Artigos Academicos Sobre Comunicacao Verbal

The New School for General Studies - Ushuaia, Terra do Fogo. O fim do mundo. Gelo e silêncio. No inverno chega a fazer 20º C abaixo de zero. É um dos lugares mais bonitos do continente. Em princípios do século XX, o governo argentino o transformou em lugar de castigo e confinamento. Ficaria conhecida como "a cidade maldita". Aqui está a penitenciária de segurança máxima para presos políticos e sociais. Ao Ushuaia... só se pode chegar por mar. Um barco militar faz a travessia duas vezes por ano. Os condenados são trasladados no porão, acorrentados. A viagem dura 29 dias. No presídio os espera um uniforme, um número, e uma vida de trabalhos forçados. Nunca receberão visitas. O plano era povoar e civilizar o ponto mais austral da Argentina a partir de uma colônia penal e do trabalho dos condenados. No dia 1º de maio de 1909, o coronel Ramón Falcón, chefe de polícia de Buenos Aires, faz com que se matem a dezenas de trabalhadores na Praça Lorea. Simón Radowitzky, anarquista russo de 18 anos, em novembro mata Falcón com uma bomba. É condenado à prisão perpétua. A sentença também estabelece 20 dias de isolamento a pão e água por ocasião de cada aniversário da morte do coronel. Do Ushuaia escreve a seus companheiros: "O apenado 155 está enfermo e débil." "O anarquista Simón Radowitzky" "continua sempre firme, sempre forte." O movimento anarquista mundial começa uma campanha pela libertação de Simón que durará mais de 20 anos, e o converterá no santo do anarquismo. Miguel Arcángel Roscigno é o secretário do Comitê Pró-Presos e Deportados de Buenos Aires. Ferreiro e anarquista, não conhece o apenado 155, mas ouviu os relatos da prisão. Em 1924, para preparar a fuga de Simón, decide empregar-se como carcereiro. O plano fracassa, porque em Buenos Aires, em uma assembléia operária, os comunistas o denunciam. "Roscigno, o famoso ácrata e inimigo dos milicos," "está de carcereiro no Ushuaia." Antes de abandonar o lugar, Roscigno incendeia a casa do diretor da penitenciária. ÁCRATAS Radowitzky, Wilkens, Di Giovanni, Gatti, Magrassi, Polke, Astolfi. São milhares... Milhões... Homens, mulheres, crianças... Espanhóis, alemães, italianos, russos... Vêm da fome, da guerra, da miséria, das perseguições... Buscam no Rio da Prata um lugar onde viver e trabalhar em paz. Entre eles... com eles... chegam os anarquistas. OSVALDO BAYER, ESCRITOR E HISTORIADOR Eles acreditavam que o europeu viria somente para trabalhar... E por isso já em 1904 se estabelece a... se começa a discuti-la em 1902... a Lei de Residência. A Lei de Residência dizia que todo o elemento anarquista deveria ser expulso do país. Todo dirigente de idéias "anti-argentinas", como se dizia, seria expulso a seu país de origem. Aos outros se mandava à famosa penitenciária de Ushuaia na Terra do Fogo, que era a Sibéria argentina. Para alguns, a travessia de barco dura mais de um mês. Chegam ao porto e são postos no Hotel de Imigrantes. Homens de um lado, mulheres e crianças do outro. A partir daí começam a organizar a vida. Buscam trabalho, se mudam para porões... para peças alugadas em cortiços. ABEL PAZ, BIÓGRAFO DE BUENAVENTURA DURRUTI. O que traz os anarquistas aqui é algo muito simples... Eles vêem um território onde se fala seu mesmo idioma, onde podem expandir suas idéias e, em geral, vêm fugidos da situação repressiva... A repressão na Espanha está na ordem do dia... A luta é contra o pistoleirismo patronal... Assim, vêm fugindo dessa perseguição, mas animados por transplantar as idéias libertárias a um território o qual crêem propício, tão propício quanto o espanhol. Na Argentina e no Uruguai necessita-se de mão-de-obra. Os recém-chegados se empregam nos trabalhos mais duros. A partir do local de trabalho começam a organizar-se, e a transformar a sociedade que os recebeu. LUCE FABBRI, HISTORIADORA. O movimento operário no Prata nasceu e cresceu libertário. Era um sindicalismo muito abrangente. Tanto podiam organizar uma greve... como uma campanha contra o alcoolismo, por exemplo. Em todos os sindicatos havia bibliotecas, se davam cursos... Em 1929 pude fazer... Meu primeiro curso de castelhano foi... um curso dado para operários, no Sindicato dos Padeiros. Os anarquistas não crêem na pátria. A única data que comemoram é o 1º de maio. Para os trabalhadores é um dia de greve universal, de protesto contra o capital e a exploração. Para os governos, é uma ato ilegal. O imigrante que se organiza já não é um imigrante benvindo. O mais valioso, talvez, dos anarquistas, e dos socialistas também, era, por exemplo, seu extremo pacifismo, sua crença nas bases... e na vida cultural. Sem vida cultural, não havia futuro para eles. E em todos os sindicatos... é uma coisa que realmente parece mentira, vista do ponto de vista de hoje... estava a biblioteca... e estava também o conjunto filodramático. Ou seja, todos os sábados à noite se fazia teatro. Mas um teatro de luta, um teatro que informava às bases. Uma minoria de anarquistas opina que o poder e a violência do Estado só se pode enfrentar com a violência dos oprimidos. Chamam a si mesmos "anarquistas expropriadores". Nos anos 1920 e 1930 comoverão Buenos Aires e Montevideo. Miguel Arcángel Roscigno foi, na opinião de seus companheiros, o mais inteligente de todos os anarquistas expropriadores. Esta é a história de Miguel Arcángel Roscigno. CECILIA ROBILOTTI, SOBRINHA DE ROSCIGNO - HISTORIADORA. A história dos Roscigno é uma típica história de imigrantes, dessas que se repetiram milhares de vezes no Rio da Prata. Eles vieram em 1887 para Buenos Aires, "fazer a América", como se dizia. Em Buenos Aires nasceram Miguel e três de suas irmãs... Da Itália chegam a Buenos Aires, de lá para Montevideo, e eventualmente fazem o circuito com o Brasil, coisa que era muito comum. Também passam pela etapa da casa de inquilinato, depois se mudam a uma casa particular, o que também era muito comum. E os ofícios também... Os ofícios que têm são de sapateiro, pedreiro... mas eventualmente os deixam, para assumir outro trabalho. Ou seja, é uma história das muitas que houve no Rio da Prata. Anos mais tarde, frente a um juiz, Roscigno recordará suas origens: "Nasci em Buenos Aires, em um lar de situação econômica desafogada." "Quando ocorreu, em 1909, a morte de Falcón," "interessei-me pelas idéias anarquistas." "Depois veio a Semana Trágica" "e conheci os irmãos Moretti," "ativos militantes nas fileiras operárias." "O tema de Sacco e Vanzetti" "agitou a massa operária de todo o mundo," "e se formou um comitê, no qual tomei parte." "A polícia nos perseguia impetuosamente." "Sofremos detenções." "Sob tais adversidades, nossas relações se intensificaram." A decisão sobre sua profissão tomou muito cedo. Ele queria ser mecânico ou ferreiro, e finalmente conseguiu trabalho em uma ferraria próxima à sua casa. Participou, junto com a ferraria em que trabalhava, da fabricação de toda a parte de peças em ferro do Pasaje Barolo. Na década de 1920 surge um novo... um novo elemento entre os anarquistas... que é o anarquismo individualista, mas também... com o qualificativo de "anarquismo expropriador"... Chamado pela imprensa burguesa de "banditismo". Os expropriadores eram de diversas nacionalidades... Havia italianos, espanhóis, gente nascida aqui... e havia também russos. O primeiro assalto expropriador é realizado por Boris Vladimirovich, um professor universitário vindo da Rússia. Em 1924 chegam à América os anarquistas espanhóis Buenaventura Durruti, Francisco Ascaso e Gregorio Jover. De norte a sul assaltam e realizam atentados. México, Cuba, Peru e Chile. Em 1925 estão em Buenos Aires. Até então atuaram sozinhos. Aqui encontram colaboradores locais: Andrés Vázquez Paredes e Miguel Arcángel Roscigno. Com eles assaltam o Banco San Martín. A polícia espanhola informa Buenos Aires: "É um bando temível," "responsável pelo assalto ao Banco de Gijón" "e pelo assassinato do cardeal Soldevila, de Zaragoza." Roscigno era um homem da base, da estrutura. Então Durruti e seus companheiros, Ascaso e Jover, não conheciam a cidade... e não conheciam a polícia... e não conheciam um montão de coisas... Então o verdadeiro conselheiro foi Roscigno, e também Emílio Uriondo, argentino de Magdalena, na pampa bonaerense. Eles foram os verdadeiros assessores de Durruti em suas atividades expropriadoras aqui. Dez anos depois, Durruti será chefe e guia dos anarquistas na Guerra Civil Espanhola, e figura emblemática do anarquismo mundial. Eu... ou os anarquistas... entendemos que o ladrão profissional, a pessoa que vive do roubo... que faz dele um modo de vida... nós a consideramos um burguês. Então a expropriação, nesse sentido, como meio de vida, não se aceita. Agora, como método, como estratégia revolucionária em momentos determinados, se utiliza, mas para resolver um problema coletivo, não um problema individual. E isso tampouco é novo! Lênin já o havia praticado em 1900, com Stálin e uma equipe de salteadores que possuíam, para engrossar os cofres do partido. Tinham também essa mesma prática! Isso não é novo no movimento operário! Sempre quando não se queira fazer disso uma profissão individual. Isso sim já é outra história! Este é o Hospital Rawson. No dia 1º de outubro de 1927, se espera o carro pagador. Na galeria, vários doentes passeiam ao sol. Entre eles, quatro homens com ataduras na cabeça. Quando chega o carro, os homens com as ataduras apontam as armas para o pagador, que lhes entrega o dinheiro. O policial que o acompanha saca a arma, e cai morto de um tiro. Os assaltantes cobrem a retirada atirando para cima. Surpreende a precisão e efetividade do golpe. Levam 141 mil pesos, uma soma bastante grande. Não se sabe os assaltantes são estrangeiros ou não. Com ironia, a imprensa mostra a polícia buscando às cegas. Os autores do assalto são os irmãos Moretti e Andrés Vázquez Paredes. Quem planeja é Miguel Arcángel Roscigno. A perfeição da obra chegará a ser, com o passar dos anos, sua marca pessoal. Minha posição frente à corrente do anarquismo expropriador é de rechaço absoluto... porque, como tática, é desastrosa. Desastrosa para qualquer tendência. Os Tupamaros ensaiaram-na, e, para eles, creio que foi negativa. De todo o modo, resultou muito negativa para o anarquismo. Leva ao caudilhismo, à militarização... faz vítimas... às vezes valiosas... por algo incomensurável frente à vida humana, como é o dinheiro. Roscigno foi a figura mais querida, e até aceita, por aqueles anarquistas que estavam contra a expropriação. E ademais, era o ás dos expropriadores. Era a cabeça pensante. Era quem dizia, ante os planos que lhe levavam, "isto sim", ou "isto não". Mas dava as razões, discutia com todos. De fato, os anarquistas expropriadores têm algo de épico... ou seja, nenhum historiador pode demonstrar... que houve um anarquista que roubou para seu próprio bolso, por exemplo. Esse é um traço que de alguma maneira faz deles simpáticos, sem entrar na análise da violência, porque é evidente que, em razão da violência em que estavam implicados, não andavam com mulheres... Respondiam com a mesma maneira brutal com que eram reprimidos pelos policiais. Sabiam bem que não se tratava de uma brincadeira de crianças... e que em qualquer operação que realizassem os esperava a morte, ou os esperava também matar. Logo do assalto ao Hospital Rawson, Roscigno e os irmãos Moretti atravessam o Rio Uruguai em um bote. Um delator comunica o destino. A partir de agora serão procurados em dois países. Alugam um carro, e se fazem passar por milionários argentinos que querem comprar terras. Vão de povoado em povoado. A polícia os segue, mas sempre chega tarde. Perdem-se finalmente em Montevideo. Os jornais informam sobre a perseguição em detalhes. As vendas sobem. No Uruguai não resta dúvida a ninguém: o cérebro do anarquismo expropriador se chama Miguel Arcángel Roscigno. Todos os dias a polícia recebe uma denúncia de alguém que acredita tê-lo visto. Quando vão atrás não está lá, ou não era ele, ou era uma brincadeira. Roscigno havia virado uma personagem... A imprensa falava dele, dizia que se caracterizava praticamente como um ator... Sua família de Montevideo permanecia incrédula. E, um dia, o jornal "La Tribuna Popular" publica que sua sobrinha, Blanca, havia dito que tinha estado em sua casa, vestido de velha. Ou seja, eles permaneciam incrédulos a tudo o que estava passando com o "tio Miguel". Tinham a imagem familiar do "tio Miguel", e realmente não acreditavam em nada do que se dizia no "La Tribuna Popular", que ademais utilizava uma linguagem muito agressiva. Nas primeiras décadas do século XX, o Uruguai entra na modernidade. Tem a legislação social mais avançada da América Latina. Na opinião do maior dirigente da época, José Batlle y Ordóñez, se trata de criar "um pequeno país modelo". Prepara-se para festejar, em 1930, o centenário de sua independência. Em Montevideo se constroem as grandes obras que caracterizarão a cidade durante todo o século. Em 1924 e 1928 ganham os dois primeiros campeonatos olímpicos de futebol, e recebe os desportistas como heróis nacionais. A capital é então uma cidade balneária que tem 450 mil habitantes, 7 grandes teatros, 80 salas de cinema, e 55 jornais. "A Atenas do Prata", como, com certa soberba, é chamada. O Uruguai é lugar de refúgio para perseguidos políticos. Recebe os que fogem da ditadura de Primo de Rivera, na Espanha, e do fascismo, na Itália. Entre os exilados italianos chega Luigi Fabbri, destacado intelectual do anarquismo europeu. Com ele vem sua filha, Luce. Chegar a Montevideo era outra coisa... Muito mais cálida... Minha mãe, sobretudo, sentiu muito isso. No dia em que chegamos me disse "Parece-me que voltamos a Roma". O que mais nos impactou foi o espírito de compreensão e de liberdade da gente comum. Quando Roscigno chega a Montevideo, depois do assalto ao Hospital Rawson, se encontra com três anarquistas catalães que acabam de desembarcar: Pedro Boadas, Agustín García Capdevila e Jaime Peña. Trazem-lhe uma mensagem de Durruti: "Durruti conhece a capacidade de Roscigno como planificador," "e sua coragem na ação." "Necessita dele na Espanha." Roscigno não aceita o convite, quer seguir lutando no Rio da Prata. Na capital, organizações operárias estão mobilizadas contra a condenação à morte de Sacco e Vanzetti. Há greves e atos de solidariedade. Miguel se sentia bem em Montevideo... Suponho que deveria ter amigos, mas... eu conheço a parte familiar e, evidentemente, ele tinha todo um ramo de sua família aqui, tinha sua irmã... Ele encontrava tempo para ir ao cais se banhar, para estar com seus sobrinhos... trazia-lhes balas, trazia-lhes tâmaras... Eles contam que para eles era uma festa a chegada do "tio Miguel" com brincadeiras, conversas, a família reunida à mesa... Mas nunca lhe perguntavam onde ficava nem aonde ia porque, claro, eram crianças... Talvez essa conversa conviesse mais com Teresa e seu marido. Mas a presença dele era constante, e a família sempre o recebeu. No centro da cidade, a poucos metros da Casa do Governo, Montevideo constrói o Palácio Salvo. É o edifício mais alto da América do Sul. É inaugurado no dia 12 de outubro de 1928. Na calçada em frente está, desde muito antes, o Câmbio Messina. É um negócio sólido e prestigioso. A cidade o considera um templo da fortuna. Na vitrine exibe moedas e notas estrangeiras. Carmelo Borga, de origem italiana, é o dono. O chefe de polícia advertiu a Borga que essa ostentação pode provocar até mesmo o mais honesto. No dia 25 de outubro de 1928, na Praça Independência, transcorre a vida normal e tranqüila da primavera. Às 14:30 um táxi se detém frente ao Hotel Barcelona. O motorista fica no carro e descem três homens. São os catalães Pedro Boadas, Jaime Peña e Agustín García Capdevila. Junto a eles, Vicente Moretti. Caminham até o Câmbio. Lá, um empregado baixa o toldo do negócio. Moretti aponta para ele. Há gritos de "Mãos ao alto!" O grupo adentra o local. O dono resiste, e García Capdevila o mata. Os assaltantes saem do Câmbio atirando. As pessoas gritam que os detenham. Chegam ao carro. O taxista se assusta, e Boadas o mata com um tiro. Na fuga, seguem atirando. O carro se perde a grande velocidade. Fernando O'Neill foi condenado a 22 anos, por um grave delito de sangue. Na prisão conheceu alguns dos assaltantes do Câmbio Messina. Ali tornou-se anarquista. Anos depois se transformaria em cronista e investigador do anarquismo de ação. FERNANDO O'NEILL, INVESTIGADOR DO ANARQUISMO. Roscigno participa da discussão da operação e não está de acordo, porque considera que, com base em seu conhecimento da sensibilidade riopratense, os sujeitos vão resistir, e será um massacre. Mas, como Roscigno estava de acordo com as expropriações com fins políticos e solidários, propõe uma operação alternativa, que consistia em assaltar o pagador da polícia de Montevideo. Os catalães não estão de acordo porque... Eles vinham com uma mentalidade que era própria da Barcelona dos anos 1920, onde havia um ambiente muito agitado e onde a violência com motivações políticas era coisa de toda semana. Havia uma espécie de cultura da violência que determinava que as pessoas que não estavam implicadas na ação raras vezes foram vítimas. As pessoas tranqüilamente se afastavam, olhavam para outro lado, e se acabou o assunto. A população de Montevideo não está habituada a tanta violência. Os assaltantes enfrentaram civis desarmados e, em todo caso, optaram por fazer fogo. A operação é um desastre. Leva muito pouco dinheiro e deixa três mortos: Carmelo Borga, pai de sete filhos, Víctor de Deu, engraxate, e José Hernández, taxista. Dois peões que passavam pelo lugar ficam gravemente feridos. Os quatro assaltantes e os três mortos são estrangeiros. E aqui chegamos ao episódio mais sombrio, relatado a mim pelo próprio Boadas. No táxi estavam Vicente Moretti, que era um motorista profissional, era um taxista de Buenos Aires, muito bom no volante, e o motorista, o dono do táxi. Então o homem, o dono do táxi, quando ouve os tiros fica nervoso e sai, abandona o veículo e se põe aí, no meio da calçada. Mas sem intenção, segundo Boadas, de deter ninguém, o homem apenas ficou nervoso. Então Boadas me disse: "Foi um erro meu," "se o tivesse empurrado com o cano da pistola" "o homem abriria caminho," "mas eu vinha esquentado, vinha nervoso..." "Fiz-lhe fogo"... o matou. Uma morte completamente... Ele fazia a auto-crítica. Mas veja bem, isso sim, sem dramatismo. Boadas era um homem muito frio. Um homem muito duro. Mas muito honesto. Ou seja, aceitava sua responsabilidade nessa morte absolutamente inútil. Não fazia em relação as demais, tranqüilamente as reivindicava. A imprensa exige uma vingança exemplar. Pede-se o restabelecimento da pena de morte. Empresas privadas e estatais oferecem um prêmio a quem ajude a capturar os assaltantes. "A Casa dos Namorados" se soma à campanha com uma contribuição patriótica: um majestoso quarto "Chippendale" para o denunciante. ANÍBAL PARDEIRO, FILHO DO COMISSÁRIO PARDEIRO. Respeitava muitíssimo papai, assim como respeitava mamãe, mas papai era uma pessoa que quase não parava em casa, pois tinha muito trabalho. Era um posto muito difícil... muito, enfim... problemático... E, logicamente, uma pessoa que está dentro do ambiente policial... está em um estado de espírito muito... Porque está vivendo um mundo completamente à margem do que é o da família. A polícia trabalha sem pausa. Destina a investigação a seu melhor homem, o subcomissário Luis Pardeiro. Um profissional provado, que resolveu os crimes mais difíceis. Pardeiro tem também motivos pessoais para aceitar o caso. Carmelo Borga era o pai de Maria Borga, e Maria Borga era minha madrinha, minha madrinha de batismo. E eram muito amigos Borga e papai. Perceba que papai tinha um interesse muito especial em prender essa gente que havia matado um amigo seu. O subcomissário Pardeiro tem formas peculiares de trabalho. É conhecido como homem de mão-de-ferro, inimigo declarado de ácratas e agitadores. Comenta-se que o viram no porto vestido de mendigo ou pedreiro, tratando de infiltrar-se entre os imigrantes para descobrir aos revoltosos. Havia uma anedota contada por mamãe de que papai tinha recebido uma fotografia de uma pessoa que havia roubado muito e havia desaparecido. Então papai pegou a foto, começou a indagar, e indagar... e se inteirou de que estava no Brasil. Então o que ocorreu a papai? Seguiu maltrapilho até a fronteira... e passada a fronteira vestia-se... assim como um mendigo que pede trabalho. Até que pôde localizá-lo. Quando o localizou, tornaram-se companheiros. Então faz com que ele se anime a dizer a papai "Vamos cruzar a fronteira e buscar as coisas que temos." E assim foi. Mas quando cruzou a fronteira, "Perdoe-me, mas está preso". A polícia pede à população que controle os novos vizinhos. Todo o indivíduo que tenha alguma atividade irregular, seja uruguaio ou estrangeiro, deve ser denunciado. Pardeiro faz buscas por toda a cidade. A polícia recorre às suas fichas e faz detenções indiscriminadas. Nenhum anarquista é inocente. Todas as suspeitas se centram em Roscigno. Vivo ou morto, há que capturá-lo. Alguém, interessado em cobrar a recompensa, informa: "Os assaltantes do Câmbio Messina estão na Rua Rousseau, n.º 41." Como poderia comprovar? Então o que lhe ocorre fazer? Passar-se por namorado de mamãe. Ou seja, mamãe vinha por uma rua, e papai vinha pela outra, que terminava nessa mesma esquina. E aí permaneciam uma hora, duas horas... namorando, conversando, ele beijando-a, acariciando-a... E recordo-me que mamãe, quando me contou tudo isso, disse-me: "Acompanhei a Luis..." "Não pode imaginar, voltei novamente a ser jovem," "porque eram beijos, e beijos, e beijos!" Trezentos homens da Guarda Republicana e da polícia cercam a casa. Cortaram água e luz. Ali estão os três catalães e os irmãos Moretti, com esposas e filhos. Todos resolvem entregar-se, menos um: Antonio Moretti queima o dinheiro para que a polícia não fique com ele. Depois se dá um tiro na cabeça. O dr. Rosenblad, médico forense, guardará o cérebro para estudá-lo. Acredita, como dizia o criminalista Lombroso, que "não há anarquista que não seja imperfeito ou corcunda," "e nenhum cujo rosto seja simétrico". "O Bando Trágico", como são chamados pela imprensa, caiu. Os catalães estão condenados à morte na Espanha. São autores de mais de 100 atentados. Os Moretti participaram do assalto ao Hospital Rawson. A "Cervejaria Oriental" oferece uma festa para a polícia e a imprensa. O subcomissário Pardeiro agrega outro triunfo à sua carreira. Mas a vitória está tingida de fracasso. Roscigno continua livre. Essa é a obsessão do subcomissário. Passarão mais de dois anos antes que se encontrem cara à cara. Papai tinha um interesse bastante vingativo no... Quero dizer, doía-lhe muito... E então, justamente, quando voltava para casa, papai tinha um pouco... dessa tensão que tem um investigador que está em um caso que quer resolver e se depara, aqui e ali, com inconvenientes para lográ-lo. Papai continuava nisso, e continuava, e continuava... Derrotados, desprestigiados... os anarquistas passarão o resto de seus dias na Penitenciária de Punta Carretas. Ainda que o presídio seja uma fortaleza, há quem pense em resgatá-los. Os fatos darão razão ao subcomissário Pardeiro: "Enquanto Roscigno não estiver preso ou morto," "não haverá vitória completa." Logo da queda da Rua Rosseau, Miguel Arcángel Roscigno volta à Buenos Aires. Ali se encontra com Severino di Giovanni, anarquista italiano partidário da ação violenta. Com ele assalta o pagador do Departamento de Obras Sanitárias. Roscigno acredita que a solidariedade entre os ácratas não é palavra escrita somente, e precisa de dinheiro, para seu próximo plano. É o único assalto onde atuam juntos Severino Di Giovanni e Miguel Arcángel Roscigno... onde se vê que Miguel Arcángel Roscigno aceitava Di Giovanni. Um realmente frio, nos momentos de perigo, como era Roscigno... um homem de sangue frio, um homem que calculava cada passo. E o outro, Di Giovanni, o apaixonado... a quem lhe propunham algo, lhe propunham qualquer ação, e ele ia, sem análise nenhuma. Coisa que Roscigno não fazia. Em 1930, Simón Radowitzky, o santo do anarquismo, depois de 21 anos, sai da Penitenciária do Ushuaia. Roscigno retornou a Montevideo. Perseguido e clandestino, vai ao porto receber Simón. O anarquismo tem agora um preso menos, mas há quatro novos condenados na Penitenciária de Punta Carretas. Radowitzky foi posto em liberdade com a condição de que deixasse o país. E o país que o recebeu foi o Uruguai. Então chegou a Montevideo. Eu também era uma recém-chegada. Encontramo-nos no primeiro dia de sua estadia aqui... E nos tornamos muito amigos. O mito se desvaneceu em seguida... Não tinha nada, nada, nada... nenhuma característica dos temperamentos violentos. Era na verdade tímido, sobretudo com as mulheres. Reservado, falava pouco. Estive com ele, conversando e conversando... em passeios... muitas vezes coletivos... pela ladeira do Cerro, pelas praias... E falamos das recordações da prisão. Do atentado não falamos nunca. E eu agora sinto por não lhe haver perguntado. Em uma tarde de maio de 1930, uma família italiana se instala em frente a Penitenciária de Punta Carretas. O novo vizinho se chama Gino Gatti. Anuncia que vai abrir uma carvoaria. Em pouco tempo ganha a simpatia do bairro. Quando a inaugura, dá-lhe o nome de "O Bom Negócio", e promete prontidão e esmero nos pedidos. Meses depois, os vizinhos reconhecerão em uma foto um dos visitantes assíduos da carvoaria: Miguel Arcángel Roscigno. Nesse momento, em Montevideo, há duas grandes obras de engenharia em marcha. Em 1930 se organiza o primeiro Campeonato Mundial de Futebol. O Uruguai é eleito como sede, e constrói o Estádio Centenário. Enquanto isso, na carvoaria, se perfura um túnel até o presídio. Ainda não se pode apreciar o engenho dos construtores do túnel, nem os desafios técnicos que devem resolver. Previram inaugurá-lo no mesmo dia que o estádio. O Estado uruguaio cumpre sua promessa. O Campeonato Mundial conta, na data prevista, com o primeiro estádio construído expressamente para jogar futebol. A obra dos anarquistas se atrasa alguns meses. O primeiro a inteirar-se de sua inauguração é o juiz dr. Bolívar Valiñas. Em 18 de março de 1931, recebe uma chamada da Penitenciária de Punta Carretas. Por um túnel, fugiram sete anarquistas... entre eles os assaltantes do Câmbio Messina. Dias antes, Gino Gatti, dono da carvoaria, fechou o negócio e se foi. Os vizinhos não sabem aonde. Em setembro de 1971, 106 guerrilheiros fogem da Penitenciária de Punta Carreras. A operação, planejada com o nome de "O Abuso", permitirá aos Tupamaros ingressar no Livro Guinness dos Recordes, no capítulo "As maiores fugas de presídios". JULIO MARENALES, DIRIGENTE DO MLN-TUPAMAROS. Houve uma tentativa de... fazer um túnel de fora para dentro... Digo "uma tentativa" porque se iniciaram os trabalhos mas foram muito difíceis... Havia que atravessar toda uma quadra para alcançar a casa... houveram acidentes... Então surgiu a idéia de um túnel de fora para dentro. Começamos a considerar a possibilidade de fazer o inverso. Porque o preso sempre pensa em ir, não em ficar. Estudamos muito bem a penitenciária... Tínhamos, mais ou menos, uns 23, 24 dias, que era o intervalo entre as inspeções que fazia o pessoal da penitenciária... a vigilância. A concepção e o plano da obra da carvoaria têm uma assinatura conhecida: Miguel Arcángel Roscigno. Da Argentina trouxe o dinheiro e o grupo de homens que a levaria a cabo. Quem fez toda a planificação do túnel, os desenhos, os cálculos todos, foi o engenheiro Manera, o companheiro Manera. Foi uma planificação muito perfeita, muito acertada, mas que contou com um erro que podia ter sido fatal: a casa onde terminaria o túnel, atravessando a rua, estava muito mais alta que o nível da rua. Gino Gatti é o diretor técnico da obra. Realiza os cálculos e os planos do túnel. Nunca foi à universidade, mas a partir de agora será conhecido como "o engenheiro". Entrávamos entre meia-noite e 1h, e saímos quase ao nascer do dia, às 5h. O túnel dos anarquistas tem 50 metros. Parte da Carvoaria Bom Trato, atravessa a rua, e desemboca em um banheiro do pátio do presídio. Eles tinham a facilidade de trabalhar de fora. De fora se pode conseguir muito mais coisas, mais recursos de todo tipo, inclusive ferramentas, tudo isso fica mais fácil de conseguir. Tira a terra... Bem, sai com o carvão... um pouquinho de carvão em cima e terra. Nesse sentido foi mais fácil. Agora, era maior o túnel... E eles tinham um problema... A verdade é que acertaram exatamente no banheiro. Poderiam ter errado, poderiam ter saído no pátio. Segundo contou o próprio Roscigno: "O mais dificultoso foi a orientação e profundidade do túnel." "Desde o piso de nossa casa até a base dos alicerces do presídio," "havia 3,85 metros." "O pátio da penitenciária está em um nível inferior." "Alguns visitantes dos presos" "contaram quantos degraus havia para chegar ao pátio" "e nos completaram a conta," "de modo que o túnel tinha uma exata orientação," "e uma exata profundidade." Não sei exatamente como o realizaram, mas o cálculo foi fino. O nosso foi fino, porque pudemos entrar na casa sem problemas. Mas talvez nós tivéssemos melhores possibilidade para calcular. De foram viam a largura da casa, da calçada... Mas eles para medir, digamos, a distância dos banheiros, a largura das paredes, dos corredores, tudo... Não sei até onde não foi mais difícil o deles... Não sei, mas é possível que tenha havido mais dificuldades nesse sentido, do cálculo da distância. Ou seja, foi uma obra de engenharia importante. O homem que a fez, os que a planificaram... sabiam o que faziam, não? Andrés Vázquez Paredes é o encarregado de medir o alicerce do muro do presídio. "Uma tarde eu estava na carvoaria" "e vi que no muro" "um oficial se agachava como quem busca um som." "Enviei Andrés até o muro do presídio." "Logo voltou agitadíssimo..." "Havia escutado um golpe da picareta." "Suspendemos o trabalho." Não foi em meu turno, me parece que foi ao redor do meio-dia... O companheiro do turno que saía disse: "Encontramos uma coisa estranha, como uma escavação." Então começamos a especular e concluímos: "Esse tem que ser o túnel de 1931." Então o outro turno que entra... ilumina com a lanterna... depois todos fazíamos o mesmo... todos que entravam, logicamente, dávamos uma olhada no túnel. Enrique Malvicini é o escavador e quem trabalha com a picareta no túnel. "Foi muito difícil, no começo, engenhar como tirar a terra." "Construímos um carrinho," "mas quanto mais avançava o túnel," "maior era a força necessária e o ruído que produzia." Na parte em que o vimos, estava reto, perfeitamente reto. Porque se podia colocar a luz no eixo do túnel, no centro da abóbada, e a luz atravessava perfeitamente pela abóbada. Ou seja, estava muito bem direcionado! José Manuel Paz participou da construção de dois túneis na Argentina. Faz a instalação elétrica e encontra soluções frente a cada problema técnico. "A dificuldade com a ventilação não foi menor." "Uma tarde só pude salvar-me arrastando-me." "Estava semi-asfixiado." Quando o juiz Bolívar Baliña chegou à carvoaria, encontrou um cartaz: "A solidariedade entre os ácratas não é palavra escrita somente." Sabemos que eles deixaram um cartaz. Não sei quem... Deve haver algum companheiro que saiba, eu não sei... Quem foi o companheiro que teve a idéia de deixar também um cartazinho de despedida. Aqui se cruzam... duas gerações, duas ideologias... e um mesmo destino: a liberdade. Nunca acreditaram que iam fazer a revolução, atuavam para ajudar aos organismos, à organização do anarquismo e às publicações do anarquismo. Nisto está a diferença com os movimentos guerrilheiros que virão depois, nos anos 1960. Eles atuavam como uma espécie de apêndice, de ajuda e nada mais... mas nunca acreditaram que iam tomar o poder. Por isso não houve ações de tomar regimentos, ou coisas desse tipo... Ou matar indiscriminadamente políticos, pelos cargos que ocupavam... Os atentados realizados geralmente eram contra policiais torturadores, ou contra militares fuziladores. Em um subúrbio de Montevideo está Villa María Antonia. Um dia a carrocinha percorre a região. Um cachorro escapa e adentra a casa. O funcionário da carrocinha se chama Juan Sosa. Esteve preso em Punta Carretas como batedor de carteiras. Entra na casa seguindo o animal. No pátio está Vicente Moretti, lendo o jornal. Sosa o reconhece. Sabe que há uma recompensa por ele, e corre para a polícia. Cinqüenta e três homens armados para a guerra, com o apoio do Regimento 4 de Cavalaria, rodeiam Villa María Antonia. A rádio transmite a operação ao vivo. Fotógrafos e jornalistas são chamados. Os catalães não estão com Villa María Antonia, mas sim está Miguel Arcángel Roscigno. A detenção de Roscigno desata a alegria das autoridades. Foi o grande golpe contra o anarquismo expropriador no Rio da Prata. A pressão é tão grande, que se autoriza uma estranha conferência de imprensa. Roscigno declara: "Eu não sou chefe de bando algum." "Não governo ninguém." "Nós não admitimos diretor ou chefe." A polícia argentina felicita à uruguaia. Junto a Miguel Arcángel Roscigno caem Vicente Moretti... e os construtores do túnel: Andrés Vázquez Paredes, Fernando Malvicini, e José Manuel Paz. "Somos anarquistas e nada mais," "inimigos de qualquer tipo de autoridade." "Não admitimos que os homens se juntem" "e haja quem neles mande." "Não acreditamos que haja outra autoridade senão a moral," "quando voluntariamente aceita." Para o agora comissário Pardeiro, a captura do anarquista argentino é um velho sonho, por fim realizado. Pardeiro era uma espécie de besta negra para toda a esquerda uruguaia da época. Não apenas para os anarquistas, senão também para os comunistas... e para os trabalhadores em geral. Eram um homem que, no cumprimento de suas funções, não tinha nenhum escrúpulo em torturar a todas as pessoas das quais suspeitava estarem envolvidas em atividades mais ou menos ilegais. Eram um homem brutal, nesse aspecto. A polícia os obriga a desfilar diante de seus colaboradores durante horas. Os jornalistas uruguaios e argentinos descobrem que o fantasma sequer se chama Roscigna, senão Roscigno. APARICIO ESPÍNDOLA, ANARQUISTA - PADEIRO. Pardeiro é uma personagem sinistra. A mais sinistra que teve a população uruguaia. Um verdugo de alma. Manteve homens pendurados pelos pés durante 24 horas. Eu teria de dizer o pior, porque fui uma de suas vítimas. Há poucos anos a intervenção de um médico removeu-me uma cicatriz que conservava de um chute que me deu, no chão. Quebrou-me uma costela. Estive dois meses internado no Hospital Maciel. Frente a policiais e jornalistas, Roscigno denuncia: "Um comissário me vexou da maneira mais cruel," "Faltando-me o respeito como pai e como filho." "Eu estava acorrentado," "e houve um momento em que lhe disse que me soltasse as mãos" "porque aquilo era demais." "Melhor não mencionar seu nome." "Dentro de dois anos devo sair da prisão," "e então penso pedir-lhe explicações," "como devem fazer os homens." Pardeiro leva adiante uma investigação na aduana. Recebeu ameaça de morte. No dia 24 de fevereiro de 1932, sai do porto em um carro com motorista. Ao chegar à Rua Montecaseros, o motorista reduz a velocidade para atravessar a via férrea. Nesse momento, três homens atiram contra o carro. O motorista, com dois tiros no peito, perde o controle e cai do carro. Uma bala acerta Pardeiro na testa. No carro ficam 17 furos. Mamãe se inteira por uma vizinha, que tinha um rádio e ficou sabendo, e... Lembro que tiraram a mim e a meus irmãos... Tiraram-nos e nos puseram na casa de uma vizinha... para que mamãe ficasse sozinha. Eu queria ficar com mamãe e não me deixavam. E me recordo que... quando o levaram ao Cemitério Central... iam dois carros fúnebres, cavalos, flores e tudo mais... Estava presente o presidente da República da época... E recordo que o presidente estava agarrado comigo, mas o que eu queria era ir com mamãe, mas não via mamãe, mamãe não estava. Isso foi para mim... recordo que... ...uma coisa que me doía tremendamente. E se chorava, chorava por não estar com mamãe, para acompanhá-la... e chorava pela morte de papai. Um homem que se chamava Francisco Sapia, conhecido também como Bruno Antonelli, e cujo codinome de guerra era Faccia Bruta... um homem de ascendência italiana... de origem italiana, mas há muitos anos na Argentina... visita Roscigno e lhe pergunta se era verdadeira a versão segundo a qual Pardeiro o havia esbofeteado. Roscigno, segundo essa versão, o confirma. Do meu ponto de vista, sua resposta não é espontânea, mas perfeitamente deliberada. O caso de Pardeiro foi um justiçamento anarquista. Na Câmara de Representantes se propõe que os deputados se ponham de pé, em homenagem ao comissário assassinado. Houve deputados, é o caso de Grauer, por exemplo, que se negaram terminantemente, por uma questão de princípios, a prestar uma homenagem a esse funcionário assassinado. Tranqüilamente... Grauer explicitou que não podia prestar uma homenagem a um torturador. E também da parte do Partido Comunista houve expressões similares. A morte de Pardeiro é um dos últimos atos do anarquismo expropriador. O mundo marcha ao fascismo, ao nazismo e à guerra. Na Argentina, o golpe de Estado do general Uriburo, em 1930, desata a repressão contra a esquerda e o sindicalismo anarquista, em particular. A ditadura de Uriburo é, com sua grande organização repressiva, quem um pouco os leva ao ocaso. Persegue-os muito... Começa-se já a empregar os métodos de tortura... São os anos do aguilhão elétrico, do comissário Lugones, filho do poeta Lugones, que é chefe da seção especial... da Seção Política. Essa perseguição, essa repressão que, por exemplo, termina durante vários períodos até com o jornal "La Protesta", com as organizações, de todo tipo, do anarquismo... e com a morte dos expropriadores, ou a prisão dos expropriadores. Uriburo entrega um número bastante grande anarquistas, não somente expropriadores, mas dirigente operários, e tudo mais, à Espanha... aplica a lei 4144, de expulsão de estrangeiros... e também a Mussolini. Para os anarquistas expropriadores, é o começo do final: ou a prisão, ou a morte. Em 1931, um tribunal militar condena e fuzila Severino di Giovanni. Roscigno cumpre sua pena na mesma prisão onde estiveram os companheiros que ele ajudou a libertar. Naturalmente, a parte uruguaia da família, a parte instalada em Montevideo, foi a que se fez mais presente nesse período porque, claro, a mulher e a filha não podiam viajar a toda hora. Sua filha conta que viajava uma vez por ano, permanecia 15 dias... ficava na casa de seus tios... Mas a presença mais firme foi a de sua irmã Teresa, seu cunhado e suas sobrinhas, que sempre iam visitá-lo, sem jamais falhar. E isso marcava uma diferença com o restante dos presos, porque nem todos tinha familiares aqui no Uruguai. Isso preocupava muito Roscigno, que inclusive dizia às sobrinhas e à filha, sobretudo às sobrinhas, que tirassem ao pátio o restante dos presos. Em março de 1933, Gabriel Terra dá um golpe Estado no Uruguai. Roscigno é comunicado na prisão de que será fuzilado no caso de alguém atentar contra o ditador. No mesmo mês, recebe a notícia de que Gino Gatti, seu companheiro da carvoaria, está preso no Ushuaia. Já não há ninguém que possa ir resgatá-lo. Gino Gatti era o homem mais silencioso e mais trabalhador do grupo expropriador. E ele era um dos preferidos de Miguel Arcángel Roscigno. E ele volta para cá quando Perón, por pressão dos organismos internacionais de direitos humanos, fecha a Penitenciária do Ushuaia. É realmente muito emocionante... Havia presos que há 20 anos não viam seus filhos, suas esposas... Sofre alguns anos ali também na penitenciária, até que ao final sai e leva essa vida de recordações... recorda seus companheiros caídos, principalmente Vázquez Paredes e Miguel Arcángel Roscigno. A propaganda nazista chega ao Rio da Prata. São os anos da desesperança para o movimento operário anarquista. Na prisão, Roscigno não se deixa vencer. Estuda Cosmografia, Psicologia, História, escreve poesia. Esforça-se por reencontrar-se com sua filha. A relação de Miguel com Ernestina é uma relação muito especial porque, claro, não é normal... a questão da prisão se interpunha para uma relação fluída... Mas, para além do que poderia ter sido, do que alguém possa pensar, igualmente foi uma relação fluída. Porque Miguel sempre escreveu para ela, sempre se preocupou em dar-lhe conselhos e em acompanhá-la em seu crescimento... em todos os aspectos. Sobretudo preocupava-o a parte dos estudos, a parte moral e ética de sua filha. E ela também se abriu... Ela era uma adolescente, e lhe contava seus problemas, inclusive seus primeiros problemas de enamoramento... Contou a seu pai, e seu pai lhe dava conselhos... e conselhos muito pessoais! Conselhos que chamam a atenção, vindos de um anarquista, como: "Deve se enamorar de alguém que se enamore de você." Permanentemente enfatizava isso. Chama a atenção em um anarquista, sendo este um movimento que predica muito o amor livre. Mas, no entanto, o pai se punha muito firme nesse tipo de conselhos. Em Buenos Aires, Ernestina Roscigno vive na mesma casa que dividiu com Miguel Arcángel. Aos 82 anos, ainda lhe dói a lembrança do destino de seu pai. Ela conta que, quando criança, para ela ele era o herói... o mais valente, enfim... todas as qualidades. Quando vai crescendo se dá conta de que há algumas coisas que não fecham. Sua visão do pai é a de um pai perseguido, um pai que não está presente. Ela pensava: "Não é possível que tenha escolhido defender outras pessoas," "mas tenha deixado a família." Então há sempre uma permanente contradição em Ernestina, como não poderia deixar de ser. Finalmente faz a avaliação de que sua mãe trabalhou até os 76 anos, costurando sempre, e ela não considera isso justo. 1936. Na Espanha, é a hora de realizar o sonho do anarquismo. Mas os fascistas se alçam contra a República. Começa a guerra. Os anarquistas do mundo sentem que devem estar na frente de batalha. Simón Radowitzky, Jaime Peña, Agustín García Capdevila... Todos os sobreviventes do anarquismo no Rio da Prata vão pôr-se às ordens da Federação Anarquista Ibérica. Buenaventura Durruti, com quem Roscigno assaltou o Banco San Martín, dirige o mais poderoso corpo armado com que jamais contaram os anarquistas. Roscigno está fora de todas as lutas. O anarquismo expropriador morre. Surge o problema espanhol. Graças a grande influência que o anarquismo assume... é a revolução que mais se aproxima à idéia de revolução que têm os revolucionários do mundo... e os anarquistas exercem um papel essencial. Então é a última barricada, é a última esperança... se entende que é a última esperança... e que se não nos agarrarmos a ela, estamos fodidos. É preciso fazer com que essa revolução... alimentá-la ao máximo para que possa contagiar o restante da Europa... Que é o princípio da Revolução Européia, sim? A Espanha significou para muita gente... o alumbrão... a apoteose... Que importa se morremos? Nossa barricada temos que defender! Em novembro de 1936, uma bala no peito mata Durruti. Ao recordá-lo, seu companheiro Juan García Oliver reivindicou a violência anarquista. Os melhores terroristas da classe trabalhadora... os que melhor podiam devolver golpe por golpe... e por fim chegar a vitória do proletariado... nos separamos dos demais companheiros... nos unimos... e formamos um grupo... anarquista... ...um grupo de ação, para lutar. Contra os pistoleiros, contra os patrões, e contra o governo. E então, nos chamamos, o grupo, "Nós"... Os que não temos nome... Os que não temos orgulho... Os que somos uma massa... Os que pagaremos, um a um... Nós temos uma dívida... A dívida pagou Durruti! Porque Durruti se converteu em uma esperança para todos. Tinha uma posição muito radical, tinha... Era como o escudo da revolução, e nos parecia que sua morte havia perfurado a alma de todo um povo, e que era o fim da revolução. E por isso, quando as pessoas foram se concentrando na Vía Layetana, que depois ganhou o nome de Vía Durruti... estiveram aí algo próximo a um milhão de pessoas... foi um dos enterros mais apoteóticos... pressentia-se que algo de nós mesmos se ia. Em janeiro de 1939, Franco entra em Barcelona. Em março cai Madri. A República e todos os movimentos populares foram derrotados. Terminava a última grande esperança do anarquismo no mundo. Sim, podemos dizer que a Guerra Civil Espanhola um pouco... mas não somente... dada a derrota, de alguma maneira termina com... o grande movimento de massas anarquista na Espanha. Como o fascismo terminou com o grande movimento de massas anarquista que havia na Itália. Assim como repercutiu aqui na Argentina na forma dessa "Década Infame" que tivemos, justamente de grande perseguição. No ano de 1946 chega o peronismo, começa o poder peronista nos sindicatos... já começa a denominada "nova classe". A denominada "nova classe" é a gente do interior que chega e não tem nenhum sentido do sindicalismo. As leis vinham já oficialmente do governo, e não da luta de baixo. E é quando se trocam aquelas belas canções... "Filhos do povo, te oprimem correntes..." ou "A Internacional"... são trocadas por... "Perón, Perón, que grande és. Meu general, quão valoroso és." Miguel Arcángel Roscigno, Andrés Vázquez Paredes, Fernando Malvicini e José Manuel Paz são libertados em dezembro de 1936. A polícia, contra a opinião do juiz, volta a prendê-los. Estão armados, mas não resistem. O juiz volta a libertá-los. Quando cruzam o portão do presídio, os espera a polícia argentina. A família o interpretou, em um primeiro momento, como algo muito positivo... quase próximo à felicidade. Mas não era assim... Já em Montevideo o diretor da penitenciária havia oferecido a Miguel que assumisse um crime que estava sem solução, porque, lhe disse o diretor: "Se você for para Buenos Aires, podem passar coisas muito feias." "É melhor que fique aqui, pagando uma pena." Mas Roscigno não aceitou assumir um crime que não havia cometido. Então aceita como vem o destino e... e o mandam para Buenos Aires. Viajam algemados durante toda a noite, no vapor "Cidade de Montevideo", e são entregues ao Departamento de Ordem Social. A família compra coisas para lhe enviar, inclusive um chapéu... A filha vai visitá-lo no Departamento de Polícia... E aparentemente tudo corria bem, até o dia 25 de maio de 1937, que é a última vez que a filha o vê com vida. Ela vai levar-lhe comida e, chegando lá, lhe dizem: "A seu pai foi concedida a liberdade." E ela não podia crer, porque o pai não havia se comunicado com eles. Mostrara-lhe um papel, com a assinatura de Roscigno... Supostamente Roscigno estava em liberdade. Então aí começa a busca, a busca frenética que inicia, sobretudo sua irmã, e toda a família. Procuram-no em La Plata, há rumores de que esteja em Avellaneda... E por fim chega uma carta contando, com a letra do próprio Roscigno, de que está seqüestrado em um porão da Delegacia de Avellaneda... e de que está mal de saúde. Essa é a última notícia que têm... Logo se inteiram de que a pessoa que fez chegar a carta, um policial, aparece morto "acidentalmente"... O comissário Fernández Bazán, chefe da Polícia de Ordem Social, decide que chegou o final. Para acabar com os problemas, há que acabar com os prisioneiros. Mas a confirmação triste e real chega em Montevideo, quando Teresa recebe uma carta do diretor do jornal "Crítica", Natalio Botana, na qual diz: "Estimada senhora, lamento comunicar-lhe" "que a Mazorca argentina terminou com a preciosa vida" "de seu querido irmão." E se começou a dizer que os haviam levado ao Porto Dock Sud, que os haviam jogado à agua com pesos nos pés, e que estavam no fundo do Rio da Prata... Estes estão entre os rumores que circulavam na época. A verdade é que nunca mais se soube deles, nunca se encontraram seus corpos... Desapareceram. Andrés Vázquez Paredes, Fernando Malvicini, e Miguel Arcángel Roscigno, inauguraram a longa lista de desaparecidos que 35 anos depois fizeram do Rio da Prata um grande cemitério marinho. Simón Radowitzky... Combateu na Guerra Civil Espanhola. Morreu no México, em 1964. José Manuel Paz... Trasladado a Argentina, foi resgatado da prisão por um grupo anarquista. Pedro Boadas... Cumpriu pena de 24 anos de prisão. Morreu em Montevideo, em 1972. Vicente Moretti... Cumpriu pena de 22 anos de prisão. Voltou a Argentina. Não se sabe nada dele. Gino Gatti... Passou 16 anos na Penitenciária do Ushuaia. Morreu em Buenos Aires, em meados da década de 1960. Agustín García Capdevila e Jaime Tadeo Peña... Combateram na Guerra Civil Espanhola. Montevideo recorda com um placa o lugar onde foi assassinado o comissário Pardeiro e seu motorista, José Seluga. A Penitenciária de Punta Carretas funcionou como prisão até 1986. Em 1994 se transformou no "Punta Carretas Shopping Center". A Penitenciária do Ushuaia foi fechada em 1946. Hoje é um museu que depende da Armada Argentina. Há dois ramos da família Roscigno. Um vive em Buenos Aires, e outro em Montevideo. Legendas por blablebliblobluao..

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