar o homem em Deus e uni-lo a Ele por amor. De que fé, então, deve estar embebido, de que esperança, reforçado, de que caridade, inflamado, de que inocência, adornado, quem recebe o Senhor e nele misticamente se transforma? Se é verdade que a disposição deve estar na mesma proporção da forma, como dizem os filósofos, logo se requer, indubitavelmente, uma disposição divina para poder receber um alimento divino. Além disso, requer-se esforço muito grande para tornar a vida santa de tal modo que seja sobre-humana e divina, radicalmente oposta à carnal e mundana. Deus, unicamente, é quem vai ocupar a inteligência e a vontade. É Ele quem vai estar presente nos colóquios. E é quem vai estar nas ações. Nada haverá, pois, que tenha sabor de mundo ou sabor da carne ou dos sentidos. Examinemos, pois, nossa vida. Se constatarmos que não é assim, porque ainda impregnada do mundo, vamos, então, esforçar-nos para melhorá-la continuamente, mediante o incansável exercício das virtudes, a fim de chegar no nível divino, ao qual nos impele a Eucaristia. 108 - O Ímã do Amor É o Amor Jesus entrega aos discípulos seu corpo e seu sangue, todo Ele, por inteiro, para demonstrar a grandeza de seu amor. Do mesmo modo como Ele uniu misteriosamente nossa carne à sua Divindade, assim na Eucaristia une sacramentalmente a mesma carne e Divindade a cada fiel que comunga, a fim de que se torne pessoa divinizada, quase um outro Cristo e Deus. Cristo nos amou "até o fim" (Jo 13,1). Amou os homens com imenso e eterno amor, deixando na Eucaristia a si mesmo todo inteiro, para que o tenham sempre presente, vivam com Ele, conversem com Ele, consultem-no e Lhe exponham todas as dificuldades, tentações e tribulações, pedindo e impetrando-Lhe auxílio. "Eu me alegrava em estar com os filhos dos homens", diz Ele mesmo nos Provérbios 8,31. Temos nós tal alegria com Ele ou a temos com o mundo? Cristo nos amou com a finalidade de nos alegrar, de nos impelir a amá-lo ardentemente. O ímã do amor é o amor. Portanto, vamos nos abandonar a Ele inteiramente, porque Ele, sendo Deus, entregou-se inteiramente a nós, e ainda continua a fazê-lo todos os dias. Entreguemo-nos sem reserva, pois Ele se doa a nós sem reservar nada para si. São Cipriano escreveu, em tempo de perseguição: "agora está iminente uma luta mais árdua e difícil. Para ela, os soldados de Cristo devem preparar-se com inquebrantável virtude e fé robusta, considerando que bebem todo dia o cálice do sangue de Cristo para poder, também, derramar o sangue por Cristo". Foi este cálice que deu forças a São Lourenço ao enfrentar as chamas; São Sebastião, as flechas; Santo Inácio, os leões; os demais mártires, todo tipo de tormentos. Isso tudo para retribuir amor com amor, vida com vida, morte com a morte de Cristo. Era a Eucaristia que fornecia aos mártires força e coragem. Por isso é que, em tempo de perseguição, os cristãos estavam acostumados a comungar todos os dias e levavam o pão eucarístico para casa. 109 - Pela Freqüência à Eucaristia Tem-se Tudo a Ganhar Leio no Evangelho, de um lado, o maravilhoso fervor das multidões que seguiam Jesus, deixando para trás todos os demais cuidados e, de outro, a providente liberalidade com que o divino Mestre lhes concedia o alimento prodigioso, por meio do pão multiplicado. Logo vêm-me à mente, como agradável comparação, primeiramente a devoção dos verdadeiros fiéis ao Santíssimo Sacramento e, depois, a louvável freqüência com a qual estão acostumados a aproximar-se do altar, para encontrar o Mestre e Senhor, presente entre nós, sob as sagradas espécies. Se naquelas multidões se admira o fervor, nestes fiéis se aprecia a fé, que lhes garante, com absoluta certeza, encontrar o que os sentidos não vêem. É também lógico que é bem maior o dom da graça, com que Cristo corresponde a sua amizade, já que não multiplica mais o pão terreno, mas se dá como alimento para nutrir com superabundância o espírito de cada um. Parece-me muito justo ter salientado o exemplo dos fiéis autênticos, para poder edificar outros cristãos que, tíbios e quase frios, muito raramente, e quase forçados, se aproximam de Cristo na Eucaristia. Uma das mais costumeiras desculpas, inventadas por esses cristãos pouco edificantes, é a de que as ocupações de seu estado e o governo da família, de que estão sobrecarregados, não lhes dão nem tempo nem facilidade para poder freqüentar assiduamente os sacramentos. Ora, vemnos, de imediato, uma pergunta: tais afazeres e cuidados impedem-lhes, por acaso, de sentar-se cada dia à mesa da refeição familiar? E a Eucaristia não é, por acaso, o pão da alma? "Minha carne é verdadeira comida e meu sangue é verdadeira bebida" (Jo 6,55). Quanto mais se aproximam de Cristo, muito mais recursos vão conseguir para seus afazeres e negócios terrenos! Unindo-se à verdadeira Sabedoria, que é Cristo, suas mentes seriam mais iluminadas para tratar, com prudência e sagacidade, de seus negócios. Ao se recarregarem de energia junto à fonte da fortaleza poderiam sentir-se mais robustecidos para sustentar o peso das preocupações que pesam sobre seus ombros, sem ficarem deprimidos, conforme a promessa de Cristo: "vinde a mim todos vós que estais cansados e carregados de fardo, eu vos darei descanso" (Mt 11,28). Tanto isso é verdade que nosso amoroso Senhor não só se compraz em conceder graças às almas, mas preocupa-se também, com atenção toda especial, com os interesses terrenos daqueles que fielmente dele se aproximam. 110 - A Missa de Padre Gaspar Padre Gaspar celebrava a santa Missa com muita devoção e lamentava-se quando, por doença, não podia celebrá-la. Mesmo acamado, gostava de participar diariamente da santa Missa, que era rezada na capela contígua a seu quarto. Todos os dias, infalivelmente, recebia a comunhão. A celebração eucarística era a alegria mais deliciosa de seu coração. Nela, seu espírito encontrava a fonte de graças e dons celestes que o transformava em outro homem. Ele aguardava ansiosamente pelo momento feliz de celebrar. E, uma vez chegado, saboreava-o demoradamente. Os que tiveram a felicidade de participar de sua Missa confessavam que sua modéstia e devoção eram admiráveis, como também seu recolhimento e arrebatamento em Deus, a ponto de não se poder contemplálo sem sentir-se levado à unção e ternura de coração. Sem dúvida, a compostura e modéstia com que celebrava a clara, pausada e devota recitação das orações, a elevação de seu espírito que transparecia exteriormente, apresentavam, verdadeiramente, a imagem do sacerdote perfeito, autêntico "mensageiro do Senhor" (Ml 2,7). 111 - Eucaristia e Contemplação: experiências vividas Na Missa, durante a Prece Eucarística, provei, como uma iluminação da inteligência para conhecer com quem falava, grande ternura e caridade na oração. Depois, certos impulsos do coração para Deus, como ímpetos do espírito, como de uma pessoa que recebe um grande amigo que há muito não via e, ao vê-lo, sente vontade de lançar-se em seus braços. Então, desejei que se tornasse mais clara a visão e mais forte o ímpeto para alcançar o Sumo Bem. Mas, temendo alguma vaidade, por estar em público, ative-me à consideração de meus gravíssimos pecados. Como conseqüência, pude conhecer melhor a bondade divina e o amor, que me provocaram lágrimas muito suaves, prosseguindo até depois da comunhão. Entretanto, a fé e a confiança cresciam muito mais, juntamente com a humildade e a reverência afetuosa. Finalmente, na comunhão, intensa devoção e sentimento como no dia da primeira comunhão, quando criança, que nunca senti posteriormente. O recolhimento durou até uma hora depois, permeando a tarde toda. Na Missa, inspirações breves, mas intensas. Grande sentimento da presença divina, confiança e amor, desejo de transformar-me nEle. Que Jesus viva em mim, não mais eu. Depois da Missa não durou muito essa graça de união. Retornou, quando estava na igreja e durante a caminhada para realizar os afazeres da família. No Cânon da Missa, tive uma sensação muito intensa, reverencial e amorosa da presença do Pai; confiança viva e amor para com o Filho; ainda sentimento da dignidade sacerdotal na consagração, como representante da pessoa de Cristo diante de seu Pai, grande ternura e profunda humildade ao ter Cristo em minhas mãos, logo depois da consagração. Eis a suma Bondade unida à suma malícia, o mais puro ao mais imundo, o mais Santo ao mais pecador. O sentimento durou até depois da comunhão; a elevação do espírito, até o fim da tarde. VIDA DE FÉ 112 - Sublimidade da Fé Quero soltar minha voz como uma trombeta (Is 58,1) e tornar conhecidas ao mundo as razões pelas quais eu me glorio de minha fé. São razões comuns para todos os que participam desta glória. Primeiramente, porque o fiel, por meio da fé, ama e glorifica ao seu Criador. Em segundo lugar, porque, mediante a mesma fé, é, por sua vez, amado e honrado pelo Criador. De fato, graças à fé, tem-se conhecimento de Deus e apreço digno da própria natureza divina, superior à capacidade da natureza humana. Olho não viu, ouvido não ouviu, nem no coração humano jamais apareceu o que Deus esconde aos sábios e aos prudentes do mundo. Todavia, revela, por meio da fé, aos humildes e pobres de coração que o temem e o glorificam e, acreditando, o amam (Mt 11,25). Só a Deus compete o conhecimento e a compreensão de si mesmo. A nós cabe caminhar humilde e docilmente sob as luzes que ele se digna comunicar. De Deus devemos aprender o que dEle devemos compreender, porque não se conhece senão o que Ele mesmo nos manifesta. A fé, portanto, é um obséquio que a criatura inteligente presta a seu Criador. Um obséquio, todavia, não ingênuo ou insensato, mas racional. Logo, glorioso para quem reconhece na razão a mais bela dignidade e o mais belo ornamento de sua natureza. A inteligência, ao acreditar, torna-se serva da fé (2Cor 10,5). Tal servidão, porém, não procede nem da fraqueza, nem da ignorância, porque isto é próprio da disponibilidade generosa, do pensamento verdadeiramente racional e da capacidade realmente sublime e superior ao modo ordinário de pensar. Para se crer nos apelos de Deus, superiores à inteligência humana, é preciso grande fortaleza de ânimo, além de sincera e genuína caridade. Certamente, já honra a Deus quem, mediante a oração, atém-se aos preceitos que Ele propõe e que estão inscritos, por assim dizer, na natureza. Contudo, honra-O muito mais aquele que a Ele se eleva por meio da fé. 113 - Dificuldades da Fé Quanto mais crescer a glória da virtude, muito maiores serão as dificuldades contra ela. Quem, então, acredita, precisará de grande coragem para combater e afastar-se quer dos pensamentos, quer dos raciocínios contrários à fé. É batalha árdua e perigosa a se enfrentar contra os raciocínios pessoais. A fé reprime a arrogância de querer compreender o incompreensível. Ela nos alerta para estarmos vigilantes quando se estudam e meditam os mistérios revelados por Deus. Que honra é, portanto, para a fé conduzir o espírito humano ao porto da verdade, guiando-o, a salvo, entre tantos escolhos! Essas são dificuldades intrínsecas ao ser humano. Mas, se, no íntimo de cada um, a fé é combatida por raciocínios vazios, externamente, desencadeia-se a luta contra inumeráveis adversários. Na verdade, lembra São Paulo, "é necessário que haja até divisões entre vós para que se tornem conhecidos os que, dentre vós, sejam aprovados" (1Cor 11,19). Contra a fé humilde arma-se, pois, a mais deslavada descrença, que, muitas vezes, usa força e prepotência para oprimir o fraco ou, então, astúcia e fraude para enganar os simples. E estes não são ainda os inimigos mais terríveis, porque são visíveis e aparecem às claras. Temos que combater também contra os espíritos iníquos (Ef 6,12), os demônios, que ocultamente semeiam as heresias no campo da Igreja, como deplorável cizânia (Mt 13,24, seguintes). Deles, pois, procedem, como de fonte contaminada, inúmeros erros, ilusões e enganos. É necessário, entretanto, admitir que a maior dificuldade que o cristão encontra para crer está no próprio objeto da fé: Deus. Poderá parecer paradoxal, mas é exatamente daí que deriva a glória maior que damos a Deus com nossa fé. Santo Tomás ensina que o que é mais certo em si mesmo torna-se menos evidente por causa da fraqueza de nosso intelecto. Este, diante das verdades mais evidentes da natureza, assemelha-se à visão do morcego, diante da luz do sol. Eis o motivo que leva muitos duvidarem dos artigos da santa fé, que em si mesmos são certíssimos. Isso acontece não pela pouca certeza da coisa em si, mas pela fraqueza do nosso intelecto. Quem será a águia generosa e de pupilas fortes que suportará o impetuoso rio de luz incandescente? Ou quem penetrará, com olhar perscrutador, a profundeza desse oceano inacessível? O espírito da fé. "O Espírito sonda tudo, mesmo as profundezas de Deus" (1Cor 2,10). 114 - Agir com Espírito de Fé Procurar só a Deus, ver Deus em todas as coisas. Isso significa tornar-se superior a todas as coisas humanas. Procure-se a Deus só; nada mais, nem consolações, nem complacências. Não fiquemos escutando a voz de nossa fraca natureza, pois Deus nos fez participantes da natureza divina para que não vivamos, nem façamos coisa alguma segundo a nossa natureza. Assim, não devemos medir nossas forças segundo a primeira natureza, mas de acordo com a segunda, que nos foi comunicada pela adoção de filhos de Deus. Procuremos, então, vigiar bem os pensamentos superficiais e afetos da primeira natureza, para não impedirmos a ação dos perenes e estupendos efeitos da segunda. Deixemos que Deus entre livremente para tomar posse da alma que ele tanto ama e procura unir a si. Reconheçamos o tempo de sua visita. Supliquemos a todas as criaturas e a nossos sentidos para que não perturbem a alma, quando se encontra repousando no tálamo de seu Senhor. Nada mais se requer. No momento certo, ela vai produzir frutos preciosos, ricos e nobres, dignos de núpcias santas e sublimes. A ESPERANÇA CRISTÃ 115 - Confiança em Deus, que Confiança! Como os caminhos do Senhor são diferentes dos caminhos dos homens! É preciso conhecê-los bem para não nos perder quando urge acreditar, como Abraão, pai de todos os fiéis, "esperando contra toda esperança" (Rm 4,18). Felizes os que fecham os olhos da visão míope logo que a mão sapientíssima de Deus toma a nossa para nos dirigir e governar! A caminhada aqui em baixo é breve, enquanto a permanência na casa de Deus será eterna e imutável: "os sofrimentos do tempo presente não têm proporção com a glória que há de ser revelada em nós" (Rm 8,18). Deus faz sempre o melhor. Ó mãos sapientíssimas, como trabalham em segredo! Confiemos sempre nele e jamais ficaremos decepcionados. Quanto ao sofrimento, lembremo-nos da palavra de Cristo: "eu vou lhe mostrar o quanto ele deve sofrer por meu nome" (At 9,16). Coragem! Coragem! Esta é a melhor porção que Deus reserva a seus queridos, e não é manjar para todos. Confiemos em Deus. Vale a pena confiar. Desconfiemos sempre de nós. "Minha felicidade é estar perto de Deus. Ponho no Senhor Deus o meu refúgio" (Sl 73,28). Quando chegar o momento em que "é necessário passar por muitos sofrimentos" (At 14,22), teremos também nós, com firme esperança, a porta aberta de sua glória, pela qual continuamente suspira nosso coração, pois não consegue ter sossego, se não repousar em Deus, para o qual foi criado. 116 - Um Abismo Chama outro Abismo Infindável deve ser nossa esperança em Deus! Não só infindável, mas sem limites. "Os que esperam no Senhor renovam suas forças, criam asas como águias, correm e não se afadigam, andam, andam e nunca se cansam" (Is 40,31). Relembremos a palavra da Escritura, "um abismo chama outro abismo" (Sl 42,8). O abismo da luz lembra o abismo das trevas; o abismo da misericórdia, o de nosso nada. Se enorme é nossa iniqüidade, imensa é a piedade do Senhor. "Como é grande a bondade que reservaste aos que te temem" (Sl 31,20). O Senhor a esconde tanto aos olhos do mundo como aos olhos dos que a devem receber. Às vezes não a enxergam, embora esteja bem perto deles e a ponto de ser derramada em seus corações com superabundância. No entanto, a partir do instante em que a possuem, a saboreiam no Espírito com prazer indescritível. Sentem-na como experiência inefável, mas não a compreendem, nem a podem intuir por causa das débeis luzes de seu intelecto. O Senhor nos ama com caridade imensa. É tão rico e poderoso que ultrapassa a medida do que dele podemos imaginar em relação à sua bondade, liberalidade e ao seu amor. Nossas palavras, mesmo as mais perfeitas, são tolices. Chegam mesmo a confundir-nos diante de tamanha Majestade. É preciso procurar elevar-se muito acima de tudo isso e abrir nosso coração sem reservas, pois, como diz São Bernardo, "o Esposo vem ao encontro dos grandes espíritos e se deliciará em realizar, neles, grandes coisas". 117 - A Vida Terrena como "Esboço do Céu" Nosso Senhor quer que façamos sua vontade na terra, como se fazno céu, não parcial, mas completamente e sem que algo o impeça. Assim, neste breve tempo em que esperamos nossa assunção a seu reino, temos de viver como anjos, embora sejamos ainda humanos, fazendo de nossa permanência na terra um esboço do céu. Foi para mostrar como devemos começar a viver estando ainda na terra que Nosso Senhor desceu do céu: "Que retribuirei ao Senhor por todo o bem que me deu?" (Sl 116,12). Eis a resposta: "erguerei o cálice da salvação e invocarei o nome do Senhor" (Sl 116,13). Eis o fruto que imediatamente brotará da paciência generosa e confiança amorosa na oração: "cumprirei meus votos ao Senhor diante de todo o seu povo!" (Sl 116,14). Depois, no devido tempo, "é preciosa aos olhos do Senhor a morte dos seus fiéis" (Sl 116,15). Convém, pois, exclamar, em meio a nossas tribulações, com alegre surpresa: "sim, sou teu servo, filho de tua serva" (Sl 116,15). Em seguida, libertados da tribulação, livres dos laços de nossos defeitos e dos impedimentos gerados pelas inclinações, poderemos prosseguir, com louvores de gratidão: "quebraste as minhas cadeias. Vou te oferecer um sacrifício de louvor" (Sl 116,17). Desse modo, reforçada a esperança com as primeiras experiências do cumprimento das promessas divinas, com o coração inebriado de amor e já preparado para a busca da glória divina, poderemos repetir mais com fatos do que com palavras: "vou cumprir minhas promessas ao Senhor diante de todo o seu povo, nos átrios da casa do Senhor, no meio de ti, ó Jerusalém!" (Sl 116,18). Seja bendito e glorificado seu santo Nome, por nossas palavras e por nossa vida, para sempre. 118 - Bens Terrenos e Bens Eternos Os bens terrenos são certamente importantes; porém, não adequados ao nosso coração. Por isso, não podem jamais saciá-lo. Somente o Bem infinito pode ser objeto do coração, que, em seus desejos, é quase infinito. Como, então, podemos pretender que bens de tão pouco valor e tão limitados o satisfaçam? Se nosso coração é tão grande, quase como um oceano, como poderão pequenos regatos preencher a imensidão de seus desejos? Ah! No céu, no céu encontraremos o objeto adequado a nosso coração, o Deus infinito. Meu Deus, só Vós podeis "saciar-me com tua presença" (Sl 17,15). Foi por isso que me destes um coração insaciável, a fim de que eu entenda que só para Vós ele foi criado e sempre estará inquieto enquanto não repousar em Vós. Mesmo que fosse o caso de renunciar a todos os bens terrenos para conquistar os eternos, seria loucura antepor a satisfação presente à futura. Não é isso que se exige. Deus não proibiu a Adão todos os frutos do Paraíso terrestre. Proibiu apenas uma árvore. Assim também para nós. São honestos os bens que possuis, inofensivos os prazeres que gozas? Continue a desfrutá-los em paz. O que se pede é privar-se dos bens falsos e prazeres que são maus em si mesmos. Quando se trata unicamente de renunciar a um prazer vil, que desonra a razão por sua malícia, grande será tua insensatez se vieres a perder outros bens prometidos, podendo usá-los à saciedade. 119 - Espero a Luz após as Trevas Nosso amorosíssimo Senhor mostra sempre que, com certeza, seus verdadeiros servos devem repetir confiantemente com o santo: (Jo 17,12} "depois das trevas vem logo a luz". E com o santo Davi: "nem as trevas são escuras para ti e a noite é clara como o dia" (Sl 139,12). Oh! como Deus é glorificado por seus dons e pela fé humilde de seus servos! Que língua poderá efetivamente louvar a Deus como Ele merece e agradecer o amor com que nos ama, assim como o cuidado diligentíssimo que tem para conosco, muito maior do que aquele da mãe por seus filhos? Nos dias de luz, em que Deus nos consola, resplandecendo sobre nós sua bondosa face, procuremos nos habituar a isso, para confiar totalmente nele nos momentos em que se esconde, como a mãe que brinca com seus filhinhos, divertindo-se em fazer-se procurar até os suspiros e as lágrimas. Oh! Bendito este nosso Pai! Que não fará conosco no céu, depois de passadas todas as provas, se agora já nos demonstra tamanha e tão terna benevolência, como que brincando sobre o globo terrestre? (Pr 8,12). "Feliz o homem que põe no Senhor sua esperança" (Sl 40,5). Oh! Como a palavra de Deus consola as almas fiéis! Sua bondade, sabedoria, seu poder, Deus inteiro se oferece como auxílio de quem Nele confia. Que felicidade ele experimentará! O que pode faltar a quem está "sob a proteção do Altíssimo?" (Sl 91,1). Leiamos com atenção redobrada todo o salmo para concluir com São Paulo: "é na esperança que fomos salvos" (Rm 8,24). AMAR A DEUS SOBRE TODAS AS COISAS 120 - Nosso Coração Foi Feito para Deus Deus é o sumo Bem; nós, miseráveis pecadores. Ora, o que mais poderia condizer com a Bondade infinita, desejosa de comunicar suas perfeições sem limitação alguma, do que encontrar uma alma que, por um lado, é capaz de receber o bem supremo e, por outro, é carente e indigente ao máximo? Também entre os seres humanos há os que são verdadeiramente generosos e gostam de se encontrar não apenas com os que, como eles, são ricos, mas também com os mais pobres e necessitados, para poder partilhar, prazerosamente, com eles suas riquezas, muito mais Deus! De fato, Deus, não contente em atender e encontrar-se com os mais necessitados, sai em busca deles e os chama, clamando forte pela boca de Isaías: (Is 55,12-2): Oh! Todos vós que estais com sede, vinde buscar água! Quem não tem dinheiro venha também! Comprem para comer; vinde comprar sem dinheiro vinho e mel. Escutai, ouvi bem o que eu digo e comereis o que há de melhor. Também Cristo declara: "O Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido" (Lc 19,10), "para que tenham vida, e a tenham em abundância" (Jo 10,10). Nosso coração, por sua vez, foi feito para Deus. Fora dEle nada há o que possa satisfazê-lo. De fato, o que significam nossos desejos ardentes ou o anseio ilimitado pelo bem com novas modalidades senão a desproporção existente entre os bens do mundo e a imensidão de nosso coração, tão amplo e quase infinito em seus desejos, que só o bem infinito pode satisfazê-lo? 121 - Corresponder ao Amor com Amor Refletirei sobre como o Homem-Deus, desde o primeiro momento de sua vida até a morte, consagrou-se inteiramente à causa da salvação da humanidade, obedecendo ao mandato do Pai e ao impulso de seu amor, doando-se a si mesmo por nós. Encarnou-se, agiu, falou, viveu, padeceu e morreu, derramando até a última gota de seu sangue, porque quis que tudo fosse entregue por nós para que "os que vivem já não vivam para os mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou" (2Cor 5,15). Desse modo, recordarei em meu coração todas as graças particulares que recebi de Deus ao longo de minha vida. Reconhecerei os inúmeros benefícios da Providência divina que me mantiveram afastado de tantos perigos, preservando-me de pecados ou ocasiões, não permitindo que, mesmo me encontrando em pecado, viesse a morrer e fosse réu de uma sentença de condenação eterna. Ele deu-me a oportunidade de continuar sendo objeto de sua misericórdia. Com indizível gratidão considerarei também o que Deus nosso Senhor fez e sofreu por mim, comunicando-me os tesouros de suas graças: (perdão, adoção, herança, fé, esperança, amor): "Deus que não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós, como é que com Ele não nos daria tudo?" (Rm 8,32). Ao meditar em todas essas graças, procurarei entrar em mim e propor o que devo fazer de minha parte. Não há dúvida de que eu estou obrigado a oferecer tudo o que me pertence, e eu mesmo, com a maior unção. Toma, Senhor, e aceita minha liberdade inteira, minha memória, minha inteligência, toda a minha vontade, tudo o que tenho e possuo. Tu me deste tudo, Senhor, e eu o restituo. Tudo é teu e dispõe de tudo conforme teu agrado. Dê-me somente teu amor e tua graça, e isso me basta. 122 - Amar a Deus nas Criaturas Não contente por se ter doado a nós por meio de tantas graças, Deus continua a se oferecer mediante as demais criaturas. A essas não cessa de comunicar o ser, a vida e todas as perfeições que possuem. Primeiramente, Deus está nas criaturas através de sua essência, que é muito mais unida a cada uma delas do que nossa alma o é para o corpo. Depois, por meio de seu poder, não somente concedendo-lhes o operar, mas age nelas mesmas como causa principal. Através de sua bondade e providência as governa e orienta a serviço do homem, dirigindo todas as suas operações a nosso favor. É Ele que dá luz ao sol para nos iluminar, calor ao fogo para nos aquecer, sabor aos alimentos para nos nutrir. Ora, se Deus torna-se presente em todas as criaturas, cabe a nós o dever de contemplá-lo e procurá-lo nelas. É por isso que temos de usálas corretamente para a glória de Deus e seu serviço. E como Deus não age nas criaturas senão para o nosso bem, assim também nós devemos, de nossa parte, servirmo-nos delas como Ele o faz. Quando percebemos em nós os bons efeitos das criaturas - por exemplo, a beleza da luz, os benefícios do calor, o sabor dos alimentos, - somos obrigados a atribuir tudo isso a Deus e agradecer-Lhe os benefícios obtidos por meio delas. Dessa forma, somos chamados a cultivar a gratidão por todos os bens que recebemos e a render graças a Deus, por nós mesmos e por tantos ingratos que nem pensam nisso. Convém, além disso, que sejamos sempre vigilantes em não abusar das criaturas, apegando-nos a elas de modo excessivo e servindo-nos delas como meio para o pecado. Seria o cúmulo da ingratidão voltar-se contra Deus, abusando dos benefícios que Ele nos concede. Não nos esqueçamos de oferecer a Deus algum sacrifício, privando-nos, às vezes, do uso das criaturas por seu amor. "Nós amamos, porque Ele nos amou primeiro" (1Jo 4,19). 123 - Dar-se a Deus sem Reserva Se Deus me amou tanto assim, por que ser mesquinho para com Ele daqui por diante? Sinto-me horrorizado só em pensar nisso. Porque não me entregar inteiramente a Deus pela misericórdia que Ele usou para comigo? Como reservar algo para mim depois que dele tudo recebi? Meu coração jamais consentirá em uma escolha tão mesquinha. Quando considero o pouco que sou e o que posso fazer pela glória de Deus, colocando-me inteiramente a seu serviço, envergonho-me só de pensar que posso subtrair-Lhe algo. Não teria segurança se optasse por uma vida acomodada, pois reconheço que bem depressa cairia nos vícios mais deploráveis. Somente aqueles que se entregam a Deus inteiramente podem confiar que vão morrer em paz, porque usufruem uma vida tranqüila e serena. Para realizar muito por Deus é preciso ser totalmente dele. O pouco que dEle tiramos diminui nossa possibilidade de fazer grandes coisas para o próximo. Esta é a maneira pela qual se pode conservar viva a fé e firme a esperança, virtudes que devem ser pedidas a Deus confiantemente, a fim de serem obtidas infalivelmente. Se no paraíso fosse possível sofrer decepção e desgosto - é pensamento de Santa Teresa, - seria por não ter feito por Deus tudo o que se poderia. Ter feito tudo será a maior consolação para a alma bem-aventurada. Quem se entregou a Deus deste modo julgará e não será julgado. O grande mandamento do amor a Deus, de todo o coração, só poderá ser cumprido perfeitamente no céu. Por que, então, Deus no-lo ordenou sem limites? Para nesta vida nos empenharmos em galgar, o mais alto possível, os degraus da perfeição. 124 - Amemos a Deus, Amemos a Deus! Nossa alma é filha adotiva de Deus. Por isso, traz impressos seus traços e sua imagem. Por meio da graça é elevada acima de sua natureza, é divinizada e deificada. Os anjos se orgulham em lhe prestar serviços. Cristo é seu irmão, e com Cristo tem em comum a herança e o reino. A quem daremos por esposa uma alma de tão elevada origem e adornada com essas inefáveis qualidades? A quem, senão ao amor divino? Deus nos pede para amá-lo e nos promete a vida eterna Ele próprio, como prêmio a quem o ama. Precedeu-nos no amor, pois, antes que existíssemos, Ele nos amou. Nem ainda podíamos pensar nele e Ele já desvelava a mais terna atenção para conosco. Derramou sobre nós, em grande quantidade, bens da natureza e graças, antes mesmo que fosse possível para nós reconhecermos qualquer benefício e, menos ainda, a fonte redentora de onde procedia. Finalmente, pudemos conhecê-lo e, então, sua bondade foi retribuída com a mais profunda ingratidão. Jamais, entretanto, Ele cessou de nos amar, embora continuássemos ingratos e inimigos. Pelo contrário, seu amor pareceu crescer ainda mais. Olhemos rapidamente para a cruz. Ela nos dirá bem claramente como o Homem-Deus conquistou nosso coração com o preço altíssimo de todo seu sangue. E a quem vamos entregar nosso coração senão a Deus? Amemos a Deus, amemos a Deus! 125 - Um Apaixonado por Deus: São Luís Gonzaga Pode-se muito bem dizer de Luís que, ao conhecer a Deus, nos primeiros anos do uso da razão, já começou a amá-lo. Era visto, ainda pequenino e sozinho, procurando Deus em algum canto da casa. Como Deus está pronto para manifestar-se claramente a quem o procura na simplicidade do coração, Luís esmerou-se em fazer com que nenhum outro pensamento e afeição pudessem distraí-lo ou ocupar seu coração, mantendo rigorosamente vigilantes todos os sentidos. Desde jovem, seu espírito se eleva rápido a uma altíssima contemplação da beleza divina. Ao crescer esse conhecimento, paralelamente cresceu também o amor. A primeira comunhão acende, em seu coração, a chama do amor a Deus, que resplandece e se irradia a ponto de transparecer em seu rosto e em seus olhos. Que rápido progresso tal chama causou em Luís! A sociedade fez de tudo para mantê-lo na vida da corte. Entretanto, seu amor intenso e vigoroso lhe abre, em pouco tempo, o caminho para voar e unir-se mais intimamente a seu Bem, na vida religiosa. Seu amor cresceu de tal modo que, nos poucos anos em que viveu aí, não se saberia dizer se era Luís que vivia ou se era Deus a viver nele. Na verdade, em sua vontade e seus sentimentos, só existia Deus. Mesmo suas atividades exteriores não só eram feitas por amor a Deus, mas nelas transparecia algo de divino, que movia o coração de quem o observava para pensar nas coisas do alto. Isso superava em eficácia qualquer outro meio que pudesse provocar o fervor. Eis como a Luís amava a Deus! ABANDONO EM DEUS 126 - Como É Grande Tua Bondade, ó Senhor! O Espírito Santo chama algumas pessoas para uma caminhada de maior perfeição, o total abandono em Deus. Pouquíssimos são os que compreendem o quanto Deus neles realizaria, se Ele não encontrasse obstáculo a seus desígnios. Isso não acontece só com as pessoas, individualmente, mas também no conjunto das comunidades. Requer-se de nós uma diligência aprimorada nos afazeres para não impedirmos o que Deus pode e deseja fazer. "Aprendi a respeitar tuas obras, ó Senhor" (Hab 3,2), dizia o profeta. Ao caminhar com diligência, fazendo outros também caminhar igualmente, poderíamos contemplar as magníficas obras realizadas pela destra onipotente de Deus. Não só ficaríamos maravilhados, mas, envolvidos pela estupefação e pelo ímpeto de admiração, sairíamos de nós mesmos. "Como é grande tua bondade, que reservaste aos que te temem, que demonstras para os que em ti buscam refúgio diante dos filhos dos homens" (Sl 31,20). O amor de Jesus nosso Senhor seja, pois, o motivo que nos estimule e atraia continuamente. "O amor de Cristo nos impele" (2Cor 5,14), já que ele corre ao nosso encontro a passos largos. "Eis que venho em breve" (Ap 22,12). "Vem, Senhor Jesus!" (Ap 22,20). "O Espírito e a Esposa dizem: "Vem!". Aquele que ouve também diga: "Vem" (Ap 22,17). Lembremo-nos de duas expressões do Senhor. A primeira, "sem mim nada podeis fazer" (Jo 15,5). A outra, "tudo posso naquele que me dá força" (Fl 4,13). Saibamos confiar na riqueza do Espírito e no amor, segundo o mandamento de Cristo (Lc 24,49). Revestidos, então, da força do alto, acharemos fácil o impossível. 127 - Feliz de Quem se Perde Neste Abismo O Senhor deseja que nos recordemos dele e que nossos pensamentos e nossas afeições sejam sempre fiéis e voltadas para Ele. E se porventura nos esquecemos de algo muito importante, Ele saberá como nos lembrar ou sua Providência saberá nos conduzir até o objeto esquecido, muito melhor do que teríamos feito com nossa memória e nosso pensamento. Na verdade, somos sempre mais diligentes quando "amamos a Deus". Feliz aquele que se esquece de qualquer outra coisa pessoal para se lembrar "de Deus, somente!" Feliz daquele que se perde neste abismo, lançando-se com vontade e por completo neste oceano! Nunca está tão segura uma criança quando, adormecida no colo da mãe, abandona toda preocupação. Parece nada ver, ouvir e falar. A mãe vê, ouve, fala e age por ela; e, quando quer, pode e sabe como acordá-la, por estar ao lado dela. Não é suficiente a alegria de nos deixarmos atrair pelos perfumes de Nosso Senhor, mas temos que pedir, com fé e confiança: "leva-me atrás de ti" (Ct 1,4). Então, sustentados por sua mão, sentiremos nosso espírito unido ao de Deus e transformado em uma só coisa com Ele. Não somente caminharemos e correremos, mas daremos saltos de gigante. Um homem de oração vai ao encontro das coisas, conforme o Senhor as dispõe com sua Providência. Não se previne, não se antecipa. Tudo está predisposto, tudo é tranqüilo. Não é precipitado, nem apressado. Aguarda o tempo e as circunstâncias. Tudo, seguindo Deus. Muita oração é necessária para se obter essas luzes que vislumbram, confirmam e aperfeiçoam o conhecimento dos desígnios de Deus. 128 - Nós Estamos em Deus e Nele Vivemos Quem, por acaso, poderá agradecer dignamente, não digo a todos, mas mesmo à um só dos benefícios divinos? O primeiro de todos eles certamente é nosso existir. Foi-nos dado uma vez para sempre na criação e é renovado constantemente por meio de sua conservação. Deus mantém as criaturas na existência que lhes deu, afirma São Tomás, e continua a sustentá-las. Caem no nada quando Deus tira sua ação contínua e necessária. Portanto, a mesma onipotência que Deus usou para nos criar do nada a empregou conosco depois para nos conservar até este momento. Desejamos, portanto, abrir os olhos para agradecer esse dom, talvez não reconhecido ou não suficientemente apreciado pelo valor que possui em si. Com nossa existência, a vida, já observamos, alguma vez, as múltiplas e ocultas causas, das quais depende a vida de nosso corpo? Não existe máquina alguma que disponha de tão complexa harmonia de engrenagens tão perfeitas e delicadas! Já notamos alguma vez os inumeráveis perigos que ameaçam o curso da vida e podem provocar a morte? Imaginemos, por um instante, a contínua e vigilante assistência do Artífice supremo para conservar nossa vida temporal. E se a vida, mantida até agora por Ele, é reconhecida como dom, tenhamos a consciência, também, das obrigações que devemos assumir para cuidar dela com dedicado e incansável zelo. Ó imenso e excelso benfeitor! Quanta solicitude tem para conosco vossa Bondade! Agora entendemos a força das palavras do Apóstolo: "nele vivemos, nos movemos e existimos" (At 17,28). Estamos em Deus como em quem nos conserva, mantendo-nos o ser a todo instante. Não só estamos nele, mas nele vivemos, desde o momento em que conserva em nós a vida que nos doou junto com o ser. 129 - Os Principais Dons de Deus Os principais dons de Deus são aqueles que se referem ao espírito e conduzem à vida eterna. O primeiro é a fé, que Deus maravilhosamente conserva ainda hoje em nós. De fato, não é prodígio de gratuita misericórdia que, açoitado por ondas borrascosas do mar agitado, ao sopro de ventos poderosos, em meio a tantas iniqüidades, este excelso dom não tenha ainda sofrido um naufrágio? Ao comparar os costumes de nosso tempo com aqueles dos povos que perderam a fé, devemos reconhecer que merecemos, mais do que eles, ser privados de tal graça. Por isso, somos obrigados a considerar, como especial benefício de Deus, o fato de que ela nos seja ainda conservada. O outro dom é a pregação da palavra de Deus. Basta relembrar que este é o meio mais comum e eficaz para a conversão dos pecadores e a santificação dos justos. E parece que, nos tempos atuais, Deus tem redobrado o dom do Espírito com seus proféticos pregadores. Realmente jamais foi lhes dado falar com tanto interesse, fervor e liberdade como hoje em dia. Procuremos não menosprezar dons tão singulares. Convém respeitá-los muito, porque, se não houver conversão de nossa parte, será bastante triste sentirmo-nos abandonados após longa e paciente atenção que nos foi prodigalizada. Porém, se estivermos decididos a nos converter totalmente a Deus e fizermos o que nos é possível para que também os outros se convertam, poderemos ter a certeza de que receberemos dons ainda maiores. Se Deus beneficia até seus inimigos, quanto mais os que se convertem, os que com Ele se reconciliam e tornam-se seus amigos! Elevemos, pois, nosso coração e unamos nossas vozes para agradecer e bendizer tão excelsa, amorosa e infinita Beneficência! 130 - Deus nos Beneficia, embora Sejamos Indignos Reflitamos um pouco sobre a quem Deus concede benefícios tão imensos e contínuos. Talvez, a filhos obedientes? A amigos que prezam a própria honra? A súditos que observam suas leis? Se assim fosse, suscitaria, no mínimo, grande admiração, pois um soberano tão poderoso e excelso estaria se rebaixando para cuidar de criaturas pobres e vis. O fato de que ele derrame dons e favores sobre filhos que dele se afastaram com ingratidões ou súditos que se rebelaram contra suas leis supera qualquer tipo de admiração. Por acaso, não somos nós exatamente assim? Honramos como se deve ao Pai celeste quando, publicamente, nas praças, ruas e esquinas, se desonra "seu santo e terrível nome?" (Sl 111,9). Onde está a obediência às suas leis? Mesmo nós, cristãos comprometidos, procuramos fugir muito sorrateiramente do grupo dos culpados. Não pecam só os que fazem o mal. Pecam, também, os que descuidam o dever da correção fraterna e àqueles a quem cabe, de alguma forma, a tarefa de impedir o mal, nada fazendo para impedi-lo. Todos, portanto, devemos, com humildade, reconhecer-nos pecadores. Mesmo diante de nossa fraqueza, saibamos que Deus vai continuar a nos conceder graças. Embora sejamos indignos e merecedores de muitos castigos, Ele, no entanto, cumula-nos, assim mesmo, de seus maiores dons. 131 - Tudo Concorre para o Bem dos que Amam a Deus Deus dá talentos suficientes, segundo a finalidade da vocação. Jamais devemos duvidar disso, mesmo diante dos mais difíceis compromissos. Para Ele, não há diferença em nos ajudar em pequenas ou grandes obras. Por um certo aspecto, essas últimas são mais dignas dEle, mesmo sendo verdade que, diante de um Ser infinito e perfeito, tudo é pequeno e de pouca monta. Por outro lado, tudo o que é pequeno e de pouca monta torna-se imenso quando é feito para Ele. Feliz aquele que confia na Providência divina! Nada tem a temer, mesmo quando algo dificulte os seus anseios ou tende a impedi-lo. É próprio da Providência dispor tudo, em vista do fim pretendido, suave e vigorosamente ao mesmo tempo. Ela se serve de tudo, quer das coisas favoráveis ou adversas, quer da boa ou má vontade dos homens. "O Senhor realiza tudo quanto quer no céu e na terra" (Sl 135,6). "Não há quem possa resistir à tua majestade" (Est 4,17c). "Sabemos que tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus" (Rm 8,28). Não causa admiração alguma tudo o que Ele vai fazendo em nosso favor, considerando-se que se deixou elevar na cruz, por nosso amor. Oh! Quão bom é o Senhor! Quanto supera todo nosso louvor! Por isso, nós, vermes miseráveis, não devemos jamais cessar de louvá-lo. E, por incrível que pareça, precisamos acreditar que nossa miséria será transformada, um dia, em glória imensa, pois seremos semelhantes a Ele. Seja louvado, bendito, amado para sempre. 132 - Caminhar sobre as Ondas Quem está no meio das ondas lembre-se de que o Senhor está com ele, mesmo dormindo no barco. Lembre-se também do "vem" dirigido a São Pedro (Mt 14,29), que o fez caminhar sobre as águas. Ó amorosíssima, embora ocultíssima, Providência de Deus! Quem poderá ter medo, permanecendo em suas mãos e sob sua proteção? (Sl 91,1). Vivemos sempre envolvidos em um mar de afazeres e dificuldades. Não obstante, devemos continuar caminhando, ainda que, tantas vezes, nos encontramos na escuridão, aguardando ser conduzidos à claridade pelo bom Deus que nos guia, como e quando quer. Vós, também, colocais a confiança em Deus. Ele pôde, com um pão assado nas cinzas, alimentar Elias, aflito e debilitado, para agüentar uma longa caminhada (1Rs 19,7-8). Façamos, com total liberdade, o que nos aconselha a prudência em quaisquer circunstâncias, confiados sempre na amorosa Providência de Deus. Isso é o que importa para sua glória. Além disso, procuremos estar sempre com todas as nossas atenções e os nossos desejos voltados para Ele. Se tivermos a paciência de esperar, veremos não somente realizados, mas enriquecidos os nossos desejos. Quem confia em Deus jamais será confundido ou envergonhado. Às vezes, Deus Nosso Senhor faz as coisas saírem de modo diferente do que se havia projetado, a fim de que se saiba que "se o Senhor não constrói a casa, em vão labutam os seus construtores" (Sl 127,1). 133 - À Noite o Senhor Faz Brilhar as Estrelas As obras divinas têm também suas provações. Com isso, Deus quer mostrar que é Ele quem as dirige e conduz a bom termo, afastando a mão do homem, mediante as dificuldades que permite. Assim, o ser humano cede humildemente o passo ao da divina Providência, porque vê claramente que todo êxito e crescimento apenas depende dela. É por isso que, quando é noite para nós, é dia para Ele, pois bem sabe o que deve fazer. Cabe a nós, portanto, levantar as mãos ao céu, quando não sabemos onde colocá-las, nem o que é melhor pedir a Deus. "Vós que durante a noite estais de serviço na casa do Senhor, levantai as mãos para o santuário" (Sl 134,1-2). Esta é uma lição que Deus ensina a todos os que estão em sua escola. "E a noite é clara como o dia" (Sl 139,12). É uma outra lição que nosso bom Pai nos deu desde o princípio, quando tirou a luz das trevas. E, em sua bondade, está disposto, ainda hoje, a continuar nos concedendo, quando transforma a incerteza em que nos deixam nossas obras, no esplendor admirável de sua glória. Portanto, "espera no Senhor e faze o bem" (Sl 37,3). Jamais percamos o ânimo! O paraíso será sempre dia claríssimo. Lá, de modo algum, perderemos de vista nosso Senhor. Enquanto, porém, estamos nesta terra, os dias e as noites se revezam. Mesmo assim, prosseguimos nosso caminho, porque, até à noite, o Senhor fará brilhar alguma estrela. Pode acontecer que, em alguma noite tempestuosa, tenhamos que diminuir as passadas, talvez caminhando com hesitação sobre as águas e forçados a olhar para as ondas. Isso não quer dizer que saímos do caminho, mas que apenas vacilamos, por um instante. Certamente, o Senhor, então, irá nos repreender naquele momento: "homem de pouca fé, por que duvidaste?" (Mt 14,31). Mas, ao mesmo tempo, sustentar-nos-á com sua destra, colocando-nos, logo, sob sua proteção. Seja bendito, portanto, o Senhor. 134 - A Igreja, Modelo de Abandono em Deus É este o modo correto de proceder: dar um passo para onde se vê com clareza, esperando para dar o segundo, conforme o aumento da claridade. Se quando vamos agir, estamos envolvidos pela escuridão, o Senhor, com os dons da esperança, caridade e consolação, mantém-nos firmes para aguardar a hora da luz plena, a fim de poder começar a agir. Se, ao contrário, já estamos em plena luz, ele nos impele para a ação. Parece ser também esta a prática de sua Esposa, a Igreja. Mesmo ancorada pela promessa divina, que promete a assistência do Espírito Santo, não deixa de buscar luzes para agir. Ainda que veja com clareza, não deixa de investigar, estudar, consultar, para prosseguir ainda mais na claridade e na atuação. Por outro lado, quando se vê impedida de agir, aguarda o melhor momento, confiando em Deus. Em ambos os casos, ela é sempre coerente com seu abandono em Deus. Reside aí, sem dúvida, o perfeito modelo para nosso abandono no Senhor. Grande virtude é abandonar-se nos braços onipotentes da Divina Providência, quando não sabemos como agir. Todavia, muito mais perfeita e consumada virtude é, podendo e devendo agir com nossas mãos, segundo a ordem estabelecida pela Providência, não cessar de nos abandonarnos totalmente em suas mãos para agir. Assim parece que se comportava aquele que dizia: "eu vivo , mas não eu: é Cristo que vive em mim" (Gl 2,20). "Quem fala, seja porta-voz de Deus" (1Pd 4,11). A CARIDADE FRATERNA 135 - As Raízes Profundas da Caridade Cristã A caridade é, primeiramente, a perfeita amizade existente entre nós e Deus. Todavia, em vista de Deus, estende-se também ao próximo, porque é um ser totalmente de Deus, pertencente só a Ele, criado à sua imagem, feito seu filho, remido com seu sangue, capaz, juntamente conosco, de obter igual felicidade eterna. "Vós todos sois o corpo de Cristo e, individualmente, sois membros desse corpo" - ensina São Paulo (1Cor 12,27). Portanto, como membros, devemos ser solidários uns com os outros pelo bem temporal de cada um e, mais ainda, pela salvação eterna de todos. Experimentamos em nosso corpo como um membro ajuda, carrega, sustém, orienta, defende, alimenta o outro. É dessa recíproca solicitude que deriva a saúde completa do corpo e a de cada membro. Vamos supor, entretanto, que cada membro só visasse ao que lhe pertence: o pé se detivesse em um preguiçoso repouso, recusando a transportar os demais membros; a mão não apresentasse o alimento ao paladar; este, por sua vez, satisfeito com seu sabor, não o enviasse ao estômago; e o estômago, muito guloso, guardasse tudo para si, negando aos outros membros o sustento necessário. O que aconteceria? Morreriam o corpo e seus membros. Visto que somos um só corpo, em Cristo, e seus membros, tudo isso aconteceria conosco se cada um só procurasse o que lhe interessa. Estupendo ensinamento! Solidarizemo-nos, pois, uns dos outros (1Cor 12,25). 136 - A Caridade Cristã É Suave "Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei" (Jo 15,12). A caridade de Cristo apresenta algumas qualidades específicas que me devem servir de modelo. Ela é suave, benéfica e universal. Se faltar uma dessas características, não é cristã. Primeiramente, a caridade de Cristo é suave em tudo. A partir de suas maneiras exteriores, já se pode observar nEle um inalterável equilíbrio e moderação. O que não teve que suportar de um povo rude e incrédulo? Com enorme paciência tratava inúmeras pessoas hostis e a elas procurava se adaptar para persuadi-las e conquistá-las. Numa palavra, "eu me fiz tudo para todos" (1Cor 9,22). Que desprezos Ele sofreu, sem se queixar! Quantas resistências e contradições de seus apóstolos, pobres pescadores, sem cultura e de escassa educação! Quanto não lhe custou formá-los! Muitas vezes se envolveram em conflitos e alterações entre si. Ele procurava fazer de tudo para pacificá-los, convivendo junto e estabelecendo comunhão com eles, apesar de certo desgosto que isso lhe pudesse causar. Por isso, Jesus pôde dizer com toda veracidade: "aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração" (Mt 11,29). Aprendei como deveis vos comportar também. E eu, já aprendi a suportar as fraquezas dos outros? Embora seja necessário que os outros também saibam suportar as minhas fragilidades, seria enorme injustiça pretender compreensão e perdão dos outros e não lhes oferecer nada de minha parte. Os eventuais defeitos dos outros têm que aperfeiçoar e purificar minha caridade e jamais enfraquecê-la. Além disso, devo aprender a conviver com pessoas que possuem idéias próprias, mal-humores, caprichos, preconceitos e defeitos pessoais, como eu os tenho também. Não me cabe mudar tais pessoas. Além do mais, não o conseguiria. Pela promoção da paz e manutenção da caridade não me resta senão procurar me adaptar a elas, conquistando-as pela ternura. "Felizes os mansos, porque receberão a terra por herança" (Mt 5,5), ou seja, saberão reconciliar os corações. Um razoável domínio sobre mim mesmo poderá prevenir tantos males. Vale a pena impor-se algum sacrifício para conquistar corações. 137 - A Caridade Cristã É Benéfica Cristo usou seu poder divino para acumular de graça aqueles cujas imperfeições teve que suportar com tanta doçura: "por toda parte ele andou fazendo o bem" (At 10,38), expulsando demônios, consolando aflitos, curando enfermos, ressuscitando mortos, anunciando o reino de Deus e doando-se continuamente pela salvação das almas. Eu não posso, como Jesus Cristo, fazer milagres em favor do próximo. Porém, existem, todo dia, ocasiões de prestar serviços e de ajudar os outros. É o que faz a caridade cristã. Para isso, tenho eu usado todo ardor e empenho necessário? Ou sou, por acaso, uma daquelas pessoas indiferentes, preocupadas apenas com os próprios interesses, incapazes de impor-se um sacrifício para agradar os outros? Se, em força de meu encargo, tenho obrigação pessoal de prestar socorro ao próximo e de prover às suas necessidades, como estou me desempenhando nisso? Faço-o com perfeição, de boa vontade e com amor? Jesus Cristo nos advertiu, bem claramente, que seremos tratados pelo Pai do mesmo modo que o fizermos com nossos e seus irmãos. De acordo com tal critério, o que posso esperar de Deus e com que certeza poderei pedir-lhe que derrame sobre mim a riqueza de suas graças? 138 - A Caridade Cristã É Universal A caridade de Cristo é admirável quanto à sua extensão. Fora enviado por seu Pai para todos os homens. Porque os amava por causa de seu Pai, ofertou-se igualmente em prol de todos e a todos indistintamente se dirigia, sem exceção alguma. Hebreus e pagãos recebiam dele os mesmos ensinamentos e as mesmas curas, tanto para a alma como para o corpo. Jamais foi visto manifestar alguma repugnância pela miséria e pobreza de alguns e muito menos dar preferência a outros, por motivo de riqueza ou poder. Mesmo aqueles que se declaravam abertamente e injustamente contra ele, o encontravam sempre disposto a prodigalizar-lhes todo o bem que se podia esperar do divino Salvador. Dependia apenas deles obter as graças de que Ele era dispensador. Por seu lado, Jesus não só se mostrava sempre disponível, mas, para tal fim, os procurava, convidava e chamava. E eu? Se não me esforço para fazer chegar a este ponto a minha caridade, exerço apenas uma caridade imperfeita ou falsa. A genuína caridade cristã faz que amemos o próximo em consideração a Deus Pai e por causa dEle. Ora, essa motivação não estabelece limites. Querer restringi-la a certos indivíduos sem estendê-la a outros significa destruí-la por completo ou aniquilála. Por isso, o Filho de Deus e depois dele os apóstolos, recomendando-nos o exercício da caridade, como um dos empenhos mais fundamentais, usaram uma expressão bem geral: amai vossos irmãos, vosso próximo. 139 - A Caridade Fraterna: o melhor investimento Oh, Deus! Hoje em dia todos procuram somente os próprios interesses, o prazer pessoal e o que lhes é útil: "buscam os próprios interesses, e não os de Jesus Cristo" (Fl 2,21). Também nós vivemos somente à procura do que nos interessa. E, no entanto, pensando bem, deve-se dizer que jamais possuiremos o bem autêntico, se não guardarmos em nosso coração o bem ao nosso próximo. Temos que nos convencer, porém, de que todas as nossas possibilidades estão nas mãos de Deus e dependem dele. Ora, será que já nos esquecemos de que Deus condiciona tais possibilidades ao cuidado que devemos ter para com nosso próximo? É o que acontece, conforme se pode verificar na Sagrada Escritura. Já no Antigo Testamento está escrito: "quem dá ao pobre não vai passar necessidade" (Pr 28,27). E, vice-versa, quem despreza os pedidos do próximo necessitado sofrerá penúria. Quanto às vantagens espirituais, que são as mais desejáveis, o próprio Deus diz, pela boca de Isaías, que o coração bondoso para com o próximo será como um lindo jardim irrigado por fonte de água viva (Is 58,11). E ainda nos Provérbios: (Pv 23,13): "quem tapa os ouvidos ao clamor do pobre também clamará, e não será ouvido". Quanto ao Novo Testamento, diz o Evangelho: "a mesma medida que usardes para os outros servirá para vós" (Mt 7,2). E São Tiago (Tg 5,16) em sua carta: "orai uns pelos outros para serdes curados". Em seguida, após haver demonstrado a eficácia de tal oração, conclui com a afirmação: "quem faz voltar um pecador do seu caminho errado o salvará da morte e cobrirá uma multidão de pecados" (Tg 5,20). O que podemos desejar de mais claro, lógico e explícito do que isso? Retenhamos bem em nossa mente que quem quer fazer algo útil na vida deve procurar também o bem de seu próximo. Quem "não procura o próprio interesse", como ensina a caridade, encontrará o verdadeiro e o único caminho para consegui-lo. 140 - Não Julgueis e Não Sereis Julgados "E tu, por que julgas teu irmão? Ou tu, por que desprezas teu irmão? Pois é diante do tribunal de Deus que todos compareceremos... Portanto, não mais nos julguemos uns aos outros" (Rm 14,10-13). Devemos, pois, evitar suspeitas em relação aos outros, que é o veneno da amizade. Pode-se dizer que é pior ainda. As suspeitas assemelham-se à peste escondida e muito grave, capaz de provocar o afastamento de Deus e destruir a caridade fraterna. Trata-se, substancialmente, de uma forma de soberba. Talvez por isso as pessoas espiritualmente mais à frente na perfeição sejam as mais tentadas. Da humildade, ao contrário, deriva a simplicidade, que, primeiramente, leva a prestar muita atenção aos próprios defeitos ou àquilo que nos falta. "Por que observas o cisco no olho do teu irmão , e não reparas na trave que está no teu próprio olho?" (Mt 7,3). Se descobrires no outro algo que te desagrade, olha bem se não existe em ti algo semelhante, então, elimine-o. Se, ao contrário, descobrires no outro algo que te agrade, olha se tu também o possuis. Então, cuide bem disso. Se por acaso não o possuis, procure adquiri-lo. Quem quer cultivar a caridade autêntica para com o próximo chora pelas culpas que comete e se alegra pelas graças que recebe, bem como pelo proveito que consegue. Neste campo é muito louvável haver competição na busca da estima mútua (Rm 12,15). Procure, o quanto possível, falar sempre bem de todos, considerando, com muita humildade, os outros superiores a si mesmo, evitando procurar apenas os interesses pessoais, para valorizar unicamente os dos outros (Fl 2,3-4). 141 - Caridade e Reconciliação Pela caridade, Deus nos une ao próximo e a Ele, de modo que nosso melhor bem e o do próximo é a glória de sua Divina Majestade. "Que todos sejam um" (Jo 17,20). Unidos à multidão dos irmãos, como um só ser, a caridade faz que cheguemos a nos tornar um só ser com Deus: "como tu, ó Pai, estás em mim e eu em ti, que eles estejam em nós" (Jo 17,21). Se pela fragilidade humana surgisse entre os irmãos alguma discórdia ou desavença, deve-se logo procurar que, superada qualquer animosidade, se reconciliem cordialmente e com a devida compreensão reatem a amizade recíproca. São Paulo diz: "não se ponha o sol sobre vossa ira" (Ef 4,26). E o Senhor, no Evangelho: "quando estiveres levando a tua oferenda ao altar e ali lembrares que teu irmão tem algo contra ti, deixa a tua oferenda diante do altar e vai primeiro reconciliar-te com teu irmão. Só, então, vai apresentar a tua oferenda" (Mt 5,23, seguintes). Amar-se-ão todos mutuamente com santa caridade, evitando sempre qualquer ocasião que cause a menor ofensa, ou com palavras injuriosas ou pior ainda com fatos. Se alguém for ofendido por algum irmão, procure suportar o desacato com serenidade, por amor a Jesus. E se, por fragilidade qualquer, ofender alguém, procure reparar o mal prontamente, pedindo desculpas e usando todos os meios para afastar, definitivamente, qualquer possibilidade de ressentimento ou mágoa. 142 - Um Mártir da Caridade: São Luís Gonzaga "O amor não é interesseiro" (1Cor 13,5). Entre as notas características da caridade, indicadas por São Paulo em seu hino, na primeira carta aos Coríntios, esta é a mais notável e específica. São Luís deu exemplo justamente deste tipo de caridade de maneira contundente. Ao surgir, em Roma, uma peste mortífera, demonstrou ele cuidar muito pouco da própria vida ao expor sua saúde para ajudar os irmãos atingidos pela doença, especialmente nos hospitais públicos, onde com maior força ela se propagava. Em breve período de tempo veio a falecer, atingido pela epidemia. Provou, assim, que a caridade não procura seu próprio interesse. Bem antes disso, esta mesma caridade o havia levado a abandonar a idéia de entrar, seguindo à sublime inclinação de seus desejos, em um convento de religiosos contemplativos. Preferiu, ao invés, ingressar na Companhia de Jesus, na qual, através de perpétuo exercício do apostolado, novos combatentes se preparavam para sair em campo aberto. A finalidade deles era sustentar o peso das mais árduas e cansativas expedições missionárias, visando ao bem do próximo e à maior glória de Deus. Escolha de caridade esta digna do fervoroso coração apostólico de um São Paulo! Acendei em nosso coração, caro santo, uma só centelha de vossa ardente caridade. Despertai em nós uma viva chama que, ao irradiar-se para o próximo, mereça elevar-se até o céu, onde, unindo-se a Deus, por essência, o imenso fogo de caridade encontre o feliz descanso por todos os séculos. 143 - A Caridade Apostólica de São Zenão Como pôde este homem sozinho, em tão pouco tempo, erradicar e destruir males enormes que haviam, então, dominado o mundo? Eu o digo, em síntese: com a caridade. Ele a demonstrou logo que chegou a Verona com gestos de mansidão e jovialidade, desbaratando a idolatria. A caridade, vivenciada através do decoro e esplendor de sua santidade, arrasou as heresias da época. Não se pode esquecer que a caridade foi acompanhada pelo acervo de todas as virtudes heróicas e de todos os dons celestes, especialmente a sabedoria, que brotava continuamente de seus lábios. São Zenão transferiu a caridade de seu coração para aqueles dos fiéis. Isso, até certo ponto, contribuiu para tirar qualquer resquício dos males passados, renovando totalmente e reestruturando a sociedade de seu tempo. Este notável Padre e Doutor realizou, na prática, o que ele mesmo resumira, com muita perspicácia, com a belíssima frase: caritas transit in populum (a caridade passa para o povo). De fato, amava seu povo e esforçou-se para que o povo amasse seu pai. Os veroneses, admirados, acabaram descobrindo, em seu bispo, tantas virtudes, sabedoria e caridade, que foram impelidos a abandonar-se inteiramente a seus cuidados e governo. Este sábio deixou uma lei a seu rebanho: a amizade constitui o fim e o escopo último de toda e qualquer legislação sábia e une, com vínculo forte e suave, a sociedade toda. O amor mútuo, de fato, fundamentado sobre o relacionamento social, interliga, com vínculo sólido, os membros entre si e todo o corpo social à sua cabeça. Bem se pode afirmar, portanto, à luz da imagem de Isaías, que Santo Zenão foi o Serafim, inflamado de caridade ardente, iluminadora, ativa e eficaz, que, por meio da brasa da palavra divina, tocou os lábios de seu povo, contaminado e dividido pela idolatria e heresia arianas. Graças à ação do fogo ardente da caridade, renovou a sociedade e, ao mesmo tempo, a congregou na profissão do nome de Cristo. As tenazes, com as quais nosso Doutor mantinha a brasa próxima aos lábios, foram as Sagradas Escrituras do Antigo e do Novo Testamento, que ele explicava, convocando sua grei à fé genuína. Com isso, conseguiu que a igreja de Verona, orientada por sua doutrina, se tornasse gloriosa, renovada e sem mancha de vício, erro, defeito. O ESPÍRITO DE AMOR 144 - O Hóspede da Alma "O amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado" (Rm 5,5). O Espírito Santo nos é dado com toda a riqueza de seus dons, não só, mas também com a própria presença de sua Pessoa e, portanto, com a presença da Santíssima Trindade. A amizade estabelecida com a graça entre Deus e o homem exige a presença do amigo, o Espírito Santo, na alma do justo, com a finalidade de se unir a ela de maneira íntima e de habitar nela como em um templo, onde possa receber nossa homenagem de amor, culto e adoração. Assim, o Espírito Santo, juntamente com o Pai e o Filho, vem habitar na alma do justo como em seu templo, para poder aí permanecer com profunda intimidade. As três Pessoas divinas, Pai, Filho e Espírito Santo, vêm a nós, desde que nos aproximemos delas. Vêm com o esplendor da luz, para que nos aproximemos mais, abrindo bem os olhos do espírito, permitindo que nos iluminem interiormente. Vêm com o poder do auxílio divino, para que nos aproximemos ainda mais, preparando nossos corações para a obediência filial. Vêm com a riqueza de seus dons, para que nos aproximemos com humildade, dispostos a recebê-los. Segundo o desígnio divino, tal habitação da Santíssima Trindade em nossos corações quer ser uma realidade concreta, não passageira e provisória, mas duradoura e eterna. 145 - Como Acolher o Espírito Santo e Suas Inspirações O Espírito do Senhor, como se apossou de Sansão (Jz 14,6), assim o faz também com todo o justo, a fim de realizar obras espirituais e heróicas. Portanto, que o Espírito domine e dirija nossa vida como o piloto governa o navio e o cocheiro, a carruagem. Não só o corpo, mas a alma também precisa estar sujeita à condução do Espírito, pois o Senhor quer que ao Espírito estejam sujeitas todas as potencialidades da alma. Não são suficien-tes o batismo e os sacramentos. Se não te deixas conduzir pelo Espírito, perdes a adoção. As divinas inspirações são como mensageiros que precedem a chegada das pessoas importantes deste mundo. De fato, os mensageiros de sua Divina Majestade querem ser bem acolhidos e ouvidos, cabendo a nós realizar o que nos indicam. Depois deles, e quando tivermos preparado tudo, de acordo com seus conselhos, virá nos visitar o Senhor dos céus e da terra, em pessoa. Preparemos, portanto, preparemos uma digna habitação para tal Hóspede! "Ao ser humano cabem os projetos" (Pr 16,1), diz a Escritura. Logo, procuremos não só nos esmerar para preparar com o auxílio divino nossa alma, tendo em vista as visitas de sua Divina Majestade, mas com esmero redobrado temos que estar sintonizados, sempre e constantemente, com o Senhor. "Não deixes que te impeçam de pagar a promessa no tempo oportuno" (Eclo 18,22), diz ainda o Espírito Santo. De fato, o recolhimento, a atenção para não alongar demais as conversações e o cuidado em evitar toda frivolidade significam ter sempre o ouvido atento às palavras suavíssimas de nosso Criador. 146 - O Vento de Pentecostes "Desperta, vento norte e vem vento sul: sopra no meu jardim, para que se difundam os seus aromas" (Ct 4,16). No vento norte ou vento frio, que faz congelar e entorpecer tudo, está caracterizado o espírito do mal que se apossa dos malvados e bloqueia os germes do bem. O vento sul, entretanto, ou vento quente, simboliza o Espírito Santo, que, atingindo as almas dos eleitos, as liberta de todo torpor e as impele a realizarem, com entusiasmo, tudo o que é bom e perfeito. Que se vá, pois, o vento norte e venha o vento sul, soprando e espalhando, no jardim do Esposo, suaves aromas. Que se vá, também da Igreja e de qualquer alma, o espírito maligno e venha o Espírito Santo. Que Ele, com sua vinda, infunda o fogo da caridade nos corações e os liberte do torpor da indiferença. Como conseqüência, os aromas se elevam e se difundem, porque, com a vinda do Espírito Santo, o coração, que antes se mostrava gélido e entorpecido, passa a aquecer-se de verdade, sendo induzido à prática do bem. Que a voz do bem chegue rapidamente ao próximo, de modo que, ouvindo essas coisas, sinta-se estimulado também a fazer o bem. Desse modo, vai se propalar, por toda parte, com a efusão do Espírito Santo, o perfume das virtudes e o místico jardim se abrirá à floração, produzindo, posteriormente, frutos saborosos e abundantes..

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Santa Luzia:

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