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Weill Cornell Graduate School of Medical Sciences - A GRAMÁTICA DE Padre GASPAR. 4ª PARTE - TEMPO COMUM A IGREJA 147 - A Igreja, Esposa de Cristo Senhor, atraís vossa Esposa, dando-lhe a mão direita (Ct 1,3), enquanto, de nossa parte, correremos atrás da fragrância de vossos perfumes (Ct 1,3), ao seguir os ensinamentos que a Igreja nos oferece, por meio de palavras, obras e disciplina, que são os frutos de vossa graça. Senhor, atraís todas as coisas através da suavidade e da eficácia de vossa graça, segundo os desígnios de vossa adorável Providência: "quando eu for elevado da terra atrairei todos a mim" (Jo 12,32). Assim também atraís vossa Esposa, a Igreja, nossa Mãe, e os vossos filhos, que somos nós. Atraís vossa Esposa com a mão direita. Por isso, ela não apenas Vos segue, mas acompanha lado a lado, partilhando conosco, por meio de seu cuidado materno, os bens de vossa paterna Providência. Como simples filhos, não podemos correr convosco, pois dais não passos, mas saltos de gigante (Sl 19,6). Correremos, então, atrás de Vós, incentivados pela fragrância de vossas graças e seguindo os ensinamentos de nossa Mãe. E se, assim mesmo, não conseguirmos Vos seguir com a imensa afeição da esposa adulta, formada na escola do amor, Vos seguiremos por meio das primícias de nosso mais terno e juvenil fervor. 148 - A Igreja, Mistério de Comunhão A Igreja, esposa de Cristo, é uma imagem viva da divindade, especialmente quanto a seus traços principais, a começar pela unidade: Pai santo, guarda-os em teu nome, o nome que me deste, para que eles sejam um, como nós somos um. Que todos sejam um como tu, Pai, estás em mim, e eu em ti. Que eles estejam em nós, a fim de que o mundo creia que tu me enviaste (Jo 17,11-21). Esta unidade, através da união e do elo das partes, constitui tanto a beleza imutável como a força invencível da Igreja, linda como a lua, fulgurante como o sol e terrível como um exército em ordem de batalha. O Espírito de Cristo desce abundantemente da Cabeça, e vai crescendo à medida que cada um se dispõe a acolhê-lo. Se uma das mãos está separada do corpo, o Espírito, que procede da cabeça e chega a cada um dos membros, passando através do próprio corpo, não vai animá-la, permanecendo ela sem vida. Se quisermos receber o Espírito que procede da Cabeça, permaneçamos unidos uns aos outros. Sejamos, por isso, zelosos em conservar a unidade do Espírito, por meio do vínculo da paz. "Com amor sincero" (2Cor 6,6), não fingido, como é o daqueles que, tendo nos lábios palavras de perfeita caridade, na realidade provocam divisão entre si e tentam afastar os demais da unidade. Não haja entre nós diversidade de doutrinas, divisões em partidos. Um só espírito de fé nos anime a todos, pois somos um só corpo. Um só é o fim sobrenatural a que tendemos, como uma só é a esperança a que somos todos chamados. Um só é aquele que nos propôs tal fim e para ele nos orienta. Se há muitos pastores que nos conduzem, façam-no por causa da investidura e título em nome de um "só Senhor" (Ef 4,5). 149 - A Igreja, Mestra da Fé A Igreja Católica Apostólica Romana, minha Mãe, é a única que me ensina. E Deus ensina minha Mãe. Posso ter alguma dificuldade; por exemplo, há o dogma da predestinação divina e o da liberdade humana. Não interessa à minha fé como se conciliam estes dois dogmas. Deixo a solução para os teólogos. Como fiel, basta-me crer, adorar o mistério, respeitar as sentenças das escolas teológicas e refutar as heresias. Na Igreja, o Pastor supremo corrige os defeitos de fé e costumes com base na interpretação segura das Sagradas Escrituras e da Tradição. São Jerônimo, encontrando-se perplexo diante do problema de como reconhecer em Deus três hipóstases, não recorre à luz de sua mente, nem mesmo à sua vasta erudição, mas se orienta à luz da autoridade da Cátedra de Pedro. Pedro cuida de todo o rebanho. Se, por acaso, algum dos pastores venha a falhar, corre para corrigi-lo e recuperá-lo. A Pedra não falha: "tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e as forças da morte não poderão vencê-la" (Mt 16,18). Não vão prevalecer nem contra a construção, nem contra a pedra sobre a qual está alicerçada, pois, se a pedra fundamental viesse a falhar, toda a construção falharia. Pedro está autorizado a advertir com franqueza e poder: "ampara os teus irmãos" (Lc 22,32), mas o faz com mansidão para dar lugar ao arrependimento. Se viesse a bater contra essa pedra, quebraria a cabeça; se, ao contrário, nela me apoiar, estarei bem seguro. 150 - Como Cristo Governa a Igreja O meio fundamental com o qual Cristo sustenta sua Igreja são as Sagradas Escrituras, as profecias e os milagres: "esta é a vida eterna: que conheçam a ti, o Deus único e verdadeiro, e a Jesus Cristo, aquele que enviaste" (Jo 17,3). Assim, o estudo das Escrituras torna-se o caminho seguro para se conhecer a Deus e a Jesus Cristo, pois, mediante elas, o Senhor ofereceu à sua Igreja armas eficientes, como os divinos mandamentos, e inúmeros meios, como os conselhos que conduzem à santidade. Em seguida, Cristo passa a orientar sua Igreja por meio do magistério dos pastores, da pregação dos sacerdotes e administração dos sacramentos. Meios esses eficazes em si mesmos, ainda que, nem sempre, as pessoas, a quem são confiados, sejam exemplares. Os sacerdotes, mesmo se alguma vez celebrem indignamente, embora corram o risco de, espiritualmente, se perderem, cumprem, no entanto, a vontade amorosa de Deus ao apascentar seus fiéis e transmitir o dom vida. Há certos sacerdotes vaidosos e gananciosos que pregam, celebram missa, dirigem paróquias, estudam com afinco. Mesmo assim servem a Deus, ainda que suas intenções os levem à condenação. Enfim, Cristo guia e governa sua Igreja também através da experiência das tribulações: "em verdade, em verdade vos digo: chorareis e lamentareis, mas o mundo se alegrará. Ficareis tristes" (Jo 16,20). Nosso Salvador confiou à santa Igreja o peso e o sofrimento de sua cruz, com a finalidade de poder enriquecê-la no céu, por meio de dons excelentes: "vossa tristeza se transformará em alegria" (Jo 16,20). 151 - Os Sofrimentos da Esposa de Cristo A Igreja, governada de maneira enérgica e, ao mesmo tempo, suave pelas graças de seu Esposo, procura cooperar ativamente com elas, de modo que também ela se governe e se oriente. Ela tem como objetivo de atuação a perfeição da graça nesta vida e a glória na outra, especialmente, por meio das tribulações. Reflitamos, pois, sobre como conduz esse tipo admirável de governo, no qual sobressai-se quer a ação da Providência divina de seu Esposo que a governa, quer as virtudes singulares dela mesma. É graças a isso que ela sempre consegue orientar-se de conformidade com seu espírito. Convém relevar que as tribulações jamais hão de faltar à Igreja. Não apenas por causa das perseguições acontecidas no tempo de guerra, mas porque existem muitos outros tipos de sofrimentos que a afligem até em tempo de paz. Assim, por exemplo, existe a dureza do coração de tantos pecadores, a pertinaz obstinação de grande parte do povo eleito, os inúmeros incrédulos, os sacerdotes que se proclamam modernos, colocando-se contra a Igreja ou contra os presbíteros que permanecem fiéis. Entretanto, em meio a seus sofrimentos, a Igreja também oferece estupendo ensinamento. Vive aflita, porém, não se deixa abater pela tristeza, pois, ouvindo a voz de seu Esposo, consegue amenizar suas aflições por meio das consolações internas. Além disso, vemos que tais aflições produzem na Igreja uma reação de renovado fervor na pregação e a mais viva confiança na oração. Pode-se mesmo dizer que delas brota o resultado de maior crescimento quanto ao desapego das riquezas e honras mundanas. Fazei, Senhor, que saibamos nos conformar ao espírito do Esposo e de sua Esposa, a fim de que, encarando os sofrimentos que afligem a Igreja e tendo os olhos fitos nos adoráveis desígnios de vossa Providência, saibamos tirar delas os frutos desejados por vossa misericórdia. 152 - A Perseguição na Vida da Igreja Senhor, tendo-nos chamado à casa de vosso Filho e previsto muitas perseguições, segundo as palavras do Apóstolo, "todos os que quiseram viver piedosamente no Cristo Jesus serão perseguidos" (2Tm 3,12), fazei que possamos seguir o exemplo da santa Igreja, a fim de nos configurar a ela, para chegarmos a ser filhos não ingratos ou indignos, mas fiéis imitadores, como ela o é de seu Esposo. Fazei que possamos conhecer o espírito de vossa Esposa, a Igreja, para que, conhecendo-o, amemos mais, amando-o, desejemos sempre mais e, desejando-o, abramos os lábios para Vo-lo pedir e o coração para atrair seu favor. Consideremos, agora, qual a causa e os princípios das perseguições. De um lado, há, na Igreja, um zelo enorme para converter a humanidade, segundo o evangelho; de outro, a obstinação dos pecadores. A Igreja vai à luta, através da oração e uma firme pregação, fruto da oração. O pecador combate, alimentando o desejo de prejudicar a Igreja e com a astuta busca de colhê-la em erro. Ela não oferece motivo algum para tal fim: "felizes sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo mal contra vós por causa de mim" (Mt 5,11). A perseguição agrava-se quando a Igreja intensifica a luta, através da pregação, aliada à caridade ardente e à confiança na proclamação do evangelho, custe o que custar, enquanto a parte contrária aposta na intolerância e na proibição da pregação. Há também êxito nas perseguições. A história demonstra que não poucos perseguidores se converteram por causa da paciência da Igreja. Por isso, volta a crescer o desejo de a Igreja expandir o Reino de Deus, pois a obstinada resistência de alguns é largamente recompensada com a conversão de muitos. 153 - Conduta da Igreja Durante a Perseguição Os inimigos da Igreja alimentam a perseguição sobretudo por meio da calúnia. Afirmam que a Igreja é ambiciosa, apegada aos bens terrenos e contrária à verdadeira religião e ao Evangelho. Ela, porém, desmente essas calúnias, mostrando, nela mesma, um absoluto desprezo pelo espírito do mundo, suportando com paciência tribulações, comportando-se com desinteresse, sinceridade e pureza de intenção, provando que todo o seu trabalho e ministério estão voltados para a realização do Reino de Deus. O próprio fato de, mesmo em meio às dificuldades da perseguição, a Igreja persistir na fidelidade à tarefa de pregar o Evangelho, com amor e coragem, é comprovação irrefutável de que ela caminha na verdade e na justiça. Essa maravilhosa liberdade da Igreja é um enorme escândalo para seus inimigos, porque, muitas vezes, acabam usando-a como pretexto para agravar a perseguição. A Igreja, porém, continua impávida em seu caminho e, através de sua inalterável liberdade interior, comprova sua mansidão, aprofunda a humildade, aperfeiçoa seu espírito de desinteresse, prudência e pureza de intenção. Senhor, conhecemos as tribulações de vossa Igreja, destacando-se nela, igualmente, a admirável Providência de vosso Esposo, a prudente e virtuosa conduta de vossa Esposa. Adoramos vosso sapientíssimo governo e vos suplicamos que nos façais imitar vossa Esposa, configurando-nos em tudo a vosso convite: "se alguém quer vir após mim, tome sua cruz" (Mt 16,24). Fazei que carreguemos a cruz, não a arrastando, mas de boa vontade, para poder chegar a nos gloriar, afirmando: "quanto a mim, que eu me glorie somente da cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo" (Gl 6,14). A PALAVRA DE DEUS 154 - Deus Falou Toda pessoa humana é ordenada a Deus como sua meta final, embora isso pareça superar a compreensão da razão. Por isso, essa meta final deve ser conhecida pelos seres humanos, para que possam orientar suas intenções e ações nesta direção. Logo, somente Deus pode instruir as pessoas sobre tais verdades, pois superam e transcendem a razão humana, mesmo sendo necessárias, pois nelas é que se fundamenta a salvação: "a vida eterna é esta: que conheçam a ti, o Deus único e verdadeiro, e a Jesus Cristo, aquele que enviaste" (Jo 17,3). Quando se trata da salvação da alma, diz Tertuliano, toda pessoa humana deve voltar-se para Deus e comportar-se segundo as regras de Deus. Não se pode encontrar melhor mestre de salvação do que o próprio autor da salvação. Ora, Deus falou. Falou de muitos modos desde os profetas até os antigos Pais. Ultimamente, falou por intermédio de seu Filho aos apóstolos. A estes o Espírito Santo falou de maneira mais direta, instruindoos sobre toda e qualquer verdade atinente à salvação: "quando ele vier, o Espírito da Verdade, vos conduzirá na verdade plena" (Jo 16,13). Temos, então, os livros dos Profetas e os Evangelhos dos apóstolos: eis a Palavra de Deus revelada nas Escrituras. Os apóstolos, por sua vez, comunicaram a seus discípulos muitas destas verdades reveladas e as confiaram à Igreja como depósito sagrado. Além disso, elas são reconhecidas, em âmbito universal e eclesial, pelo consenso comum dos santos Padres e pelas autênticas definições dos concílios ecumênicos ou dos Sumos Pontífices: eis a Palavra de Deus revelada na Tradição. Deus falou. O que mais procuramos? Temos a Verdade eterna que nos orienta. Vamos continuar nos deixando enganar pelas opiniões falazes dos homens? 155 - Cristo, Nossa Luz Seguimos a Cristo, verdade e vida: "eu sou a verdade e a vida" (Jo 14,6). Porém, verdade e vida, último fim de nossos desejos, estão acima da inteligência humana: "olho algum jamais viu Deus igual a ti que tanto faça por aqueles que nele esperam" (Is 64, 3). Convém, portanto, que evitemos as opiniões e os julgamentos da sabedoria terrena, se quisermos chegar a esta meta feliz, se quisermos encontrar a estrela-guia, que é a regra infalível, apontando para tal meta. De fato, esta é o próprio Cristo, que, sendo verdade e vida, também é o caminho que conduz à verdade eterna e à vida a que aspiramos: "eu sou o caminho, a verdade e a vida" (Jo 14,6). São João diz ainda que Cristo é a luz verdadeira que ilumina todo homem que vem a este mundo. Verbo de Deus, sendo a Sabedoria por excelência, possui palavras de vida eterna: "a quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna" (Jo 6,68). A palavra do Verbo exige muita aplicação para a razão humana (Jo 6,60), pois, muitas vezes, nem chega a compreendê-la. É preciso, então, afastar-se e abandonar os raciocínios humanos para poder entendê-la. A estrela-guia apareceu aos magos fora de Jerusalém e longe das cortes repletas de política mundana. É por isso que nem a razão humana nem as opiniões dos seres humanos ou as máximas do mundo são regra única e infalível de nosso pensar e agir, capaz de nos conduzir rumo ao fim sobrenatural e divino a que somos chamados. Só a Palavra de Deus o é. 156 - A Sagrada Escritura Encontramos nas santas Escrituras não só o que é necessário, mas também o que nos é mais útil para conhecermos o bem, descobrirmos o mal, corrigirmos nossos costumes e tornarmos nosso espírito equilibrado. Há algo mais? Sim, fazer-nos santos e bem preparados para toda boa obra (2Tm 3,16, seguintes). As Sagradas Escrituras, meditadas em profundidade, mostram a dimensão exata de cada coisa, assim como sua organização correta, segundo a ordem inspirada pela sabedoria divina. Formam o espírito, desenvolvem-no e o educam. Primeiramente, ensinam a conhecer a Deus em toda a sua grandeza e onipotência. Em seguida, a conhecer os deveres da criatura, começando pela obediência ao Criador. A Palavra de Deus nas Escrituras deve ser a regra de nosso pensar e agir, se desejarmos conhecer a verdade e chegar à salvação. Adverte-nos o Apóstolo: "não vos deixeis extraviar por qualquer espécie de doutrina estranha" (Hb 13,9). O escopo da leitura da Bíblia é levar à prática das verdades nela contidas. É preciso, então, meditá-las e encará-las como guia de nossos comportamentos. Para ler bem a Sagrada Escritura é preciso prestar muita atenção, a fim de não distorcer a Palavra de Deus, segundo nosso próprio modo de ver. Devemos procurar sempre adaptar nossa visão à Palavra de Deus. 157 - Como Ler a Bíblia A Santa Escritura não é fácil de entender. São inumeráveis as palavras de Deus que o intelecto humano não atinge, porque, mesmo sendo palavras de Deus, mais claras que a luz do sol, nelas estão presentes as trevas da concupiscência humana. A condição necessária se obtém, então, através da mortificação de todas as paixões desordenadas. E, sendo muito difícil consegui-la, urge a força da oração, além da diligência em mortificar tais paixões e o esforço para observar fielmente a lei divina. Com o auxílio da oração e da caridade, a verdade se revela a nossos olhos. As principais disposições para a boa leitura da Bíblia são a humildade, a simplicidade e a fidelidade. Humildade, renunciando a toda ambição de fama ou todo prestígio pessoal: "revelaste estas coisas aos pequeninos" (Lc 10,21). Simplicidade, contentando-se com os conhecimentos que o Pai das luzes se digna nos conceder. Muitas vezes, ao ler a Bíblia, somos atrapalhados por nossas pretensões intelectuais, querendo compreender e discutir tudo. Na verdade, bastaria simplesmente aceitar. Fidelidade, venerando sempre a verdade, quer quando permanece oculta, quer quando se manifeste com toda clareza. São Pedro não ficou escandalizado, como alguns discípulos em Cafarnaum, diante da aparente dureza das palavras de Jesus (Jo 6,68). Teria, por acaso, compreendido o segredo daquelas palavras? Mesmo não as tendo ainda compreendido, todavia, acreditava plenamente que eram dignas de aceitação. Dois defeitos bastante comuns têm que ser evitados: a curiosidade e a exagerada pressa na leitura. Esta nasce daquela. Lendo, acreditamos encontrar o alimento pronto. Não é assim. É preciso prepará-lo. O trigo bom contém palha. A massa do pão precisa ser assada; às vezes, não é o momento exato de comê-lo, pois é necessário o fogo do Espírito Santo para cozê-lo. Numa palavra, é a oração que o condimenta e o faz crescer. 158 - Meditar a Sagrada Escritura "Toda a escritura é inspirada por Deus e é útil para ensinar, para argumentar, para corrigir, para educar conforme a justiça. Assim, a pessoa que é de Deus estará capacitada e bem preparada para toda boa obra" (2Tm 3,16). Então, deve ser estudada com humildade e admiração, por causa de sua sublimidade divina. Supera os gênios humanos mais ilustres, porque são bens inferiores a Deus e nada conseguem vislumbrar da sublimidade sobrenatural; só o que a divina bondade se digna revelar-lhes. Ninguém, portanto, é tão perfeito em conhecimentos que não possa progredir ainda mais, pois todo progresso do ser humano permanece sempre abaixo da grandeza de Deus, que inspirou a Escritura. A Sagrada Escritura se nos apresenta como uma enorme floresta, na qual, à primeira vista, tudo parece igual. À medida que se penetra em seu interior, descobrem-se planícies e vales, além de inúmeras outras realidades, que antes não se podiam imaginar. Por outro lado, está tão admiravelmente disposta que, enquanto se avança em sua exploração, fica sempre alguma área escura a ser esclarecida. Além disso, não há perigo de que, pelo conhecimento adquirido, ela leve ao desinteresse. Pelo contrário, passa a ser lida com mais gosto, à medida que sugere, a cada dia, algo para ser aprendido como novidade. 159 - Padre Gaspar e a Sagrada Escritura Como clérigo, Bertoni leu e repassou a Escritura divina várias vezes. Como sacerdote, tornou-a seu principal e mais agradável estudo. Sempre tinha à mão os textos mais apropriados da Sagrada Escritura, transformando-os em guia e inspiração. Estes, em várias circunstâncias da vida, levaram-no a agir com segurança e tranqüilidade. O que ele vivia na prática, costumava aconselhar também aos outros, incentivando-os por meio de exortações, diretrizes e conversações. Os ouvintes ficavam tão impressionados com o entusiasmo e a eficácia de suas palavras e citações da Escritura que lhes parecia ser o próprio Deus a falar. Tal comportamento se lhe tornara tão natural e espontâneo que parecia tê-la absorvido em sua natureza e seu sangue. Não é de admirar, pois, que, até os últimos anos de vida, tivesse sempre entre as mãos os livros da Escritura ou os escritos dos Padres. Esta é uma das grandes heranças que legou a seus filhos. Não só lhes recomendava o estudo ardoroso da Palavra de Deus, contida na divina Escritura e na Tradição, mas recomendava que sempre a lessem e consultassem, em qualquer circunstância, usando-a como texto habitual de meditação. Passou a vida lendo obras de quase todos os santos Padres e estudando a Sagrada Escritura à luz dos mais renomados comentaristas. Parecia que eles tinham se transformado em seu sangue, podendo-se dizer que sua conversa era uma linguagem totalmente fundamentada na Escritura. 160 - Deus na Tradição Apostólica Tudo o que Deus fala nas Escrituras também o faz na Tradição, que se encontra nos livros dos Padres da Igreja, venerandos por doutrina e santidade. Deus nos concedeu estes Padres, santíssimos e sapientíssimos, como pastores e doutores, para aperfeiçoar seus eleitos, para completar o imenso plano da salvação e edificar a Igreja como corpo místico, para não sermos como crianças inconstantes, deixadas à deriva por qualquer sopro de doutrina produzida pela malícia dos homens e pela astúcia que conduz a erros (Ef 4,14). Diz ainda São Paulo: "a alguns Ele concedeu serem como pastores e mestres. Assim ele capacitou os santos para a obra do ministério, para a edificação do Corpo de Cristo" (Ef 4,11-12). Quem, de fato, é sábio ou quer sê-lo "busca a sabedoria de todos os antigos" (Eclo 39,1), como diz o Espírito Santo. As palavras dos sábios ferem: "as palavras dos sábios são como aguilhões" (Ecl 12,11), levando o pecador à conversão; "os autores da compilação são como balizas bem fincadas; as palavras nos foram dadas pelo único pastor" (Ecl 12,11). As doutrinas que têm origem no conselho dos santos são firmes e bem alicerçadas, como pregos fincados fortemente. Foram proclamadas, com unânime consenso de todos os mestres e doutores, por Cristo, que é Deus e nosso único pastor. De fato, embora sejam muitos os que ensinam, entretanto, o autor da doutrina é um só: Deus. "Meu filho, nada procures mais do que estas coisas" (Ecl 12,12). Segue as pegadas dos mestres e não te afastes de sua autoridade. 161 - O Magistério da Igreja Não se pode duvidar de que a Palavra de Deus, revelada nas Escrituras e na Tradição, é a única regra infalível de nossa fé, esperança e caridade, se desejarmos encontrar a verdade e conseguir a salvação. Que acontecerá, então, ao povo pobre e iletrado, que não sabe ler a Escritura? Aos letrados bastaria somente ler as Escrituras? É evidente que não. Para os letrados e analfabetos é necessário, então, o Magistério da Igreja. A Igreja tem autoridade para ensinar a palavra de Deus, explicá-la e definir seu sentido verdadeiro. O iletrado, portanto, não se desespere. A Igreja Católica é mestra visível e universal. O letrado não seja presunçoso. A Igreja Apostólica Romana é a juíza igualmente infalível e suprema. Poderá alguém, por acaso, achar que é suficientemente sábio, bastando-lhe a perspicácia de seu raciocínio? Diz Santo Agostinho: "nós cremos para poder conhecer e não conhecemos para poder crer". Ora, o que é a fé senão acreditar naquilo que não se vê? Poderá alguém, por acaso, pensar que é suficientemente santo, bastando-lhe apenas suas inspirações particulares? Procuremos evitar estas orgulhosas tentações, exclama ainda Santo Agostinho; o próprio Apóstolo Paulo, embora instruído pela voz de Deus e do Espírito Santo, foi enviado a um homem para aprender o que deveria fazer; como também, Cornélio foi confiado a São Pedro, para ouvir de sua boca o que deveria crer, esperar e amar. Devemos depender dos pastores legítimos que o Espírito Santo colocou para orientar a Igreja de Deus e deles esperar que a palavra de Deus revelada ou nas Escrituras ou na Tradição seja explicada e definida, em seu sentido autêntico, como regra única e infalível de nosso pensar e agir. Ao segui-las fiel e constantemente, chegaremos ao conhecimento da verdade e à posse da bemaventurança sobrenatural e eterna que esperamos em Deus e com Deus. 162 - A Palavra de Deus, Fonte de Toda Sabedoria O estudo e a reflexão sobre a palavra e as obras de Deus são a fonte de toda e qualquer sabedoria. Se alguém reflete dando mais atenção às coisas efêmeras, descuidando do Mestre da verdade que é Deus, comporta-se como os meninos que, enquanto o professor dá aula, se distraem com seus brinquedos e nada aprendem. Quantos filósofos havia em Atenas e em Roma! Todavia, à semelhança das formigas - que parecem inteligentes e vivem numa bem estruturada organização social, - não conheciam o verdadeiro sentido da vida. Deus é ordem e suas obras todas são bem ordenadas: "dispões tudo com justiça" (Sb 12,15). Deus é verdade: "seja Deus reconhecido como veraz" (Rm 3,4). Deus é onipotente: "o Senhor é poderoso" (Sl 24,8). A pessoa que peca, ao contrário, é desordenada e mentirosa (Rm 3,4), fraca e reduzida a nada (Gl 6,3). Se dermos total atenção a Deus, vamos conseguir colocar em ordem nosso espírito, mente e coração. Conheceremos a verdade e caminharemos sob resplendorosa luz. Procuremos permanecer em pé, mesmo quando tudo viesse a desabar a nosso redor. Se, ao invés, confiarmos demais nos seres humanos, em filósofos e falsos teólogos, que não têm a Deus por pai, nem a Igreja por mãe, cairemos no caos, em desordens e em perturbações, caminhando nas trevas e na sombra da morte. Se considerarmos tudo pela ótica divina, aprenderemos a olhar, equilibradamente e com o devido respeito, as coisas próprias do céu e da terra, obras dignas de Deus. 163 - A Palavra de Deus e a Unidade da Igreja Caminhemos sempre com dignidade, rumo à meta a que somos chamados. São Paulo nos exorta, mesmo atado às cadeias que o fizeram sofrer durante seu apostolado: eu, prisioneiro do Senhor, vos exorto a levardes uma vida digna da vocação que recebestes; com toda humildade e mansidão, e com paciência, suportai-vos uns aos outros no amor, solícitos em guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz (Ef 4,1-3). "Com toda humildade" caminha-se dignamente na vocação, submetendo nosso intelecto com a aceitação de quem acredita na Palavra divina. "Com mansidão", não nos opondo ao juízo autorizado dos pastores legítimos que, de Deus mesmo, receberam a missão de no-la propor e explicar em seu verdadeiro sentido. "Com paciência", suportando calúnias, escárnios e contraposições que procedem dos inimigos da fé, da paz e da Igreja. "Suportai-vos uns aos outros no amor", ajudando-vos, com amor, levando cada um o fardo dos outros, pois respondemos juntos ao mesmo chamado. "Solícitos em guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz", com a graça de Deus, pela qual conservamos sempre intacta a unidade do Espírito ou a fé que possuímos. É preciso, então, muita vigilância, cuidado e diligência para mantê-la efetivamente. O vínculo da paz e da caridade perdura se estivermos bem unidos e interligados no amor, dóceis aos pastores da Igreja, aos quais devemos obedecer, especialmente, ao Pastor supremo, o Romano Pontífice, centro da unidade. Há um só Deus e Pai de todos, objeto de nossa felicidade. Ele nos convida a conquistá-la. Está acima de todos com sua verdade, iluminando-nos para conhecê-la. Permanece em todas as coisas para nos conduzir até ela. Habita em todos nós com sua graça como princípio interior, impelindo-nos a procurá-la (Ef 4, 6). A LITURGIA 164 - A Fé e o Culto A religião é a virtude pela qual se presta o culto devido e supremo a Deus como Criador e Senhor de todas as coisas. Testemunha a grandeza divina e, ao mesmo tempo, expressa a submissão de todo o nosso ser a Ele. Somos compostos de alma e corpo, e Deus, como criou a alma, também formou nosso corpo. Por isso, se o espírito reconhece seu Criador, não convém que também os sentidos testemunhem sua grandeza? E se a mente tem a feliz sorte de poder descobrir as infindáveis belezas da realidade divina, quem vai impedir que a língua cante seus louvores, proclame sua glória e bendiga seu santo nome? Elevemos, pois, o coração a Deus e os olhos para os montes, de onde virá nosso auxílio (Sl 120,1) e, quase sem perceber, nossas mãos se encontrarão erguidas para rezar. Enche-se de satisfação meu espírito em poder se oferecer a Deus como sacrifício de suave odor e exulta meu corpo ao apresentar seus membros como hóstia viva para servir ao seu Deus: "meu coração e minha carne exultam no Deus vivo" (Sl 84,3). Quando Cristo afirma que "Deus é Espírito, e os que o adoram devem adorá-lo em espírito e verdade" (Jo 4, 24), certamente, não quis condenar o culto externo, mas esclarecer que o interno é prioritário e é aquele para o qual tende a religião, de modo especial. Uma devoção exterior, sem o apoio do coração, é como um cadáver, porque sua alma é o coração. Isto é o que Cristo quis dizer com as palavras acima. 165 - A Linguagem dos Sinais A mente humana, para se unir a Deus, tem necessidade de ser conduzida, como pela mão, mediante coisas sensíveis. Daqui deriva a necessidade de, no culto divino, servirmo-nos de coisas materiais, para que, por meio delas, em forma de sinais, a mente humana seja impelida a atos espirituais próprios da alma, por intermédio dos quais estabelece união com Deus. Deus mesmo quis se tornar corporalmente visível em Cristo, vindo à terra, para, através dele, reconciliar o mundo, com a finalidade de penetrar mais facilmente em nossos corações mediante os sentidos. Por isso é que Cristo instituiu os sacramentos, através dos quais, sob sinais materiais e sensíveis, Ele pudesse espargir a graça e a caridade em nosso espírito, restituindo-as quando perdidas pelo pecado, e confirmando-as ou aumentando-as em quem já as possuísse. Abolidos os sacrifícios antigos, estabelece um novo e perene sinal sensível, em força das espécies sacramentais, que se, por um lado, escondem o mistério, por outro, dãolhe significado de modo mais eloqüente. Cristo promulga no Evangelho uma nova lei, repleta de espírito e amor, que consiste essencialmente na graça do Espírito Santo. Todavia, ordena que aos afetos internos do coração se juntem expressões verbais e obras bem visíveis através de ações. Por isso, São Paulo, como pregador do Evangelho, proclama: "é crendo no coração que se alcança a justiça, e é confessando com a boca que se consegue a salvação" (Rm 10,10). O próprio Cristo afirma: "todo aquele que se declarar por mim diante dos homens, também eu me declararei por ele diante de meu Pai que está nos céus" (Mt 10,32). 166 - A Participação e o Testemunho "Assim brilhe a vossa luz diante das pessoas, para que vejam as vossas boas obras e louvem vosso Pai que está nos céus" (Mt 5,16). Eu fui agraciado, em segredo, por meu Deus. Não devo cobrir com o manto do silêncio seus favores secretos; pelo contrário, "bendirei o Senhor em todo o tempo, seu louvor estará sempre em minha boca" (Sl 33,2). Convidarei também meu próximo para exaltá-lo e agradecer-lhe junto comigo (Sl 33,4). Já que acredito, também devo falar (Sl 115,10) e não posso manter prisioneira a verdade por mim conhecida mediante uma injusta dissimulação ou um tímido e vergonhoso silêncio. A cada um de nós o Senhor confiou o cuidado para com o próximo. Então, comecemos por professar externamente nossa religião, fé e devoção. É o que exigem a glória de nosso Senhor, o bem do próximo e nossos deveres. Trata-se de defender a honra de nosso Pai, ajudar a superar a fraqueza dos irmãos e fazer crescer em nós o grande tesouro da graça. Não se trata de respeito humano. Não temamos os seres humanos, nem seus eventuais escárnios. Temamos, sim, "aquele que pode destruir a alma e o corpo no inferno!" (Mt 10,28). Sirvamos, de boa vontade, aquele que, por inúmeros títulos, é Senhor nosso e conquistou o direito à nossa fidelidade, porque foi o primeiro a servir-nos com imensos sacrifícios, humilhações e sofrimentos. É a Ele que devemos servir, pois, além de tudo, promete recompensar tal serviço, fazendo-nos sentar a seu lado, sobre um trono de glória (Mt 19,28). 167 - O Valor das Cerimônias Litúrgicas Os ritos e as cerimônias com que a Igreja adornou as celebrações litúrgicas são realidades plenas de significado, muito úteis e jamais indiferentes. De fato, são sinais exteriores da piedade e do afeto interior, que, ao mesmo tempo, nos auxiliam e alimentam. Além do mais, as cerimônias ajudam não só a alimentar o afeto e o sentimento, mas também o entendimento da fé. Santo Agostinho reconhece publicamente ter sido induzido a aceitar o dogma da presença do pecado original nas crianças, antes do batismo, pelo fato de que, segundo o rito antigo do sacramento, os indivíduos eram exorcizados e, pela profissão dos presentes, renunciavam ao demônio e suas obras. A grandeza da religião cristã, essencialmente espiritual, não é facilmente percebida, porque somos feitos de corpo, além do espírito. É por isso que os mistérios são apresentados não em sua essencialidade, mas, por assim dizer, revestidos e ornados, para que possam aparecer aos sentidos com a luz de um certo esplendor externo. Através deste, podem ser percebidos pela mente com maior facilidade e espontânea adesão. Poder-se-ia dizer que as cerimônias representam, para o culto religioso, o que o sal é para o alimento ou a casca para o miolo. Finalmente, é sempre bom lembrar que as cerimônias fazem parte integral do culto divino. Todo ser humano deve prestar culto a Deus, mediante a alma e o corpo, no modo instituído pela Igreja. "Imaginemos que nos encontramos na presença de Deus. Diante de seus olhos, temos que agradá-lo, também com a expressão do corpo e a entonação da voz". 168 - Os Edifícios e os Paramentos Litúrgicos "Senhor, gosto da casa onde moras e do lugar onde reside a tua glória" (Sl 26,8). Davi fez questão de acumular muita prata e ouro para a construção de um majestoso templo, construído mais tarde por seu filho, tornando-se uma das maravilhas da Antigüidade. Nossas igrejas, com muito mais razão, devem ser ornadas e enriquecidas, pois nelas os altares tingem-se do sangue, não mais de animais imolados, mas do próprio Cristo, divino Cordeiro imaculado! Nenhuma comparação é possível entre o grandioso palácio de um magnata e a casa de Deus. Todavia, o que é feito para acolher um punhado de pó resplandece, muitas vezes, com enorme magnificência e suntuosidade externa e interna, enquanto a casa, onde habita o Rei dos Reis, revela tamanha pobreza e miséria, a ponto de, para se esconder a nudez das paredes, usam-se trapos esfarrapados e amontoados em qualquer guarda-roupa. O próprio Cristo nos mostra como gosta do esplendor das moradas sagradas: "então vos mostrará uma grande sala arrumada, no andar de cima. Preparai ali" (Lc 22,12). Por causa disso, Padre Gaspar jamais deixava faltar algo para a beleza e o decoro de tudo o que deveria ornar a igreja dos Estigmas. Amava a frugalidade à mesa, a pobreza no vestir e na mobília, que ele e seus companheiros adotavam. Queria, porém, que a mesa divina fosse suntuosa e esplêndida, ricamente paramentado o sacerdote que devia subir ao altar, de material precioso, os vasos sagrados. Exigia que as velas, vestes, roupas brancas, alfaias sagradas e paramentos de todo tipo, tudo o que fosse ligado ao altar e necessário para a celebração, refletissem elegância, decoro e tratamento adequado. 169 - O Papel das Imagens À tarde, contemplando diante de uma imagem da Santíssima Trindade, senti grande respeito e amor para com as Três Pessoas Divinas. O eterno Pai, que estava com os braços abertos, explicava-me a sua misericórdia e a fácil comunicação de suas luzes. As imagens servem para incentivar a prática das virtudes, segundo as explicações dadas por pessoas espirituais. E o que melhor poderá comprovar a grandeza, a multiplicidade e a necessidade das virtudes senão imagens visíveis que as apresentam, por intermédio de sua muda e eficaz eloqüência, como querendo fazê-las penetrar no coração através dos olhos? Tornam-se, por isso, uma verdadeira escola de todo tipo de virtude, para todas as idades, condições sociais, tempos e circunstâncias. Para que uma imagem favoreça a devoção, é necessário que possua beleza e expressão suave. A este propósito, fazem-nos corar de vergonha os Orientais que, em fato de pinturas, cultivam rigorosa modéstia e extraordinária devoção. Certas imagens nossas, pintadas ou esculpidas em estilo muito mundano, longe de favorecerem a devoção, provocam distrações, fomentam a vaidade e suscitam, às vezes, até escândalo. Seja como for, a benéfica influência de imagens bem confeccionadas é atestada pelo senso comum, quer de ilustres letrados e pessoas simples, quer de justos e pecadores. Todos recebem com elas estímulos eficazes para repudiar o mal, refrear as paixões e amar as virtudes. O PAPA 170 - Onde Está Pedro, Aí Está a Igreja Deve-se reverenciar, ao mesmo tempo, o Espírito invisível da Igreja e sua Cabeça visível, o Espírito de Jesus Cristo, jamais o espírito humano ou a razão humana, e, sim, o espírito da fé. A Igreja é visível, portanto, deve também ter uma Cabeça visível. Sem espírito, o corpo é somente um cadáver. Sem a cabeça, o corpo é só tronco. Temos que acreditar no Espírito de Jesus, evitando raciocínios humanos, e submeter-nos à Cabeça, eliminando toda humana presunção; só assim poderemos viver e sobreviver. Sem espírito não se vive, e sem cabeça nem se vive nem se sobrevive. Um membro sem espírito não vive, mas, se está unido ao corpo e à cabeça, fortalece-se e pode manter a vida. Os membros que se separam do corpo e da cabeça não podem nem viver, nem se sustentar, pois se deterioram, corrompem-se e se perdem. Existem, ainda hoje, os que possuem um vasto conhecimento de pessoas conservadoras e trazem sempre à baila os tempos vividos no passado, não reconhecendo nem o Espírito da Igreja, nem sua Cabeça visível. Bem diferente é citar coisas antigas com o Espírito de Deus, pois, através desse espírito vivificador, elas tornam-se novas. Sem o Espírito de Deus, permanecem velhas, sem sabor e rançosas. É o Espírito de Deus que tudo renova. A fé romana é a fé viva da Igreja Católica. Onde está Pedro, aí está a Igreja. Onde está a cabeça, aí está o corpo todo. Quem está apoiado no erro vacila, cambaleia e cai. Quem se alicerça na verdade divina permanece firme e tranqüilo. Não foram os poderes terrenos que fundaram a cátedra de Pedro, nem mesmo os Concílios, mas o Verbo de Deus, criador do céu e a terra. Ah! Senhor, fechai os ouvidos de nosso coração às vozes da serpente maligna, abrindo-os às vozes de Pedro, a fim de que jamais sejam deturpados nossos sentidos, nem desfeita a pureza de nossa fé, mas possamos apresentar nosso espírito, qual virgem casta a Vós, o Esposo das almas fiéis. 171 - Ouçamos Cristo e Seu Vigário Quando se trata de verdades de fé, não de controvérsias metafísicas e políticas, devemos crer na autoridade da Cabeça da Igreja, sobre a qual se fundamenta a casa de Deus, coluna e alicerce da verdade. Ouçamos Cristo e seu Vigário. Se ficássemos somente nós com Noé, que agiu só contra todos, mesmo sendo poucos e sozinhos nos salvaríamos dentro da arca, fora da qual, como sabemos, não há salvação. Cabem aqui as palavras de São Paulo: se até um anjo vier pregar uma doutrina diferente daquela que ensina Pedro, através de seus sucessores, não acrediteis, porque o castigo será a morte eterna e a separação de Deus (Gl 1,8). Roma está calada, porque já falou, reprovou, anulou e cassou todas as doutrinas galicanas vindas da França, pois estas são apenas opiniões de seres humanos, mesmo a de Bossuet. Está calada, porque sabe muito bem o que já falou por intermédio de dez ou doze Pontífices, não lhe restando agora senão recorrer à excomunhão. Esta vem sendo protelada, como faz Deus, à espera de uma retratação do erro e penitência. Não tenhais medo daqueles que matam o corpo, mas são incapazes de matar a alma! Pelo contrário, temei Aquele que pode destruir a alma e o corpo no inferno! (Mt 10,28). É por isso que precisamos ser bem cautelosos, para não nos deixar seduzir e viver enganados por causa da simplicidade de coração. Procuremos tapar nossos ouvidos para não escutarmos afirmações mentirosas e falsas. A verdade, de fato, custa. Para Cristo nosso Senhor custou muito mais. E o servo não deve estar em melhores condições que as de seu Senhor: "o servo não é maior do que seu senhor" (Jo 13,16). 172 - O Sucessor de Pedro, Modelo dos Pastores O ensinamento e a conduta do primeiro pastor são as normas de retidão do bom governo espiritual de todos os pastores da Igreja e a fonte da comum felicidade dos fiéis. A bondade dos demais pastores e o feliz êxito de seu governo dependem, em grande parte, da conformidade de suas vidas com a forma de virtude vivenciada pelo pastor supremo. A Santa Sé falou sempre com clareza e liberdade, condenando ou fazendo conhecer o mal. Se, às vezes, escolheu o caminho de uma prudente e temporária dissimulação, jamais, porém, deixou-se seduzir pelos poderosos do mundo, nem mesmo em momentos de fraqueza evidente. Eis uma norma concreta para os pastores: quem se afasta do critério de prudência, ao avaliar as coisas, mesmo se no início consiga obter algum sucesso, em breve tempo perceberá ter sido vítima de ilusão. Quem, portanto, afasta-se da fé professada por Roma está fora da comunhão da Igreja, porque ela nada mais é do que a união de pastores e fiéis junto com Pedro. Não se pode nem mesmo permanecer neutro, já que a forma de virtude e a conduta da Santa Sé quanto ao governo das consciências são a norma de retidão do bom governo, proposta a todos os pastores, os quais só agem bem quando concordam com ela. As opiniões não são dogmas de fé. A verdade nos é proposta por Pedro, a qual deve ser professada firmemente e sem dúvidas. Senhor, dai-nos a graça de aderir a Pedro com fé autêntica e de todo o coração. É melhor perder a vida do que a obediência, como fez Cristo. 173 - O Papa e a Renovação do Ministério Pastoral Por meio da indefectível firmeza da primeira Pedra, manifesta-se, como convite ou vocação geral do Espírito criador, a profissão pública de Cristo diante do mundo, com palavras e fatos, e sem respeito humano ou temor: "todo aquele que se declarar por mim diante do povo, o Filho do Homem também se declarará a favor dele diante dos anjos de Deus" (Lc 12,8). Diz Cristo: quem quer ser meu ministro siga-me (Jo 12,26), imitando meu modo de viver. Há de ser como uma reprodução do que Cristo vivenciou e transmitiu a seus Apóstolos, que tiveram a coragem de segui-lo até as últimas conseqüências, inclusive até à morte. "Se alguém vem a mim, mas não me prefere até à própria vida, não pode ser meu discípulo" (Lc 14,26). Possui verdadeira disposição para ser chamado ao sacerdócio o jovem a quem o Espírito Santo abriu os olhos e está solidamente apoiado na indefectível firmeza da primeira Pedra. Ele sente um enorme, forte e caloroso desejo de glorificar a Deus não só com palavras, mas com a vida, de confessar publicamente a fé em seu Filho através dos fatos, de servir Cristo seguindo-o mediante a fiel imitação de sua vida, de estar junto dele, até na Paixão, superando o respeito humano e chegando a odiar a própria vida. Senhor, "renova em mim um espírito resoluto" (Sl 51,12); retira de nós velhos hábitos e desregramentos, que acumulamos com pecados e aceitação das máximas do mundo. Jamais corramos o risco de perder o Espírito divino que queres comunicar. 174 - Em Nome do Papa, um Plano Concreto de Reforma Por meio da indefectível firmeza da primeira Pedra, o Espírito inovador manifesta seu projeto de reforma ou renovação espiritual para o ministério pastoral, a qual prevê a destruição do antigo espírito, especialmente mediante a formação de novos ministros e, em seguida, abrindo a porta para o antigo ministério pastoral, a fim de que se renove através do novo. Serão necessários ministros diferentes, imbuídos de espírito novo e chamados pelo Espírito Santo, restaurador de todas as coisas, para reavivar o ministério pastoral. E, por meio dele, dar vida à Igreja pela destruição da mentalidade antiga e criação de espírito humano alicerçado sobre a indefectível retidão e firmeza da primeira Pedra. A formação dos novos ministros, segundo o Espírito de Deus, requer que os jovens sejam educados na fé operante e no cultivo assíduo da contemplação, de modo que se tornem capazes de ter diante dos olhos não mais a terra, mas o céu, colocando Cristo como escopo de suas intenções, configurados totalmente a Ele, a fim de agradá-lo e torná-lo modelo de comportamentos. Para que o antigo ministério pastoral seja reformado e se plasme à luz do novo, o Espírito Santo vai agir, através da indefectível firmeza da primeira Pedra, fazendo com que os ministros mais antigos se empenhem, mediante: a visível confissão de fé, sem fraquezas e temores; a imitação da Paixão de Cristo, sem as comodidades da vida, chegando mesmo a desprezar a morte; a união com sacerdotes autênticos, procurando, de comum acordo, a glória de Deus, sem jamais se isolar em seu amor próprio ou apego aos parentes; o desejo do céu, evitando os deleites da terra ou as honras do mundo. 175 - Como Colocar em Prática o Plano de Reforma Para colocar-se o plano de reforma em prática, requer-se, antes de tudo, oração assídua e profunda por parte daqueles que Deus escolhe para implantar a reforma do ministério pastoral. Em seguida, é necessário verdadeiro espírito de conselho e prudência perspicaz para definir o modo de proceder, até esclarecê-lo perfeitamente, a fim de não arruinar o projeto e suas metas. Por trinta anos o Senhor permaneceu escondido, antes de manifestar ao mundo sua divina missão. Com isso, quis ensinar como devemos nos preparar, evitando o risco de construir e destruir. Depois que, mediante a oração e prudência, se fixou o modo de proceder, deve-se aguardar o momento oportuno estabelecido por Deus. Empenhemo-nos, enquanto isso, em preparar os ânimos dos demais, com suavidade, imitando o comportamento do Senhor e da Providência, seguindo-o em tudo. Organizemo-nos para mostrar a beleza das virtudes e os valores espirituais, com a finalidade de envolver e atrair as pessoas que se aproximam. Só depois, revistamo-las do espírito novo. Usemos também de muita misericórdia para fortalecer o ânimo dos que têm respeito humano, procurando afastar deles o risco do desânimo. O momento oportuno para empenhar-se, de fato, na atuação do projeto de reforma será indicado, normalmente, por uma enorme efusão de caridade e crescimento de amor: "permanecei na cidade até que sejais revestidos da força do alto" (Lc 24,49). Esta caridade, que vem do céu, é bem distinta do zelo falso e imprudente que vem da terra. A caridade, que é prudente, generosa e discreta, não executa as obras de modo imaturo e precipitado. E, como é muito poderosa, escolhe o momento oportuno, não retardando a ação por causa de receios e temores humanos. No momento exato, coloca-se junto às pessoas corretas e justas, que a admiram, refreando a arrogância dos perversos, que aprendem a temê-la e a respeitá-la. O espírito humano é tímido e vil diante da verdadeira virtude e do Espírito de Deus. Por isso a caridade se revela como grande dom e autêntica testemunha de Deus. 176 - O Papa e a Reprovação dos Abusos na Igreja O Vigário de Cristo na terra é o instrumento para reprovação e destruição do espírito mundano na Igreja. "Eu orei por ti, Pedro, para que tua fé não desfaleça. E tu, uma vez, convertido, ampara os teus irmãos" (Lc 22,32). Esta primeira Pedra é reta e firme. Revela retidão indefectível. Reprova irregularidades ou deficiências de virtudes e a falta do bom espírito presente em outros ministros da Igreja. Por sua firmeza inquebrantável, renova-os e confirma neles o Espírito divino, quando vacilante e esmorecido. As outras pedras fundamentais do edifício hierárquico da Igreja possuirão solidez e firmeza, quando se apoiarem sobre a primeira, que costuma reprovar abusos cometidos contra os dons divinos, causados pela negligência e fraqueza de certos pastores, com escandalosas condutas por parte de não poucos sacerdotes. Quando, graças à manifestação do Espírito divino, torna-se conhecida, de um lado, a grandeza da dignidade sacerdotal e, do outro, o abuso que alguns fazem dele, os fiéis todos passam a sentir um renovado sentimento de veneração pelo sacerdócio e uma dolorosa compaixão por aqueles que não correspondem dignamente à vocação. Percebe-se, então, que quanto mais alta é a dignidade do sacerdote tanto mais desastrosa é a queda de quem a desrespeita. Senhor, protegei-nos com a luz do Espírito Santo, a fim de que, entre as trevas do mundo, possamos manter fixos os olhos na retidão da primeira Pedra, que colocastes como fundamento e sobre a qual todas as outras pedras possam se alicerçar. Nós Vos agradecemos por ter posto, em vossa Igreja, esta primeira pedra como regra indefectível, a fim de que, nas incertezas de nossos raciocínios, possamos ter argumentos de defesa contra os erros e a garantia segura da verdade. 177 - Jamais contra o Papa Sempre existiram e continuam existindo ainda hoje pretensiosos reformadores que, aparentemente, combatem contra o espírito do mal, mas, na verdade, agem contra a Igreja, apelando, em geral, para tempos passados. Declaram que querem permanecer na Igreja e, por isso, reagem contra a ameaça de excomunhão. Ora, eles mesmos é que se separaram da fé viva da Igreja Católica. Deus permitiu que se colocassem fora dela. Recorrem aos melhores séculos da história da Igreja, voltando sua atenção e seus estudos a eles, afirmando que a Igreja de nosso tempo está ultrapassada. Na verdade, eles estão cegos, não querendo enxergar a luz e agindo exatamente como cegos, ao afirmarem em plena luz: abram as janelas! Há muito tempo já estão contra a retidão da Pedra, sobre a qual se apoiavam, afastando-se dela e separando-se da unidade da Igreja. Declaram-se santos e perfeitos, confiando em seu pretensioso conhecimento das antigas tradições dos Padres, dizendo-se os únicos depositários da verdadeira luz. Diante disso, resistem à voz dos autênticos pregadores do Evangelho, e até à voz de Pedro, mesmo sabendo que, em toda a Antigüidade, nela se depositava enorme respeito, considerando-a decisiva nos debates realizados nos Concílios. Roma falou, a causa está definida. Para realizar a verdadeira renovação de sua Igreja, Deus se serve, sobretudo, de santos pregadores, inspirados pelo Espírito Santo e alicerçados solidamente sobre o fundamento da primeira Pedra. Por intermédio de suas obras, Deus dispõe tudo para a edificação de novo espírito, eliminando os impedimentos à novidade evangélica e prevenindo os riscos de envelhecimento. Ó Maria, formosa como a lua, eleita como o sol, terrível como um exército em ordem de batalha, eis aqui as milícias vossas e de vosso Filho. Sede-lhes propícia, a fim de que não se amedrontem diante dos inimigos, mas saibam confiar nas armas e na força do Cristo. OS SACERDOTES 178 - Sacerdotes e Fiéis Não saberia dizer quem, sobre esta terra, Deus quis exaltar mais do que seus sacerdotes. Afirma São Paulo: "que as pessoas nos consideram como ministros de Cristo e administradores dos mistérios de Cristo" (1Cor 4,1). Esta é a idéia exata que o povo cristão deve formar a respeito dos sacerdotes. Então, quando vemos um deles, devemos dizer: eis um ministro de Cristo, dispensador dos mistérios celestes e embaixador do grande Soberano. É o que diz ainda o Apóstolo: "somos embaixadores de Cristo; é como se Deus mesmo fizesse seu apelo através de nós" (2Cor 5,20). Os sacerdotes nos regeneraram no Batismo e, por meio deles, revestimo-nos de Cristo, tornando-nos membros do Corpo, do qual ele é a Cabeça. Se, depois, crescemos e nos tornamos capazes de nos locupletar das riquezas do Espírito, somos devedores a eles, pois nos nutriram e continuam nutrindo com o alimento salutar da palavra de Deus. Preparam, cada dia, o Banquete supersubstancial e, pelas suas mãos, nos é oferecido o pão dos anjos. Deus conferiu somente a eles a autoridade de perdoar os pecados: "a quem perdoardes os pecados, serão perdoados; a quem os retiverdes, ficarão retidos" (Jo 20,23). Se nós repousamos seguros na paz do coração, se não prevalece o domínio do maligno sobre nosso espírito e se, mesmo entre as ameaças de uma justiça irritada, nos apresenta o rosto propício da misericórdia, devemo-lo aos sacerdotes que elevam até Deus, por dever quotidiano, a oração oficial e eficaz da Igreja, obtendo-nos paz e tranqüilidade. O sacerdote, superior aos leigos, por dignidade, quase um anjo em força de seu ministério, é um homem igual a todos os outros, por natureza e condição. Por isso, vive pressionado de todos os lados por tribulações, assediado por inimigos e ameaçado por perigos, os mesmos ou até maiores do que os fiéis. Assim, ao mesmo tempo em que o sacerdote ajuda os fiéis a conseguir a salvação, deve ser também auxiliado por eles a obtê-la através de orações. Rezemos, portanto, e rezemos muito pelos sacerdotes. 179 - Escolhidos do Meio do Mundo "Eu vos escolhi do meio do mundo" (Jo 15,19). Este fato, de nos haver separado do mundo, comprova que não somos mais do mundo: "não sois do mundo" (Jo 15,19). Os sacerdotes devem ser separados, destacados, crucificados e mortos para o mundo. Separados não só por domicílio ou habitação, mas por espírito e sentimento. Não basta que se tenha uma veste que distinga do mundo; é preciso ter espírito de renúncia. Quantos sacerdotes possuem ainda espírito totalmente mundano, assumindo, prazerosamente, vestes ou insígnias do mundo! Separados do mundo! Seria muito infeliz o sacerdote que, embora devendo ser diferente e separado do mundo em força do caráter da ordem, permanecesse apegado a ele. Não teria as consolações de Deus, nem as do mundo. Seria a quimera do século: nem secular, nem clérigo. Nem secular, porque separado do mundo em força da ordem sagrada; nem clérigo, porque pertencente ainda ao mundo. Crucificados para o mundo! "O mundo está crucificado para mim como eu estou crucificado para o mundo" (Gl 6,14). Se as idéias do mundo, mesmo sendo eu Padre, facilmente concordam com as minhas e eu com as suas, sou Padre somente de nome. "Se ainda quisesse agradar aos homens, não seria servo de Cristo" (Gl 1,10). Se eu quiser me comportar como verdadeiro sacerdote e estar crucificado para o mundo, é preciso que ele seja minha cruz, como eu serei, com certeza a sua, por causa da discordância de sentimentos e princípios existente entre ele e eu. Mortos para o mundo! Não basta estar crucificado, porque se pode estar na cruz, mas vivos. É preciso estar mortos para o mundo por fora e por dentro. O mundo para o qual devo, de modo especial, estar morto é aquele que está dentro de mim mesmo, mais perigoso do que aquele que está fora, embora se alicerce nas três concupiscências, citadas por São João: "a concupiscência humana, a cobiça dos olhos e a ostentação da riqueza" (1Jo 2,16). É o mundo que mais deve ser temido, porque está em mim e faz parte de mim. É bom lembrar que um morto não vê, não ouve, não sente, não fala, não se irrita, nem se comove. Por isso, eu deveria estar morto para todas as paixões do mundo interno e exterior. 180 - Enviados ao Mundo É opinião comum entre o povo que a vida dos sacerdotes é cômoda, tranqüila e pouco cansativa. Na verdade, quem pretende seguir a vocação sacerdotal deve estar disposto a renunciar a todos os benefícios e as comodidades, empenhando-se numa vida laboriosa e difícil. Convém insistir: quem se alista na milícia do Senhor está sendo chamado não para uma vida ociosa e cheia de prazeres, mas repleta de fadigas e preocupações. Vejamos o exemplo dos santos e o testemunho da grandeza dos apóstolos. Com eles aprendemos que nossa herança é o resultado de enormes fadigas. Feliz o Apóstolo Paulo que pôde exclamar: "tenho trabalhado mais que todos" (1Cor 15,10). É um elogio sem sombra de vaidade ou fraqueza. Ora, se é verdade que trabalhou mais que todos, todavia, não completou toda a amplitude da missão apostólica, pois há ainda muito por fazer. Entremos na seara de nosso Senhor e observemos atentamente como ainda está repleta de abrolhos e espinhos. Encaremos o mundo confiado à nossa missão como seara imensa a ser trabalhada. Consideremo-lo não como donos, mas operários, preparados para a fadiga, o esforço, as inúmeras vigílias, a fome, sede e os freqüentes jejuns (2Cor 11,27). Na verdade, aonde chegamos? Onde ficou o espírito dos apóstolos? A simplicidade, humildade, laboriosidade e o zelo da Igreja primitiva? Esta foi a vocação dos apóstolos e a dignidade dos príncipes da Igreja. Graças a Deus não está ela totalmente extinta, nem mesmo em nossos dias. Nosso século tem ainda um Pio 7º! Eu, sacerdote, não posso hesitar em imitar estes exemplos, para, como eles, aproximar-me dos pobres, visitar hospitais e cárceres, confessar gente simples, prover necessitados, instruir pessoas humildes e rudes, fazer-me tudo para todos e zelar pela salvação de todos. 181 - A Imposição das Mãos A imposição das mãos significa que o ordenando é consagrado e oferecido como vítima a Deus. De fato, no Antigo Testamento, os sacerdotes impunham as mãos sobre a vítima, exatamente para oferecê-la a Deus (Ex 29,10), significando, com este rito, que pela própria mão e poder transferiam seu direito a Deus. Os filhos de Israel também impunham as mãos sobre os levitas, como separando da comunidade para oferecê-los e consagrá-los a Deus (Nm 10,11). Lembrem-se, pois, os sacerdotes de que, com a imposição das mãos, são consagrados ao Senhor para se dedicar totalmente a Ele e viver não mais para si mesmos, mas para se doar e oferecer a vida toda no serviço dos divinos mistérios (2Cor 12,15), especialmente, esmerando-se pela da salvação dos irmãos. Além disso, mediante a imposição das mãos, deseja-se salientar a proteção de Deus, graças à qual os consagrados são por ele inteiramente assumidos como filhos diletos. Tal proteção derrama sobre eles força e vigor, mantendo-os longe das potências malignas. A imposição das mãos recorda que os que recebem as ordens sacras cumprirão todas as funções de seu ministério sob o impulso do Espírito Santo, do mesmo modo como aqueles que o têm como guia e diretriz de suas ações. 182 - Santidade Sacerdotal O desapego do mundo, a crucifixão e a morte espiritual são aspectos de uma santidade muito elevada. Todavia, deve-se dizer que tudo isto constitui apenas uma parte da vocação dos sacerdotes: a mesma que, de certo modo, tem em comum com os religiosos. Também o religioso é chamado à santidade, com a seguinte diferença: o religioso satisfaz sua vocação ao aspirar e tender à santidade, enquanto o sacerdote só a satisfaz tornando-se verdadeiramente perfeito e santo. Um está a caminho e o outro já está em estado de perfeição. Há ainda uma outra diferença: os religiosos se beneficiam de muitos meios como a solidão, os votos e a disciplina regular. O sacerdote, ao invés, encontra, no mundo, perigos, distrações enormes e veementes que se contrapõem à finalidade de seu ministério. A perfeição, mesmo assim, continua sendo, para o sacerdote, um mandamento. Eu era livre de escolher ou não o sacerdócio; mas, desde o momento em que me tornei Padre, não sou mais livre para renunciar à obrigação de ser perfeito. Deus me escolheu como sacerdote, separando-me do mundo, elevando-me como a distância existente entre o céu e a terra, comunicandome o poder sobre o Corpo de seu Filho. Eu chamo Deus sobre o altar e Ele me obedece. Que santidade se requer para isso! Como devem ser puras as mãos e puros os olhos que contemplam tão grande mistério, santa a língua que profere as palavras divinas e santo o coração que recebe o seu Deus! 183 - União com Cristo Toda a atividade do sagrado ministério, cumprida em força da vocação e da consagração sacerdotal, é obra de Cristo. É Cristo que batiza, que absolve e que consagra por meio do sacerdote. Por isso, o consagrado deve juntar-se ao operante principal como instrumento eficaz e escolhido, pois Cristo é o modelo primordial e absoluto da perfeição sacerdotal. Exorta São Paulo: "sede meus imitadores como eu o sou de Cristo" (1Cor 11,1). Assim, o sacerdote é como um sagrado sinete, que deve reproduzir ao vivo a imagem de Jesus Cristo, de modo que ele, por sua vez, a possa imprimir nos outros. Ora, não é compatível a imagem de Cristo com a do mundo corrupto. Se o desejo é imprimir uma, é necessário cancelar e apagar a outra. Coloquemos Jesus como "a força do coração", o centro do amor e o escopo de toda e qualquer intenção. O sacerdote é marcado pelo caráter indelével de Cristo, para que reconheça estar submetido ao domínio dele, em relação a todas as coisas. Seja, portanto, princípio, meio e fim de nossa devoção o que é princípio, meio e fim de toda função e poder sacerdotal. Olhemos para Ele como caminho. Procuremos acatá-lo como verdade. Amemo-lo como vida. Aproximemo-nos dele, e por meio dele, como caminho. Dele façamos a fonte da verdade e da sabedoria, e abeirando-nos da água da vida, bebamos e nos inebriemos: "eu vivo, mas não eu; é Cristo que vive em mim" (Gl 2,20). 184 - Trabalhar com Todos os Meios "Tu, vigia em tudo, suporta as provações, faze o trabalho de um evangelista, desempenha bem o teu ministério" (2Tm 4,5). Isso significa que o sacerdote deve pregar e evangelizar seja com a palavra, seja com a santidade da vida. Que os fiéis percebam que o sacerdote não tem como finalidade a busca das comodidades e vantagens pessoais, mas que, pelo Evangelho, está pronto a enfrentar corajosamente até os sofrimentos mais penosos e dolorosos, impulsionado pelo amor de Deus. De São Cipriano foi dito que era tão forte nele a paixão pela pregação, a ponto de desejar sofrer o martírio no momento em que estivesse falando de Deus. Imitemos Cristo, nossa Cabeça, e os apóstolos, nossos guias. Incendiemos o mundo, decrépito e enrijecido, mediante um zelo ardente e uma caridade ardorosa, a fim de que, com os apóstolos, possamos ouvir, um dia: "quando o mundo for renovado e o Filho do Homem sentar-se no trono de sua glória, também vós, que me seguistes, havereis de sentar-vos em doze tronos" (Mt 19,28). Quando o Juiz divino assentar-se para examinar a vida de cada um e decretar sua sorte eterna, não nos vai perguntar quantos bens, posses ou cultura possuímos, mas que uso fizemos deles, quantas pessoas convertemos mediante estes meios, de quantos famintos saciamos a fome e matamos a sede, quantos visitamos, até onde nos empenhamos na propagação do Evangelho e na consolidação da fé, de que maneira enfrentamos os perigos, os escárnios, as perseguições e tribulações. O mundo tem necessidade de ver os traços autênticos de uma vida verdadeiramente evangélica. 185 - Missão e Santidade Fomos escolhidos não somente para servir a Deus, mas para fazer com que também os irmãos louvem e sirvam a Deus. Assim, todos juntos poderemos conseguir a salvação. Mas, como pode tornar os outros santos aquele que não o é por si mesmo? Como poderá tirar as pessoas do modo de ser do mundo aquele que não está bem apoiado na santidade? O mundo e o demônio fazem particularmente guerra contra aqueles que têm a missão de salvar os seres humanos. Como poderá escapar de suas ciladas e tentações quem não está totalmente fortalecido por uma sólida virtude? Por outro lado, devemos nos dedicar não somente ao bem das poucas pessoas que estão ao nosso redor, mas de todos. Para isso se requer muita oração. Diz São Gregório Magno: "ninguém sonhe chegar ao sacerdócio, se não tiver adquirido, com a oração, muita familiaridade com Deus, a ponto de poder dobrá-lo à sua vontade, como Moisés e Elias". Exclama o Senhor: "procurei entre eles alguém que construísse um muro e ficasse firme na brecha diante de mim em favor do país, para eu não o destruir, mas não encontrei" (Ez 22,30). "Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, serão perdoados; a quem os retiverdes, ficarão retidos" (Jo 20,22). Eis aí um poder totalmente divino: "Só Deus pode perdoar pecados" (Mc 2,7). Deus, portanto, nos constituiu em estado de mediação entre Ele e os seres humanos, para que, junto dele, sejamos representantes de todas as pessoas e, junto delas, representantes de Deus. Os sacerdotes devem ser homens celestes ou anjos terrestres. É dever nosso viver à altura das tarefas exigidas por nossa vocação. A grande facilidade com que se assumem as tarefas e o pouco empenho espiritual com que são executadas são motivos suficientes para que, no juízo de Deus, nos seja exigida a prestação de contas que tais tarefas exigiam. Para desenvolver bem nossa missão, temos que pôr um ponto final na busca de nós mesmos, procurando caminhar corretamente na via do Senhor e andando, com toda solicitude, como pessoas que levam nos ombros um compromisso sério: o peso de nossos pecados e o cuidado de mundo todo. 186 - Responsabilidade do Sacerdote "A dignidade sacerdotal faz tremer". "Façamos um balancete de nosso trabalho, antes que o Patrão nos chame". Examinemos bem como ocupamos a cátedra de mestres do povo de Deus, porque não é a cátedra que dignifica o sacerdote, mas é o sacerdote que dignifica a cátedra, como não é o cargo que santifica uma pessoa, mas é a pessoa que santifica o cargo. O pecado do sacerdote é de culpa redobrada, pois arrasta atrás de si muitos pecados cometidos pelos fiéis. Quem pode calcular o dano ocasionado às pessoas? A tendência à imitação está alicerçada sobre certa fraqueza de quem é levado a imitar. Há maior inclinação para se imitar os maus exemplos do que os bons. Como o martelo que age mais rápido para abater e destruir uma estátua do que para burilá-la, assim o exemplo traz consigo mais força quando se trata de destruir a verdade do que quando se trata de promovê-la. Esta eficiência, comum a todo mau exemplo, torna-se particularmente deletéria, quando procede de pessoas muito estimadas pela dignidade e influentes pela doutrina, porque não só promovem o pecado que fazem, mas tiram dele também a vergonha, isto é, o dique fortificado que freia a expansão do mal. Um leigo escandaloso é como uma grande pedra que rola na superfície plana. Mesmo que faça algum mal a alguém, o dano é pequeno. Contrariamente, um sacerdote que dá mau exemplo é como uma grande pedra que rola do alto, por causa da sublimidade de sua missão. Quem poderá avaliar o dano que vai provocar? Entremos, então, em nós mesmos, para examinarmos nossa conduta e, se, por acaso, cooperamos, de algum modo, para prejudicar a obra da graça em nossos irmãos, vamos nos empenhar na reparação, trabalhando para a edificação de cada um deles, restaurando o templo que, com palavras e comportamentos incautos, contribuímos para destruir. 187 - O Sacerdote e a Eucaristia Recebemos Cristo todos os dias com a finalidade de poder nos divinizar. Na verdade, não somos ainda homens divinos nem mesmo espirituais. Ao contrário, certos Padres se envergonham destes títulos e não lhes interessa senão ser Padres oradores, poetas, filósofos, homens de talento, pessoas com boa aparência e de negócios, em síntese, Padres do mundo e da carne. Oh, infelizes! Ai de nós que não reconhecemos o corpo do Senhor! Que prestação de contas por tantas missas! Certos sacerdotes não se entretêm, de boa vontade, com Cristo. Não estão com Ele nem mesmo no altar. Preferem deixar o colóquio com Cristo para os fiéis piedosos e falam muito mais do mundo e com o mundo. Se eles falam de Cristo, não o fazem por amor a Ele, mas por obrigação. Não o consultam através da oração nem lhe pedem auxílio e proteção. Estão mais preocupados em procurar para si somente proteção e ajuda dos seres humanos. Confiam mais em quem não os ama, ou até os odeia, mas não em Cristo, o amigo por excelência. Os apóstolos permanecem com Cristo. João repousa sobre seu peito. Eles o escutam no sermão e o seguem até o horto. Eis os efeitos da missa nos bons sacerdotes: permanecem com gosto junto com Cristo; encontram em Cristo repouso e contentamento. Eles prestam atenção às inspirações divinas, fazendo calar, em si mesmos, a voz das paixões e do mundo; seguem Cristo, mesmo nos perigos. Os apóstolos não teriam caído na tentação, se não tivessem deixado de lado a oração. 188 - Não Só Conhecer, mas Fazer a Vontade do Pai Fiéis na mente e nas obras como Abraão, eis como devem ser aqueles que são chamados a se tornarem progenitores espirituais e convivas de Jesus Cristo, pois o geram nos seres humanos, mediante a pregação e a administração dos sacramentos, como os patriarcas: prudentes, justos, ardorosos e moderados. Não basta a ciência moral e teológica, humana e divina. São necessárias virtudes humanas e divinas, morais e teologais: "todo aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe" (Mt 12,50). Pedro era ignorante; Paulo tinha um discurso sofrível (Cfr 2Cor 10,10). Ambos, porém, souberam derrotar filósofos e reduzir, ao silêncio, mestres de retórica. Infelizmente, muitos sacerdotes estão contaminados pela esterilidade apostólica, porque nunca atingem a idade madura no caminho da perfeição, "o estado de adultos, a estatura de Cristo em sua plenitude" (Ef 4,13). Não têm entranhas de caridade, ou elas são estéreis, porque não se nutrem com a oração: "pisado como a erva, meu coração está secando; pois até me esqueço de comer meu pão" (Sl 102,5). Tornam-se áridos para si e seus filhos. As mães e amas de leite que amamentam têm que se alimentar bem; por isso, são dispensadas do jejum. Os sacerdotes morrem de fome: como poderão nutrir seus filhos? Oração, queridos eclesiásticos, oração! Sejamos sempre fiéis à meditação, para que possamos saber como nos comportar na casa do Senhor. 189 - Como Jesus no Templo O menino Jesus ficou em Jerusalém, no templo. Afora os momentos que se dedicava ao debate com os doutores, devia ter passado o restante de seu tempo em uma prolongada vigília e oração, diante do Pai eterno, rezando pela salvação do mundo e por todo o povo que ali entrava. Jesus responde a seus pais, que, ao encontrá-lo após três dias, lhe manifestam sua angústia: "não sabíeis que eu devo estar naquilo que é de meu Pai?" (Lc 2,49). Quer nos ensinar que sua ocupação e esforços deviam estar sempre a serviço do Pai celeste, sem se deixar distrair por outras coisas. Assim também é o sacerdote. "É preciso que façamos as obras daquele que me enviou, enquanto é dia" (Jo 9,4). Não devo ocupar-me com o mundo, com satisfações da carne e com meu amor próprio nem procurar meus interesses e gostos pessoais, mas o interesse da glória de Deus e sua vontade. Por exemplo, ao confessar, sobretudo, gente simples e ignorante, o sacerdote não encontra muito interesse ou gosto, mas deve saber que Deus os tem. Jesus permaneceu no templo para se ocupar, de fato, com tarefas referentes à glória de Deus, como foi o debate com os doutores, por ele mantido com admirável modéstia, humildade, discernimento e zelo. Deu o exemplo das virtudes que devem acompanhar a execução de nossas obrigações sacerdotais na Igreja. É necessário apegar-se a essas obrigações desde jovem. Se essas não são observadas desde a juventude, mais tarde o desânimo triunfará. É preciso renovar-se sempre. Também os anciãos dizem: "irei ao altar de Deus, ao Deus que alegra a minha juventude" (Sl 43,4). Deus nos quer sempre jovens não em idade, mas em fervor. Por outro lado, quem é jovem não deve julgar, mas respeitar aos anciãos. Cristo sabia muito mais que os doutores. Todavia, não ensinava, mas interrogava e respondia. Há clérigos tão orgulhosos que, confiantes demais em seus estudos, desprezam os idosos, considerando-os ignorantes. Quantos Padres agem sem discernimento e prudência! Fazem e desfazem, sem zelo algum, apenas por interesses pessoais! Se não vos tornardes como o menino Jesus, não entrareis no reino dos céus (Mt 18,3). 190 - O Sacerdote e a Humildade Aprendamos com Cristo a ceder sempre e a buscar o último lugar. O prestígio, a honra e a glória do sacerdote são a humildade. Perguntaram a São Tomás de Aquino qual era o sinal para reconhecer quem, de fato, é santo e perfeito. Respondeu que era quem tinha a humildade, o desprezo de si mesmo, das honras e do louvor, a aceitação das ignomínias e injúrias. O humilde está sempre em paz com todos. O soberbo, ao invés, em litígio. Quantas divisões, invejas e ciúmes entre confessores pelo cargo, pelo confessionário, pelos penitentes e pelo direito à precedência, com escândalo para as pessoas. Cumpre a justiça autêntica quem sabe se antecipar a todos na manifestação de estima e respeito pelos outros e quem suporta os defeitos do semelhante: "carregai os fardos uns dos outros; assim cumprireis a lei de Cristo" (Gl 6,2). A mais elevada justiça e santidade consistem em, possuindo alguém o mais alto grau de virtude, saber ser o último, por causa da humildade. Cristo quis reprovar o desejo de aparecer, que é muito natural em nós, porque esta é a raiz de inúmeras desordens. O meio mais eficaz para moderar em nós o desejo ardente de aparecer e sobressair é o exemplo de um Deus solitário e voluntariamente desconhecido ao mundo. É um exemplo que freia os pretextos provenientes do amor próprio, o qual sabe habilmente sugerir desculpas, como: persuadir-se de que estão em jogo a glória de Deus e a salvação dos irmãos; argumentar que é só exigência em algumas ocasiões; apresentar a razão da conveniência; mostrar que serve somente para manter a caridade; invocar a necessidade da sociabilidade na vida; afirmar que a solidão nos torna inúteis e impede-nos de fazer valer os talentos recebidos... Pretextos estes razoáveis, mas inúteis. Posso contribuir a favor da glória de Deus mais do que Jesus Cristo? Ao contrário das máximas, que me sugere o espírito mundano, Cristo veio me ensinar um caminho totalmente diferente, isto é, o valor de passar como desconhecido. 191 - O Sacerdote e Seus Parentes Jesus ficou no templo sem dizer nada aos pais (Lc 2,43), para que não o impedissem de realizar, livremente, o que estava estabelecido para glória do Pai celeste. Há sacerdotes que, na aceitação dos encargos e do desenvolvimento de seu trabalho, se deixam condicionar pelos interesses humanos dos parentes. Ora, se a ambição dos parentes pode prejudicar a fidelidade aos deveres sacerdotais, convém, então, recordar o que disse Jesus: "se alguém vem a mim, mas não me prefere a seu pai, sua mãe, sua mulher, seus filhos, seus irmãos, suas irmãs, e até à sua própria vida, não pode ser meu discípulo" (Lc 14,26). Jesus nos quis mostrar como devemos estar desapegados da carne, do sangue e do amor carnal aos parentes, deixando-os à parte e não hesitando em lhes dar um certo desprazer quando for necessário, para nos dedicar, com maior diligência, à vontade do Pai celeste. Mostrou-nos, ainda, que não devemos ficar com eles mais tempo do que aquele que está de acordo com a vontade de Deus. Se há motivo para pensar que os parentes ou qualquer outra pessoa do mundo se tornem impedimento - por ignorância, ou de boa fé, ou também com más intenções, - na execução da vontade de Deus, convém, então, deixá-los de lado sem dizer nada, mesmo que isso lhes possa causar desprazer e provocar queixas. Neste caso, enfrente-se tudo, com ânimo resoluto e viril, desde que seja feita a vontade de Deus: "quem ama pai ou mãe mais do que a mim, não é digno de mim" (Mt 10,37). E com mais razão ainda, se meus parentes ou qualquer outra pessoa que eu deva amar e respeitar como se fosse meu pai chegarem a exigir algo que seja contra Deus e a Igreja: "é preciso obedecer a Deus antes que aos homens" (At 5,29). 192 - Tentações do Sacerdote "Jesus ia crescendo em sabedoria, idade e graça diante de Deus e dos homens" (Lc 2,52). O sacerdote é chamado ao seguimento de Cristo e a crescer na perfeição: "quem põe a mão no arado e olha para trás, não está apto para o reino de Deus" (Lc 9,62). Todas as pessoas têm o direito de perceber nosso esforço para a perfeição. Como está, de fato, nosso progresso na perfeição? Talvez busquemos mais o progresso na carreira e nos cargos, enquanto, no campo das virtudes, demos passos para trás em relação ao tempo em que éramos ainda clérigos. Naquele tempo, quantas promessas e esperanças! Até mesmo no campo da ciência devamos reconhecer que sabíamos muito mais naquela época. Hoje, muitos Padres julgam desonra desprezar, na prática, o mundo, mesmo se o condenam na pregação. Oh! Deus, que baixeza! Com isso, este mundo enlouquecido ganha em honra, pois muitos ainda o seguem servilmente. Para um ou outro Padre até poderia soar como escândalo se ele escarnecesse do mundo. Felizes serão esses escândalos, gritaria Santa Teresa. A ambição de honrarias e dignidade são vícios dos Padres. Em um sacerdote, a vanglória e a inveja são terríveis paixões. E os Padres não as confessam. É preciso entender, de uma vez por todas, que a grande tentação é a roupa à qual ficam apegados tantos eclesiásticos. É um interesse sutil que, dificilmente, o sacerdote chega a perceber. Feliz é quem pode desvencilhar-se dele! Três são as principais tentações: riquezas, honras e soberba. Quem se deixa levar por elas corre o risco de cair em todos os outros tipos de vícios. Os mártires eram fortes diante da violência, livres no espírito e na confissão da fé, porque eram desapegados do interesse de amar demasiadamente o mundo e a vida. 193 - O Mundo Secular e o Mundo Clerical Se considerarmos a terra como uma passagem, um rio que corre sem parar e desemboca diretamente no mar, quais valores nela contidos devo eu escolher? Vejo muita agitação, grandezas, pompas, fortunas e prosperidade, cujo esplendor deslumbra. Até mesmo no estado eclesiástico me deparo com certos graus, cargos, distinções e diversidades de atividades que, embora estranhos para o mundo secular, não deixam, porém, de gerar sentimentos mundanos. A este respeito, devo relembrar o que dizia um santo: tudo isto não é Deus, não é o céu nem é o meu objetivo. Portanto, devo permanecer insensível a tudo isso e não lhe dar a mínima atenção. Que simplicidade e liberdade de coração me proporcionaria tal atitude! Poderia, então, viver como sacerdote autêntico, porque seria como homem morto para o mundo e como um "daqueles de que o mundo não era digno" (Hb 11,38). Obedeça - é o conselho de Padre Gaspar a um recém ordenado - obedeça a seus pais e seja exímio imitador de suas virtudes. Obedeça, com submissão de mente e afeto de coração, ao seu bispo. Obedeça ao pároco da igreja a que for designado. E, qualquer coisa que a carne venha sugerir ou o mundo insinuar, que escute e siga apenas Cristo, de cujos mistérios és, agora, feliz dispensador. Não te preocupes, nem com o mundo secular, nem com o mundo clerical. A COMUNIDADE RELIGIOSA 194 - Comunidade e Comunhão Todos tenham como escopo e sinal de sua vocação o que disse Nosso Senhor Jesus Cristo: "nisto conhecerão todos que sois meus discípulos se vos amardes uns aos outros" (Jo 13,35). Assim, se devemos ter amor para com todos, de modo especialíssimo o devemos ter para com nossos irmãos espirituais, como diz o Apóstolo: "quem não cuida dos seus e, principalmente, dos de sua casa, renegou a fé e é pior que um infiel" (1Tm 5,8). Cada qual tenha diante dos olhos, como norma de concórdia, o que nos Atos dos Apóstolos se lê a respeito da conduta dos primeiros fiéis, de onde cada ordem de religiosos teve origem e forma: a multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava suas as coisas que possuía, mas tudo entre eles era posto em comum (At 4, 32); diariamente... partiam o pão pelas casas e tomavam a refeição com alegria e simplicidade de coração. Louvavam a Deus e eram estimados por todo o povo (At 2,46-47). Cada um procure, com muito empenho, tal união e concórdia de caridade. Decididamente, afaste-se de tudo o que lhe é contrário, como a animosidade e as discórdias, evitando-as com o maior cuidado e considerando as palavras do salmo: (Si 133): "oh! Como é bom, como é agradável aos irmãos morarem juntos" (Sl 133,1). 195 - Valor da Observância Perfeita No mosteiro, onde mesmo as prescrições mínimas são observadas, o ânimo dos monges permanece inabalável e a paz reinará entre os irmãos. Onde, porém, tais prescrições são negligenciadas, toda disciplina, progressivamente, dissipa-se e esmorece. Tanto nas Congregações fervorosas como nas relaxadas existem defeitos; porém, nas primeiras, tais defeitos são corrigidos e considerados abusos, ao passo que, nas segundas, são dissimulados e passam a ser usos e costumes. Quando em uma Congregação religiosa cada membro não se esforça para a sua perfeição, tal Congregação não pode progredir, e, se realiza algo, o faz sem vida e languidamente. 196 - Comunhão Fraterna e Vida de Fé O crescimento da comunhão fraterna depende, sobretudo, do progresso na vida espiritual. À medida que a caridade teologal cresce, isto é, o amor a Deus e a Cristo Nosso Senhor, também a união entre os confrades se aperfeiçoa, porque há comunhão com Deus e com nosso Salvador. Este vínculo de união se reforça, grandemente, com a oração e a meditação, conforme as palavras "a meditação faz arder meu coração" (Sl 39,4). Sem dúvida, este é o caminho mais eficaz para se conseguir tal união. É incomparável o amor da verdadeira caridade. Este faz descobrir nas pessoas dotes especiais de virtude e dons do Espírito Santo, faz contemplar as pessoas como imagem de Deus, ornada com coloridos tons da graça divina. Com certeza, aumentará de modo admirável a caridade recíproca naqueles que se esforçarem por crescer nessas virtudes e nesses dons, contemplando-os, amiúde, nos outros. Ela também florescerá neles se existir o desejo de considerar, em seus corações, os outros como superiores a si, alegrando-se e dando graças a Deus pelos dons espirituais neles descobertos. 197 - Votos Religiosos e Caridade Uma virtude jamais exclui outra e, menos ainda, elas combatem entre si. Quando, pois, parece que a prudência ou a caridade exije uma determinada escolha, não há motivo para temer que isto seja contrário à pobreza nem que comporte falta contra os votos religiosos. Esses são apenas meios em relação à caridade, que é o fim. Ora, é o fim que determina a ordem, o modo e a medida a todos os meios. A comunhão fraterna, em grande parte, concretiza-se com o vínculo da obediência. O mesmo se diga da pobreza, da humildade e do desapego dos bens temporais. As honras, as dignidades, as riquezas e as comodidades da vida fazem parte dos bens temporais. O desprendimento de todos esses bens provém do amor a Deus. Os pobres em espírito e os humildes respeitam todas as pessoas; por elas são acolhidos no íntimo do coração. Meio particularmente eficaz para promover a comunhão fraterna é a pobreza em grau elevado, que é característica do religioso, em razão do voto. No estado religioso tudo é comum: os corações, as mentes, os corpos e o que é necessário à manutenção e ao teor de vida. Em Atos dos Apóstolos (Ap 4, 32) está escrito que "a multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma". Imediatamente é acrescentado que tudo entre eles era posto em comum. 198 - Diálogo e Conversação Fraterna Todos os dias após as refeições os confrades reúnem-se, possivelmente no mesmo local, para uma familiar e amigável conversação. Convém que isso seja observado por todos sem exceção, em atenção à saúde, mas, em especial, para promover a caridade. A amizade, diz Aristóteles, cresce com a mútua comunicação, mas é destruída pelo comportamento taciturno. Santa Teresa afirma que a comunicação faz crescer a caridade. Assim, quando as visitas dos confrades se realizarem de modo freqüente, os bons religiosos devem não só tolerá-las com paciência, mas acolhê-las com alegria. A conversação entre confrades contribui grandemente para o necessário descanso. Visto que o objetivo da conversão das almas, em boa parte, obtém-se mediante a conversação com o próximo, ao se tratar, com delicadeza e discrição, de temas espirituais, recordem-se os confrades religiosos que, para tal fim, devem exercitá-la primeiramente entre si. Lembre-se, amiúde, que a diversidade de opinião é algo humano. Quando feita com discursos serenos e moderados, com ânimo desarmado, não ofende ninguém. Ao contrário, as desavenças, as controvérsias movidas pelo espírito de animosidade e a defesa obstinada da própria idéia desagradam em demasia. Esses comportamentos devem ser evitados a qualquer custo. Santo Agostinho adverte em sua regra: "evitai sempre as contendas, ou terminai-as o mais rápido possível, a fim de que a ira não se mude em ódio e um graveto não se transforme em uma trave". 199 - A Correção Fraterna Sentes a obrigação de corrigir um irmão? Começa por ti mesmo, recriminando teus próprios pecados e rezando ao Senhor. Depois, chama o irmão à parte e procura adverti-lo, aconselhá-lo e exortá-lo. Pautemo-nos pelo exemplo de São Paulo, escrevendo aos Coríntios: receio que, quando aí chegar, não vos encontre tais como vos desejo encontrar, e que eu me apresente a vós numa forma que vós não desejais. Receio que haja, entre vós, contendas, ciúmes, iras, disputas, maledicências, murmurações, insolências, desordens. Receio ainda que, na minha próxima visita, o meu Deus me humilhe a vosso respeito, e que eu tenha que chorar por causa de muitos que pecaram, e ainda não se converteram da imundície, da libertinagem e da devassidão (2Cor 12,20-21). Declara tua consideração pela pessoa que desejas corrigir, procurando persuadi-la de que, ao alertá-la de suas culpas, queres ajudar e curar, e jamais julgar ou denunciar. Se, pretendes, realmente, curá-la, não tenhas medo de abraçá-la e beijá-la, como fazem, às vezes, também os médicos quando têm que tratar de doentes difíceis, conseguindo fazer com que tomem o medicamento prescrito. O cuidado recíproco pelo proveito espiritual entre confrades comporta a propensão e a disposição de ânimo para bem acatar a correção de outrem e para cooperar também, com a devida caridade, com a correção dos demais. 200 - As Ciladas da Comunhão Ninguém desagrade ou ofenda o próprio confrade, nem em público, nem em particular, nem mesmo por brincadeira. Ao contrário, empenhe-se para que nem mesmo no coração se nutram sentimentos maldosos ou contrários ao próprio confrade. Elemento fundamental da caridade é a preocupação de não visar a honras na prestação de serviço. Por outro lado, o espírito de dominação e de poder ou qualquer manifestação desse tipo separa enormemente as pessoas. Todos evitem o desejo de mandar e de se apresentar como superior, porque essas atitudes indicam soberba e não favorecem a caridade. Se alguém, por algum cargo, for obrigado a mandar, faça-o como quem não impõe, mas como quem indica o que deve ser feito. Todos, conforme o conselho do Apóstolo, estejam a serviço uns dos outros (Gl 5,13), de modo que se verifique o que dos antigos monges escreveu muito bem São João Crisóstomo: "não se pode dizer que algum deles proferisse ou recebesse injúrias, desse ou recebesse ordens, e sim que todos se colocavam na condição dos que serviam". 201 - Não Faleis Mal Uns dos Outros Muitas vezes o amor próprio disfarça a murmuração em zelo, caridade, meio necessário para precaver-se contra si ou contra os outros. O verdadeiro motivo é a paixão. É preciso então pedir perdão a Deus e chorar muito. Que utilidade pode advir do jejum se, abstendo-nos de comer carne de animais, depois mordemos e devoramos nossos irmãos? Quem inventa calúnias come a carne dos irmãos e morde a do próximo. Por isso, São Paulo dirige aos fiéis a impressionante admoestação: "se vos mordeis e vos devorais uns aos outros, cuidado para não serdes consumidos uns pelos outros" (Gl 5,15). E ninguém venha dizer que se inventa calúnias só quando se fala o que é falso e se difama. Quando se murmura do irmão, mesmo dizendo coisas verdadeiras, comete-se a mesma falta. O fariseu da parábola disse a verdade comentando a respeito do publicano, que era verdadeiramente pecador. Todavia, não tirou proveito algum disto, porque o publicano "voltou para casa justificado, mas ele não" (Lc 18,14). Não haja murmuração entre os confrades por motivo algum, com nenhuma palavra ou aceno. Nem mesmo no coração se nutram sentimentos maldosos ou contrários ao confrade. 202 - Não Dar Ouvidos às Murmurações Não somente deve-se evitar falar mal dos outros, mas é preciso, também, precaver-se para não dar ouvidos a quem murmura do próximo. Devem-se fechar os ouvidos a tais palavras, recordando o que diz o salmista: "quem calunia em segredo seu próximo, vou reduzi-lo ao silêncio" (Sl 101,5). Diga a teu irmão: quer louvar ou falar bem de alguém? Abrirei, de boa vontade, os ouvidos para escutar estas coisas maravilhosas. Se desejas falar mal, vou trancar a porta a tal gênero de conversa, pois não consigo tolerar vilipêndios. Que lucro eu tenho ao saber que alguém não é bom? Parece-me que isto me causa grande mal e verdadeira desgraça. Procuremos falar com quem erra. E, ao mesmo tempo, enfrentemos nossas fraquezas com o propósito de examinar nossas culpas. Voltemos para nós mesmos e nossa vida a curiosidade e o desejo de investigar. Que desculpa encontraremos? Como receberemos o perdão, se nossas culpas sequer vêm à nossa mente e preferimos perscrutar curiosamente as atitudes alheias? "Ouviste algo contra o próximo? Guarda-o contigo, e tem certeza de que não te prejudicará" (Eclo 19,10). O que significa: "guarda-o contigo?" Quer dizer: destrua-o, enterre-o e não permita que saia de ti e se espalhe. De modo especial, não tolere que outros sejam maledicentes. Se os detratores perceberem que os desprezamos mais do que seus acusados, desistirão, de uma vez por todas, deste mau costume e corrigirão seu pecado. É verdade que como a murmuração e a calúnia geram ódio e discórdia, assim também falar bem e louvar corretamente o próximo é princípio de amizade e paz. 203 - A Comunidade de Padre Gaspar Alguns piíssimos sacerdotes de Verona reuniram-se para buscar a perfeição espiritual por meio da vida comunitária, à maneira de religiosos, e dedicar-se, segundo suas possibilidades e circunstâncias, ao cuidado pastoral do próximo. E embora tenham escolhido como principais características de vida e atividades o recolhimento e a humildade, todavia o esplendor das virtudes e a eficácia de seu zelo são tais que toda a cidade os ama e venera como sacerdotes santos. Seu superior, Padre Gaspar Bertoni, homem de inigualável bom senso e piedade, conduz a comunidade com tal suavidade de maneiras e firmeza que um só espírito os anima e uma só vida, por assim dizer, difunde-se em todos. Se falas com eles, percebes que cada um, no pensamento, nos sentimentos do coração e no comportamento exterior, é retrato fiel do outro. Quer saber o que neles se torna, sobretudo, digno de nota? Direi que é a humildade, a caridade e o trato afabilíssimo. Vivem muito pobremente e são bem mortificados. Bastante simples é o quarto de cada um, assim como a mobília. Em toda a casa existe a preocupação com a ordem e limpeza. Dá gosto de ver. Em particular, a igreja, que foi magnificamente reformada, sobressai-se pelo decoro e pela limpeza. Nela, os Padres da comunidade pregam semanalmente e se aplicam continuamente ao ministério da confissão. Eles mantêm, em seu prédio, uma escola ou um ginásio público, onde, gratuitamente, educam um bom número de jovens. Não aceitam ofertas de quem quer que seja ou de qualquer espécie. Tal despojamento, que tanto convém a sacerdotes, atrai sobre eles grande admiração por parte de todos. E, verdadeiramente, não saberia que nome mais apropriado poder-se-ia dar-lhes do que pérola escondida do clero veronês. OS LEIGOS NA IGREJA 204 - Os Leigos e a Santidade da Igreja Muitos leigos na Igreja estão mais empenhados do que inúmeros sacerdotes em responder à vocação divina, que chama todos à santidade. A vida deles é imaculada e repleta de boas obras. Muito se deve aprender de leigos tão exemplares. "Surgem os simples e roubam o reino dos céus. E nós, com toda nossa doutrina sem coração, nos entretemos mais com a carne e o sangue!". Que motivo de vergonha e de temor para um sacerdote saber que inúmeros leigos, no meio do mundo, estão mais preocupados com a busca da perfeição espiritual do que ele, e são mais perfeitos do ele! Quantos são, na realidade, mortificados, castos, humildes e caridosos! Pode acontecer que um jovem, desejoso de tornar-se sacerdote, sofra a tentação, na vocação, pelo mau exemplo de algum sacerdote realmente mundano. Entretanto, aí aparece a Providência divina e proporciona, em muitos casos, um enorme auxílio, mediante o constante testemunho e a perfeita caridade de muitos leigos. Quem, aproveitando-se deste incentivo, vence o escândalo provocado por Padres mundanos e esforça-se para não se deixar superar pelos leigos no caminho da perfeição comprova ótima disposição para o sacerdócio. É lastimável ver tanta santidade nos leigos e tantas imperfeições e vícios em um sacerdote. 205 - Os Leigos e a Missão Apostólica Os leigos, sob a direção dos sacerdotes, podem trabalhar em prol da fundação de Oratórios Marianos e cooperar para seu bom andamento. Padre Gaspar Bertoni deu exemplo servindo-se de leigos virtuosos para um eficiente andamento dos Oratórios constituídos, exortando-os a serem fermentos de novos núcleos. Por meio de alguns jovens bem preparados, Padre Gaspar jogava a isca para atrair os indiferentes e afastados, conseguindo, com isso, boa pescaria. Aos poucos, aproximava-se dos que tinham abandonado a fé. Com boas maneiras, induzia-os a participarem do Oratório. Os que aceitavam o desafio eram levados à prática das virtudes, após uma boa conversa com Padre Gaspar. Confessavam-se, mudavam de vida e, não raramente, tornavam-se cristãos fervorosos. Muitos daqueles jovens apóstolos, bastante zelosos, vivendo no mundo, transmitiam um espírito missionário de tal maneira que não precisavam ter o que invejar dos religiosos. Havia um grupo seleto, verdadeira elite e alicerce dos Oratórios, dotado de virtudes extraordinárias, com o qual Padre Gaspar podia contar a qualquer momento para ser destinado, com invejável disponibilidade cá e acolá, para onde a necessidade o exigisse. O grupo compunha-se de jovens e adultos que gostavam de se reunir para experiências de formação, mesmo durante o tempo em que os outros se dedicavam a divertimentos. Procurava dedicar-se a leituras da vida de santos ou de outros livros espirituais, a conversações sobre temas instrutivos ou edificantes e a ensaio de cantos sacros. 206 - Padre Gaspar e a Formação dos Leigos Após haver passado todo o domingo com os rapazes nas diversas atividades do Oratório, Padre Gaspar se reunia à noite, em sua casa, com um grupo de jovens e adultos que lhe estava mais próximo. Mais tarde começou a recebê-lo não somente nas noites de domingos e dias santos, mas também em todas as noites dos dias da semana, após a jornada de trabalho, passando horas dedicadas a leituras e assuntos espirituais. Cada um dos presentes podia colaborar com as próprias observações ou pedir explicações. A todos, Padre Gaspar respondia pronta e familiarmente, esclarecendo dúvidas, deixando-os bem instruídos e, verdadeiramente, preparados. Nos Estigmas, o Oratório floresceu tanto, a ponto de não haver mais espaço para acolher os rapazes na igreja e na capela de Nossa Senhora da Conceição. Ali se formou um grupo, com cerca de trinta membros, entre jovens e adultos. Era uma elite fervorosa que se distinguia pelo recolhimento, pela freqüência aos sacramentos, pela devoção e piedade. Ela recolhia-se na capela interna, chamada Transfiguração, onde eram ministrados ensinamentos e instruções especiais que tratavam da perfeição cristã. A capela estava bem próxima do quarto de Padre Gaspar. Muitas vezes, na ausência do sacerdote encarregado, por razões de saúde ou de impedimento, ele mesmo, embora bem idoso e enfermo, dirigia-se até o altar e fazia a pregação. Ou, então, chamava-os a seu quarto e lhes dirigia breves palavras, com enorme edificação e satisfação dos presentes. VOCAÇÃO PARA O MINISTÉRIO NA IGREJA 207 - Eu Vos Escolhi "Não fostes vós que me escolheste; fui eu que vos escolhi e vos designei para dardes fruto e para que o vosso fruto permaneça" (Jo 15,16). Não fostes vós por primeiro - diz Jesus - a me escolher como mestre e senhor, mas eu, antes de qualquer vossa iniciativa, vos escolhi e chamei. Mediante minha vocação e graça, vos tornastes meus amigos, discípulos e apóstolos. Na parábola da videira e dos ramos, insiste: assim como o agricultor escolhe as melhores videiras para plantar na vinha, também vos escolhi, ó apóstolos, para vos plantar em minha Igreja, como as melhores videiras, transformadas pela minha graça, a fim de que produzais uma boa colheita de uvas, ou seja, todo um povo de fiéis, numeroso e bem formado (Jo 15,1, seguintes). Cristo fala desse jeito para mostrar a grandeza de seu amor para com os apóstolos, pois, entre todos os outros seres humanos, até mais nobres, doutos e eloqüentes, preferiu escolher, como seus apóstolos, exatamente aquele grupo, tornando-o seus amigos especiais e príncipes de sua Igreja. Com isso, incentivava-os a lhe retribuir tamanha graça por intermédio de um amor dedicado e de uma constante veneração. Quis levar os apóstolos a considerar a enorme dignidade de sua condição e da tarefa apostólica para que se empenhassem, do modo mais adequado, ao seguimento radical. Além disso, em razão da escolha realizada por sua própria iniciativa, Cristo propôs aos apóstolos uma lição de humildade, como se dissesse: eu vos chamei amigos e vos coloquei a par de meus segredos mais íntimos, mas não deveis, por isso, vos orgulhar, porque tal distinção não é merecimento vosso, e, sim, puro dom de minha parte. O Senhor, finalmente, insiste em relevar que ele mesmo constituiu os apóstolos em sua dignidade, a fim de que sintam ilimitada confiança. Se o que possuem vem dEle, logo ninguém jamais poderá impedir a missão de conseguir uma grande multidão de almas no mundo. Em síntese, Ele permanecerá sempre com eles e será contínua garantia de sua fecundidade na produção dos frutos para o Reino de Deus. 208 - Deus nos Ama Há Muito Tempo Desde toda a eternidade, Deus nos amou e decidiu nos chamar. Conseqüentemente, faz um bom tempo que nos ama, embora ainda não o conheçamos o suficiente. E nos chamou mediante uma vocação tão santa que torna capazes de chegar à santidade, também, os pecadores e inimigos. Se, portanto, é assim tão poderoso ao chamar, e o faz por intermédio de um dom gratuito de sua bondade, não existe motivo para temor. Se mesmo quando éramos pecadores e inimigos nos salvou com sua graça, muito mais agora permanecerá próximo de nós, percebendo que estamos fazendo nossa parte! Deus nos salvou não por causa de nossas obras, mas por um desígnio de amor, movido unicamente por bondade. E nós, hoje, estamos sendo chamados a colaborar com tal desígnio de salvação mediante o auxílio que Ele nos dá. O anúncio do Evangelho é difícil porque é atacado por todos os lados pelos inúmeros interesses do mundo que tendem a ofuscá-lo ou marginalizá-lo. Por amor ao Evangelho devemos então, estar dispostos a sofrer, suportar adversidades de todo gênero, com paciência e coragem. E, ao invés de fugir das aflições, desejá-las, confiantes não em nossas pobres forças, mas no poder de Deus, que sempre triunfa, mesmo quando somos fracos. Estejamos certos de que Deus, que nos chama a combater e vencer pela causa da fé, estará sempre a nosso lado, sustentando-nos com sua própria força. Por amor ao Evangelho conseguiremos, então, suportar, com generosidade e alegria, todo tipo de adversidade, mesmo as mais graves. Animados pela confiança, não em nós mesmos ou em nossas forças, mas em Deus, vamos mergulhar nEle com a oração. Ele nos acolherá e nos tornará mais fortes do que todos os inimigos, as tribulações e perseguições. 209 - Deus Escolheu o que no Mundo é Fraco "Irmãos, reparai em vós mesmos, os chamados" (1Cor 1,26) o motivo e o modo de vossa vocação. "Não há entre vós muitos sábios de sabedoria humana, nem muitos poderosos, nem de família nobre" (1Cor 1,26), escreve São Paulo aos Coríntios. Também nós somos pobres, sem poderes, privilégios, nobreza e cultura mundana. Aprendemos apenas um pouco de teologia e direito. Sabemos só pregar, com simplicidade, a doutrina de Cristo e explicar sua lei. Não temos a eloqüência dos grandes oradores nem o prestígio dos cientistas. Afirma São Paulo: "de fato, Cristo me enviou para anunciar o Evangelho sem sabedoria de palavras - isto é, sem a eloqüência e a arte da oratória - para não esvaziar a força de Cristo" (1Cor 1,17). Com isso, Cristo quis que a pregação não fosse distorcida e se tornasse inútil, o que aconteceria se as pessoas julgassem ter alcançado a fé e a salvação por força da eloqüência humana, ao invés da Paixão de Cristo. Em seguida, o Apóstolo julga justo admitir, na comunidade cristã, também pessoas letradas e ilustres. Na realidade o fez não porque tivesse necessidade, e, sim, para evitar qualquer forma de discriminação. "Onde está o sábio? Onde o escriba? Onde o disputador desta era?" (1Cor 1,20). Quem, entre os filósofos, pôde conceder a salvação ou ensinar a autêntica verdade? Tudo isto foi obra de pobres pescadores. O que não puderam realizar os filósofos com silogismos o fez a "pregação estulta", convencendo a todos acerca das verdades mais sublimes e transformando gente ignorante em verdadeiros sábios. Os pobres e ignorantes crêem e se salvam. É testemunho de elevada sabedoria do pregador que consegue fazer com que os ignorantes sejam instruídos nas verdades mais sublimes e cheguem a orientar a própria vida por meio delas. 210 - A Vocação: uma corrente de graças Deus não despreza ninguém que queira combater sob o estandarte do seu Filho e que se vale dos meios por Ele propostos: a oração e a mortificação. Na verdade, a cada um deles está reservado um final glorioso. Recolhimento e sentimento do grande benefício da vocação. É grande vantagem nos esquecermos e despojarmo-nos de tudo para procurar a Deus só. A graça da vocação é uma série imensa de graças que pode se romper. Para rompê-la, é preciso muita coisa? Basta começar a não corresponder. A corrente e a série de graças do Senhor rompem-se logo em uma alma que não corresponde a isso. E o que vai acontecer? Tudo o que se refere à vocação causa aborrecimento e desperta desinteresse. Com o andar do tempo, ou é deixada de lado, ou é abandonada completamente. É algo a se pensar e temer, pois, na verdade, pode-se, até, perder a vocação. Ai daquele que costuma dizer: ah, eu não quero saber de tantos escrúpulos, muitos compromissos ou grande perfeição. Seria sinal de que não se tem conhecimento real da própria vocação. Pior ainda, quando se começa a gostar dos prazeres mundanos, como as riquezas, as honras e as comodidades. Seria sinal de que há completo desinteresse pelos valores e deleites espirituais. 211 - Fortalecer Cada Vez Mais a Vocação De sua parte, Deus fez tudo. Chamou. Em seguida, concedeu a graça e continua oferecendo a possibilidade de segui-lo. Agora, é preciso que cada pessoa, de sua parte e com a graça divina, também realize o que lhe cabe fazer, correspondendo, renegando-se a si mesma, carregando voluntariamente sua cruz e, por obediência, seguindo seriamente nosso Senhor até à morte. É evidente que cada um será também ajudado em sua fraqueza e confortado em suas tribulações. Apesar disso, tem que ser cauteloso para se empenhar com toda diligência. Deve agir com temor e tremor, consolidando sua escolha mediante boas obras e a prática de sólidas virtudes, conforme a afirmação da Sagrada Escritura: "cuidai cada vez mais de confirmar a vossa vocação e eleição" (2Pd 1,10). É por isso que Santo Inácio colocou alguns anos de tirocínio antes da admissão definitiva na Companhia de Jesus, com a finalidade de esclarecer, por intermédio de provas e testemunhos comprovados, e consolidar por parte dos indivíduos a vocação que, da parte do Senhor, se apresenta como definida e certa. Cabe, pois, ao indivíduo, de sua parte, trabalhar com tenacidade sua vocação e escolha. Ao se pensar bem sobre a questão, praticamente tudo se reduz a isto: que a pessoa saiba desconfiar de si e confiar em Deus, trabalhe e reze, tema e ame. 212 - A Igreja Prepara as Vocações Consagradas A vocação é efeito da escolha gratuita do Esposo: "não fostes vós que me escolhestes; fui eu que vos escolhi" (Jo 15,16). Com relação a ela, a divina Providência, fornecendo meios, com vigor e suavidade (Sb 8,1), exige tanto a dedicação maternal de sua Esposa, a Igreja, como a cooperação plenamente livre dos escolhidos. Quanto à vocação consagrada, Deus, antes de tudo, serve-se de preparação remota. Assim, a divina Providência nos fez vir ao mundo, dotando-nos de vários dons naturais. Chamou-nos à fé, fazendo-nos nascer em ambiente permeado de fé. Ele nos fez entrar na Igreja mediante o Batismo. Enriqueceu-nos com virtudes e dons apropriados ao ministério a que nos destinou. Por isso, temos motivos reais para adorar e agradecer ao Senhor e, ao mesmo tempo, rezar para sermos purificados de vícios, pois fomos regenerados para uma vida nova em Cristo. Deus, que chama a um determinado estado de vida, concede tudo o que é necessário para isso e jamais deixa de fazer sua parte. Por outro lado, há também a responsabilidade da Igreja, Esposa de Cristo, oferecendo sua prudente e oportuna colaboração, que se expressa mediante uma dedicação toda especial pelo progresso do escolhido com a ação e a oração. Adota o estilo próprio de mãe que, no começo, dá leite ao filho e, depois, conforme vai crescendo, procura dar-lhe alimento sólido. Quanto ao crescimento, a mãe Igreja oferece ao candidato o leite dos ensinamentos e os exemplos mais simples para que comece a praticar as virtudes morais. Depois, prepara-o para ser adulto, fazendo-o progredir nas virtudes religiosas. Posteriormente, confirma-o na perfeição, mediante o exercício das virtudes divinas e teologais. Quanto à oração, amamenta-o, fazendo-o meditar sobre os mistérios da Humanidade de Cristo. Dá-lhe alimento mais forte e leva-o a refletir sobre a Paixão do Senhor. Mais tarde o conduz ao templo para que aí permaneça, fazendo-o meditar sobre os mistérios da Ressurreição e Divindade, a fim de que possa pregar com unção. A nós cabe o empenho em corresponder a tanta solicitude. 213 - A Igreja Faz Amadurecer as Vocações Consagradas Se a preparação remota à vocação consagrada é constituída pelo esforço direcionado à perfeição cristã, a preparação próxima comporta, além disso, um esforço mais específico para a perfeição do ministério eclesial. Trata-se de aprender a ciência dos santos, para converter os pecadores, salvaguardar os justos e crescer na união com Deus. Para isso, a Igreja age propondo critérios de fortalecimento ao escolhido, como a imitação dos santos, insistindo sobre seus exemplos e colocando-o em familiar contato com ele. Mediante os exemplos dos santos, a Igreja acende, no coração do escolhido, o desejo de ajudar o próximo e de unir-se a Deus intimamente, procurando também purificar suas intenções, a fim de que se convença a prosseguir, impulsionado não por vaidade mundana, mas por puro desejo de agradar a Deus. A solicitude da Igreja se dirige, especialmente, aos adolescentes, protegendo-lhes a inocência, mantendo-os separados dos maus e favorecendo, com todos os meios, sua caminhada de união com Deus. A Providência divina, por sua vez, acompanha, com a graça, estes cuidados maternais da Igreja, a fim de que o candidato faça generosamente a oferta total de si mesmo a Deus e o faça com grande alegria. Efeito deste dom da graça é a capacidade de entregar-se totalmente ao apelo de Deus, como verdadeiro apóstolo, que não procura os próprios interesses, mas os de Jesus Cristo (Fl 2,21), alimentando, também, forte impulso para crescer nas virtudes e na perfeição. 214 - Como Responder ao Chamado É necessário corresponder ao chamado da Providência de Deus e ao maternal cuidado da Igreja, com simplicidade dos pequeninos e sem fraquezas, a exemplo de Samuel, que se deixava guiar docilmente como uma criança (1Sm 1,24; 3,1, seguintes). Correspondamos, pois, ao empenho da Igreja, que vela pelo progresso dos candidatos quanto ao crescimento das virtudes, das morais às religiosas e destas às divinas. Quanto ao caminho da oração, procuremos aplicar-nos à meditação dos mistérios da vida de Cristo e, em seguida, da sua Paixão e Ressurreição. Tudo com método e não desorganizadamente. Tudo alicerçado na Sagrada Escritura, da qual se aprendem tanto os ensinamentos para o crescimento como o conhecimento da oração. É preciso, então, aplicar-se assiduamente ao estudo da Sagrada Escritura. A Providência abrirá nossa mente para entender a Palavra de Deus, mediante as luzes resplendorosas de sua sabedoria. Senhor, fazei que, correspondendo à vossa graça e à solicitude da Igreja, cheguemos a formular propósitos para a prática de grandes virtudes; a ajudar outros com nosso ministério e a nós mesmos com a oração; a conceber desejos de alcançar o mais profundo conhecimento de Deus e poder pregar e rezar bem; a cultivar os mais puros anseios de caridade, imunes de toda ambição terrena. Fazei que nos disponhamos a executar pronta e generosamente os vossos projetos e que nos doemos, sem reserva, a Vós, para poder crescer, com vossa ajuda, em graça e sabedoria. 215 - Se o Mundo Vos Odeia, Sabei que Antes Odiou a Mim Conhecimento do grande bem que é padecer alguma coisa por amor de Deus. Felizes os que são perseguidos por causa da justiça... Felizes sois vós quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque é grande a vossa recompensa nos céus (Mt 5,10-12). Depois de haver cativado serenamente os apóstolos, Cristo, sabendo que para muitos deles seria bem difícil e quase insuportável ficar expostos à perseguição, passa a infundir-lhes coragem. Odiaram-me - parece dizer o Senhor - e, com isto, vos precedi e ensinei o caminho. Ao seguir-me, na mesma via, podereis caminhar com facilidade e com alegria, sabendo que, na perseguição, podeis contar comigo como companheiro e, mais ainda, como caminho e modelo. Cristo previne os apóstolos contra as perseguições que os esperam, a fim de que as enfrentem corajosamente e, até mesmo, saibam orgulhar-se delas, valorizando-as por aquilo que são: verdadeira carta de identidade cristã. Não vos maravilheis - quer ainda dizer Jesus - nem se perturbe vosso coração quando o mundo vos odiar, pois me odiou por primeiro. Ao contrário, alegrai-vos porque assim vós sereis os meus imitadores. Por outro lado, como o ódio do mundo não me prejudicou, também não vos prejudicará. O mundo vos persegue porque não lhe pertenceis nem estais de acordo com suas obras. Pelo contrário, contradizei-las como eu fiz. E, dizendo isto, deixa subentendido: vos amarei, porque vós sois os meus amigos e fostes escolhidos por mim, a fim de que possais condenar as obras do mundo. A vantagem que obtereis de meu amor não merece comparação alguma com o prejuízo que provém do ódio ao mundo. 216 - Reavivar Sempre o Dom de Deus Como o fogo precisa de lenha para permanecer constantemente aceso, assim também a graça exige que haja, de nossa parte, empenho em corresponder. Trata-se, para nós ministros, de uma graça especial que recebemos para conduzir a comunidade cristã. Depende de nós mantêla acesa ou deixar que se apague. "Não apagueis o Espírito" (1Ts 5,19), exclama São Paulo. O Espírito, porém, pode se apagar com a preguiça e a negligência, ao passo que se alimenta com a vigilância e com a atenta solicitude. Cabe a nós tornarmo-nos mais ardorosos e nos enriquecermos com a fé, o ardor e a alegria. Pode acontecer que zelo, caridade e graça, recebidos na ordenação, esmoreçam-se e diminuam aos poucos, e até mesmo se extingam. De um lado, por causa da fraqueza humana e inconstância; do outro, em razão das contrariedades e da preguiça. É preciso renová-los, reacender a chama da caridade e estimular novamente seu crescimento e florescimento. Para reacender este fogo, são fundamentais a oração, a leitura e meditação da Palavra de Deus, os estudos, o esforço para progredir nas virtudes e, sobretudo, muito zelo e trabalho para procurar, com profunda diligência e generosidade, a salvação das almas confiadas ao nosso cuidado. Com tais recursos, poderá ser reavivado o fogo em nosso coração, despertada a liberdade de espírito adormecida e aprisionada, e enfrentado vitoriosamente o mundo com seus falsos amores, erros e medos. Vencido o egoísmo e eliminado o medo, voltará a arder o fogo da caridade e, a cada dia que passar, expandir-se-á ainda mais. CORRESPONDÊNCIA À GRAÇA 217 - Temo Jesus que Passa Se a problemática da nossa salvação dependesse só de Deus, ninguém se condenaria. Mas, já que ela depende também de nossa cooperação, e esta, normalmente, é limitada, muitos se condenam. É muito perigoso ouvir a Palavra de Deus sem dela tirar algum fruto. Não basta ouvir a Palavra de Deus com prazer para pôr em prática, somente, certos pontos. Também Herodes ouvia João Batista com prazer e punha em prática alguns de seus ensinamentos. Jamais, porém, corrigiu sua paixão predominante. Na escalada da perfeição, em que há verdadeira vocação divina, é preciso aceitar o convite no momento em que é feito: "e eles, imediatamente, deixaram as redes e o seguiram" (Mt 4,20). Temo Jesus que passa. É verdade, também, que uma graça correspondida chama uma segunda. Pouquíssimos são os que compreendem o que Deus neles realizaria se não encontrasse obstáculo a seus desígnios. 218 - Quem Tem Boa Vontade Possui Tudo Três coisas são necessárias para a salvação: a primeira é fugir dos pecados leves: "quem despreza as coisas pequenas, aos poucos cairá" (Eclo 19,1). São como os ladrões mirins que entram pelas janelas para abrir as portas aos profissionais. A segunda é estar persuadido de que, na prática, não iremos para o céu sem um grande esforço, sem uma grande luta. "o Reino dos Céus sofre violência" (Mt 11,12). "Esforçai-vos por entrar pela porta estreita" (Lc 13,24). "Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz e siga-me" (Mt 16,24). E a terceira é ter boa vontade de ir para o céu. Tudo tem aquele que tem boa vontade, mas não é boa a vontade daquele que não faz aquilo de que é capaz. Não confiemos apenas nos bons desejos. Obras, obras!: "Os desejos causam a morte do preguiçoso" (Pr 21,25), porque, não os colocando em prática, dilaceram a alma com remorsos e provocam a própria condenação. Um propósito deixado de ser posto em prática é semelhante a um soldado, a um caçador, um e outro pintados nos quadros: nunca ferem ou matam, embora estejam sempre ameaçando. A culpa, geralmente, é atribuída à fraqueza. Que se diria de um velho que, deixando de lado a bengala, quisesse deslizar pela neve como uma criança? Alguém poderia dizer que a culpa é do demônio. Que se diria de um camponês que, na taverna, penhorasse na jogatina todas as estacas da vinha compradas por seu patrão e colocasse no lugar delas apenas bambus, os quais o vento, num instante, poria por terra? É necessário dar uma guinada: buscar o amor a Deus, o interesse pelos bens celestes, o ódio ao pecado. 219 - Vontade e Veleidade Muitos gostariam de seguir a Cristo, mas não estão dispostos a renunciar a tudo; ou então, mesmo desejando renunciar às tendências desordenadas ou moderá-las, não escolhem meios eficazes para consegui-lo. Assemelham-se ao doente que deseja a cura, mas recusa remédios por causa dos efeitos e do mal estar que provocam. Possuem disposições contrárias à vocação divina e ao mandamento de renunciar a tudo. Por isso, jamais conquistarão a saúde de espírito e a vida eterna. Esta não se consegue com desejos, mas com obras: "alguém é justificado com base naquilo que faz" (Tg 2,24). Mesmo parecendo que queiram se salvar, na realidade não desejam esta salvação: "o preguiçoso quer muito e nada tem" (Pr 13,4). Aspiram à meta, mas não querem usar os meios necessários para atingi-la. Anseiam pela virtude, enquanto os atrai, mas não a desejam porque exige muito. Desse modo, acabam por abandoná-la. Em síntese, o preguiçoso não tem propriamente vontade, mas veleidade: eu gostaria, mas não quero. Vou agora refletir sobre mim mesmo para ver se, por acaso, estou, também, vivendo no engodo de almejar o céu sem a perfeição de meu estado. Em outras palavras, a perfeição sem a virtude, a virtude sem a prática, o exercício das virtudes sem a mortificação das paixões contrárias, a humildade sem humilhações, a paciência sem sofrimentos. Oh! engano enorme e fatal: "há caminhos que parecem retos, mas acabam levando à morte" (Pr 16,25). Tudo se resume em servir a Deus custe o que custar. É necessário, pois, precaver-se contra as veleidades. A veleidade se diferencia da vontade no efeito: a primeira cede diante das dificuldades e leva ao desânimo; a segunda insiste, fortalece-se e solidifica-se. 220 - Vigiai e Orai Na meditação do Getsêmani, observei que os discípulos dormiam, enquanto Jesus agonizava e suava sangue por eles: João, que antes se inclinara sobre seu peito, junto com os demais, apesar de advertidos com o "vigiai e orai" (Mt 26,41). Os apóstolos dormem, enquanto Cristo reza. Também nós agimos assim. Dormimos, enquanto Cristo padece em seus membros. A falta de oração oferece a oportunidade ao demônio de tentar os apóstolos, que, no fim das contas, fogem quando os soldados se aproximam para prender Cristo. Há necessidade da graça divina para enfrentar o medo; logo, necessidade da oração. "Vigiai e orai". Nisso resumem-se todas as outras advertências da Escritura e do Evangelho. Vigia quem está atento e cheio de coragem, mas sem armas. É claro que não oporá resistência quando chegar o inimigo; será vencido quem está bem armado, mas adormecido; quando for atacado será facilmente desarmado e morto à traição. Vigiai e orai, eis o homem cheio de energia e armado. Jamais pode ser vencido. 221 - Oração e Esforço Pessoal O nosso mundo é um grande hospital, cheio de doentes. Todos se queixam, mas ninguém se cura, mesmo quando há o remédio adequado. Este é a oração que ou não se faz, ou normalmente se faz mal. Isso porque ou quem pede é mau, ou pede coisas ruins, ou pede de modo errado. Não se pede, em primeiro lugar, o Reino de Deus. A oração não é piedosa nem perseverante. Um senhor rogava todos os dias a Santo Inácio o auxílio de suas orações, mas continuava com uma vida escandalosa. Um dia, o santo pediu que ele o ajudasse a carregar uma mesa para fora do quarto. Cada um se colocou de um lado da mesa. O santo mantinha-se imóvel, ao passo que o outro tentava levá-la para fora. O santo continuava imóvel. Até que, exausto, o senhor disse: se o senhor quer remover a mesa, é preciso que me ajude. Ao que o santo respondeu: o senhor também tem que cooperar comigo quando eu rezo para tirá-lo de seus pecados. Os santos adquirem fortaleza e coragem, que os tornam inabaláveis diante dos obstáculos. Tal força provém da firmeza interior que têm para seguir a vontade divina e da fé firme que nada impede a Deus de executar o que estabeleceu. Nada temem a não ser deixar de corresponder, como devem, às graças do Senhor. O TEMOR DE DEUS 222 - O Temor de Deus na Vida Espiritual Por causa do temor, o homem se converte a Deus ou se une mais intimamente a Ele. Assim, de duas maneiras pode-se temer a Deus: ou por causa do justo castigo a receber, tanto temporal como eterno, com o qual Deus pune as culpas dos seres humanos; ou porque as culpas podem nos separar dele. Se por temor da pena eterna recorremos à misericórdia de Deus, arrependendo-nos de nossos pecados, ou deles nos abstendo, isto é temor servil, o que é bom, como ensina o Concílio de Trento, e procede do Espírito Santo. Se por temor das culpas vamos ao encontro de Deus ou a Ele nos unimos mais fortemente, isto é temor filial, e isso, exatamente, é dom do Espírito Santo. "O temor do Senhor é glória e honra" (Eclo 1,11), assim diz a Sagrada Escritura. Na verdade, serão honradas e exaltadas outras virtudes, pelas quais os seres humanos se tornam úteis em tempo de paz e corajosos na guerra. Prossegue o Espírito Santo: "o grande, o juiz e o magnata são honrados, mas não superam quem teme a Deus" (Eclo 10,24). Se não vivermos no temor de Deus, bem depressa cairá nossa casa, mesmo que estivesse construída no alto, no céu. O próprio São Paulo, que podia dizer "somos cidadãos do céu" (Fl 3,20) e fora arrebatado ao terceiro céu, assim mesmo manifestava temor, porque, depois de ter pregado aos outros, poderia vir a ser reprovado (1Cor 9,27). Aqueles que não souberam manter o temor como ele, embora parecessem estrelas intocáveis, acabaram caindo. Oh, quantos são os que transformaram a luz imortal de suas virtudes em um louco fogo de afetos impuros, tornando-se não só ludíbrio para o povo, mas objeto de escárnio e zombaria até por parte dos próprios demônios! Não condenemos, de maneira alguma, a queda destes cedros, porque nós, como fracos ciprestes, choramos (Zc 11,2) por ficarmos aterrorizados diante da ruína deles. Animemo-nos mutuamente, para alimentar o temor salutar e jamais cair. Aliás, é Deus mesmo quem recomenda isso a todos. Ordena aos justos: "respeitai o Senhor, santos seus" (Sl 33,10). E aos pecadores: "temei Aquele que pode destruir a alma e o corpo no inferno" (Mt 10,28b). 223 - O Temor de Deus Leva à Conversão É tarefa ingente libertar a vontade de afetos desordenados que a mantêm escrava. Por isso, é difícil converter-se de verdade. Mas, temendo a Deus, tudo se tornará mais fácil e agradável. Vejamos, alicerçados na Sagrada Escritura, como o temor de Deus torna mais fácil, agradável e rápida a conversão, preparando, passo a passo, nossa vontade. O primeiro passo: "quem teme a Deus atrai a correção a seu coração" (Eclo 21,7). Mediante contínua preocupação com os enormes males que afetam o pecador já nesta vida, e mais ainda na outra, a pessoa entra em si mesma, domina seus pensamentos descontrolados e é levada a refletir sobre seu infeliz estado. "O temor do Senhor odeia o mal" (Pr 8,13). O temor de Deus leva a alma bem depressa a detestar e a abominar o pecado, fazendo-a ver, claramente, que este é a origem de todos os males. "Pelo temor do Senhor evita-se o mal" (Pr 16,6). A pessoa vai, portanto, afastando-se do seu apego ao mal e, assim, deixa o caminho do vício. Pode parecer difícil abandonar totalmente o mal, em razão das contínuas tentações que a paixão desencadeia na pessoa já desacostumada a enfrentar sacrifícios. Mas, não há dúvida de que "não sobrevirão males a quem teme o Senhor; antes, Deus o guardará na tentação e o livrará das desgraças" (Eclo 33,1). Vitorioso sobre as tentações, "o temor do Senhor repele o pecado" (Eclo 1,27). Após a vitória, o pecador sente no coração como que uma voz, vinda do céu, dizendo: "vós que temeis o Senhor esperai coisas boas: alegria duradoura e misericórdia" (Eclo 2,9). Alicerçados sobre esta misericórdia, eis que "os que temem o Senhor preparam seus corações e na sua presença se purificam" (Eclo 2,20). Realmente, poder-se-ão ouvir milhares de vozes angelicais, festejando a conversão e repetindo: "salvação para aqueles que temem o nome do Senhor" (Mq 5,9). De modo especial, terão eles, em seus corações, através de mil consolações, a prova da misericórdia que "se estende de geração em geração sobre aqueles que o temem" (Lc 1,50). 224 - O Amor Vence o Medo É uma característica das pessoas justas temer a culpa mesmo onde não exista, porque temem tanto os pecados, pelo grande amor que têm a Deus, que não gostariam nem de ver a sombra ou de notar algum vestígio de um deles. Quando formos assaltados por vãos temores, priorizemos apenas o amor, entregando-nos a ele com generosidade e realizando prontamente o que é do agrado de Deus, não por temor, mas por amor. Por isso, o amor nada teme. Poderemos repousar tranqüilamente em Deus e em sua bondade, cultivando esta magnânima disposição de amor, pela qual se procura unicamente o prazer de Deus e nele se confia, acima de todas as coisas. Pode acontecer, também, que não tenhamos ainda idéias claras a propósito de certos temores. Pois bem, sigamo-los por enquanto. Sirvamonos de tais ocasiões para crescer na esperança e no amor, assumindo decisões mais firmes e constantes, empenhando-nos, por meio do auxílio divino, em realizar tudo somente por amor a Deus, sem nenhuma preocupação conosco mesmos. Não tenhamos medo quando nosso coração confia em Deus. Temamos apenas ter medo. A ORAÇÃO E AS ORAÇÕES 225 - O Respiro da Alma A oração é a vida de nossa vida e a alma de nossa alma. É como a respiração. "Abro a boca suspirando porque desejo teus mandamentos" (Sl 118,131). Assim como, a todo instante, recebemos dons da bondade divina, também, a todo instante seria, justo que nosso coração se elevasse a Deus. Estejamos com o espírito voltado para o alto, serenos e sempre repousando nele, espiritualizando, assim, cada ação e obra nossa. A mãe, às vezes, mostra ao filhinho uma fruta em sua mão. Ao ver a beleza da fruta, o filhinho se alegra e festeja, mas a alegria se transforma em tristeza e em pranto quando vê que, por mais que levante os braços, não consegue alcançar a mão da mãe que a afasta propositalmente. O que faz, então, para conseguir a fruta? Abraça-se à mãe e não pára de pedir. Assim, consegue-a. Digamos ao Senhor, com grande e amorosa confiança: "dá-nos aquilo que ordenas e ordena o que quiseres". Essas palavras vêm do Espírito. E nós, o que faremos? "Abro a boca suspirando porque desejo teus mandamentos" (Sl 118,131). Abrir a boca, mediante a oração, é atrair as riquezas do Espírito. O Espírito Santo nos indica como isto é possível concretamente: "suplica em sua presença" (Eclo 17,22). É preciso rezar sempre (Lc 18,1). "Orai continuamente" (1Ts 5,17). Assim, uma oração ajudará outra oração, e a diligência em fazê-la obterá mais abundantes dons do Espírito. Ora, este Espírito "vem em socorro de nossa fraqueza" (Rm 8,26). Podemos, então, já aqui na terra, oferecer o sacrifício perene e contínuo, da mesma maneira como o holocausto que fazem de si mesmos os espíritos dos bem-aventurados e santos lá no céu, diante de Deus. Isso já fizeram todos os servos de Deus exilados e peregrinos nesta terra. Também nós podemos ofertar-nos com a mesma coragem. Isso agrada imensamente a Deus e reverte para sua glória. Na verdade, Ele mesmo ordena que o façamos. Basta apenas isso para que possamos conseguir, com certeza, a realização do que queremos. 226 - Com o Coração Sempre em Deus Devemos agir com verdadeiro espírito de fé, isto é, com a convicção interior e profunda de que o que realizamos por obrigação em nosso estado de vida é querido por Deus. Por isso, cumprindo-o com fidelidade, estamos obedecendo a Deus e fazendo sua vontade. Esse espírito é necessário, porque é a alma de toda atividade. Sem ele, trabalharíamos toda a noite inutilmente (Lc 5,5). Fiz inúmeras coisas, mas, na verdade, não fiz nada. Acompanhemos cada ação por meio deste espírito. Estamos na sala de aula, mas o coração em Deus; na igreja, mas o coração em Deus; cantando, à mesa, num passeio, em estudos, dormindo, mas o coração em Deus. Animado por este espírito interior, também o comportamento exterior será marcado pelo decoro, pela compostura e modéstia não afetadas, o que edifica o próximo. Não há nada - ensina o Concílio de Trento - capaz de formar o próximo para a piedade e o culto a Deus como a vida e o exemplo dos que se dedicaram ao sagrado ministério. A partir do momento em que são vistos como pessoas que, da esfera dos interesses do mundo, foram elevadas à condição de grande destaque, atraem o olhar dos outros que procuram nelas se espelhar, para descobrirem os bons exemplos a serem imitados. Não basta realizar inúmeras coisas, como fazem muitos. É preciso fazê-las bem. Cristo "fez bem todas as coisas" (Mc 7,37). 227 - Tudo É Graça Se quisermos preparar o nosso coração para que o Senhor realize todo o bem que deseja, comecemos por ser-lhe gratos diante de tudo o que já nos fez. Por que nossa ingratidão desagrada tanto a Deus? Porque ela é como o vento desastroso, descrito por Ezequiel (Ez 19,12), que chega a secar o terreno fértil da benevolência divina. Por isso, desagrada a Deus quem lhe retribui o bem com o mal. Não é por capricho de Deus ou porque Ele existe e sinte-se insultado, mas porque se vê obrigado a permanecer sem ação. Inacreditável! Se uma pessoa vem em nosso socorro, sentimo-nos eternamente agradecidos a ela. Se um grande personagem se mostra cortês e benevolente para conosco, estamos dispostos a dar-lhe tudo o que temos. Infelizmente, não é assim que agimos em relação a Deus. Pela boca do Profeta, ele se queixa: "fui eu quem os educou e lhes deu forças, mas, contra mim, eles tramaram o crime" (Profeta Oséias, 7,15). Padre Gaspar costumava agradecer a Deus por todas as coisas: pelas agradáveis, pelas adversas e até dolorosas. Fazia questão de que seus filhos manifestassem atitude de gratidão para com Deus, não perdendo oportunidade alguma para inculcá-la, afirmando: sejam dadas graças a Deus por tudo o que nos faz em sua infinita misericórdia. Louvores sejam dados a Ele que nos trata sempre como Pai. De todo o coração, vamos agradecê-lo e cantar o `Te Deum'. Era assim que formava seus filhos, para serem gratos a Deus por todos os benefícios recebidos. 228 - O Clima para a Oração O Senhor gostaria de falar um tempo a mais com certas pessoas se elas se retirassem um pouco do mundo, pois este faz muito rumor ao redor delas. Para alguém poder receber e conservar as inspirações de Deus tem que valorizar a solidão, a paz, o silêncio interior e exterior; caso contrário, ou não vai recebê-las, ou, se recebidas, enfraquecer-se-ão e desaparecerão. "Ao ser humano cabem os projetos" (Pr 16,1), diz a Escritura. Com o auxílio divino, portanto, temos que usar de muito zelo ao prepararmos nossa alma para as visitas de sua Divina Majestade e de muito esmero para mantê-la preparada constantemente. A guarda do silêncio e a fuga de longos discursos, bem como de conversas frívolas, mantêm nosso ouvido atento à voz suavíssima de nosso Criador. Padre Gaspar caminhava sempre na presença de Deus, de tal maneira que, ao andar pela cidade, mantinha normalmente a cabeça descoberta. De quando em vez, balbuciava algumas devotas palavras e ternos sentimentos, cheio de compunção, com visível brilho nos olhos e atitude recolhida do corpo e do rosto. Irradiava devoção e serenidade, fazendo transparecer exteriormente o espírito do Senhor, do qual estava repleto. 229 - Experiências Vividas de Oração Tive conhecimento muito vivo, durante e depois da oração, da imensa dívida que vincula cada um de nós a Deus, por causa da criação e da redenção. Encarnação. Sentimento de gratidão à Santíssima Trindade e de correspondência ao amor de Cristo, pois, se eu era obrigado a amar a Deus antes de se tornar homem, quanto mais agora!. À bênção, sentimento de muita ternura, amor e oferecimento de si. Pude perceber como Cristo atrai nossos corações, exatamente como Ele mesmo disse: "atrairei todos a mim" (Jo 12,32). Todo o bem que há nas criaturas, assim como a sabedoria e a suavidade, são dons dele. Por tudo isso, só Ele deve ser louvado e amado. Ao lermos sobre a presença interior de Deus, ou seja, Ele dentro de nós, não há necessidade de sairmos para procurá-lo, como alguém que tem comida em casa e, assim mesmo, vai buscá-la fora. Age equivocadamente, porque continuará sempre em jejum. Experimentei, com isso, muita emoção e grande recolhimento, que duraram por algum tempo, com o grande desejo de agradar, em tudo, sua Divina Majestade. 230 - Liturgia das Horas Rezar salmos é um dever fundamental da vida espiritual. Infelizmente, não estamos dando muito valor a isto. Preocupamo-nos com nossos afazeres e cuidamos melhor deles. Quando se trata da oração litúrgica, corremos o risco de rezá-la de maneira rotineira e distraidamente, deixando-nos envolver, às vezes, por outros pensamentos. Toda vez que participamos do Ofício Divino, seria bom refletir sobre o modo de se comportar diante de Deus e de seus anjos, adverte São Bernardo. Rezemos os salmos de tal modo que o coração esteja em sintonia com as palavras. Como podes pedir a Deus que te ouça, insiste São Cipriano, se não cuidas em ouvir a ti mesmo? Queres que Deus se recorde de ti no momento em que o invocas, quando tu mesmo te esqueces de ti? Ouçamos também o que diz o salmista, ao nos convidar para louvar a Deus, gratuitamente: "de todo o coração vou te oferecer um sacrifício, o sacrifício de louvor ao teu nome" (Sl 53,8). Louvo a Deus e me alegro pelo louvor em si mesmo, comenta Santo Agostinho. O que se louva e o que se ama têm que ser feito gratuitamente. E o que quer dizer `gratuitamente'? Significa que Deus é desejado por si mesmo e não por interesses. Deixe de lado tudo o mais e te preocupes apenas com Ele, amando-o gratuitamente. Senhor, louvarei teu nome porque és bom. Por acaso, entendes dizer `louvarei teu nome porque me dás campos férteis, ouro, riquezas, dignidade?' Jamais! Louve a Deus, só por ele ser Deus. Isto é louvar a Deus, de verdade. 231 - O Ofício Divino de Padre Gaspar O Ofício Divino foi recitado com muita devoção e para a glória de Deus. O Ofício Divino era por ele rezado com muita devoção e, para tal, observava um método, que manteve sempre fielmente, tanto no que diz respeito às rubricas, à pronúncia e à devoção interior, como também à postura exterior. Recitou-o sempre, mesmo doente. Só por obediência ao médico não o rezou nos últimos dias de vida. Considerava a recitação do Ofício Divino não só como seu principal dever, mas, muito mais, como doce conversação com Deus, seguindo, quando possível, a distribuição canônica das horas do dia. A recitação em comum das Matinas e Laudes, como também das Vésperas e Completas, era uma prática bastante observada nos tempos de Padre Gaspar. Sua devoção, na recitação do Ofício, não foi passageira ou de pouca duração, mas a conservou constante e cada vez mais fervorosa até o final da vida, alimentando-a com o estudo incansável e o profundo conhecimento da Sagrada Escritura, da qual são extraídas as orações divinas. MEDITAÇÃO 232 - A Alma da Meditação A essência da oração mental consiste, propriamente, na conversação íntima com Deus, nosso Senhor. Isto se faz, antes de tudo, com a finalidade de louvá-lo, bendizêlo pelo que Ele é em si mesmo e para agradecê-lo pelos benefícios pelas e graças que nos concede, usando o modo de rezar sugerido por São Paulo: enchei-vos do Espírito: entoai juntos salmos, hinos e cânticos espirituais. Cantai e salmodiai ao Senhor, de todo o coração; sempre e por todas as coisas, no nome de nosso Senhor Jesus Cristo, rendei graças a Deus que é Pai (Ef 5,18-20). Que a palavra de Cristo habite em vós com abundância. Com toda a sabedoria, instrui-vos e aconselhai-vos uns aos outros. Movidos pela graça, cantai a Deus, em vossos corações, com salmos, hinos e cânticos inspirados pelo Espírito (Cl 3,16). Um outro fim da oração mental é o de pedir graças necessárias. Para isso, o modo de falar com Deus é o do filho para com o pai, do pobre para com quem é rico e misericordioso, do enfermo para com o médico, do aluno para com o mestre, da esposa para com o esposo. Na meditação, também é bom falar conosco mesmos, segundo a indicação do salmista: "minha alma bendize o Senhor, e não esqueças nenhum de seus benefícios" (Sl 103,1-2). "Porque, minha alma, estás triste? Porque gemes dentro de mim? Espera em Deus, ainda poderei louvá-lo, a Ele que é a salvação da minha vida e meu Deus" (Sl 43,5). 233 - A Meditação segundo o Método de Santo Inácio A oração mental ou a meditação é um exercício das faculdades interiores da alma sobre temas revelados pela fé. É um exercício fácil. Em pouco tempo, ficamos acostumados a exercitar, da manhã até a tarde as faculdades da memória, inteligência e vontade no que diz respeito a objetos sensíveis. Por que não procuramos, também, com o auxílio da graça, elevarmo-nos um pouco acima deles e refletirmos sobre as verdades eternas? A memória traz à mente, antes de tudo, Deus nosso Pai, com o qual queremos nos unir e conversar. Escolhemos, em seguida, o mistério que pretendemos meditar, considerando-o em breve tempo e com clareza, como nos ensina a fé, subdividindo-o em vários pontos. A inteligência vai, depois, ajudar-nos a refletir sobre este mistério, penetrando-o em toda a sua profundeza e reafirmando firmes convicções práticas para propor à vontade. Esta tarefa da inteligência é bastante exigente, porque é muito difícil pensar em uma coisa só, sem divagar por outras, mesmo tendo o olhar fixo em Deus. Enfim, a vontade escolhe vários propósitos entre as considerações feitas: amor para com Deus e confiança em sua misericórdia; arrependimento dos pecados, humilde confissão das próprias falhas. Sem os propósitos, a meditação seria puro estudo, e não oração. Finaliza-se com um colóquio com Deus, como de amigo para amigo, implorando suas graças, manifestando-lhe sentimentos e necessidades pessoais e solicitando seu auxílio e orientação. 234 - O Vento e os Remos Quando o Espírito Santo nos inspira suas graças, tudo se torna mais fácil e suave, pois é Ele que mantém a memória atenta, vivifica os raciocínios, propõe inúmeras reflexões, inflama o coração, sugere os colóquios e completa, com perfeição, todo o trabalho da oração mental, de modo que a nós cabe somente cooperar com Ele, sem muito esforço. É necessário que nós mesmos nos empenhemos, quando falta esta ajuda fundamental, usando nosso livre arbítrio, naturalmente, com o auxílio da graça divina, que nunca falta, para obrigar as faculdades de nosso espírito ao exercício de suas respectivas atribuições. Assim, movemos também o próprio Espírito Santo para que venha ao nosso encontro, com uma ajuda especial. As pessoas de profundo espírito, que se dedicam à oração, não podem pretender estar nas mesmas condições dos veleiros em alto mar que navegam sempre com o sopro do vento. É bom que se adaptem ao ritmo das galeras que navegam, quer com o vento, quer com os remos. De fato, quando lhes vier a faltar o vento propício da inspiração divina, têm que se acostumar a navegar com os remos das faculdades do próprio espírito, ajudadas pela graça divina. Este modo de rezar se torna, às vezes, mais frutuoso, embora não seja feito com tanto prazer. 235 - Sugestões Práticas Algumas pessoas, na vida espiritual, começam a construção às avessas. Partem do fervor da obra externa de caridade, em que de caridade há pouco e muito de realidade humana. Conseqüentemente, aparecem nelas alguns sinais de oração contemplativa apenas superficiais, que se caracterizam pela inconstância e pouca duração ou pela ausência de resultados eficazes que acompanham a oração contemplativa autêntica. Convémlhes, então, mudar a forma de oração e voltar ao ponto inicial, com o intuito de encontrar fundamentos sólidos. Verdadeiro fundamento é o espírito interior que, a seu tempo, produzirá frutos apropriados e maduros de caridade. Até lá, deverão ser orientadas por um guia espiritual, por uma disciplina mais rígida de obediência e por uma oração prática que encha a vontade de fervor. Quanto à preparação da meditação, deve-se sublinhar que o sentimento interior e o recolhimento estão acima da inteligência e do raciocínio. O primeiro sabe colher, de imediato, o ponto central e, sem divagar de um ponto para outro, firma-se no objeto principal. Além disso, sem pretender arrastar a vontade, faz dela sua companheira, mesmo que a tenha precedido. O raciocínio, por outro lado, faz parte do aspecto humano, embora com o auxílio de Deus. O sentimento interior, porém, depende de Deus, mesmo tendo nosso consentimento. O raciocínio é usado pelas pessoas na terra. O sentimento mais se assemelha ao que faremos de modo perfeito no céu. 236 - Melhorar Constantemente a Meditação Convém ainda habituar-se à revisão sobre a meditação, refletindo como ela foi preparada e desenvolvida, como as inspirações foram acolhidas e abraçados os propósitos, como aconteceram eventuais distrações e aridez. Quanto às distrações e à aridez, é bom sempre ponderarmos se a elas foi dada qualquer ocasião, seja durante a própria meditação, com certo descuido na preparação e aplicação, seja no tempo anterior, com conversas inúteis, ou com algum sentimento desordenado, ou ainda pela preocupação excessiva com os problemas do dia-a-dia. Essas disposições podem afastar do coração pensamentos e afetos espirituais, à semelhança da fumaça que espanta as abelhas das colméias. Localizado o mal, será possível remediá-lo, lutando contra suas causas. Além disso, humilhemo-nos diante de Deus, admitindo ser justo que não chova o maná sobre quem quer comer os alimentos pouco refinados do Egito. Pode acontecer, também, que a aridez não dependa de nós, mas seja apenas uma provação permitida pelo Senhor, a fim de fortalecer a alma na virtude. Neste caso, será sempre algo positivo saber humilhar-se e entregar-se à vontade divina, evitando a redução do tempo dedicado à oração e procurando, quando possível, aumentá-lo, para superar-se mediante a generosidade. Um meio eficaz para valorizar a meditação é, também, anotar sinteticamente os frutos dela obtidos: qualquer inspiração significativa ou propósito necessário, a fim de que, lendo-o, posteriormente, se encontre mais facilidade em executá-lo, como o hortelão, que, na seca, se serve da água armazenada em tempo de chuva abundante. 237 - Fidelidade à Meditação Cotidiana Graças à meditação, Padre Gaspar vivia sempre unido a Deus. E o que praticava tão fielmente recomendava depois a todos, sobretudo às pessoas consagradas a Deus. O mesmo conselho dava também aos jovens dos Oratórios por ele instituídos e, especialmente, a seus primeiros alunos e companheiros, que depois produziram frutos maravilhosos na vida, por causa deste santo exercício. Para seus religiosos dos Estigmas não era puro conselho ou exortação, mas dever e dever muito rigoroso. Neles, teria tolerado a omissão de qualquer outro dever, jamais da meditação. E se, às vezes, a urgência de qualquer atividade, particularmente importante, impedisse-os de fazer a meditação no tempo estabelecido pela manhã, ordenava que a fizessem e, por inteiro, o mais rapidamente possível. Ele exigia, com muita insistência, o exercício da meditação, determinando que os seus a fizessem antes da missa, ao menos uma parte, não obstante a urgência das confissões. Reiterava que a completassem em outra oportunidade. EXAME DE CONSCIÊNCIA 238 - Um Balancete Espiritual Deus se compraz em falar como Pai, ao invés de falar como juiz. Façamos um balancete de nosso trabalho, antes que o Patrão nos chame. É preciso que façamos, com nossas falhas, o que estamos acostumados a fazer com as despesas de cada dia. Convocada nossa consciência, exijamos dela prestação de contas sobre as ações, as palavras e os pensamentos. Vejamos o que foi gasto de modo conveniente e útil, e qual foi o prejuízo: palavras empregadas em murmurações, conversas frívolas e ofensivas, pensamentos provocados por maus olhares, escolhas espiritualmente prejudiciais, causadas pelas mãos, pela língua ou por olhares. Programemos, também, maneiras para evitar despesas inúteis. Assim, no lugar daquilo que gastamos mal, conseguiremos lucros maiores; no lugar de palavras ditas levianamente, aumentaremos as orações; no lugar de maus olhares, seremos pródigos em esmolas e jejuns. Se somos levados a fazer despesas inúteis, sem economizar, não cuidando em reabastecer bem nossas despensas, cairemos na miséria, com o risco de viver no suplício eterno. Para fazer o exame de consciência, é necessário escolher um santo da mesma vocação, como exemplo. Tudo o que estiver faltando para imitar a perfeição dele é defeito. 239 - Como Fazer o Exame de Consciência Um bom exame de consciência exige cinco momentos: - Primeiro: dar graças a Deus pelos benefícios recebidos, a fim de que, colocando-os em confronto com nossas faltas e nossos pecados, aproveitemos para nos conhecer e nos arrepender. Neste primeiro ponto do exame, o agradecimento, prostrado em terra diante do céu, experimenta-se grande sentimento da presença divina, com amor e oferenda de si mesmo. - Segundo: suplicar graças para conhecermos bem nossos pecados e defeitos para exterminá-los: "o coração é o que há de mais enganador, e não há remédio. Quem pode entendê-lo? Eu, o Senhor, examino o coração e sondo os rins, retribuo a cada um conforme caminhou, conforme o fruto de suas ações" (Jr 17,9-10). - Terceiro: exigir prestação de contas da consciência pelas culpas cometidas. Examine bem tais culpas e faça uma prestação de contas com muita exatidão. Tenha coragem de se perguntar: por que ultrapassei os limites nisto ou naquilo? Se, por acaso, a consciência evitar responder e se ponha a explorar fatos alheios, diga-lhe claramente que não é sobre isso que pretendes julgá-la, pois estás mais preocupado em tomar conhecimento das próprias culpas do que das alheias. - Quarto: pedir perdão a Deus pelas faltas cometidas. "Aquele que amolda sua alma no temor de Deus abre sua boca para orar e pede perdão pelos próprios pecados" (Eclo 39,7). - Quinto: propor a correção, com a graça de Deus. Se Deus perceber que nos colocamos no caminho da virtude e da luta contra o mal, aprovará e ficará satisfeito com nossa conversão. Ao mesmo tempo, será pródigo em seus favores. Na verdade, não sabemos implorar o perdão de nossas culpas e nossa salvação como Ele gostaria que fosse. Por isso, apressa-se em amparar-nos, para que possamos conseguir a libertação. 240 - Exame Particular Deve-se encontrar tempo, toda noite, para o exame de consciência, especialmente no tocante ao defeito dominante. Procure perceber qual paixão é a mais difícil de ser vencida, usando contra ela as armas do espírito, combatendo-a de modo especial. Assim, superadas as paixões mais resistentes, será, depois, mais fácil vencer as restantes. Primeiro porque, dadas as vitórias, a alma vai se tornando sempre mais forte. Segundo porque, passando de um combate mais árduo para um mais fácil, será bem mais agilizada a vitória. Superados os vícios mais arraigados, e enfrentando depois, pouco a pouco, os menos resistentes, poder-se-á chegar, progressivamente, à vitória completa. A cada vício se opõe uma virtude: à soberba a humildade, à avareza a misericórdia, à luxúria a continência, à ira a mansidão. Por isso, o objeto do exame particular pode ser não só a luta contra vícios e defeitos, mas também o esforço para a aquisição das virtudes. Foi-me sugerido, por Padre Gaspar, que começasse o exame particular à luz das palavras de São Gregório Magno: em tudo o que fizer, olhe para Ele e se esforce para organizar sua vida conforme seu exemplo. Na oração que fiz, depois que me foi dito para iniciar novo exame, experimentei muita consolação por ter encontrado um meio de poder refletir mais vezes sobre o Redentor e, por conseguinte, unir-me a Ele mais estreitamente, visto que é difícil meditar sobre Ele, sem se sentir atraído por Ele. A oração, portanto, foi contínua em cima desta reflexão e levou-me a ter forte desejo de aprender a imitar o Modelo proposto. OS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS 241 - Que São os Exercícios Espirituais? Os Exercícios Espirituais de Santo Inácio não são uma simples coleção de piedosas considerações, destinadas a favorecer o recolhimento interior e a devota conversação com Deus. Eles são um método orgânico e completo, com a finalidade de purificar, reforçar e consolidar uma alma, conduzindo-a da fase do primeiro desapego do mundo até a mais perfeita união com Deus. Convencido da eficácia dos Exercícios, Santo Inácio não pedia outra coisa senão o retirar-se, por alguns dias, para conseguir, quer a conversão de grandes pecadores, quer o progresso na perfeição por parte de quem vive na mediocridade. Aos pregadores recorda que quem não está convicto pessoalmente não conseguirá persuadir os demais, pois pregadores só com boa oratória não obterão fruto algum. O fruto dos Exercícios depende, essencialmente, de dois fatores: a graça divina e nossa cooperação. Para obter a graça, é necessária a oração, pois só quem reza torna-se apto para receber o auxílio divino. Quanto à nossa cooperação, requer-se, antes de tudo, que entremos nos Exercícios com grande `abertura de coração'. A abertura de coração acontecerá segundo a maneira como valorizamos nossa atuação, pois trata de lançar as bases do crescimento espiritual, que nortearão a vida toda. Vale a pena reunir todas as forças do espírito para receber tal graça, removendo todos os impedimentos e cooperando com ela. A abertura do coração depois se dilatará ainda mais ao contemplarmos o que podemos esperar de Deus. Coloquemos, portanto, grande esperança na bondade e liberalidade do Senhor, que se vai à procura dos errantes e se preocupa com os fugitivos, muito mais saberá acolher os que, de boa vontade, se aproximam dele, abraçando-os ternamente. Por isso, confiemos na clemência divina que, como suscita em nós bons propósitos, concederá também a graça e as forças para realizá-los bem e com muito fruto, pois sua vontade é a nossa santificação (1Ts 4,3). 242 - Disposições para os Exercícios Santo Inácio quer que façamos os Exercícios com ampla disponibilidade, desejando avidamente não só usufruir da doçura espiritual, mas entender a vontade de Deus a nosso respeito. Quer nosso desapego dos sentimentos das coisas terrenas, para endereçá-los unicamente a Ele. É sumamente necessário que, além do desejo de crescer espiritualmente, cultivemos a total aceitação da vontade de Deus, para podermos decidir, de uma vez por todas, seguir o que ele inspirar. Por isso, não devemos iniciar os Exercícios com a determinação de não nos desfazermos do que for necessário. Deus é generoso com quem é generoso para com Ele. O demônio não ousa tentá-lo. Além disso, não se deve pôr limites aos dons de Deus, desejando ser iluminados e auxiliados somente até certo ponto. Seria inconveniente que as criaturas se comportassem assim com o Criador. Isso seria altamente prejudicial, porque se privariam dos dons maiores que Deus lhes poderia conceder. Com tal mesquinhez e ingratidão para com Deus, mereceriam não receber nem mesmo o pouco que desejavam. É preciso, portanto, que abram o espírito, querendo, com todas as forças, unir-se a Deus, para serem, o mais possível, enriquecidos por Ele com os tesouros celestes. Entre as disposições requeridas para obter um bom fruto dos Exercícios está também o empenho em observar algumas normas práticas e bem simples. Não ocupe o tempo com outras leituras. Apenas se dedique àquilo que diz respeito às meditações, procurando fazer com que as leituras sejam orientadas para a meditação. Não leia às pressas, com a avidez de saber e de encontrar novidades, mas fixe-se no que lê e pondere com atenção, tornando próprios os sentimentos propostos. Grande engano é querer estudar nestes dias! O que se disse da leitura vale também para as anotações. Deve-se tomar nota somente do que se refere à oração. Em síntese, é necessário, antes de tudo, que seja salva a meditação e que tudo o mais lhe fique sujeito. 243 - Como Seguir Santo Inácio Julgo que o melhor método para os Exercícios Espirituais, para cada um de nós, é aquele de seguir as indicações contidas no livro de Santo Inácio. Disse para cada um de nós porque, em relação a Deus nosso Senhor, é conveniente deixar toda a liberdade, sem condicioná-lo nem quanto à hora, nem quanto ao dia, nem quanto aos temas, nem quanto aos métodos. A meu ver, isso exige que, se a pessoa não está compenetrada de Deus, terá de se adaptar ao que está prescrito no livro dos Exercícios de Santo Inácio. Por isso, terá de observar diligentemente horário, método, temas, ordem e tudo o mais que aí está contido. Todavia, quando o Senhor atrai, não é oportuno dedicar-se a outras coisas, mas segui-lo pelo tempo que Lhe apraz. Nestes dias, portanto, abandonemo-nos totalmente em Deus, como o exige Santo Inácio, não estabelecendo limites, ou objetivos, ou tempos para nosso Senhor. Com prudência e discrição seguiremos o Senhor. Ele sabe muito bem como deixar liberdade para outros caminhos, mesmo quando fora de regulamentos ou tempo. A DIREÇÃO ESPIRITUAL 244 - Uma Garantia contra as Ciladas Quando o inimigo da natureza humana sugere a uma pessoa reta de coração suas astúcias e persuasões, quer e deseja que sejam mantidas em segredo. Na verdade, desagrada-lhe muito quando alguém as revela ao próprio confessor ou a um bom diretor espiritual, hábeis em conhecer enganos e maldades demoníacas, pois percebe logo que não poderá completar o trabalho começado, a partir do momento em que são descobertas suas tramas. O diabo abomina e sente demasiado ódio quando vê sua malícia descoberta, pois lhe faltará um terreno fértil para suas ciladas. Se uma pessoa sabe se precaver e manifesta a um orientador todas as suas dificuldades, até mesmo as mais ocultas, o demônio não encontra meio algum para prejudicá-la. A pessoa percebe que está sendo bem orientada e sente que pode caminhar com segurança quando ouve do diretor espiritual que isto é bom, mas aquilo é mau, que isto procede da virtude, mas aquilo da paixão desregrada, que agora não é o momento para tal atitude, mas depois o é. Então, acontece verdadeiramente o que está dito nos Provérbios: (Pv 11,14): "onde não há diretivas, o povo se arruína, a salvação se dá no amplo aconselhamento". Pode também suceder que o diretor espiritual diga a alguém o mesmo que seu pensamento já lhe estava sugerindo. Ora, isso é bom. Mas, quando as orientações são ditas por quem o Senhor nos colocou como guia e, portanto, provenientes do Espírito Santo, o melhor supera o bom. 245 - Confiar Sempre em Deus Quando se vê claramente o que se deve fazer, proceda-se com liberdade, confiando em Deus. Se surgirem dificuldades que atinjam a consciência e até motivos para duvidar de que determinada ação possa, de algum modo, desagradar a Deus, deve-se expor tais dúvidas e esclarecer tudo com um ministro de Deus que, a nosso modo de ver, esteja mais preparado em ciência, probidade e prudência. Confie sempre e plenamente em Deus que, quando necessário, jamais negará as luzes da sabedoria a seu ministro. É Ele que torna eloqüente a boca das crianças para que possam falar bem dele. Assim agindo, podemos estar certos de que seguimos as sapientíssimas inspirações do Espírito Santo: "filho nada faças sem reflexão" (Eclo 32,24). Para encontrar um diretor espiritual fixo é preciso implorar ao Senhor, pois só Ele conhece bem suas criaturas e sabe distribuir seus servos como, quando e onde quer. Se, porventura, depois de um certo tempo, for necessário trocar e encontrar um outro, Deus o fará surgir, ainda que devesse criá-lo propositalmente para isso. Não deixe de rezar bastante, de procurar com esmero e avaliar sempre. O que pode parecer difícil, e talvez impossível para os homens, é totalmente viável e facílimo para nosso bom e onipotente Senhor. Basta que Ele queira algo para que se concretize imediatamente. 246 - Responsabilidades do Diretor Espiritual O diretor espiritual deve ser excelente mestre em ciência e experiência, assim como muito humilde, para não atribuir nada a si mesmo. No que se refere a seus penitentes, tem que se esforçar para discernir a vida interior de cada um e compreender quais são seus verdadeiros objetivos. Será sempre diligente em reavivar o ardor neles com palavras da Sangrada Escritura e exemplos dos santos. Ensine-lhes a desconfiar de si mesmos e a confiar unicamente em Cristo. Oriente-os para que ofereçam, também, sua máxima colaboração. Estimule a que abram o coração sem reservas, vivam na humildade e cultivem um sincero espírito de conversão e de penitência. A um diretor prudente cabe, ainda, a tarefa de manter os olhos de seus penitentes bem abertos, para não caírem em eventuais erros e enganos. Mesmo que cheguem a um alto grau de perfeição, caso não estejam, por isso, bem seguros, poderão correr sérios perigos se não forem muito humildes e mortificados: "quem julga estar de pé, tome cuidado para não cair" (1Cor 10,12). Além disso, ele mesmo tem que cuidar bem de si mesmo, para não incorrer no perigo de ser infiel à sua missão. Por outro lado, se, por acaso, alguém, por ele orientado, tiver necessidade de outro diretor mais apto às suas condições, deixará que escolha com toda liberdade. Por isso, não poderá se comportar como os maridos ciumentos, mas como os mestres sábios que, depois de terem cumprido a própria tarefa, entregam os discípulos a outros colegas. Uma outra boa norma geral é a de submeter o pensamento pessoal ao juízo da Igreja. Ela é, em suas declarações, a regra para toda e qualquer avaliação e todo comportamento. Não deverei estudar muito para a direção de fulano, e sim estar em contato com a fonte da luz. Isto certamente me fará muito bem. Jamais deverei antecipar-me ao Senhor, mas segui-lo. Ele ilumina e sugerirá, mediante a oração, os meios para o progresso e a correspondência à graça. 247 - Padre Gaspar: `anjo do conselho' Homem de grande talento, egregiamente versado nas disciplinas literárias e ciências sagradas, eminente, acima de tudo, pela santidade de vida e pela virtude da prudência, o sacerdote Gaspar Bertoni, pode ser, corretamente, chamado `anjo do conselho'. De fato, a ele recorrem todos aqueles que desejam um parecer preciso e prudente sobre os problemas mais complexos, especialmente quando se trata de fazer a escolha do estado de vida, pois têm certeza de que podem comportar-se de maneira sábia e correta ao moldarem as próprias decisões a seu conselho. Parece-me que seja exatamente o dom do conselho o sinal mais característico de santidade daquele homem extraordinário, tanto em relação a si mesmo e às suas decisões, como em relação aos outros. Além da perspicácia natural com que Deus o presenteou generosamente, pareceme que suas ações eram inspiradas e sustentadas pela luz do Espírito Santo. A doçura, a modéstia, a seriedade, a gentileza e a cortesia que acompanhavam cada ato, palavra e atividade de Padre Gaspar eram frutos da serenidade e sabedoria que lhe prodigalizava o Divino Espírito, tornando-o instrumento apto para orientação das pessoas à vida eterna. Eis a maneira como sempre tenho visto Padre Gaspar Bertoni. E, por causa de minha persuasão interior, recorri a ele nas dificuldades encontradas, para seguir o chamado divino e ingressar na Companhia de Jesus. Os conselhos daquele homem guiaram-me em meio a múltiplos contratempos, sustentaram-me durante os inúmeros momentos de desânimo e deram-me forças diante das perplexidades da vida. Por isso, sempre reconheci como dom de Deus e de Padre Gaspar o imenso benefício de poder ter chegado ao porto da vida religiosa. PRUDÊNCIA CRISTÃ 248 - Caridade e Prudência Nossa reflexão tem início na simplicidade, ou melhor, na caridade, que é o primeiro passo segundo o preceito evangélico "sede simples como as pombas", para chegar ao passo seguinte, a prudência sutilíssima da serpente, que está no mesmo nível da caridade, "sede prudentes como as serpentes" (Mt 10,16). Mas, onde se aprende a prudência celeste? E quem é que pode nos dar leis e ensinamentos? A Sagrada Escritura no-lo indica a escola e o Mestre: "Ele me introduziu em sua adega, e a sua bandeira sobre mim é Amor!" (Ct 2,4). "Ouve, filha, inclina o ouvido, esquece teu povo e a casa de teu pai. Que agrade ao rei a tua beleza" (Sl 45,11-12). Ao chegar a este ponto, a alma estará inebriada com o vinho da caridade. Vinho tão precioso que alegra, fortifica e leva a alma para fora de si, unindo-a a Deus e orientando-a de modo realmente perfeito. A partir daí, o intelecto recebe uma luz de admirável sabedoria e divina prudência, capaz de julgar o que se refere a Deus, seja como efeito, seja como meio para possui-lo no futuro e glorificá-lo no presente. Assim, poderemos desenvolver sempre mais nossa caridade e centralizar todas as nossas energias na oração, obtendo as luzes necessárias para circunstâncias embaraçosas, quando se fizer necessário clarear o caminho a seguir. 249 - Aconselhar-se e Rezar Não basta ser simples para santificar os outros. É necessária também a prudência. A discrição é a rainha de todas as virtudes. Para dirigir os súditos com sabedoria é necessário distingui-los bem um do outro. Quem exerce o cargo de superior deve pedir conselhos e a reflexão séria de seus colaboradores toda vez que tiver de tomar alguma deliberação nos compromissos, justamente em observância ao preceito que diz: "não faças, inoportunamente, ostentação de sabedoria" (Eclo 32,4). Torna-se agradável ao Senhor quem ouve e, também, pede conselhos a homens sábios, prudentes e zelosos, interessados na promoção da divina glória. Ouvidos os conselhos da ponderada e perspicaz razão, nada impede que se submeta a tênue chama do raciocínio humano ao sol claríssimo da divina Sabedoria. Seria como se de nossa parte nada tivéssemos feito, reconhecendo que a origem de toda inspiração provém da fonte de onde, na verdade, imediata ou indiretamente, deriva. Amadureçamos tudo na presença de Deus, rezando e pedindo orações para não retardar nem preceder a Providência. Ao que se vê bem claro, dê-se continuidade. Onde há algum ponto obscuro, aguarde confiantemente a luz do alto. Organizemos bem a ordem das coisas e o modo de executá-las diante do Senhor, antes de apresentá-las às pessoas. Não tenhamos temor algum, pois o Senhor diz: "eu te farei sábio, eu te indicarei o caminho a seguir" (Sl 31,8). 250 - Tudo É Vosso, Vós Sois de Cristo, Cristo é de Deus Seria um perigo manter vínculos e ligações com alguém sob condição. Por outro lado, é sempre útil usar a liberdade para poder se valer do conselho, favor e auxílio de determinadas pessoas, ao menos por algum tempo e em certas circunstâncias. Coisa boa é não manter vínculos que obriguem a servir-se, sempre, das mesmas pessoas. Boa coisa é usar a liberdade para poder servir-se delas quando surgir uma oportunidade. Assim, evita-se o que pode ser prejudicial e não se é privado do que pode ser útil. Portanto, do mesmo modo que procuramos evitar uma vinculação inoportuna, deixemos intacto e estreitemos, ao máximo, o vínculo da caridade, que, de um lado, deve ser sempre mantido e, de outro, permanece completamente livre. "Não fiqueis devendo nada a ninguém a não ser o amor uns aos outros" (Rm 13,8). Nessas palavras de São Paulo, há o ensinamento mais válido no que diz respeito ao modo, à medida e à discrição com que devemos comportar-nos diante de qualquer um. Desse amor e dessa afeição deriva o que escreve em outro lugar o mesmo Apóstolo: "Paulo, Apolo, Cefas, o mundo, a vida, a morte, o presente, o futuro, tudo é vosso, mas vós sois de Cristo e Cristo é de Deus" (1Cor 3,22). 251 - O Segredo dos Santos O Senhor nos conceda reconquistar plenamente o segredo dos santos. Por intermédio dele, Padre Gaspar e companheiros souberam conciliar tantas atitudes que, na visão humana, são totalmente inconciliáveis. Nossos primeiros Padres, de fato, souberam unir: A procura contínua da humildade, tida como característica de sua vida, com a fama eminente de santidade. - A penitência mais austera com a mais sincera alegria. - O desapego heróico e um verdadeiro espírito de pobreza nas despesas para a construção da casa e igreja, concluídas sem dívidas e, ao mesmo tempo, sem parcimônia para a melhor adequação e o decoro de ambas. - A disciplina, segundo a Regra, com a variada multiplicidade das ocupações. - A submissão mais completa, com o pleno desenvolvimento de cada uma das atividades dos confrades. - O constante estudo e trabalho, com a mais sólida piedade. Tal harmonia representa, verdadeiramente, o segredo dos santos. Representa um mistério para o mundo e, exatamente por causa disso, manifesta o caráter divino das obras do Senhor. Este segredo é a preciosa herança que os primeiros Padres nos deixaram. HUMILDADE 252 - Por que É Necessária a Humildade? A humildade é uma virtude que está situada entre dois vícios opostos: a soberba e o descontrolado desprezo de si. Assim, modera o ânimo de cada pessoa para que, graças ao verdadeiro conhecimento de si, não se eleve além do que é justo, deixando-se dominar pela soberba. Por outro lado, leva a pessoa a sempre se colocar no âmbito da razão ponderada, para não cair na auto-abjeção. Ela é tão necessária que Cristo disse: "se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus" (Mt 18,3). São Bernardo observa, falando da humildade - e afirmando que sem ela não se pode entrar no reino dos céus, - que Cristo usa uma linguagem diferente daquela referente à virgindade: "quem puder entender, entenda" (Mt 19,12). A virgindade é apenas um conselho, ao passo que a humildade é um preceito. E quem és tu para pensar que humildade é apenas um conselho útil em vista da perfeição e não um preceito necessário para a salvação de todos nós? E por que achar que ela não obriga ninguém a vivenciá-la, uma vez que, se alguém não se tornar como uma criança, não conseguirá a salvação? "Sede discípulos meus", diz o Senhor, "porque sou manso e humilde de coração" (Mt 11,29), porque, sendo por natureza igual ao Pai, despojei-me de tudo assumindo a condição de servo (Fl 2,6-7). Não só me tornei como criança, mas me fiz súdito, por trinta anos, daqueles que eu havia criado. Fiz-me obediente e submisso ao Pai até a morte, e morte de cruz. Eu vos dei o exemplo de humildade para que, assim como eu fiz, também vós o façais (Jo 13,15). Cristo humilde; e nós, cristãos, soberbos? Jamais. Não pode subsistir um membro soberbo com uma cabeça humilde. Não nos fica bem o nome de cristãos se não resolvermos abraçar a humildade. 253 - A Humildade Intelectual A Sagrada Escritura nos conduz à verdadeira humildade, desde o início, quando reconhece a majestade e a grandeza de Deus mediante seu imenso zelo por todas as coisas criadas, sujeitando nossa vontade à sua: Ó profundidade das riquezas, da sabedoria e do conhecimento de Deus! Como são insondáveis os seus juízos e impenetráveis os seus caminhos! De fato, quem conheceu o pensamento do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro? Ou quem se antecipou em dar-lhe alguma coisa, de maneira a ter direito a uma retribuição? Na verdade, tudo é dele, por ele e para ele. A ele, a glória para sempre. Amém! (Rm 11,33-36). Uma pessoa que conhece bem seus limites em relação a Deus e sua dependência dele, que é instruída, educada e formada por Deus, sabe também que a grandeza de nosso intelecto está em configurar-se com o projeto da sabedoria divina, manifestado em suas obras e palavras. Por isso, torna-se importante a atitude de gratidão, pela qual se acolhem e se retêm as verdades que são possíveis entender e nos livra da presunção de querer compreender outras que superam a capacidade natural de nossa mente. No mais apliquemo-nos a contemplar as maravilhas da criação. Tornem-se as criaturas motivo de nosso louvor e nossa oração. Diz a Sabedoria: "de fato, partindo da grandeza e beleza das criaturas, pode-se chegar a ver, por analogia, o seu Criador" (Sb 13,5). Saibamos, portanto, admirar, partindo das criaturas, como são imensos a sabedoria, o poder e o amor do Senhor. Se um indivíduo criterioso e perspicaz se aplicasse à consideração de cada coisa - aliás, não é necessário tomar cada coisa individualmente, mas é suficiente começar por si mesmo, - poderia contemplar, nas pequenas realidades, o imenso e inefável poder de Deus. 254 - Humildade e Magnanimidade Há quem pense que a humildade se oponha à generosidade e à grandeza de ânimo, como se humildade fosse obrigada a evitar projetos elevados. É justamente o contrário. Ela, de fato, reprime o desejo não porque não se deve tender a realizações verdadeiramente arrojadas, de acordo com o razoável, mas para que se evitem atos contrários à razão. Por isso, a magnanimidade impele o homem a grandes projetos, não contra a razão, mas de conformidade com ela. Toda pessoa é chamada a grandes realizações. Diz Deus no ato da criação: "façamos o ser humano à nossa imagem e segundo nossa semelhança" (Gn 1,26). E São Paulo diz: "ainda nos ufanamos da esperança da glória de Deus" (Rm 5,2). A natureza humana é muito mais tímida do que se possa acreditar. Existem duas virtudes que controlam a aspiração aos bens difíceis e ajudam-se mutuamente, como irmãs e companheiras indivisíveis. Uma é a magnanimidade, que reforça o coração contra a excessiva timidez ou o risco de desespero, impelindo-o a buscar a verdadeira grandeza, de acordo com a razão. A outra é a humildade, que modera e freia o espírito, para que possa tender a realizações maiores, sempre conforme a justa medida ou sem a falsa presunção, que levaria a pessoa a perder o sentido real da grandeza, como o perderam Lúcifer e Adão. A humildade e a magnanimidade, portanto, não se opõem entre si. É contrário à humildade visar a coisas elevadas confiando apenas nas próprias forças. Contrária à humildade é a vã e presunçosa soberba, com a qual os pecadores desejam glória e grandeza mundana. A Escritura alerta, dizendo: "isso é vaidade e aflição do espírito" (Ecl 6,9). A soberba torna o homem não superior, mas cheio de si, como um corpo inchado pela enfermidade. Não é, pois, contrário à humildade tender a realizações sempre maiores, confiando no auxílio de Deus. Enfim, humildade é verdade, porque assim como impede o homem de subir muito acima de si, também não o arrasta para abaixo de sua dignidade. Neste último caso, provocaria o desprezo de si e o aviltamento. A humildade coloca o homem e o mantém em seu devido lugar. 255 - O Fundamento do Edifício Espiritual Vejo muitas pessoas preocupadas em assentar pedras e blocos de fé solidíssima, levantar colunas e paredes de inquebrantável esperança, fabricar abóbadas magníficas de caridade, colecionar ornamentos das mais belas virtudes, plantar jardins onde a virgindade mais pura e o amor mais terno convidam o Esposo celeste a deliciar-se na tranqüilidade das avenidas repletas de sombra. Que edifício lindo! Luxuoso e delicioso! Mas será que antes forma lançados alicerces proporcionais à construção tão magnífica, a fim de que possa estar em condições de suportar ventos furiosos que venham a se abater sobre ela? Houve, realmente, preocupação em tirar do coração a terra movediça da soberba, para torná-lo aberto à graça, visando a construir edifício sólido, com pedras da humildade no alicerce? Antes que o Senhor engrandeça muito uma pessoa, convém que a rebaixe bastante, porque é um arquiteto mais sábio do que qualquer hábil mestre de obras. Ele sabe cavar tão fundo quanto alto deve ser o edifício. Peçamos ao Senhor que aumente em nós suas luzes, para que possamos reconhecer nosso nada e chegar até o fundo de nosso abismo. Então, um abismo chamará outro abismo (Sl 42,8), correspondendo o alicerce à altura do edifício projetado pelo Senhor. Adoremos o Senhor tão grande e sublime! Amemos quem se humilhou e se abaixou para nos amar. De que modo, e a que ponto, devemos abaixar-nos para corresponder e imitar o aniquilamento com o qual Ele se despojou para se unir a nós? A Ele a eterna glória, Ele que vive e reina por todos os séculos. 256 - A Humildade Garante a Autenticidade de toda Virtude Se não se colocar a humildade como alicerce, as virtudes poderão ser ocasião de ruína, porque podem induzir ao desprezo orgulhoso dos outros. Embora se julgue estar no céu, na verdade há necessidade de uma graça extraordinária de conversão. É bem mais fácil que se converta um pecador confesso, levado pela humildade de suas próprias quedas, do que o pecador acobertado pelo manto de aparente virtude. As virtudes podem ser ocasião de soberba. A soberba, bem oculta e pouco percebida, tem que ser tratada em suas bases. A primeira raiz é a propensão ao pecado, ou seja, a concupiscência que, como triste mãe de todos os vícios, trazemos conosco. Esta pode, até mesmo, favorecer muito, como um germe pestilento, o progresso das virtudes. Na fase inicial da soberba, as ações feitas por alguém não deixam de ser externamente boas. Não somente as ações externas são boas, mas o exemplo e a orientação dados aos outros podem ser ótimos. Pode acontecer que alguém ensine aos outros a humildade, praticando virtudes, enquanto ele mesmo, por meio dela, comece a se ensoberbecer. Por isso, quando nos encontramos na mais alta perfeição, é preciso temer muito, porque os outros vícios se alimentam de atos maus e pecaminosos. Na verdade, à soberba servem de alimento, assaz apetitoso, as virtudes como tais, e, além disso, as mais elevadas. Senhor, concedei-nos desconfiar de nós mesmos e confiar em Vós! Virgem, santíssima e imaculada, Vós que, preservada pela graça da vossa Conceição, fostes livre da propensão ao pecado, livrai-nos, com a vossa intercessão, da raiz de todos os vícios, em especial da soberba. 257 - Humildade e Fecundidade Apostólica "Cristo Jesus assumiu a forma de escravo" (Fl 2,7). Com imensa humilhação e aniquilamento, Deus obteve a sua maior glória e a nossa grandeza. Não só nos libertou do pecado, mas nos fez seus filhos, herdeiros do Reino. Quaisquer que sejam os desígnios de Deus a meu respeito, Ele não fará em mim nada maior que não tenha como princípio e fundamento minha humildade. Mesmo que eu queira ser alguém importante, nada serei. Todavia, se eu me propor a ser simples, tornar-me-ei, diante de Deus, capaz de tudo. O início de nossas grandes realizações começa pela humildade, ao dispormo-nos a Deus para que se valha de nós e nos torne transparentes publicamente, operando, por nosso intermédio, projetos para a sua maior glória. A humildade é caminho seguro. Ninguém se tornará pregador se não for amadurecido pelo silêncio e não tiver adquirido profundas raízes de humildade, antes de se apresentar em público. Da humildade verdadeira nasce também a segurança para poder exercitar bem a autoridade, como diz São Gregório. A humildade abarca toda a justiça, porque soluciona e supera qualquer tipo de direito e dever, dos quais o homem é devedor a Deus, ao próximo e a si mesmo. Fá-lo sujeitar-se a Deus por meio da religião, e ao próximo por meio da caridade. Submete o corpo à alma, e a alma a Deus. O humilde está em paz com todos. Ama os que o odeiam, abençoa os que o maldizem, faz o bem a quem lhe faz o mal, louva a quem o critica, honra a quem o despreza, vence inimigos com o ardor da caridade, tornando-os seus amigos e vingando-se de suas injustiças com a prática do bem. 258 - "Baixinhos, Baixinhos: buraquinho e toquinha" Os verdadeiros justos conhecem bem a deformidade da soberba e da vanglória e as abominam horrivelmente. A um simples sinal destes vícios, a magnanimidade de seu espírito reage com grande temor e se sente mais revigorada pelas virtudes adquiridas e graças recebidas, como os ricos e os mais poderosos do mundo temem a rapacidade dos ladrões - a soberba e a vanglória, - que os roubariam, deixando-lhes a casa vazia, num piscar olhos. Alegro-me convosco pela renúncia à mitra, ainda que se deva todo o agradecimento a quem vos ofereceu esta honra. Seguistes a palavra de Padre Galvani: "baixinhos, baixinhos, buraquinho e toquinha". "O Senhor salva os ânimos abatidos" (Sl 34,19). Já que o Senhor vos concedeu a graça, muito maior que qualquer tesouro, de viver na humildade e na simplicidade, procurai manter-vos sempre no gozo desta felicidade. Na verdade, também aos homens deste mundo agrada encontrar sacerdotes humildes e mansos. Com isto obtereis mais frutos do que podeis crer ou imaginar. 259 - Humildade Vivenciada: experiências e propósitos No fundo do próprio nada se encontra Deus. Ao sentir coisas elevadas de Deus, há um profundo conhecimento de mim mesmo. Humilhe-se em tudo. Sentimento de grande amor à Santíssima Trindade por nos dar o Filho: ternura profunda para com o Filho Jesus, associada à fé, muito viva. Grande desejo de união e de participação em seus sofrimentos e suas ignomínias. Pedido da graça de padecer e de ser desprezado por Ele. Afeição sensível a Cristo, com desejo - e, conseqüente, humilhação dolorosa. Quem julga estar de pé, tome cuidado para não cair" (1Cor 10,12). Humildade aliada à grande confiança. Se formos chamados para especial grau de perfeição, cuidemo-nos para não subestimar os que não nos querem seguir. Terão, talvez, igual ou maior mérito diante de Deus. Embora todos visem ao mesmo fim, nem todos, porém, usam dos mesmos meios. Se as nossas faltas pessoais fossem conhecidas e reveladas publicamente, como revelamos as dos outros, veríamos o quanto as nossas são mais graves, sobretudo depois de tantas graças e tantas luzes recebidas. Se essas graças fossem dadas aos outros, eles seriam santos. 260 - O Exemplo de Santa Verônica Giuliani Falar de Verônica Giuliani é falar de um novo São Francisco de Assis, pois a filha retrata bem a virtude do pai. Ora, característica de São Francisco é a humildade. Não qualquer uma, mas a eminente, a mais perfeita, a humildade de Cristo reproduzida fielmente em si mesmo. Assim foi a humildade de Verônica, retrato exato de seu Esposo crucificado. Sua mãe, já moribunda, recomenda as cinco filhas sobreviventes às cinco Chagas do Crucificado. Coube a Verônica a do lado aberto. Desde a mais tenra idade, ela ouviu a voz de Jesus: esposa minha, a cruz te espera. Jamais se gloriou por causa disso. Ao contrário, dizia que era muito maldosa naquele tempo. E a mesma coisa dirá de si mesma, quando, por presságios, sobrevirão dons extraordinários e sinais de que nela foi cumprida a predição divina. Verônica estava profundamente convencida de seu nada. Por isso, rogava freqüentemente a Deus para fazê-la conhecer sempre mais esse nada. Considerava-se a maior pecadora do mundo. Quem não a conhecesse e não soubesse quem era ela na vida real, se desse crédito às suas palavras, teria tomado-a certamente pela maior pecadora do mundo. A mesma coisa costumava repetir para suas co-irmãs e noviças. Não fazia outra coisa senão recomendar-se a todos, pedindo por sua conversão, com tal fervor e convicção que parecia sentir extravasar o coração. Como abadessa, escolheu os trabalhos mais árduos, procurando servir a todas, mesmo às co-irmãs externas. Fez de tudo para evitar a eleição ao cargo, colocando-se de joelhos para suplicar ao Bispo e ao Capítulo que evitassem, dizia, a ruína do mosteiro, ao confiá-lo a uma superiora indigna e inútil, espiritual e materialmente. Contudo, conforme as palavras do Bispo, ela estava à altura de governar até o mundo, pois todos recorriam a ela para pedir conselhos, em situações difíceis. Entretanto, por humildade, nada fazia sem o conselho de outros. Não usava palavras de ordem, mas de súplica, até mesmo com operários e camponeses, ocultando seus dons e suas graças sobrenaturais ou o que lhe pudesse acarretar honras. Não podendo esconder os Estigmas em seu corpo, dizia que certos dons eram concedidos por Deus, também aos pecadores, para convertê-los. No momento da morte, pediu perdão aos presentes pelos escândalos dados e que rogassem à Virgem Santíssima para lhe conceder a salvação da alma. 261 - A Humildade de Padre Gaspar Nele a humildade era algo natural. Primeiramente de intelecto, porque se considerava um grande pecador e ignorante. Por isso, dizia que não era uma pessoa para fundar institutos religiosos. Se alguém o consultasse (e muitos o faziam), sua primeira reação era desculpar-se, perguntando-se, com espanto, porque justamente ele! Em doze anos, jamais consegui tirar de sua boca uma palavra sobre seus estudos, seus escritos ou suas obras. Atribuía tudo aos outros. Daí o porquê de agradecer sempre a todos por qualquer serviço, procurando honrar a todos indistintamente. Daí, o porquê de não querer abençoar sacerdotes, a não ser os seus. Assim, revestido de Cristo humilde, exalava o odor e a unção de Cristo. Percebia isso quem lhe estava ao lado ou ouvia suas palavras. Costumeira astúcia sua era retirar-se para deixar aos outros a honra e a glória da obra, depois de acompanhar vários empreendimentos e várias fundações de homens e mulheres ou de levar uma iniciativa a qua-se atingir o fim, com sua ajuda. Padre Gaspar repetia, muitíssimas vezes, a seus filhos, o que ele dizia ter, continuamente, ouvido do humilde e douto Padre Nicolau Galvani: "baixinhos, baixinhos, buraquinho e toquinha". Antes de qualquer outro ensinamento, nosso Fundador sempre quis nos dar uma boa base de humildade e nos manter nela. POBREZA 262 - O Capital Indispensável Seguir a Cristo é o objetivo; o modo, a renúncia a tudo: "qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo!" (Lc 14,33). "Se algum de vós quer construir uma torre, não se senta primeiro para calcular os gastos, para ver se tem o suficiente para terminar?" (Lc 14,28). A torre a ser edificada é o seguimento de Cristo; a despesa e os materiais necessários são a renúncia. Para iniciar um empreendimento é necessário que se tenha alcançado grandes e heróicas virtudes. O capital indispensável para isso é a pobreza; depois, todas as outras virtudes. Logo, não se pode negligenciar as coisas mais simples nem demorar demais para acolher as inspirações. É importante que estejamos sempre preparados para enfrentar uma guerra santa contra o inferno. É necessária a humildade para atrair os auxílios do céu; é necessário o desapego de tudo para que o demônio não encontre em nós algo pelo qual nos possa agarrar. A mesma coisa acontece a quem quer construir a torre da vocação consagrada. Urge um capital baseado: em grandes esforços para se viver em castidade e suportar o peso do ministério; em grandes renúncias, particularmente no que se refere a parentes e pertences pessoais; em grandes perigos, correndo-se o risco de perder a própria liberdade e a vida. As pessoas costumam procurar nas exterioridades, riquezas e honras um certo prestígio e felicidade. Ora, isso encontra-se unicamente no Reino dos céus, pois é nele que as pessoas vão conseguir prestígio e felicidade completa por intermédio dos bens concedidos por Deus. É por isso que o Reino dos céus foi prometido aos pobres em espírito: "felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus" (Mt 5,3). 263 - A Pobreza do Sacerdote Um ministro do Evangelho tem, como capital inexaurível de riquezas e inúmeros bens, o serviço a Deus e à piedade. Segundo a promessa de Cristo, jamais faltará o sustento econômico desejado a quem tem o espírito moderado e satisfeito com o estritamente necessário para viver. "Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo" (Mt 6,33). A condição do homem em relação aos bens terrenos é igual, desde o nascimento até a morte. Nasce nu e morre nu. Logo, não está destinado por Deus a acumular e enriquecer-se de bens que depois deve deixar, sabendo que de nada servem para a vida futura. O desejo imoderado de enriquecer expõe as pessoas a muitas tentações, às quais se sentem presas como numa rede. Envolve-as em muitos desejos desordenados, que as lançam no abismo da morte e da perdição eterna. "Eu vos afundarei, para não me deixar afundar por vós", é o celebre dito de um filósofo, que jogou suas riquezas no mar. ( Poderia tê-las atirado em meio aos pobres, para torná-las mais úteis!). O amor desordenado pelas riquezas é capaz de produzir todo tipo de males, até mesmo a perda da fé, como diz o Apóstolo: "a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro. Por terem-se entregue a ele, alguns se desviaram da fé e se afligem com inúmeros sofrimentos" (1Tm 6,10). É muito significativo o fato de o Apóstolo recomendar insistentemente a fuga da cobiça e avareza a um homem como Timóteo. Isso porque não há estado de vida sobre esta terra, até o mais santo, que não esteja exposto à infestação desta doença. De fato, ela pode afetar facilmente alguns daqueles que, por opção especial, são obrigados ao completo desapego das coisas terrenas, quando tentam conseguir vantagens pessoais. Ela é camuflada com o nome de `bem comum', às vezes de `missão da Igreja' e de `glória de Deus'. "Tu, porém, ó homem de Deus, foge destas coisas" (1Tm 6,11). Eis o mais belo elogio e o incentivo mais adequado para um ministro sagrado!. 264 - Padre Gaspar e a Pobreza O amor de Padre Gaspar pela pobreza era enorme. Nada havia que mais temesse e procurasse manter longe de seus filhos do que o espírito de grandeza, a comodidade e a opulência. Pelo exemplo e pela palavra, lembrava-lhes a exigência de viver o espírito de pobreza, e a pobreza efetiva. A alimentação, o vestuário, a mobília nos quartos deviam ser pobres. Numa palavra, tudo. Mostrava-se bastante cioso da pobreza e sempre temeroso de que aos poucos se introduzisse, em sua Congregação, o amor às riquezas, às comodidades e ao luxo. Abominava-o por princípio, procurando combater, imediata e severamente, qualquer sombra que dele aparecesse, não importasse o motivo. Tornou-se voz comum que a vida de Bertoni e de seus companheiros, nos Estigmas, era muito austera. Por outro lado, jamais deixou de prover e comprar o que era absolutamente necessário para a saúde e bem-estar da comunidade. Quando a justiça, a prudência e a caridade o exigiam, mostrou-se sempre generoso e magnânimo. Na ajuda aos pobres era tão generoso que parecia verdadeiramente pecar pela prodigalidade. Além das esmolas cotidianas, que eram sempre distribuídas na porta dos Estigmas para cerca de cinqüenta pobres, costumava, com muita freqüência, socorrer pessoas necessitadas que se dirigiam a ele para pedir auxílio. Muitas delas receberam somas elevadas de dinheiro. Gastava toda a renda que conseguia com as propriedades adquiridas pela Congregação, em reformas, plantações, restaurações das casas dos colonos e em inúmeras outras obras, quer no campo, quer na cidade. Proporcionava, assim, muitos benefícios aos operários que se encontravam sempre no trabalho em qualquer estação do ano, com excelente salário e comodidade para todos. 265 - Pobreza Vivenciada: experiências e opções concretas Desejo de imitar a Cristo na pobreza e nas agruras da pobreza. Alegria com agradecimento, nas adversidades e nas conseqüências da pobreza real, e disposição para maiores opróbrios e sofrimentos aparecem para a glória de Deus. Esta atitude de espírito é a grande graça de que me considero completamente indigno. Louvado seja Deus! Os meus firmes princípios impedem-me de aceitar o presente pela segunda vez oferecido a mim por Vossa Senhoria e obrigamme a recusá-lo, mesmo depois da morte. No tempo devido, a senhora disporá dele, segundo o conselho prudente de quem vai lavrar seu testamento. Entretanto, jamais em meu favor e muito menos dos Estigmas, porque não o aceitarei e também farei com que não o aceitem meus companheiros. Faço questão de que eles assimilem tais princípios em profundidade, sabendo eu que, nessas circunstâncias, significam muito para a honra de Deus. Os Padres dos Estigmas, embora comovidos, agradeceram a piíssima testadora. Na verdade, por muitos anos, serviram sempre gratuitamente à Igreja e à pátria, segundo suas forças, jamais pedindo ou aceitando retribuições, pensões ou legados de pessoas piedosas. Neste ponto, não poderiam abandonar o costume que lhes era peculiar. Contentavam-se, apenas, em receber o agradecimento expresso pelos bispos e por seus concidadãos. PUREZA 266 - A Virtude, Bela por Excelência Todas as virtudes são belas. Entrelanto, à pureza se atribuem, por excelência, o decoro e a beleza, como escreve São Tomás. Observemos. Toda pessoa humana é composta de corpo e espírito. Está como que entre os anjos, pois participa da inteligência deles, e entre os animais, com quem tem em comum a vida animal. Se a pessoa se eleva, pela ação da mente, é quase um anjo; porém, se prefere obedecer à concupiscência da carne, que "vem das paixões em conflito" (Tg 4,1) dentro dela, torna-se quase um animal. Por isso, falando do ser humano que abandona o lugar sublime a que já estava elevado pela razão e pelo espírito, optando por satisfazer à carne, assim se exprime a Escritura: "o homem na prosperidade não compreende, é como os animais que perecem" (Sl 49,21). Uma pessoa dissoluta tira a inteligência daquele nível superior, em que Deus a havia exaltado para dirigir e governar e a coloca sob seus pés, fazendo-a servir às paixões. Por outro lado, permite que dominem e prevaleçam as paixões, destinadas por natureza a receber freios e leis. Que monstruosidade! Muitas pessoas que elogiam atitudes escusas ou se orgulham das próprias ações pecaminosas, se aprendessem a olhar-se no espelho limpo, certamente pasmariam-se ao ter que reconhecer sua imagem monstruosa. Acabariam, certamente, por detestar o objeto de seus loucos devaneios e delírios. Como é belíssima, ao contrário, a virtude da pureza que resguarda a ordem e a dignidade da natureza humana! Graças a ela é possível apreciar plenamente a excelência do ser humano, de quem fala, em termos muito elevados, o salmista, quando exclama, voltando-se para Deus: "fizestes o homem só um pouco menor que um deus" (Sl 8,6). É a pureza que o mantém em sublime superioridade, na qual foi constituído por Deus sobre todas as criaturas visíveis. É próprio dela o esplendor augusto que, como glorioso diadema, adorna a dignidade de um rei, de quem diz o mesmo salmista: "de glória e de honra o coroaste. Tu o colocaste à frente das obras de tuas mãos. Puseste tudo sob os seus pés" (Sl 8,6-7). 267 - Virtude Angélica e Possível Graças à pureza é possível vislumbrar-se a imagem sublime da divindade, impressa nos seres humanos. Desta forma, pode-se afirmar: "levanta sobre nós, Senhor a luz da tua face" (Sl 4,7). Por obra da pureza, constrói-se, no coração das pessoas, um templo vivo do Espírito Santo, e o corpo de cada pessoa torna-se instrumento da glória de Deus, morada e repouso de Deus, conforme quis dizer São Paulo: "vosso corpo é templo do Espírito Santo que mora em vós. Glorificai a Deus no vosso corpo" (1Cor 6,19-20). Enfim, é ela que torna o homem amável aos olhos de Deus, amigo dos Espíritos imateriais e celestes, estimado pelos seres humanos e temido por seus adversários. Alguém poderá dizer: admito que os santos tenham conseguido viver a pureza tanto quanto os mais difíceis conselhos evangélicos; eu, porém, acho impossível observar bem qualquer um dos mais simples preceitos. Tal como se apresenta, esta afirmação é inaceitável, tendo sido reprovada pela Igreja como se fosse herética. Procuremos esclarecer a questão. Se ela tem o sentido de dizer que não se pode ter "um corpo sem mancha" (Sb 8,20), sem a luz da Sabedoria divina, está correta. Tenha-se em mente, entretanto, as palavras do Concílio de Trento: "o homem deve realizar aquilo que pode e pedir aquilo que não pode". Nem mesmo os santos puderam realizar obras somente com os próprios esforços. Necessitaram sempre da graça, que Deus jamais nega a quem a pede perseverantemente na oração. Aliás, está prontíssimo para concedêla, deixando mais leve o peso e mais suave o jugo da lei divina, que, aparentemente, parece superior às forças débeis de nossa frágil natureza. 268 - Bem-Aventurados os Puros de Coração Vamos, agora, aprofundar um pouco mais esta virtude para descobrir sua excelência e grandeza. Desta forma, poderemos também desfrutar da paz, tranqüilidade e alegria de que a alma, pura, goza interiormente. Para deixar mais clara tal, embora oculta, muito nos ajuda a comparação com o que lhe é totalmente contrário. Tomemos como exemplo uma pessoa dominada pela paixão desregrada. De imediato, verificamos que seu coração vive subordinado a inúmeros esforços, angústias e preocupações. Seu interior é como uma cidade onde tudo é confusão, desordem e tumulto. Outras paixões, como um grupo de revoltosos e bandidos, assaltam a razão com ímpeto alucinado e violento, dela judiando de todos os lados e impondo-lhe um domínio avassalador. O templo de Deus torna-se trono do pecado, que despoja o espírito de suas defesas e tira-lhe toda esperança de poder livrar-se. E a vontade, dilacerada por cruéis remorsos, abandona-se nos braços de uma desesperada desolação. Num espírito casto e equilibrado, ao contrário, verifica-se a expressão do salmo: "fez reinar a paz nas tuas fronteiras" (Sl 147,14). Nele a vontade reina quase como rainha, soberana e terna ao mesmo tempo. As paixões, submissas a seu governo, ordenadas e orientadas pela forte proteção das virtudes, ajudam a aumentar a glória de quem, com tanta sabedoria, as freia e guia. A harmonia perfeita e equilibrada de todas as faculdades do espírito envolve com suavidade, concórdia e satisfação tudo o que faz. Aí, nenhum inimigo penetra para perturbar a calma, porque foi antecipadamente atacado e rechaçado. A segurança e o testemunho fiel de uma consciência em paz proporcionam alegria, até mesmo aos ossos, e preparam para o coração um perpétuo banquete, repleto de satisfações. A esperança, confortada pela experiência de inúmeras consolações prodigalizadas por Deus, abre, a toda pessoa pura, a porta feliz do céu. Assim, pode-se contemplar a coroa futura e usufruir de amplo gozo e imutável felicidade enquanto se caminha aqui na terra: "felizes os que caminham na lei do Senhor" (Sl 118,1). 269 - Um Tesouro a Ser Defendido Urge, antes de tudo, manter o corpo sob controle, pois nele se encontra a primeira raiz das desordens contrárias à pureza. Querer a castidade e não o rigor é querer a vinha frutífera e não a cerca de espinhos. Quanto mais se extirpam as tendências animalescas do corpo, tanto mais se cresce espiritualmente. Se a mortificação e o jejum são evitados - há cristãos que não observam nem mesmo o que é prescrito - como será possível, depois, manter-se puro? É necessário ao espírito primeiramente a meditação das realidades divinas, especialmente dos bens e dos males que estão reservados para o futuro, segundo o empenho de cada um. Em seguida, a leitura da Bíblia e de livros espirituais. "Ame o estudo da Escritura - sugere São Jerônimo - e não amarás os vícios da carne". É necessária, também, a oração humilde, não só no momento da tentação, mas feita habitualmente: "desde que percebi que não conseguiria ser casto, senão pela graça de Deus - afirma Santo Agostinho - aproximei-me do Senhor e rezei muito do fundo do coração" (Sb 8,21). O estudo das ciências ajuda muito. O ser humano quando descobriu o trigo deixou a lavagem para os porcos. De fato, por meio do estudo, consegue-se não só libertar a mente das tentações impuras, mas também dominar o corpo. Ou, pelo menos, combate-se o ócio, aliado da impureza. Não apodreceriam as águas nos pântanos nem as almas nos prazeres, se o ócio fosse eliminado. 270 - Pureza e Relacionamentos Pessoais Atenção ao relacionamento com as pessoas. O ser humano é social por natureza. Todavia, esta carrega a fragilidade da corrupção e, como tal, está exposta a sofrer danos até mesmo quando usa de algo que, em si, tem por finalidade um prazer justo. Não é verdade que o primeiro engano entrou no mundo pelos olhos? "A mulher viu que seria bom comer da árvore, pois era atraente para os olhos e desejável para obter conhecimento. Colheu o fruto e comeu dele" (Gn 3,6). E pelos olhos continuaram a entrar muitos outros, como os ladrões pelas janelas. Isso apenas por causa de um demorado e incauto olhar, que, depois, gerou lamentações a muitas pessoas pelo resto da vida. O que dizer, então, de uma conversação imprudente e prolongada, que é quase como um adormecer à beira do precipício? Este perigo é maior ainda quando se dialoga familiarmente com pessoas devotas, porque se costuma pensar que exista menos perigo. Quantas vezes, sob a aparência de salvar uma alma, perderam-se duas! O mel da devoção é pegajoso. Em tudo, mesmo quando a prudência não pareça ser exigida como precaução para evitar os perigos, ela permanece sempre necessária para defender o bom nome. Diz São Paulo: "procuramos fazer o bem não somente diante do Senhor, mas também diante dos outros" (2Cor 8,21). A consciência limpa é uma prova que pode ser suficiente para nós, mas não para os outros. São dois elementos bem distintos: a consciência e o bom nome. A consciência é necessária para nós, ao passo que o bom nome o é para o próximo. 271 - Várias Formas da Pureza Cristã A primeira, comum a muitíssimos membros da Igreja, é a castidade conjugal que a Escritura louva com inúmeros elogios: "o matrimônio seja honrado por todos" (Hb 13,4). Os esposos cristãos são aqueles que possuem como se nada possuíssem e usam do mundo como se não o usassem, não colocando nele seu fim último (Cfr 1Cor 7,29, seguintes). Ao permanecer nos limites do lícito e do honesto, abstêm-se do simples desejo do que é desonesto e ilícito, conforme a orientação de São Paulo: "ocupaivos com tudo o que é verdadeiro, digno de respeito ou justo, puro, amável ou honroso, com tudo o que é virtude ou louvável" (Fl 4,8). A segunda é a continência da viuvez. As viúvas merecem, segundo São Paulo, um especial louvor e respeito, desde que sejam verdadeiramente viúvas, evitando os prazeres dos sentidos, não só quanto ao corpo, mas também com o coração (Tm 5,3). São elas que mantêm a paz nas famílias, permanecem noite e dia em oração, tornam-se mestras da castidade e repletas de boas e virtuosas obras. A mais nobre e excelente forma de pureza é a virgindade. Nela brilha muito abundantemente a luz da pureza. Pena é que algumas pessoas, mesmo sendo perfeitas e merecedoras de todo o louvor junto aos seres humanos por causa da virgindade, entretanto, não o são diante de Deus. Ainda que tenham renunciado às núpcias terrenas, pouco ou nada se preocupam em aspirar às núpcias celestes para se unirem a Deus através da oração assídua e da amorosa contemplação. É essa contemplação, segundo São Paulo, o fim para o qual é ordenada a virgindade (Cfr 1Cor 7,32-35). Há ainda outras pessoas que, mesmo tendo oferecido a Deus os frutos mais saborosos e as flores mais belas da pureza, retêm para si a posse da planta, não chegando a consagrar a Deus sua vontade, mediante o voto. No vértice de todas essas formas, colocam-se os que, professando o voto de castidade, "seguem o Cordeiro aonde quer que vá" (Ap 14,4). Parece-me que com isso atingiram o ápice desta virtude. De fato, a que meta mais sublime podem aspirar pessoas que, vivendo no mundo, não mais vivem segundo a carne, mas, em tudo, segundo o espírito? Isto supera todo e qualquer esforço da natureza humana, pois só pode ser obra da graça: "nem todos são capazes de entender isso" (Mt 19,11). 272 - Modéstia: o culto do decoro Muita atenção se deve ter quanto ao comportamento exterior, regrando-o à luz não só da postura pessoal, mas também das circunstâncias de lugar, das atividades e das pessoas com as quais se convive, conforme o modo com que a Escritura qualifica os santos, louvando-os porque "zelosos na busca da beleza" (Eclo 44,6). Busca da beleza significa tratar cada um de tal modo que nos gestos nada haja que ofenda o olhar de outrem, e tudo seja feito conforme a santidade cristã. Quanto à aparência exterior, como adornos, objetos de uso comum e outros semelhantes, que todos sejam simples, de modo a evitar o desperdício e a intenção de vanglória. Evite-se, também, todo descuido que leve ao desleixo e à apresentação desmazelada da pessoa, para que em tudo transpareça uma postura adequada. Evite-se também toda ostentação que pode se encontrar até no desalinho; ela é tão perigosa que pode se apresentar, às vezes, até sob o pretexto de serviço a Deus. Tudo tem que ser simples e decoroso, inspirado na pobreza e, ao mesmo tempo, de acordo com as ocupações que se desenvolvem com o devido respeito às pessoas com as quais se convive. Quem almeja um recolhimento interior deve buscá-lo na modéstia exterior, não se distraindo com olhares nem se movimentando inconvenientemente. Nosso andar deve ser pausado e modesto, jamais apressado e afetado. 273 - Castidade Consagrada e Caridade Os missionários apostólicos procurem, com o máximo empenho possível, atingir a perfeição da castidade que convém a pessoas que exercem um múnus angélico. Sejam de fato representantes de Cristo, Nosso Senhor, cuja alma esteja unicamente desposada com Ele. Como diz o Apóstolo, a pessoa deve ser apresentada a Cristo como Virgem casta, pura de mente e de corpo (2Cor 11,2). O que adianta frear o corpo com a continência, se a alma não sabe lançar-se, com caridade, para o próximo? Nada vale a castidade do corpo se não for acompanhada pela suavidade de espírito. Em uma alma, na qual entra a caridade, bane-se a sensualidade. Com a finalidade de guardar a castidade tenham todos suma diligência em aproximar-se freqüentemente e com a devida disposição dos sacramentos da confissão e da comunhão. Dediquem-se freqüentemente à prática da oração e da meditação. AUTORIDADE E OBEDIÊNCIA 274 - A Autoridade é Serviço "Sabeis que os chefes das nações as dominam e os grandes fazem sentir seu poder. Entre vós não deverá ser assim. Quem quiser ser grande entre vós seja aquele que serve" (Mt 20,25-26). Na Igreja alguns são constituídos como autoridade para servir os fiéis e ser seus ministros, segundo os conselhos de Cristo. Por isso, devem procurar o bem dos outros, mesmo às custas de renunciar os próprios interesses, a ponto de ser necessário estarem prontos a dar a vida por eles. São Paulo podia declarar de si mesmo: "quanto a mim, de muito boa vontade me gastarei o que for preciso e me gastarei inteiramente por vós" (2Cor 12,15). São Pedro exorta os anciãos a apascentar o rebanho de Deus, "não como dominadores daqueles que lhes foram confiados, mas antes como modelos do rebanho" (1Pd 5,3). Os tiranos tripudiam sobre os outros e procuram dominá-los. O ministro de Cristo não deve ser, por razão alguma, um dominador. E tomará cuidado para não servir de peso à comunidade dos fiéis, que é povo de Deus. À vontade de domínio se opõe o esforço para dar exemplo. Será antes de tudo e mediante o exemplo de uma vida santa que o ministro exercerá sua autoridade. Procurará tornar-se, para todos, mestre e modelo de virtudes, oferecendo, com sua vida, um espelho refletindo excelentes obras, nas quais possam, facilmente, basear-se os que desejam fazer o bem. Visto que espírito de dominação, de imposição e de qualquer sinal de ambas é reprovável, todos evitem qualquer desejo de impor-se aos outros e todo modo de dominação. Se alguém for obrigado a tornar-se superior, procure não impor, mas indicar o que deve ser feito, e todos prestem serviço uns aos outros. 275 - Primeiro Dever do Superior de Comunidade Quem é superior em uma comunidade deve apresentar-se a todos como modelo, realizando em si a norma de bem viver retamente, da forma mais perfeita possível. Não basta que seja proeminente pelo cargo e pela posição, mas procurará sê-lo, sobretudo, pela virtude e pela piedade. Que o seu primeiro cuidado, através de sua oração e seus santos desejos, seja o de carregar a comunidade em seus ombros. Por isso, saiba o superior examinar se, verdadeiramente, cuida para manter a casa de Deus a ele confiada ou se há negligência, descuido ou desinteresse. Faça uma avaliação se na oração manifestou fervor sincero, se soube recorrer insistentemente à bondade de Deus, como Ele deseja, convencido de que vale mais uma palavra dita ao Senhor na oração do que muita loquacidade sem ela. Examine-se ainda se nutriu santos desejos, puros e inflamados de zelo pela glória divina, que pudessem agradar a Deus e atrair sua onipotência. Enfim, querendo progredir como é necessário, veja se a oração e os santos desejos, para o bem e o crescimento da Igreja, imitam a oração e os desejos santíssimos do Coração de Cristo, mortal e sofredor neste mundo, glorioso e imortal no céu e na Santíssima Eucaristia, para o bem e o crescimento de sua Igreja. 276 - Caridade e Firmeza nos Casos Difíceis Não nos deixemos perturbar pela presença, na comunidade, de algum indivíduo que crie dificuldades. Se o mal é curável, administre-se o remédio com toda a caridade e paciência. Se o tratamento não é aceito, com diligência e prudência tome-se a providência para que deixe a casa. Poucos indivíduos, porém bem intencionados, farão mais que um grande número de lânguidos e incorrigíveis. Se o indivíduo não quer sair por bem, o que seria ideal, que se vá, então, a contragosto: primeiramente, porque osso fora de lugar sempre causa dor e, não podendo viver em paz, não deixa que os demais o vivam; em segundo lugar, acalmado o ressentimento, poderá reencontrar a paz; em terceiro lugar, porque, se é desequilibrado, será reconhecido como tal também por todos. Procure, por ocasião da saída, usar boas maneiras com o indivíduo. Mesmo que no momento ele não saiba valorizá-las, recordar-se-á delas depois e falará bem da comunidade. Todavia, quando é urgente agir, não se adie a saída. A dor e a amargura provocadas pela saída não são comparáveis ao que esse indivíduo causaria se permanecesse. É como quem tem o dente estragado; extraindo-se o dente, elimina-se também a dor. Que se vá com Deus, com as melhores boas maneiras. Rezemos ao Senhor para consolar os que ficam, cuja aflição é certamente compreensível. Com altos e baixos, acertos e falhas, prosseguir-se-á nas pegadas daquele que nos precede com a cruz às costas e continua a nos convidar: "se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz, cada dia, e siga-me" (Lc 9,23). 277 - Quem Vos Ouve a Mim Ouve Cristo fez-se obediente por nós e humilhou-se até a cruz. A obediência é o caminho seguro, é o atalho para a perfeição. Busquemos o merecimento da obediência perfeita. Quando uma alma se faz dócil aos superiores, mesmo tendo opinião própria, é seguramente conduzida pelo Espírito de Deus. "Quem vos escuta é a mim que está escutando" (Lc 10,16). Para quem não tem superior, mas é o superior, o voto de obediência leva seu espírito a uma total dependência de Deus em todas as coisas. Diante de uma ordem que fosse manifestamente contrária à lei divina, ou eclesiástica, ou à regra do Instituto religioso, cada um sinta-se obrigado a obedecer a Deus antes que aos homens (At 4,19). Se na execução de uma ordem legítima surgisse um impedimento verdadeiro, ou que ao menos se julgue tal, ou dele se duvide com fundamento, com humildade se apresente o caso ao superior, deixando-lhe a decisão. Em todos os outros casos, a obediência deve ser total, imediata, decidida e humilde, com a perfeita abnegação da própria vontade e da própria opinião. Cada um, pois, acostume-se a deixar-se guiar habitualmente pelo conselho e pelo juízo dos superiores. 278 - Qualidade da Obediência Existem alguns que obedecem não por amor a esta virtude, mas exclusivamente para tranqüilizar-se em seus temores. Por isso, nas coisas contrárias a seu modo de pensar contrapõem-se fortemente a seus superiores. Todos obedeçam ao próprio superior como a Cristo. Deve-se procurar obedecer não só exteriormente, mas também conformar a vontade e o próprio pensamento às disposições dos superiores. Quanto à vontade, a intenção da obediência deve ser pura, cumprindo-se o preceito e a vontade do superior, que é a vontade de Deus realizada naquela e por meio dela. A obediência seja, ainda, espontânea, de modo que se obedeça de boa vontade e com suma diligência. Finalmente, a obediência seja alegre e expresse satisfação espiritual; seja executada com ânimo forte e perseverante, com toda humildade de espírito. Quanto ao intelecto, cuide-se para que a obediência seja totalmente simples, vendo no superior não tanto o homem quanto o próprio Deus, recebendo o preceito não como algo humano, mas como sinal proveniente de Deus. Ninguém construa planos para ser enviado a este ou àquele lugar, mas se deixe conduzir pela obediência, embora não haja mal algum em mostrar prontidão e disponibilidade. Isaias se ofereceu e Jeremias se escusou. Todavia, nem Jeremias se recusou a Deus que o mandava (Jr 1,6, seguintes), nem Isaias pretendeu ir antes de ser purificado com o carvão ardente tirado do altar (Is 6,6-8). 279 - O Sinal dos Sinais As obras de Deus são perfeitas. Deus garante a autenticidade da vocação ao ministério especialmente por meio de três sinais. O sinal de que outros são confirmados é a plenitude do Espírito Santo, com a qual se recebe a graça da palavra, o gosto e, ao mesmo tempo, o efeito da caridade, que é o amor à palavra. O sinal da plenitude é a humildade em grau elevado. O sinal da humildade em grau elevado é a obediência perfeita, o sinal dos sinais, o selo de todos os testemunhos. A forma da obediência perfeita se atinge quando, em tudo o que fazemos exteriormente, temos o olhar fixo em Deus, onipresente. Assim, pelo exercício da obediência, obtém-se a garantia da retidão do agir, do incremento da fé e da devoção. Age-se retamente porque o empenho da obediência é orientado por Deus sempre presente em nós. Aumenta-se a devoção porque nos esforçamos em agradar a Ele, que, vendo nosso esforço, se prepara para dar-nos a recompensa no céu. As Escrituras ensinam a obedecer. "Tudo o que outrora foi escrito, foi escrito para nossa instrução, para que, pela constância e consolação que nos dão as Escrituras, sejamos firmes na esperança" (Rm 15,4). A constância e a consolação são companheiras da obediência; a esperança é como a flor, o fruto é a vida eterna. 280 - Autoridade e Obediência no Exemplo de Padre Gaspar O superior dos Estigmas, homem de muito tino e de piedade, sabe orientar sua comunidade com tal suavidade de maneiras e com tal firmeza que um só espírito anima a todos e uma só vida, por assim dizer, permeia todos. Em seus compromissos, fossem importantes ou menos significativos, Padre Gaspar não deixava de consultar os companheiros mais idosos. Embora fosse pai e fundador deles, respeitava seus conselhos como se fosse um inferior, e o menor deles. No que diz respeito à obediência para com seus superiores, em particular aos bispos, esta era jovial e pronta. Uma única palavra era, para ele, uma ordem, que sempre seguia, mesmo quando inúmeras razões contrárias pudessem ser apontadas. Embora fossem árduos os encargos a ele confiados, sujeitava-se respeitosamente a eles, confiante, executando-os com o auxílio e a graça de Deus. Mesmo em condições de saúde abaladas e séria enfermidade, levava a cabo muitas incumbências a pedido dos superiores. À luz de seu grande amor à obediência e da forte motivação de fé, via Deus na voz e na pessoa do superior. Daí, é compreensível o zelo com que procurava estimular a prática daquela virtude, também as pessoas que ele dirigia e aconselhava. BOM USO DO TEMPO 281 - O Tempo Não Volta Atrás "Que bem aproveitem o tempo presente" (Ef 5,16). O tempo não volta mais. Por isso, é preciso usá-lo com grande diligência. Ordem na afeição, ordem no tempo. Primeiro servir a Deus e louválo, depois qualquer outra coisa. Primeiro a alma, depois o corpo. Primeiro o esforço para a perfeição espiritual, depois as várias ocupações. "Sobretudo, revesti-vos do amor" (Cl 3,14). Horários bem distribuídos. Não se devem fazer as coisas ao ocaso. Fazer as coisas ao acaso é sempre um mal, ensinam os mestres espirituais. Por exemplo, existem alguns que fazem uma determinada coisa não porque seja o momento de ser feita, mas porque sentem capricho em fazê-la. Assim, se em outra ocasião não sentem o mesmo capricho, ou não a fazem ou a fazem mal. Tais pessoas começam o dia sem saber o que vão fazer e o terminam sem saber o que fizeram. Por isso, um dia fazem, outro não, um dia de um modo, outro dia de outro, uma vez isto, outra aquilo, uma vez menos, outra mais, uma vez tudo, outra vez nada. Sem método e sem ordem, agem segundo a leviandade pessoal. É preciso, pois, estabelecer um princípio fundamental: que todo cristão, e mais ainda uma pessoa consagrada, deve distribuir as horas do dia de modo que não haja qualquer parcela de tempo que não seja bem empregada. O tempo é dom precioso. Deus no-lo deu para que façamos bom uso dele, utilizando-o para a vida eterna. Entretanto, não se fará bom uso se não se estabelecer um método de vida e se para cada uma das atividades não se fixar um tempo determinado. Não desperdiçar, nem mesmo, uma pequena parte do grande dom (Eclo 14,4). Não basta ouvir. Não é suficiente ter lindos projetos na mente. Não basta, nem mesmo, um método escrito. É preciso ação. Não nos fiemos dos bons desejos. Ação, ação! Mediante as boas ações "cuidai cada vez mais de confirmar a vossa vocação e eleição" (2Pd 1,10). 282 - Atenção à Preguiça "Não esmoreçamos na prática do bem, pois no devido tempo colheremos os frutos, se não desanimarmos. Portanto, enquanto temos tempo, façamos o bem" (Gl 6,9, seguinte). Se pudermos dizer que já estamos comprometidos, não desistamos do bem iniciado. Se não estamos ainda comprometidos seriamente, não retardemos o tempo para começar. Visto que tanto a desistência quanto o adiamento, geralmente, são conseqüências da preguiça, precisamos nos precaver contra ela. A preguiça é uma forma de tristeza, um tédio, um torpor mental que abate o espírito, de modo que ele não tem vontade de fazer ou dar início a boas obras. Isto acontece especialmente nas coisas espirituais, com relação à glória de Deus e à salvação das almas, pelas quais o preguiçoso experimenta um certo fastio. A preguiça se opõe à alegria espiritual, que nasce da caridade e se satisfaz com Deus e com as coisas divinas. Ela torna o homem a pior e a mais inútil de todas as criaturas, até mesmo em relação às inanimadas. Na verdade, todas as criaturas cumprem as tarefas a elas confiadas por Deus, sem perder tempo. A preguiça coloca o homem no risco de perder os bens eternos, porque tira as forças necessárias para resistir ao inimigo e o expõe ao perigo de privar-se da graça e da glória. Consideremos o exemplo de São Paulo. Bem consciente da vontade divina e da necessidade de trabalhar arduamente, não se cansava de pregar, de escrever, de consolar os aflitos, de confortar os fracos, de enfrentar perseguições e todo tipo de tribulações. Além disso, aplicava-se ao trabalho manual para ganhar a vida. "Vós bem sabeis que estas minhas mãos providenciaram o que era necessário para mim e para os que estavam comigo" (At 20,34). E, por isso, podia exortar os outros ao trabalho: "como bom soldado de Cristo Jesus, assume a tua parte de sofrimento" (2Tm 2,3); "faze o trabalho de um evangelista, desempenha bem o teu ministério" (2Tm 4,5). Agora é o tempo de esforçarmo-nos, produzindo muitos frutos (Gl 6,10). Repousaremo-nos na eternidade. 283 - Fugir do Ócio A ociosidade, filha primogênita da preguiça, deve ser evitada por todos, pois é a causa de muitos males. Ela torna o homem estulto e o deixa abobalhado. Que grande loucura não seria descuidar da própria vida, não lhe dando o necessário e não a defendendo dos inimigos? Na verdade, a pessoa dada à ociosidade não só deixa de defender sua alma contra os inimigos, mas a expõe a eles, contribuindo diretamente para fortalecê-los. Pelo ócio se alimentam os vícios, e o demônio adquire maior força contra o preguiçoso. Em todo estado de vida e em todas as épocas da história, o ócio foi considerado atitude digna de repreensão e reprovação. Todavia, no tempo bendito da Lei Evangélica ele parece mais condenável que nunca. Antes de tudo, o exemplo que nos veio de Cristo mostrou de maneira esplêndida a forma do agir correto: usar o dia para consolar os aflitos, curar os enfermos, livrar os possessos, dar a vista aos cegos, ensinar os iletrados e realizar todo gênero de obras de misericórdia, passando a noite em oração (Lc 6,12). Os apóstolos e seus seguidores nos deixaram o mesmo exemplo, em particular São Paulo, que pôde dizer de si mesmo: "vós bem sabeis que estas minhas mãos providenciaram o que era necessário para mim e para os que estavam comigo" (At 20,34). Enfim, o ócio parece particularmente censurável em nós cristãos porque fomos resgatados pelo caro preço do Sangue de Cristo, para fazer o bem: "de fato, fostes comprados, e por preço muito alto! Então, glorificai a Deus no vosso corpo" (1Cor 6,20). Deus se mostra presente e se glorifica em nosso corpo, quando praticamos o bem. Insiste ainda São Paulo: "portanto, meus amados irmãos, sede firmes e inabaláveis, progredindo sempre na obra do Senhor, certos de que vossas fadigas não são em vão, no Senhor" (1Cor 15,58). 284 - O Trabalho Manual O trabalho, também manual, é necessário a todos os homens, pelo menos por duas razões: é um castigo estabelecido pelo Criador, depois do pecado dos progenitores (Gn 3,19); é um meio fundamental para fugir do ócio e empregar utilmente o tempo, a fim de não comer gratuitamente o pão, ganhar alguma coisa que ajude os pobres, e gozar a verdadeira tranqüilidade de coração. São Bento adverte os seus discípulos: podem-se considerar verdadeiros monges só os vivem do trabalho das próprias mãos, como os apóstolos costumavam fazer. Ele prescreve determinadas horas em que os irmãos devem ocupar-se do trabalho manual e outras para a lectio divina. Com o mesmo espírito, quer que os irmãos ajudem-se mutuamente, de modo que nenhum seja liberado do trabalho na cozinha ou do cuidado do campo nem fiquem tristes por isso. É verdade que as ocupações e os exercícios que a cada um são obrigados segundo a própria condição podem substituir, geralmente, o trabalho manual. Se, por acaso, as regras de algum setor não prescrevem particulares tipos de trabalho manual, observe-se a lei comum do trabalho, cumprindo exatamente o que aquelas regras determinam. Mas isto não impede que, quando haja só atividade de ordem espiritual, se execute algum trabalho corporal, conforme a condição de cada um, pois Deus é criador tanto da alma como do corpo, e de ambos exige nossa dedicação. Para que o trabalho seja meritório, deve estar unido à oração e à aplicação da mente em Deus. "O exercício corporal tem utilidade restrita, ao passo que a piedade é útil para todos" (1Tm 4,8). Desse modo, enquanto as mãos produzem aquilo de que se alimenta o corpo, a alma não é afastada de Deus. ESTUDO E CULTURA 285 - Cultura e Vida Espiritual "O Senhor é um Deus que sabe" (1Sm 2,3). Sem o auxílio dos conhecimentos naturais não se pode chegar à sublimidade das coisas espirituais. Ouso acrescentar que o delicado trabalho da obra projetada pela senhora não poderá ser desenvolvido, como convém, sem os fundamentos de uma vasta cultura em seus vários membros. O primeiro germe de destruição das grandes obras de Deus está na ignorância ou no conhecer mal o muito que se sabe. Isto leva a perder o bom gosto do saber. É preciso que todos se persuadam da importância dos estudos, como instrumentos da glória divina, e se preparem para enfrentar as tentações do maligno. Este, sob a aparência de piedade, procura todos os meios para afastar as pessoas dos estudos das ciências humanas, insinuando que enormes danos brotarão do conhecimento. Ao mesmo tempo, é preciso estar atento contra a outra tentação, também do inimigo, que se serve dos estudos mal feitos para fazer o homem cair em grave ruína. Os livros divinos nos fornecem as armas para o apostolado. Por outro lado, as ciências humanas são muito úteis para o conhecimento da Sagrada Escritura. Conhecer as línguas, antigas e modernas, a geografia, a história profana, a literatura e as ciências ajudam o estudo da Sagrada Escritura. O diabo faz de tudo para nos manter ignorantes nas matérias profanas. O conhecimento de coisas simples é também de grande valia para a oração e a meditação. 286 - Estudar segundo os Próprios Talentos Existem inteligências, com capacidades modestas, que devem se limitar a poucas coisas. Outras, ao contrário, dotadas de grande capacidade, podem abraçar praticamente tudo. As primeiras, quando esquecidas de si mesmas, querem elevar-se ao nível das segundas. Ficam como que deslumbradas, correndo, por vaidade, o risco de perder o lugar que teriam podido ocupar, com dignidade e em posição mais modesta, se mantivessem o bom senso de parar por ali. As inteligências altamente capacitadas quando não conhecem, efetivamente, tudo que em teoria teria sido possível são levadas a confundirem-se e a desanimarem, não atingindo a altura correspondente ao próprio merecimento. Como conseqüência, terminam, às vezes, por apegar-se às pequenas coisas, a ponto de tornarem-se incapazes das grandes realizações, para as quais o Criador as havia preparado. Disso, porém, não se conclui que as pessoas de elevada capacidade não devam, de vez em quando, descer de seu patamar para estudar também as coisas simples e que as pessoas modestas não possam, de vez em quando, alçar vôo e superar o alcance ordinário das próprias capacidades cognoscitivas. É certo, com efeito, que, se, de um lado, não se deve descuidar de coisa alguma, de outro lado, é útil por vezes usar os talentos para coisas mais elevadas. Tudo, porém, faça-se de tal maneira que se evite o desprezo pelas coisas mais humildes e combata-se o tédio e a oposição que se poderiam encontrar. 287 - Estudar para a Glória de Deus Não se deve preocupar ou temer dificuldades particulares no caminho do estudo, quando percorrido para encontrar nosso Senhor e promover sua glória, considerando que é Ele o Senhor da ciência (1Sm 2,3). Ninguém jamais deu, no conhecimento, um passo sem sua luz, mesmo nas coisas naturais. Se Deus não negou essa luz a muitos homens, mesmo pagãos e infiéis - para que servisse de auxílio a muitos outros, embora eles por própria conta possam ter abusado deste benefício, - como poderá negá-la àqueles que querem se servir dela para melhor conhecê-lo e amá-lo, propondo-se a comunicá-la aos outros para o mesmo fim? Os estudos são um meio de promover a glória de Deus, sobretudo no trabalho apostólico junto aos outros. Assim, é claro que se deve, em primeiro lugar e antes de tudo, promover a glória divina em nós mesmos, almejando vitória plena sobre si, antes de entrar em campo para conquistar, com a arma dos estudos, os corações dos outros. Para isso, é bom recordar a advertência feita por Santo Inácio aos estudantes, para que conservassem sempre vivo o sentido da presença de Deus. O santo deu-lhes também outras orientações, com a finalidade de valorizar sempre mais os estudos como meios para promover a glória de Deus e, ao mesmo tempo, defendê-los das insídias do maligno. Lembremo-nos de que é melhor saber pouco, mas bem e com precisão, do que muito e confusamente, pois, desta forma, nem mesmo se sabe o que se poderia presumir que conhecimento a pessoa tem. 288 - A Curiosidade Vã Todos moderem o desejo de querer o saber. Isto se consegue mediante a virtude da aplicação ao estudo, contra o vício da vã curiosidade. Cada um domine a excessiva mania de querer saber tudo, conforme o dito do Apóstolo: não pretender saber mais do que convém, mas saber na medida justa (Rm 12,3). O curioso está sempre inquieto, porque, querendo saber e investigar o que não lhe convém, não pode entender todas as coisas. E, vindo a saber alguma coisa que lhe desagrade, sente contínua inquietação. Existem aqueles que se interessam pela vida particular dos outros, procuram ouvir tudo, descobrir os pequenos segredos das pessoas, para esparramá-los depois e mostrar-se informados de tudo. Têm tempo de bisbilhotar, pois nada fazem. Levam os outros a fazer o mesmo, procurando mudar as pessoas, conforme a malícia de sua fantasia inquieta e turbulenta. De fato, não existem tipos curiosos que não sejam inquietos também. A Escritura reprova a vã curiosidade: "pensa sempre no que Deus te ordenou e não sejas curioso acerca de suas muitas obras" (Eclo 3,22). O Apóstolo chama a atenção do bispo Timóteo sobre as jovens viúvas que "vivendo na ociosidade costumam ir de casa em casa, não apenas como ociosas, mas também como faladeiras e fofoqueiras, propalando o que não convém" (1Tm 5,13). Existem igualmente alguns que são curiosos, passeadores, bastante inquietos, semeadores de más notícias, visitadores por conta própria de ricos para pedir ofertas. Se isto não é conveniente para as viúvas, não o é para ninguém e, muito menos, para quem é consagrado ao Senhor. 289 - A Sabedoria Humana Deus é autor não só das verdades naturais, como das sobrenaturais. Por isso, em todas as coisas deve-se procurar a verdade divina, e Ele deve ser adorado em toda parte. Se alguma vez não nos é dado alcançar a verdade, será, porém, sempre considerado mérito e honra o fato de tê-la ao menos investigado ou ter-se dela aproximado. Em certo sentido, já é sucesso ter chegado a criar uma dúvida razoável, sem jamais se deixar levar por conclusões ao acaso. Devem-se investigar as verdades de ordem natural, porque nos servem como degrau para as sobrenaturais, às quais é impossível chegar mediante a ignorância, o erro ou a falsidade. Ao especular sobre os segredos da natureza, nossa mente se exercita na contemplação das realidades espirituais e chega a encontrar especial deleite, posteriormente na indagação de realidades mais misteriosas e sublimes. É, portanto, grande façanha formar homens autenticamente sábios, homens que saibam raciocinar bem, que saibam ser críticos diante de toda provocação de erro, homens que, em seu comportamento, saibam seguir os ditames da reta razão e das virtudes. 290 - O Estudo da Palavra de Deus Toda a ciência e a teologia dos primeiros Padres da Igreja se concentram no estudo da Escritura. Desta, tiraram idéias e fundamentos sólidos de piedade e se tornaram guias e mestres de outros homens, e amados por Deus. São Jerônimo exorta seu caro Nepociano: "lê assiduamente a divina Escritura; jamais tuas mãos abandonem o livro da Palavra de Deus". O santo doutor escreveu que, com a leitura e a meditação assídua da Escritura, Nepociano havia feito de sua alma uma biblioteca de Cristo. O mesmo São Jerônimo, escrevendo a Paulino, quer que ele penetre até o âmago das Escrituras para encontrar a norma da vida monástica e para poder ser bom mestre dos outros. Incita-o a apreender da Escritura o que deve ensinar, adquirindo a linguagem fiel que segue o ensinamento verdadeiro, a fim de que esteja à altura de exortar, com sã doutrina, e de refutar os que a atacam. Com efeito, foi sempre sentença comum dos Padres e doutores da Igreja que o estudo da Bíblia é necessário, de modo todo particular, às pessoas consagradas. 291 - Como Estudar a História Do conhecimento da história, ainda mais se for acompanhado de reflexão sobre os fatos passados, chega-se a adquirir uma especial atitude de prudência, pois aí contemplamos, quase como num espelho, as vicissitudes das coisas humanas e os prodígios da Providência divina, tanto em nível universal quanto no modo como o Senhor governa sua Igreja. Certamente, é preciso empenhar-se no estudo da história, particularmente da História da Igreja, não por simples curiosidade. Quando se faz isto com seriedade, com a intenção de obterem-se bons frutos, não há dúvida de que se conseguem resultados maiores do que se possa imaginar. Naturalmente, não se trata de armazenar na memória uma série de fatos, de datas, de personagens, de proezas. Isto não é ainda ciência histórica, porque a ciência é o conhecimento das coisas por intermédio das razões e das causas. Saber história quer dizer conhecer bem os homens que são seus protagonistas, avaliar, quanto possível, suas qualidades e seus defeitos, as opiniões, as paixões, os motivos que determinaram suas escolhas. Deve-se chegar, em suma, a tirar do conhecimento dos outros uma lição a ser aplicada a si mesmo, a encontrar o amadurecimento pessoal nos homens virtuosos e santos, a vislumbrar que se deve evitar o que os viciados e ímpios praticaram. Deve-se encontrar uma norma de como se comportar, tanto nas situações favoráveis como nas adversas. Na falta dessas disposições, não se colherá da história um fruto verdadeiro, não se aprenderá a exata regra de conduta, que se adquire indo além do simples conhecimento de dados, por meio de reflexões e ponderações prudentes. A SABEDORIA DA CRUZ 292 - Completo em Mim o que Falta aos Sofrimentos de Cristo "Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos queridos" (Ef 5,1). Para chegar a este ponto, Deus nos preparou uma escada, propondo-nos imitar o seu Filho, feito homem, primeiro humilhado e torturado, depois exaltado e glorificado. Pela cruz, tornamo-nos semelhantes ao Filho de Deus, Cristo crucificado. Isto é grande dignidade e utilidade, porque, como fomos configurados a Cristo na tribulação, o seremos também na felicidade. Deus estabeleceu que aquele que pratica a justiça seja herdeiro de Deus e que tamanha felicidade esteja ligada a Cristo, por meio de fadigas, de dores, de cruzes, com imensa paciência: "sofremos com Ele para sermos também glorificados com Ele" (Rm 8,17). Se observarmos bem as palavras do Apóstolo, encontramos motivos bem sólidos para nossa paciência. No entanto, se Cristo, nossa Cabeça, precede-nos com a Cruz, porque não querermos nós, seus membros, segui-lo generosamente carregando a mesma cruz? Participaremos de sua glória, não de uma glória qualquer, mas da mesma glória de Cristo, Filho de Deus. Na verdade, "os sofrimentos do tempo presente não têm proporção com a glória que há de ser revelada em nós" (Rm 8,18). É como dizer que, com um pouco de sofrimento, conquistaremos imensa glória. Com um sofrimento momentâneo conquistaremos uma glória eterna. Tenhamos a convicção de que em breve estaremos livres de toda fadiga. Tal esperança estimule nosso ânimo para aceitar, com paciência, qualquer tribulação, por árdua e penosa que seja. Além disso, "o Espírito vem em socorro de nossa fraqueza" (Rm 8,26). Se temos tal protetor e inspirador, porque não carregar com fortaleza a cruz sobre os ombros. 293 - A Paciência, Virtude dos Fortes "É preciso que persevereis para cumprir a vontade de Deus e alcançar o que ele prometeu" (Hb 10,36). A paciência é a virtude pela qual o bem espiritual do homem fica defendido contra a tristeza, de maneira que não seja vencido e abatido por esta. Percebe-se a necessidade da paciência quando se considera a multidão dos males que circundam a nossa vida, por todos os lados e em todo momento, depois que o pecado original introduziu no mundo a morte, junto com tudo o que a ela está ligado. Urge a necessidade da paciência, também, pela presença em nós das paixões desordenadas, que, com força e fúria, se opõem a nosso verdadeiro bem, pela multidão e pela fúria de inimigos, visíveis e invisíveis, que querem prejudicar nosso corpo e nosso espírito com tentações, insídias e perseguições sem tréguas. Deve-se considerar, ainda, o fato de que o próprio Deus, em seus desígnios de Pai, quis, por esses meios, purificar e estimular, da melhor maneira possível, nossas almas. Por isso, ninguém está isento da lei do sofrimento, nem mesmo os justos. Aliás, parece que Deus prepara penares ainda mais dolorosos aos mais santos e a seus melhores amigos, apresentando-lhes, com sua mão, um cálice mais amargo. Maria, Mãe de seu Filho, tornou-se a rainha dos mártires, a mãe das dores. Por este caminho de sofrimento passou também o próprio Filho de Deus. "Não era necessário que o Cristo sofresse tudo isso para entrar em sua glória?" (Lc 24,26). Por outro lado, o exercício da paciência traz consigo a alegria da paz profunda, pois a paz é justamente o fruto da paciência, não só no céu, mas ainda aqui na terra. São Paulo inclui a paciência entre os frutos do Espírito (Gl 5,22), os quais amadurecem e são apreciados ainda nesta vida. 294 - Ao Encontro da Cruz Junto com Cristo Jesus vai ao encontro da cruz, caminhando diante dos apóstolos com passo apressado (Mc 10,32), para demonstrar a prontidão de vontade e o fervor de espírito com que padeceria, sem temer os sofrimentos que o aguardavam em Jerusalém. O evangelista salienta a preocupação de Jesus em caminhar com passos rápidos em direção à humilhante obediência de sua paixão e morte, para que se perceba a força do amor divino. Este é como o fogo, como o estímulo, como o aguilhão que impulsiona com maior fervor em direção à obediência mais penosa para a carne, mas agradável a Deus. Contrariamente, o egoísmo e o amor próprio andam como se tivessem pés de chumbo, quando se trata do exercício árduo das virtudes, mas se apressam e correm, quando se trata do que oferece prazer e honra. Bom Jesus, como é oposto o teu espírito ao espírito do mundo! Este aspira à preeminência sobre todos nas honras e nos prazeres terrenos; o teu, ao contrário, quer a preeminência nas humilhações e nos sofrimentos; aquele, nas obras de maior glória mundana; o teu, ao contrário, naquelas de maior ignomínia. ( Percebi o) conhecimento do grande bem que é sofrer qualquer coisa por amor a Deus. Felizes os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus. Felizes sois vós quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque é grande a vossa recompensa nos céus (Mt 5,11-12). 295 - Aceitar a Cruz com Amor O Senhor somente nos mostra a cruz para que tenhamos o merecimento da boa vontade em aceitá-la por seu amor. Na verdade, ele a carrega por amor a nós. As adversidades são sinais de amor, feridas medicinais com as quais Deus melhora a nós, pecadores, e nos prepara para a eternidade. "Castigarei com a vara suas transgressões, e com açoites seus pecados. Mas não lhes retirarei meu favor e não vou desmentir minha fidelidade" (Sl 89,33-34). "Tu me corrigiste e eu me corrigi como novilho ainda não amansado; faze que eu me volte, para que eu possa voltar, porque tu és o Senhor, o meu Deus" (Jr 31,18). Deus vê todo nosso sofrimento. "Eu repreendo e educo os que eu amo" (Ap 3,19). Meu filho, não desprezes a correção do Senhor; não te desanimes, quando ele te repreende, pois o Senhor corrige a quem ele ama e castiga a quem aceite como filho. É para vossa correção que sofreis; é como filhos que Deus vos trata. Pois quem é o filho a quem o pai não corrige? Pelo contrário, se ficais fora da correção aplicada a todos, então vós não sois filhos, mas bastardos. Ademais, tivemos os nossos pais humanos como educadores e os respeitávamos. Será que não devemos submeter-nos muito mais ao Pai dos espíritos, para termos a vida? (Hb 12,5-9). As visitas dos flagelos divinos são verdadeiramente grandíssimos Favores. Senhor, fazei que carreguemos e não arrastemos a cruz; que a carreguemos de boa vontade e cheguemos a gloriarmo-nos dela. Que a carreguemos com tanto amor que cheguemos a não nos gloriarmos senão dela (Gl 6,14). 296 - Paciência e Prudência Cristo nos ensina em que consiste a verdadeira fortaleza e paciência. Estas estão entre a audácia temerária - que se coloca contra os males, quando não há necessidade - e a covardia pusilânime - que foge quando é necessário enfrentá-los ou suportá-los. Por isso, temos duas atitudes diante da fortaleza e da paciência. Uma diz respeito à temeridade: "quando vos perseguirem numa cidade, fugi para outra" (Mt 10,23). A outra se refere à covardia: "Não tenhais medo daqueles que matam o corpo, mas são incapazes de matar a alma!" (Mt 10,28). Jesus, depois que ficou sabendo que os judeus tinham tomado a decisão de matá-lo, "já não andava mais em público no meio dos judeus. Ele foi para uma região perto do deserto" (Jo 11,54). Fugia, assim, do perigo, até que chegasse o momento oportuno de enfrentá-lo para a glória de Deus e pela salvação do mundo. Quando chegou o momento, sabendo que já estava próximo o tempo de sua paixão e que os judeus tramavam sua morte, quis subir a Jerusalém, porque chegara a hora escolhida por Deus (Jo 13,1). E nesta viagem ia com passo muito apressado, caminhando diante de seus apóstolos, tanto que eles se admiravam e procuravam segui-lo cheios de temor (Mt 10,32). A propósito, não é contra a virtude ter medo. É contrário a ela o eximir-se do próprio dever, por temor. O medo é natural. O homem mostra-se virtuoso quando sabe manter-se firme contra seus temores. Também os santos temiam a morte, mas não fugiam dela. Se não a tivessem temido, seria menos gloriosa a sua paciência. 297 - Alegria Mesmo sob o Peso da Cruz "Apresentai-me um homem que não tenha em si algo de condenável e que, de sã consciência não aspire fervorosamente às coisas futuras, aguardando-as com feliz esperança" diz São João Crisóstomo. O que poderia perturbá-lo? A morte é a coisa mais intolerável para o mundo. Todavia, a própria expectativa da morte não o entristeceria e, em certo sentido, confortaria-o, pois sabe que a morte é a libertação dos sofrimentos presentes, a passagem obrigatória para chegar à coroa e ao prêmio reservados para quem luta pela virtude. Por acaso a morte prematura dos filhos o magoaria? Ele saberia suportar corajosamente também esta provação. Conseguiria repetir como Jó: "o Senhor deu, o Senhor tirou; como foi do agrado do Senhor, assim aconteceu. Seja bendito o nome do Senhor!" (Jó 1,21). Se nem a morte, nem a perda dos filhos podem tirar a serenidade da alma generosa, menos ainda a perda das riquezas poderia abatê-la. E se caísse enfermo? Ele ouviria ainda a Palavra de Deus que o adverte dizendo: "na enfermidade e na pobreza, confia em Deus, pois, como o ouro é provado no fogo, assim também os homens amados por Deus o serão no crisol da dor" (Eclo. 2,4-5). Sigamos, pois, a virtude se desejarmos a alegria verdadeira. Organizemos bem nossa vida e jamais nos faltará um sólido e estável contentamento, que as contrariedades deste mundo não poderão jamais tirar nem diminuir. Purifiquemos bem nossa consciência e com este bom testemunho não só viveremos dias tranqüilos, cheios de paz e alegres, mas, mesmo no momento terrível da morte - quando a alegria vã do mundo se transforma em luto pavoroso, - será confirmada nossa esperança, nosso gáudio se redobrará, nada tendo a temer. Aos breves anos felizes que no temor do Senhor passamos sobre a terra, ajuntar-se-ão séculos eternos de perfeita alegria no mesmo júbilo de Deus. 298 - Verdadeira Alegria Além das Aparências "Feliz o povo cujo Deus é o Senhor" (Sl 144,15). Eis no que está a verdadeira felicidade, a verdadeira alegria: no reconhecer a Deus como Senhor, no servi-lo com fidelidade, no viver conforme Deus quer. Este pensamento volta repetidamente na Sagrada Escritura. "Feliz quem não segue o conselho dos maus, não anda pelo caminho dos pecadores" (Sl 1,1). "Feliz o homem a quem educas, Senhor, e que instruis pela tua lei" (Sl 94,12). "Felizes os que procedem com retidão, os que caminham na lei do Senhor" (Sl 119,1). "Feliz quem teme o Senhor" (Sl 112,1). No Evangelho encontramos claramente que são declarados felizes os humildes, os mansos, os que choram, os que sofrem perseguições por causa da justiça: "felizes os pobres no espírito, felizes os mansos, felizes os que choram, felizes quando vos perseguirem" (Mt 5,3-5, 11; Lc 6,20-22). É claro, portanto, que só a vida conduzida segundo a regra divina é feliz, e que só a virtude - embora difícil, privada de delícias exteriores e também acompanhada de tribulações - é capaz de causar satisfação, contentamento e alegria. Contemplemos os frutos de certas árvores, que se apresentam particularmente belos pela cor e forma, muito gostosos ao paladar. A raiz de onde procedem tal beleza e doçura está debaixo da terra, assaz repugnante à vista e amaríssima ao paladar. Assim, o sofrimento de quem vive segundo Deus produz frutos saborosos de alegria e de serenidade. Se nós, pois, organizamos nossa vida, gozaremos de um salutar, tranqüilo e perpétuo júbilo, que nem mesmo as tribulações exteriores poderão abalar. A alegria permanecerá sem igual, ainda que na ausência das satisfações terrenas. Na verdade, não são as coisas exteriores a nós, prósperas ou adversas, que nos consolam ou nos afligem, mas a disposição interior do espírito. 299 - O Segredo da Alegria O vício constitui já na terra, antes mesmo da condenação eterna, fonte de amargura e de aborrecimento. A virtude não tarda a premiar seus nobres seguidores e cobre de antecipadas delícias a vida presente, nutrindo-a de suaves esperanças e de prazeres puros, antes de recebê-los no céu, coroados de glória imortal. Quem é inclinado a considerar a vida virtuosa e mortificada como melancólica e triste não está muito convencido dessas idéias. Não é de se admirar. Quem está doente acredita que o vinho seja amargo e a música tediosa, ao passo que quem está sadio sente prazer e prova doçura nisso tudo. Enquanto Agostinho estava mergulhado na imundície dos prazeres impuros, parecia-lhe impossível poder viver sem eles. Porém depois que, com generosa decisão, se libertou dos deleites imundos, declarou: oh! Como me pareceu tão suave a separação das delícias vãs! Já era para mim grande alegria, deixar o que pouco antes temia perder. Pois, tu, meu Deus, verdadeira e suma suavidade, expulsaste-as de mim, tu as expulsaste e entraste no lugar delas de modo mais suave do que qualquer outro prazer. A este santo podemos dar crédito absoluto, pois após haver passado pela provação da doença, a ele se tornou ainda mais evidente a doçura da saúde. Portanto, se a privação de um bem e de um prazer tão vil é compensada não só com o dom imenso da felicidade no céu, mas com superabundância de alegria mesmo na terra, seria verdadeiramente uma loucura não saber dominar-se, correndo o risco de perder para sempre a felicidade perfeita e definitiva. 300 - Paciência e Alegria em Padre Gaspar Se eu dissesse que em sua doença na perna Padre Gaspar teve que sofrer mais de duzentas cirurgias, todas muito dolorosas, não diria nada mais do que a simples verdade. O que, todavia, não se consegue absolutamente expressar com termos adequados é a invencível fortaleza com que ele agüentava, quer as dores atrozes mesmo depois das intervenções, quer a imobilidade do corpo, que o obrigou a permanecer por diversos meses preso ao leito. Tudo suportava com tal suavidade de rosto e serenidade que o faziam parecer não um paciente resignado, mas, sobretudo, uma pessoa alegre e feliz. Muitas vezes, nos momentos mais agudos do sofrimento, repetia: "batei, Senhor, batei que tendes razão; batei, que mereço isto e muito mais ainda". Doze ou quinze dias antes da morte, sentindo-se um pouco melhor, como de costume, estávamos para levantá-lo e trocar-lhe a posição. Ele pôs-se imediatamente a fazer caretas com a boca e com os olhos para alguns de seus assistentes, temperando com gracejos suas dolorosas penas. Um dia, já no fim da vida, tendo vindo visitá-lo dois professores do seminário e perguntando-lhe um deles como estava, respondeu brincando: "estamos aqui na escola". Fez brotar nos dois sacerdotes um sorriso, deixando-os muito edificados. MISSÃO APOSTÓLICA 301 - A Missão de Cristo O Espírito do Senhor está sobre mim, pois ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e, aos cegos, a recuperação da vista; para dar liberdade aos oprimidos e proclamar um ano de graça da parte do Senhor (Lc 4,18-19). Eu devo anunciar a Boa Nova do Reino de Deus... pois é para isso que fui enviado (Lc 4, 43). Deus, mandando aos homens um Salvador, escolheu a melhor pessoa possível, um verdadeiro homem, com a nossa natureza, a fim de preceder-nos com o exemplo e tratar-nos com humanidade e compaixão. Por outro lado, alguém que fosse verdadeiro Deus, seu Filho unigênito, para que pudesse ajudar-nos e resgatar-nos com seu infinito poder. Se, de fato, Cristo não fosse verdadeiro Deus, não poderia nos trazer o remédio necessário, e, se não fosse verdadeiro homem, não nos daria o exemplo. Cristo é a infinita sabedoria, pela qual conhece nossas necessidades. É infinita misericórdia, para compadecer-se delas, infinita onipotência, bondade e caridade para vir ao nosso encontro. Infinita é a sua Providência, para promover com solicitude o nosso bem. Infinitas são a sua mansidão e afabilidade, para tratar-nos como irmãos. Infinitas também são a sua liberalidade e magnificência, para fazer-nos partícipes de suas riquezas. Cristo nos lembra que o Reino de Deus se realiza não com a riqueza e a pompa mundana, mas com a pobreza e a humilhação. "De rico que era se tornou pobre por causa de vós, para que vos torneis ricos, por sua pobreza" (2Cor 8,9). Pela humilhação se vence. "Humilhou-se fazendo-se obediente até a morte - e morte de cruz! Por isso Deus o exaltou" (Fl 2,8-9). Ora, nós fomos marcados com o selo e o caráter de Cristo. Se alguem quiser segui-lo, é necessário que trabalhe e se comprometa com ele. "Se alguém quer me servir, siga-me, e onde eu estiver, estará também aquele que me serve" (Jo 12,26). O prêmio será correspondente ao empenho. 302 - Como o Pai Me Enviou Assim Eu Vos Envio Cristo, no cumprimento de sua missão, percorria as cidades e as aldeias de Palestina, acompanhado por seus discípulos. Mandou-os ao mundo para anunciar o Evangelho a todas as criaturas. De seus discípulos, exige que se espelhem nele, que façam o que Ele fez, que estejam prontos a não ter outro alimento ou vestimentas, ou outras coisas, senão aquelas que Ele mesmo tinha. Cada um esteja disposto a continuar com Ele nas mesmas fadigas, nas vigílias e nas privações, para participarem da mesma vitória e felicidade. Ele, de fato, não se limita a mandar, mas se afadiga por primeiro e por primeiro sofre, expõe-se às perseguições e à morte. Não quer só para si a honra da vitória nem as vantagens e a felicidade. Com seus discípulos quer partilhar a honra e o reino, em proporção aos trabalhos e sofrimentos. Se eu encontrasse almas verdadeiramente dispostas a entregarem-se a mim sem reserva - revelou Cristo a uma santa - tudo o que eu fiz aos santos, conforme lês na vida deles, faria-o também com tais almas e estaria pronto a realizar milagres, porque "não foi o braço do Senhor que ficou curto demais para salvar" (Is 59,1). Eu continuo o mesmo. Certamente, aqueles que querem se dedicar totalmente ao serviço do Evangelho sabem que são chamados não só a suportar fadigas, mas também a executar empreendimentos cada vez maiores e mais comprometedores, depois de haver superado a rebelião da carne e dos sentidos, o amor próprio e a vanglória. Que neles se veja, ao menos, um esboço daquilo que fez Cristo, juntamente com seus apóstolos, porque agora a necessidade é ainda maior. 303 - Vós Sois a Luz do Mundo "Vós sois a luz do mundo" (Mt 5,14). Não haveria certamente mais pagãos - dizia São João Crisóstomo - se nós cristãos fôssemos verdadeiramente como deveríamos ser; se obedecêssemos aos mandamentos de Deus; se não nos vingássemos das injúrias recebidas; se insultados conseguíssemos retribuir abençoando; se fôssemos capazes de pagar o mal com o bem. Não haveria ninguém que nos vendo agir assim, mesmo sendo crítico feroz, não aderisse de boa vontade à verdadeira religião. Vemos quantas pessoas Paulo, sozinho, soube atrair a Cristo. Se fôssemos todos assim, poderíamos na verdade converter o mundo. O Senhor nos escolheu para sermos focos de luz, quase como anjos morando na terra entre os homens, como pessoas adultas, entre crianças, como homens espirituais, no meio de tantos que são ainda carnais. O sol está no céu, mas de lá envia seus raios sobre a terra. Assim, nós cristãos, vivendo com o corpo na terra, mas com o espírito no céu, podemos iluminar e acender o fogo, ao nosso redor, com o exemplo da virtude. 304 - Valor do Testemunho "Dei-vos o exemplo, para que façais como eu fiz" (Jo 13,15), disse Jesus aos apóstolos. Dele sabemos, ainda, que primeiramente fez, depois ensinou (At 1,1). Ensinou mais com fatos do que com palavras. Com obras, Cristo ganha a adesão da fé a seus ensinamentos. Exorta à mansidão e o faz apresentando o seu exemplo: "sede discípulos meus, porque sou manso e humilde de coração" (Mt 11,29) Ensina a pobreza e a demonstra em si mesmo com os fatos: "o Filho do homem não tem onde repousar a cabeça" (Mt 8,20). Prescreve o amor aos inimigos, e o ensina, sobretudo, orando, pregado na cruz, pelos que o crucificaram (Lc 13,34). Diz: "se alguém quiser abrir um processo para tomar a tua túnica, dá-lhe também o manto" (Mt 5,40). Ele não só deixou que lhe tirassem as vestes, mas deu também o seu sangue, e assim quis que o fizessem também seus discípulos. Como Cristo, comportou-se também São Paulo, que pôde dizer: "sede meus imitadores, todos vós, e reparai bem os que vivem segundo o exemplo que tendes em nós" (Fl 3,17). Não há nada mais frio e ineficaz do que um mestre que só usa as palavras: esta é atitude mais de um hipócrita do que de um mestre. Por isso, os apóstolos ensinavam primeiramente com o exemplo, depois com as palavras. Aliás, não tinham necessidade de tantas palavras, visto que suas ações falavam por si só. É também verdade, por outro lado, que não é necessário ter em mira sobretudo o bom exemplo. Isto seria um equívoco. É preciso agir bem e esmerar-se por fazê-lo de modo perfeito. O exemplo vem por si. 305 - Cuida de Ti Mesmo e do Teu Ensinamento "Presta atenção em ti" (1Tm 4,16). Permaneça em estado de alerta, considerando freqüentemente, examinando, corrigindo e planejando tuas ações, teus comportamentos. "Presta atenção no que ensinas" (1Tm 4,16) para ensinar bem aos outros. Este duplo empenho é necessário para o verdadeiro apóstolo: ensinar primeiro a si mesmo e depois aos outros. Vive, antes de tudo, para ti; cuide de ti, se quiseres auxiliar os irmãos. Os que descuidam de si mesmos para dedicarem-se totalmente ao próximo correm o risco de esvaziar o espírito e acabam por não ajudar nem a si, nem aos outros. A tua preocupação - acrescenta São Bernardo - deve começar contigo, a fim de que não venhas a empenhar-te, talvez em vão, em outras coisas, descurando de ti mesmo. O que adiantaria se ganhasses o mundo inteiro e viesses a perder a ti mesmo? Sê sábio quanto quiseres. Contudo, causarias prejuízo à tua sabedoria se não fosses sábio para ti mesmo. Quanto te falta? Não saberia dizer, mas, segundo o meu parecer, te faltaria tudo. Se conhecêsseis os mistérios e as dimensões do universo, a altitude do céu e a profundidade do mar, mas ignorasses a ti mesmo, serias semelhante a quem quisesse construir sem alicerces. Edificarias não uma casa, mas uma ruína. Reflete continuamente sobre teu modo de vida, com a finalidade de viver sempre bem. "Agindo assim, salvarás a ti mesmo e aos que te ouvem" (1Tm 4,16). 306 - O Caminho do Evangelho no Mundo A graça do Espírito Santo criador é destinada a iluminar também os povos que ficaram afastados da fé. Serão assim diluídas as trevas do erro, mediante a pregação da verdadeira fé, e destruídas as obras do demônio, com o anúncio do Evangelho. Infelizmente, o caminho do Evangelho no mundo torna-se, muitas vezes, difícil pela escassez de pregadores. Por isso, é necessário esforçar-se para promover, com todas as forças, o número e o fervor das vocações missionárias. Nos países não-cristãos, o caminho do Evangelho encontra, talvez, um obstáculo pela falta de liberdade para o exercício da pregação; para vencê-lo, são necessários o zelo sempre renovado e a inexaurível paciência apostólica. Não se deve, num dado momento, ignorar o risco de uma certa inconstância que desanima o missionário no zelo para trabalhar pela salvação das almas (que deveria, ao contrário, ser tanto mais ardente quanto mais elas se mostrassem obstinadas) e no ímpeto para fomentar a glória de Deus (que deveria se tornar tanto mais forte quanto mais graves fossem as dificuldades). "Porque o amor é forte como a morte, e o ciúme é inflexível como o abismo" (Ct 8,6). Entretanto, as dificuldades não impedem a marcha missionária da Igreja, que, após ter renovado os povos, graças à obra de seus pregadores com o anúncio do Evangelho, sabe conservar neles a feliz novidade, combatendo os riscos da corrupção. Alem disso, demonstra uma solicitude especial com os mais perfeitos, favorecendo, nas novas comunidades cristãs, as vocações para as diversas formas de vida consagrada, também a contemplativa. Não hesita em dar atenção especial aos ministros que se empenham em prestar bons serviços para a glória de Deus. 307 - Lutar como Cristo e Unidos a Ele "Se o mundo vos odeia, sabei que primeiro odiou a mim" (Jo 15,18). Cristo, sabendo que para muitos de seus discípulos sofrer as hostilidades e as perseguições do mundo seria muito duro e quase insuportável, a ponto de certos temperamentos fortes ficarem abalados, previne os apóstolos de tais eventualidades, a fim de que se preparem para enfrentá-las com generosidade e coragem, desprezando o ódio e as perseguições, chegando, até, a gloriar-se delas e a alegrar-se com elas como distintivos autênticos dos discípulos de Cristo. "Se me perseguiram, perseguirão a vós também" (Jo 15,20). Não se admirem nem se perturbem quando o mundo vos odiar, quer nos dizer o Senhor. Acima de tudo, alegrai-vos por chegar a ser meus imitadores. No mais, ficai tranqüilos, pois, como o ódio não me prejudicou, assim não vos prejudicará. Se o mundo vos persegue, é sinal de que não sois dele, de que não estais de acordo com suas obras, mas que vos opondes a elas, como eu. Ao dizer isso, faz-nos compreender que nos ama de modo particular, porque somos seus, escolhidos por ele para enfrentar as obras do mundo e cooperar para a salvação da humanidade. Jesus dá-nos a certeza de que seu amor nos trará uma vantagem muito maior do que o prejuízo causado pela hostilidade do mundo. Senhor Jesus, tu és para mim modelo na dor e prêmio do meu sofrimento, meu sustento na luta e minha glória no triunfo. Com o exemplo da tua fortaleza treinaste `minhas mãos para a guerra' (Sl 18,35). Depois da vitória, coroarás minha cabeça com a presença da tua majestade. Faze que à imitação do teu exemplo na luta e na esperança da coroa, que és tu mesmo, me atraiam e me unam indissoluvelmente a ti. 308 - Comunhão e Missão É preciso congregar, reunir, muitos operários do Evangelho sob um mesmo Espírito. A união faz a força. Enquanto estivermos isolados e cada um procurar os próprios interesses (Fl 2,21), não obteremos nada, seremos vencidos um a um. Quando nos unirmos procurando os interesses de Jesus Cristo, então obteremos tudo, venceremos todas as adversidades. Por isso, nosso Senhor dizia: "que eles sejam um como nós somos um" (Jo 17,11; 21). É necessário não só "encontrar" os companheiros que tenham zelo igual, mas "criá-los", e, em certo sentido, arrebatá-los consigo, sobretudo os mais tímidos. Dever-se-ão também examinar o propósito e a vocação de cada um. Não se aceite qualquer um, mas os melhores, aqueles que se distinguem pelo amor para com Deus e para com o próximo: esses sejam selecionados como companheiros de missão. É oportuno formar, da união dos bons, um esquadrão de operários perfeitos na confissão da verdadeira fé e no exercício de todas as virtudes, imitadores da vida apostólica. Com um esquadrão unido, poder-se-á sair em socorro do próximo e lutar contra os demônios. Tanto o grupo como o chefe falarão a mesma língua, tendo um só coração e uma só alma, enviados a propagar, por toda parte, a luz do Evangelho. Desse modo, sejam reunidos os companheiros de missão com duas finalidades: fazer brilhar a luz do exemplo e difundir, por toda parte, a luz da pregação juntos. 309 - Pela Colaboração o Indíviduo se Multiplica É uma grande vantagem para os empreendimentos espirituais encontrar duas pessoas unidas no mesmo sentimento. Todos procurem animar-se mutuamente para o estudo amoroso das virtudes e da perfeição. São João Crisóstomo, comentando as palavras do Evangelho, diz "que todos sejam um como o Pai está no Filho, e o Filho no Pai": (Jo 17,21): nada se pode comparar com a concórdia e a recíproca união das vontades, pois, por elas, o indivíduo se multiplica. Se de fato duas ou dez pessoas estão de acordo, não há mais um só indivíduo, mas cada um será como que decuplicado: nos dez encontrarás a unidade, e os dez em cada um. Mais adiante, diz o santo doutor que - a excelência da caridade reside nisto: ela faz com que um seja multíplice e inseparável; que se encontre em muitos lugares ao mesmo tempo; que possa estar seja na Pérsia, seja em Roma; o que não pode a natureza, pode a caridade. 310 - Fazer Tudo para Todos Nossa caridade não deve fazer diferença entre pessoas cultas e ignorantes, entre nobres e plebeus, entre homens e mulheres, entre gente da cidade e do campo, mas deve trabalhar igualmente para todos, com o critério de privilegiar quem tiver maior necessidade, à imitação sempre do exemplo de Cristo, que fez, entre dificuldades e cansaço, uma longa peregrinação até Samaria, para converter uma pobre mulherzinha que vinha com um vaso na cabeça para tirar água de um poço comum. Embora estivesse cansado da viagem, não pensando em alimentar-se, passou com ela diversas horas. Cristo prezou admiravelmente uma só alma, embora pecadora. Padre Gaspar passava do cárcere ao seminário, como do claustro de piedosas virgens a um alojamento de pobres mulheres mundanas. Onde pusesse os pés para evangelizar a paz, ele era tudo para todos, o homem do Senhor, verdadeiro pastor das almas. Em síntese, o missionário apostólico e santo. Cabia-lhe bem o que era por todos considerado como seu verdadeiro e constante proceder: foi tudo para todos, nas pegadas de São Paulo (1Cor 9,22). Atestamos que o sobredito sacerdote - assim diz o bispo D. José Grasser, referindo-se a Padre Gaspar - é egregiamente revestido de santidade de vida, de doutrina e de caridade, fazendo-se tudo para todos. Seu zelo refulge, acima de todos os outros membros do clero! 311 - A Familiar Conversação com o Próximo Cada um tenha diante dos olhos o exemplo de Cristo, nosso Senhor, o qual teve uma vida de contato habitual com os homens, comendo e bebendo com eles. Não só buscou a perfeição, mas manteve um estilo perfeitíssimo de vida. Sabemos que também os apóstolos viveram em um estado de perfeição. Todavia, conviviam familiarmente com os homens, fazendo-se tudo para todos, a fim de ganhar todos para Cristo (1Cor 9,22). Quando era útil para o próximo, os antigos monges deixavam a solidão do deserto para entreterem-se com as pessoas. De Santo Antão, abade, conta-se que, deixando a solidão, andava por toda a cidade de Alexandria, com a finalidade de ensinar a todos. Visitar as pessoas e entreter-se familiarmente com elas é ação muito agradável a Deus. Naturalmente, isso exige notável dose de bom senso e prudência na conversação, segundo a advertência de São Paulo: "que vossa conversa seja sempre agradável, com uma pitada de sal, de modo que saibais responder a cada um como convém" (Cl 4,6). 312 - Estilo de Familiaridade É preciso entrar na casa dos outros à maneira deles, para sair depois com nosso modo. Visto que muitas vezes as pessoas do mundo são mais inclinadas aos interesses materiais, é necessário ater-se a seu nível e, com honesta conversação familiar, ganhar-lhes a simpatia, para que, um pouco por vez, aceitem conversas espirituais. Embora, às vezes, mantenham-se conversas inócuas, se feitas com esta intenção, não serão inúteis, mas proveitosas e com sentido religioso. As vias do Senhor, que, às vezes, se serve de meios tenuíssimos e de recursos sutilíssimos para seduzir uma alma ou trazê-la para seu serviço, tirando-a do abismo onde havia se metido, são admiráveis e constituem objeto de agradável contemplação. Não é preciso abandonar nossos amigos, por mais fora do bom caminho e distantes que estejam, sobretudo se foram deixados de lado pelos bons. Isto é para eles um grande meio para a conversão. 313 - A Estratégia de Um Grande Pastor Santo Zenão foi o protagonista de admirável batalha e de completa vitória. Qual o método e o jeito de seu combate? Com mansidão e hilaridade convertia a Cristo os idólatras. Como? Em vez da coragem, a mansidão. Em vez da atitude bélica, a hilaridade. Não nos maravilhemos. Este é o plano de guerra estabelecido pelo próprio rei e pelo comandante que o enviou. "Como o Pai me enviou também eu vos envio" (Jo 20,21) "como ovelhas para o meio de lobos" (Mt 10,16). Manda seus servos como ovelhas não só para os lobos, mas para o meio dos lobos. Ainda que feridos, não são devorados, mas transformam os seus inimigos. No momento em que Deus quer se glorificar em seus servos, faz aparecer maravilhosamente o poder de sua graça. Essa graça é forte para superar e vencer, suave na condescendência, adaptada à índole do homem que deve ser levado à salvação e que, por sua vez, coopera com Deus para consegui-la. É considerado sumamente forte e prudente o chefe que não se deixa arrastar pela ira ou pela impaciência, nem pela busca da glória ou do próprio interesse, mas aceita ser guiado, em suas escolhas, pelas sugestões de um conselheiro pacífico e tranqüilo. Ele não trava batalha nem a aceita se o êxito é arriscado e incerto, mas cede, retira-se, suporta revezes, prejuízos e incompreensões sem se perturbar. No entanto, acumula forças, aceita o socorro. Quando tem a ocasião de circunstâncias e de tempo, desfere o ataque e avança. Obtida a vitória, sabe dela fazer uso moderado e sensato, assumindo atitudes não insolentes e vingativas, mas gentis e agradáveis. A vitória sobre o inimigo derrotado só é completa e verdadeira quando se chega a conquistar o coração. A glória humana adquirida com a mansidão por nosso santo é ainda pouco. O melhor é o que consegue do Senhor, que o torna participante da sua própria glória. 314 - Missionariedade Bertoniana Servir a Deus e à Igreja gratuitamente em tudo. Quando alguém é mandado a algum lugar, não espere nenhuma recompensa nem providências para a viagem ou para a residência, mas ofereça-se e preste-se com absoluta liberalidade. Mantenha-se livre de dignidades, residência fixa, benefícios, como também de todo tipo de compromisso pastoral perpétuo. Fique à disposição para ir a qualquer lugar, tanto da diocese como do mundo. Meios fundamentais para desenvolver a missão apostólica são a própria perfeição espiritual, a perfeita posse das ciências e disciplinas eclesiásticas, a vida comunitária, o perpétuo e perfeito exercício da castidade, da pobreza e da obediência. O modo de vida, no que diz respeito à alimentação, às vestimentas e à moradia, seja de acordo com o uso dos eclesiásticos de vida mais perfeita entre os quais vivem e seja de edificação para os fiéis pela parcimônia cristã e pela pobreza religiosa. 315 - A Oração do Apóstolo Sendo Deus o nosso fim, é preciso permanecer nEle com o coração e a intenção. Isso trará muito gosto pela presença do sumo Bem. E Ele, pela infusão de sua caridade e pela comunicação de sua graça, satisfará todos os desejos de nosso coração. Isto é o que Deus fará, de sua parte. Todavia, porque também nós devemos agir com ele - "é pela graça de Deus que sou o que sou" (1Cor 15,10) - urge que o apóstolo use de muita discrição, abandonando os sentidos, quando procura fazer a experiência da oração mística, à qual deixa poucos momentos para deixar o coração falar. Virá o dia em que coração e sentidos serão inebriados pela fonte da felicidade. Para conseguir tal graça, que é merecimento e prêmio, convém agir para servir ao bom Deus, ajudá-lo em sua grande obra, para a qual Ele mandou ao mundo o seu Filho. Esta é sua vontade, embora não tenha necessidade de ninguém. O fim, pois, que é a regra de todos os meios, deve ser a regra para moderar também os afetos da santa devoção. Temos um ilustre exemplo em Santo Inácio de Loyola. Ele deixou a doce solidão de Manresa, na qual mantinha íntimos momentos com o Senhor, e a consoladora contemplação pela ação contínua e eficaz no meio do mundo. Deus, que não se deixa vencer em generosidade por seus servos, premiou-o abundantemente por aquilo que ele renunciou por causa dele. O tempo é breve. Estaremos depois sempre com Deus. No entanto, digamos com São Paulo: Por um lado desejo ardentemente partir para estar com Cristo - o que para mim é muito melhor; - por outro lado, parece mais necessário para o vosso bem, que eu continue a viver neste mundo (Fl 1,23-24). Se estamos vivos, é para o Senhor que vivemos, e se morremos, é para o Senhor que morremos (Rm 14,8). PREGAÇÃO 316 - A Palavra de Deus É Viva e Eficaz Deus poderia falar só por si e a partir de si, mas quer fazê-lo também externamente, por meio dos homens. São Paulo foi enviado a Ananias (At 9,8, seguintes). E Santo Agostinho adverte: "não tentemos a Deus, recusando-nos a ouvir o homem que prega". Com a pregação destrói-se o homem velho, imagem de Adão, e se constrói o homem novo, imagem de Jesus Cristo: "meus filhos, por vós sinto, de novo, as dores do parto, até Cristo ser formado em vós" (Gl 4,19). "A Palavra de Deus é viva, eficaz": (Hb 4,12): viva porque sempre tem capacidade de fazer agir; eficaz porque sabe traduzir efetivamente em ato sua capacidade e faz com que realmente haja ação. A vitalidade e a eficácia da Palavra divina fundamentam-se na graça: "colocarei a minha lei no seu coração, vou gravá-la em seu coração" (Jr 31,33). Deus pode enternecer o coração para escrever nele com suavidade e, ao mesmo tempo, com força: "enviou sua Palavra para curá-los" (Sl 107,20). Naturalmente, requer-se correspondência por parte dos fiéis. Vejamos o que aconteceu com a Samaritana. Ela precisou de pouco para conseguir a salvação, mas pouco bastava também para perdê-la. Aquela mulher salvou-se e tornou-se santa porque foi, casualmente, ao poço onde Cristo, cansado, estava sentado. Interrogada por ele, soube renunciar, por um momento, à vontade de tirar a água e parou para ouvi-lo. Entretanto, se, ao vê-lo, não tivesse querido escutá-lo, pensando que tinha outras coisas para fazer, que tinha sede, que já era tarde e havia urgência de voltar para casa e para os afazeres domésticos, não teria, talvez, encontrado outra oportunidade como aquela. De uma circunstância muito simples pode, talvez, depender nossa salvação. A ocasião deve ser aproveitada imediatamente. O assunto da salvação não deve ser tratado superficialmente, quase como passatempo; é preocupação seriíssima e fundamental, que deve ter a prioridade de nossos pensamentos. 317 - Anunciar com Coragem a Palavra de Deus A equipe dos pregadores evangélicos deve mover-se com alacridade, como fizeram São Paulo e os demais apóstolos. Eles souberam, desde o início, dizer aos hebreus tudo quanto era necessário para convertê-los. O bom pregador usa caridade firme, sem fraquejar. Não olha tanto o efeito de suas palavras, se elas são bem ou mal aceitas. Tem, antes de tudo, o olhar fixo na missão recebida de Deus e nos deveres a ela inerentes, abandonando-se em Deus quanto aos resultados. Sabe falar no momento oportuno e com energia, sem temor humano, tanto aos pecadores como aos irmãos dominados pelo espírito mundano, com a finalidade de sacudi-los, lembrando que "o amor é forte como a morte, e o ciúme é profundo como o abismo" (Ct 8,6). Ele se esforça também em imitar a conduta da divina Providência, flagela duramente a quem ama e ameaça com o inferno, para que ele seja evitado. Por isso, protegei-vos com a armadura de Deus , a fim de que possais resistir no dia mau, e assim empregando todos os meios, continueis firmes. Ficai, pois, de prontidão, tendo a verdade como cinturão, a justiça como couraça, e os pés calçados com o zelo em anunciar a Boa Nova da paz. Em todas as circunstâncias empunhai o escudo da fé, com o qual podereis apagar todas as flechas incendiárias do maligno. Enfim, ponde o capacete da salvação e empunhai a espada do Espírito, que é a Palavra de Deus. Com toda sorte de preces e súplicas, orai constantemente no Espírito. Prestai vigilante atenção neste ponto, intercedendo por todos os santos. Orai também por mim, suplicando que a palavra seja colocada em minha boca, de maneira que eu possa anunciar abertamente o mistério do Evangelho, do qual sou embaixador, em minhas algemas. Que eu o possa anunciar com toda ousadia, como é meu dever (Ef 6,13-20). 318 - Condições para a Eficácia da Pregação Quando, antes, não se faz bem a oração, não se pode falar nem de Deus. É na oração que o pregador encontra o modo de sua pregação. Ele recebe tal luz na contemplação divina. Ao mesmo tempo, atrai a veneração dos fiéis e está preparado para iluminar todos os ouvintes. Ele procura antes de tudo, conforme o exemplo de São Paulo, elevar-se de certo modo até o céu, captar no segredo do Paraíso palavras inefáveis que a ninguém é lícito pronunciar, para depois tirar delas os ensinamentos a serem distribuídos para o bem dos homens (2Cor 12,1-3). Assim, conseguirá desenvolver uma forma maravilhosa de pregação, que lhe permitirá deixar claros os ensinamentos mais sublimes da Sagrada Escritura, revelar os segredos das virtudes mais elevadas e desmascarar os vícios mais ocultos. Tudo isso com profunda convicção e fácil vivacidade de sentimento, de modo que tanto os sábios como os simples, os justos como os pecadores aprendam e consigam uma orientação para a própria vida. Dever-se-á também ter grande cuidado para que haja correspondência entre a pregação e a vida do próprio pregador. O que de verdadeiro e de bom o pregador anuncia com a palavra adquire maior força de credibilidade por seu comportamento pessoal. "Quem desobedecer a um só destes mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar os outros, será considerado menor no Reino dos Céus" (Mt 5,19). Será necessário, ainda, um forte empenho para perseverar e aumentar continuamente o dom da santidade e da doutrina. Só assim será possível conseguir, avaliando-se a pregação, o fruto da renovação do espírito e da reforma de vida dos ouvintes. 319 - Testemunhos da Verdade A verdade está no mundo como a luz nas trevas (Jo 1,5). Vem como a luz, não como o raio. O raio passa através dos obstáculos; a luz fica fora e não entra se não se abre a janela. É preciso despertar do sono da negligência, livrar-se da cegueira da ignorância e desposar a verdade com a aliança da fé. Quem permanece privado da luz pode cair em todos os erros, ao passo que a verdade torna o homem maduro, estável e nãovolúvel. E necessário que a verdade seja anunciada e jamais calada, sem medo de nada. Com essa finalidade, a Providência suscita na Igreja ministros renovados e revigorados por obra do Espírito Santo, que se apresentam com o caráter da determinação e da constância. É preciso falar de forma clara e patente, não de um modo que possa agradar aos bons e, ao mesmo tempo, não desagradar aos maus. "Se ainda quisesse agradar aos homens - exclama São Paulo - não seria servo de Cristo" (Gl 1,10). É com ministros como esses que o Espírito Santo realiza constantemente a reforma da Igreja. Cheios de gratidão a Deus que os iluminou, eles estão prontíssimos para servi-lo em grandes empreendimentos, desejosos de pregar, não visando ao dinheiro, mas às almas; não aos ouvidos, mas ao coração; não para serem louvados, mas para serem seguidos; não para atrair os ouvintes para si, mas para conduzi-los a Cristo. Esses realmente desposaram a verdade com a aliança da fé e dela não se afastam, nem mesmo por medo da morte. 320 - Não Comercializar a Palavra de Deus "Realmente não somos, como tantos outros, que mercadejam a Palavra de Deus. Nós falamos com sinceridade, da parte de Deus e na presença de Deus, em Cristo (2Cor 2,17). Há efetivamente a tentação de procurar, no ministério da pregação, a própria vanglória. Também Cristo foi tentado! Mas Cristo nos ensinou a combater a tentação: "cuidado! Não pratiqueis vossa justiça na frente dos outros, só para serdes notados. De outra forma, não recebereis recompensa do vosso Pai que está nos céus" (Mt 6,1). Aqueles que têm o dever de ajudar o próximo devem precaver-se contra tal tentação com particular esmero, porque quanto mais altos e espirituais são os ministérios, tanto mais perigosa e grave é a queda. Ai daqueles que tiverem o encargo de falar bem de Deus e fizerem convergir para a própria vanglória o que receberam para promover a glória de Deus. Ao aspirar grandiosidades, não sabem se acomodar às coisas humildes (Rm 12,16). Lembrem-se do que Deus diz pela boca do Profeta: (Profeta Oséias, 2,10): "eu lhes dava trigo, o vinho e o azeite e lhes multiplicava a prata e o ouro, com que fizeram o ídolo". O remédio contra essa tentação encontra-se no manter segredo a respeito de todas as boas obras, como é sugerido por Cristo: "quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai que está no escondido. E o teu Pai, que vê no escondido, te dará a recompensa" (Mt 6,6). "Quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, para que os outros não vejam que estás jejuando" (Mt 6,17). Procuremos retificar as intenções. Mostrar-nos-emos verdadeiros filhos de Deus se tivermos os olhos de nossa mente constantemente fixos nele. 321 - O Bom Pregador Forma Outros Mestres da Fé O pregador perfeito é humilde no seguir o caminho dos Santos, erudito na ciência das Escrituras e dócil na oração, à luz de Deus. Nada deseja, nada espera e nada teme. O resultado da atividade do bom pregador é a seguinte: cultivados por sua pregação e instruídos por sua doutrina, surgem e crescem, como cedros em viveiro, autênticos heróis na Igreja, irrigada por ele com a palavra e o exemplo. Os discípulos mais fiéis transformam-se, de imediato, verdadeiros mestres. O pregador é semelhante ao arquiteto: elabora uma planta e, depois, com centenas de braços, edifica uma casa. O arquiteto, sem usar as mãos, faz mais que cada operário, e, por outro lado, os ouvintes podem tornar-se verdadeiros mestres na perfeição da vida ativa e contemplativa. Entretanto, algumas vezes, acontecerá que, por algum defeito involuntário, a pregação se torne um insucesso, a tal ponto que os maus aproveitem para perverter o sentido das palavras e blasfemar contra Deus. Todavia, nem por isso o bom pregador se abate. Desagradam-lhe não as injúrias recebidas, mas as ofensas contra Deus. Neste caso, volta a refletir serenamente a respeito do que aconteceu e, com humildade, sem presunção, reza ao Senhor das luzes. E o Senhor lhe manifestará planos sempre admiráveis, embora ocultos, da divina Providência, que sabe lidar com o mal, de acordo com seus desígnios. 322 - A Pregação dos Missionários Apostólicos Os Missionários Apostólicos exerçam o ministério da Palavra de Deus, de todas as suas formas: pregando ou instruindo o povo com catequese pública e particular; mantendo piedosos colóquios e santas conversações; corrigindo fraternalmente os vícios, ora exortando à prática das virtudes e à freqüência aos Sacramentos, ora orientando e estimulando à aquisição da perfeição; pregando os Exercícios Espirituais; promovendo as pias irmandades ou associações; devotando-se à assistência espiritual dos enfermos e especialmente dos moribundos. Ao pregar as Missões ao povo, atenham-se à orientação do Ordinário do lugar, observando sempre as disposições acerca do lugar e tempo do exercício ministerial. É função dos confrades não só ensinar as verdades fundamentais ou úteis, para conseguir a vida eterna, por meio de pregações, ministérios, aulas, mas também apresentar as primeiras noções da fé e da moral, especialmente às crianças e pessoas simples, nos oratórios e na catequese, em comum e em particular. Isso também é sumamente útil à Igreja. Por isso, empenhem-se, nesses pontos, sem reservas. A formação cristã dos jovens seja promovida com todas os meios: mediante oratórios, catequese e instruções particulares. Onde for possível, convém que os nossos procurem instruir os jovens, também nas ciências. Ao serem aceitos para a instrução nas matérias escolares, os jovens sejam formados sobretudo na pureza dos costumes. Tem que haver, sobretudo, muito empenho para que sejam bem preparados na Doutrina Cristã. Ministre-se-lhes aula uma vez por semana. Haja também, semanalmente, uma piedosa exortação que os leve a progredir na virtude. Durante as aulas, quando surgir uma ocasião propícia, os professores procurem motivar seus alunos ao respeito e amor a Deus e às virtudes. 323 - Padre Gaspar e a Catequese aos Adultos Uma das atividades a que Padre Gaspar se aplicou com o maior empenho para o bem dos fiéis foi a catequese, ou Doutrina Cristã, especialmente com a forma denominada Quarta Classe. Tratava-se de uma instrução ministrada nas diversas paróquias da cidade, no domingo à tarde, durante o verão. Pelo forte calor da estação e por esta parte do dia induzir à desatenção, exigiam-se técnica e capacidade especiais e também boa dose de sacrifício por parte do catequista. Este era o ministério mais prazeroso para Padre Gaspar. Se por causa de suas enfermidades e de outros compromissos pôde dedicar-se a ele pessoalmente somente algumas vezes, todavia desejou sempre que os seus fossem sempre perseverantes nesse ministério. Em certas ocasiões, havia até sete sacerdotes dos Estigmas espalhados pelas várias igrejas da cidade, instruindo a Quarta Classe. Padre Gaspar insistiu para que, neste tipo de catequese, todos os seus filhos se preparassem com muito esmero e, na exposição do tema, fossem bem claros, populares e agradáveis, a fim de obter bons frutos. Parece que Deus quis mostrar-lhe a satisfação que experimentava pelo exercício desse ministério, dispondo que sua breve agonia e morte acontecesse exatamente num domingo, na mesma hora em que quase todos os seus sacerdotes tiveram que sair para a catequese da Quarta Classe. Padre Gaspar subia para o Paraíso enquanto os seus partiam para anunciar o Reino de Deus. INICIATIVAS APOSTÓLICAS 324 - Como se Preparar para as Obras de Deus O modo da manifestação do chamado de Deus acontece, normalmente mediante uma enorme infusão de caridade e amor: "permanecei na cidade até que sejais revestidos da força do alto" (Lc 24,49). Essa caridade, que vem do céu, distingue-se muito bem do falso e imprudente zelo que vem da terra. O aumento e crescimento da caridade são o sinal decisivo e definitivo do momento exato em que se devem iniciar os empreendimentos. De fato, já há longo tempo, estes eram concebidos sob luzes secretas e inspirações ocultas do Espírito Santo. Além disso, eram alimentados pelo ardor da oração e amadurecidos por meio de muitas meditações. A linguagem do Senhor é a paz. Por meio dela, Ele nos responde e nos revela o que lhe agrada: "ouvirei o que diz o Senhor Deus: Ele anuncia paz para seu povo, para seus fiéis" (Sl 85,9). Parece, então, que tudo convida e solicita o apressar da preparação do que o Senhor inspira para sua maior glória. A nós, certamente, cabe esperar e jamais fazer que nos aguardem. Mas, eu creio que não se deverá esperar um minuto a mais, quando estivermos prontos, pois o Senhor está mais próximo do que pensamos e tão perto, como que à porta, esperando que nos apresentemos, exatamente porque Ele já está à porta (Mt 24,33). As inspirações de Deus devem ser recebidas com grande sentimento de caridade e com pureza de intenções, para serem guardadas com muita diligência. É por isso que devemos anotar até as mínimas coisas, sem, é claro, excetuar as grandes (porque nas coisas de Deus tudo é grande), à medida que o Senhor vai revelando os aspectos de seu desígnio. 325 - Coragem e Confiança em Deus O Senhor, que elaborou a planta do edifício inteiro, vai apresentar também o desenho de cada parte, em proporção à grandeza e magnificência de toda a construção. Se agora ainda não o vemos bem delineado aos olhos de nossa mente, fiquemos certos de que o veremos muito claramente quando lhe aprouver. Este, sim, será o melhor momento. Ele vai nos iluminar para completar em nós, conosco e por nosso intermédio o que começou: "aquele que começou em vós tão boa obra há de levá-la a bom termo" (Fl 1,6). É necessário, portanto, um coração muito bem preparado, pois o Senhor quer elaborar desenhos não sobre papel ou tela, mas sobre o espírito. Se tal espírito não se mostrar espaçoso e amplo, não vai receber o plano de um edifício, com altura e nobreza enormes, pensado até nos mínimos detalhes. Corre o risco de receber apenas o que pode conter em si, algo muito reduzido. À medida, portanto, que nosso coração se abrir à caridade de Cristo Jesus, dilatar-se-á mais e desenvolver-se-á o projeto magnífico de sua glória. Louvado seja Deus por tudo o que está para realizar. Felizes os que confiaram neste imenso e amantíssimo Senhor! Nada mais se requer. Ao inspirar o desejo, "dá a força e a energia" (Sl 67,6). Que belo momento é este, no qual o desejo está a um passo da realização. Deus faz tudo o que deseja e nos impele a fazê-lo também. Nada pode resistir à vontade divina, mesmo antes de nos impelir, pobres mortais, a executá-la. Não há falha, portanto, onde há confiança. Talento, sabedoria, virtude, tudo encontraremos nele: "feliz o homem que nele se abriga" (Sl 34,9). 326 - Quando se Trata de Decidir Todo bom empreendimento exige oração assídua, esmero, ilimitada confiança em Deus, muita cautela diante dos seres humanos, extrema humildade e virtudes quase heróicas. Se fizermos o possível de nossa parte, Deus fará tudo, e bem, de sua parte. Deus carrega no colo, como mãe, os humildes e mansos de coração, e os tira da lama. Convém ainda que se façam orações comunitárias. Quem possuir maior fervor e devoção, ajudará os que têm menos. Quem aprendeu a colocar tudo sob os próprios pés e somente Deus diante dos olhos, fará andar o carro da glória de Deus e arrastará consigo as pessoas que, presas por demais às realidades da vida presente, não estejam sendo, talvez, tão ágeis nessa corrida. Quando chegar o momento de tomar decisões, procuremos optar, abertamente, por aquela que pareça ser a mais prudente e conveniente no Senhor, aguardando as luzes de Deus, que jamais faltam no tempo oportuno. Não percamos tempo. Façamos, com a ajuda de Deus, tudo o que pudermos. O Senhor Deus fará a sua parte e a fará à sua maneira. 327 - Não Ter Preocupação com o Amanhã Por nenhum motivo podemos nos deixar levar pelo temor ou pela desconfiança. Escutemos com que força nos pede o Evangelho: "buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e sua justiça e todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo" (Mt 6,33). "Não vos preocupeis com o dia de amanhã" (Mt 6,34). Aquele que deixar, por amor de Cristo, casa, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos, campos receberá o cêntuplo tanto na terra como na vida eterna (Mt 19,29). Quanto aos nossos defeitos, já eram conhecidos por Deus, mesmo antes que nos fizesse seu convite. E, se eles agora estão se tornando mais claros a nossos olhos, isto significa que está na hora de começarmos a conhecer melhor a bondade e a onipotência de Deus, pois é dever e tarefa nossa fazermos crescer nossa confiança, juntamente com a humildade. De fato, ninguém que nele confiou deixou de ser atendido. Quem se apóia na Palavra de Deus, por mais que esteja fraco e enfermo, tornar-se-á forte e revigorado. Se o Senhor tornar claro o objeto de sua glória, também deixará claros, paulatinamente, o modo e o quando. O fato de outros grupos de pessoas provenientes de outras partes e sob a orientação de outrem unirem-se em torno da gloriosa bandeira de Cristo deve ser, para nós, motivo de alegria, pois quanto mais numerosos formos, tanto melhor será para a glória divina, para todos e para cada um de nós. A caridade, mediante a recíproca comunicação e partilha, cresce e se multiplica. 328 - Um Passo por Vez Deparamo-nos, muitas vezes, perscrutando quid faciendum (o que deve ser feito). Isso, porém, não basta. Será preciso também conhecer quomodo faciendum (como deve ser feito). E nem mesmo isto será suficiente, pois convém ainda esclarecer o quando faciendum (quando deve ser feito). Deus, no entanto, que deu o primeiro passo dará também o segundo e o terceiro, comunicando as luzes que iluminam todo ser humano que vem a este mundo (Jo 1,9). Onde já podemos ver com clareza, vamos em frente. Se, por acaso, algum detalhe ainda não esteja claro, aguardemos, com confiança, as luzes do alto. Procuremos projetar não só as atividades, mas também a seqüência delas mesmas e o modo de desenvolvê-las: tudo, obviamente, diante do Senhor, antes de combinar com as demais pessoas. Não tenhamos medo algum, pois o Senhor disse: "eu te farei sábio, eu te indicarei o caminho a seguir; com os olhos sobre ti, te darei conselho" (Sl 32,8). Muitos aceleram as realizações para apressar e antecipar o sucesso. Outros caem no seguinte equívoco: deixam de lado algum de seus deveres para não atrasar suas obras e seus empreendimentos. E é exatamente por isso que acabam por atrasá-los mais ainda. Nunca se deve deixar de lado qualquer ponto, nem mesmo no caminho da perfeição, sob pretexto de não querer prejudicar os empreendimentos!. 329 - Se Deus Está Conosco, Quem Estará contra Nós? O Senhor é o Deus da paz, da concórdia e da caridade, não existindo coisa alguma que possa resistir à sua vontade. Urge, portanto, que todos a cumpram, particularmente aqueles que parecem querer contrariála, para fazer a própria vontade: "tudo está a teu serviço" (Sl 119,91). "Nosso Deus está nos céus, realiza tudo quanto quer" (Sl 115,3). Já que o Senhor está acima de todas as nossas divergências, conclui-se que devemos manter fitos nele os olhos de nossa confiança, sem os desviar em momento algum, pois "sua bondade prevalece para os que o temem" (Sl 103,11). O que poderemos realizar como reconhecimento por tantas benevolências? Exatamente aquilo que uma criança faz à sua mãe quando esta a mantém em seus braços e não a coloca no chão. Quando a mãe mostra ao filhinho uma fruta em sua mão, a criança fica toda agitada e alegre ao sentir a atração da fruta, imaginando sua doçura. Sua alegria se transforma em tristeza e em pranto quando não pode alcançá-la, por mais que levante as mãos, justamente porque a mãe segura a fruta, elevada, além de suas tentativas de tocá-la. O que faz, então, para obtê-la? Agarra-se à mãe e pede a fruta com insistência. Assim, consegue-a. Portanto, devemos manter continuamente fito o olhar em Deus e, uma vez realizado seu desejo, tudo o mais sairá bem. "Tenho os olhos fixos no Senhor, pois Ele livra do laço o meu pé" (Sl 25,15). "Feliz quem na lei do Senhor encontra alegria; em tudo quanto faz sempre tem êxito" (Sl 1,1-3). Afinal de contas, todas as iniciativas apostólicas autênticas são frutos da oração. 330 - Deus Sabe Tirar o Bem do Mal Quando uma obra agrada a Deus, certamente vai ser muito contestada, desde seu início até o final. Se, porventura, a Deus agrada algo diferente do que a nós poderia parecer agradá-lo, é melhor que prevaleça a vontade divina - sempre muito sábia, justa e perfeita - ao invés da nossa, que é muito limitada, desordenada e mesquinha. De fato, se uma obra é de Deus, ninguém a poderá destruir: "verei a Deus, meus olhos o contemplarão" (Jó 19,27). No início, sempre haverá dificuldades, mas ninguém poderá impedir uma obra que, com clareza, o Senhor tem em mente. Deus sabe como dirigir para o bem até as coisas mal feitas. Entretanto, cabe-nos purificar a mente, renovar o vigor do coração e imaginar que o Senhor diz também a nós o que disse aos dois irmãos, filhos de Zebedeu: "podeis beber o cálice que eu vou beber?" (Mt 20,22). Ao que responderam prontamente: "podemos" (Mt 20,22). E Jesus acrescentou: "do meu cálice bebereis (como realmente o beberam, sustentados pela graça divina); mas o sentar-se à minha direita e à minha esquerda não depende de mim. É para aqueles a quem meu Pai o preparou" (Mt 20,23). Bendito seja, por todo o sempre, o Pai celeste. Que nos dê a graça de cumprir sua vontade não em parte, mas inteiramente, pois nisto consiste a nossa santificação, o crescimento de nossos irmãos e a glória de Deus. 331 - O Início do Oratório Mariano Como em Belém Quando Padre Gaspar decidiu iniciar esta obra, levou os primeiros meninos a um local, no andar térreo da casa paroquial, onde estava a biblioteca do pároco, pois não havia ainda outro cômodo mais adequado na paróquia. Todavia, devendo retirar-se dali pouco depois, por causa da reforma da casa, e não havendo um lugar para eles na hospedaria (Lc 2,7), foi instalar-se em um galpão. Arrumado o local do melhor modo possível, ali reuniu seus jovens, iniciando e projetando um `Oratório Mariano', que foi modelo e inspiração para outros oratórios, com enorme proveito tanto para a juventude como para todas as paróquias, que fundaram e desenvolveram. Não se pode imaginar o quanto este início humilde e o aspecto pobre do local alegraram o coração de Padre Gaspar e elevaram a perspectiva de muita esperança! Como vivia sempre e somente de fé e em todas as suas obras apenas se espelhava no exemplo do divino Mestre, exultava em seu coração por poder iniciar a pequena obra, que lhe lembrava a semelhança com o nascimento de Jesus no estábulo. O mesmo Jesus que traria luz e salvação para o mundo. Até nisto soube reconhecer o papel da divina Providência. Foi por isso que incentivava seus jovens, animava-os à humildade, ao despojamento de si, ao amor à pobreza e à mortificação; em síntese, às mesmas virtudes que Jesus nos ensinou tão eloqüentemente na humilde manjedoura de Belém. Com efeito, Padre Gaspar foi sempre muito firme e constante, jamais se deixando abater pelas dificuldades, mesmo por aquelas aparentemente insuperáveis. Estava firmemente convicto de que a obra agradava, de maneira total, a Deus, pois dele procedia. PERSEVERANÇA 332 - O Caminho da Santidade: da fadiga à felicidade A astúcia da tentação diabólica consiste em agigantar os obstáculos e os contratempos que aparecem no início do caminho espiritual, como se fossem perdurar por toda a vida, e talvez até aumentar, tornando, cada dia, mais pesada a renúncia aos prazeres mundanos. Mas, isso, na verdade, é falso, pois as dificuldades iniciais são passageiras. Com a dedicação, vai tornando-se relativamente fácil o que antes parecia complicado, passando a ser agradável e, depois, satisfatório. De fato, assim está escrito na Sagrada Escritura: "quem é paciente resistirá até o momento oportuno; depois, a alegria lhe será restituída" (Eclo 1,29). E ainda: "eu te mostrei as vias da Sabedoria e te conduzi pelos caminhos da eqüidade" (Pr 4,11). Esse é o início do caminho estreito das virtudes, que parece difícil. Mas, "se entrares por ele, teus passos não se deterão; se correres, não encontrarás obstáculo" (Pr 4, 12). Deve-se notar que o Espírito Santo não diz que essa via se tornará fácil e plana só ao final, mas quando se entra nela. Desde o princípio, o Senhor derrama inúmeras graças e dá sinais de ternura para as pessoas que resolutamente se dedicam a seu serviço e lutam contra o mal. E, se continuarem perseverantes e com coragem, voltará a favorecê-las, permitindo-as "morar em ambiente feliz, em residência segura" (Is 32,18), agindo docemente para que seu espírito repouse em Deus. Por isso, diz ainda o Eclesiástico: "trabalharás um pouco no seu cultivo - isto é, na aquisição da sabedoria, - mas logo comerás dos seus produtos" (Eclo 6,20). Se, portanto, iniciarmos a caminhada com coragem e não fizermos caso das primeiras e passageiras dificuldades, veremos que nosso coração, de imediato, retornará, cheio de consolações e de alegria, ao louvor do Senhor, que nos indicou o caminho para chegar a esta paz imensa. 333 - Perseverar no Caminho da Conversão O maligno gostaria de nos incutir pavor não só quando se trata de perseverar na penitência, mas, sobretudo, quando estamos decididos a nos converter. Aqui também a dificuldade está no início ou em vencer, pela primeira vez, o inimigo, que investe com todas as forças. Depois, aos poucos, ele vai perdendo as energias; primeiramente, porque foi vencido na vez inicial; segundo, porque foi superado no momento em que se considerava mais forte. Armando-nos corajosamente e com ousadia, enfrentemos, com entusiasmo e vigor, a corrida com sabor de vitória. Vamos em frente! Jamais temamos nossos inimigos nem a nossa fraqueza. Deus combaterá a nosso lado, pois vem sempre em nosso auxílio, seduzido pelo amor que nos dedica, atraído por causa tão honrosa e sublime, que é a busca das virtudes, da salvação e de sua glória, e, ao mesmo tempo, impelido pela aversão profunda que nutre pelo pecado, lutando conosco para destrui-lo. Além disso, Ele vem pela força de sua palavra, pela qual prometeu defender, com a ajuda de sua graça, toda pessoa que nele deposita confiança: "a graça envolve quem confia no Senhor" (Sl 32,10). Ora, se Deus combate conosco e a nosso favor, temer o quê? Para ele, é muito fácil vencer inimigos, sejam poucos ou inúmeros, astutos ou inexperientes, fortes ou fracos. Prossigamos, então, corajosamente. Lutemos com vigor, certos da vitória. 334 - O Caminho Espiritual Recomeça a Cada Dia "Se te apresentas para servir o Senhor prepara tua alma para a tentação" (Eclo 2,1), adverte o Espírito Santo na Sagrada Escritura. Ao perceber que uma pessoa se põe na estrada certa e se prepara para fazer o bem com propósitos concretos, o maligno coloca em ação todos os seus artifícios para fazê-la voltar ao estado anterior, dificultar-lhe a caminhada. Descerra, diante de seus olhos, mil barreiras, mais o aborrecimento de ter que se defrontar com uma longa e penosa viagem. Tudo isso para acovardá-la e desanimá-la. "Como poderás enfrentar tuas paixões por tantos anos - parece dizer-lhe, - sem te permitir um prazer sequer e sempre tendo que mortificar teus sentidos?". Assim, insinua uma das tentações mais fortes e difíceis de ser reconhecida e superada. Examinemos atentamente a sutil astúcia de seus engodos. Ele amplia sem medida o curso do tempo que está à nossa frente. Na verdade, é um futuro muito incerto o nosso, a tal ponto que não podemos contar nem mesmo com um dia a mais de vida. E o Evangelho adverte para não nos preocuparmos com o dia de amanhã (Mt 6,34). Eis o segredo para frustrar as maquinações do demônio: viver cada dia como se não restasse outro momento de vida. Quem, de fato, não é capaz de agüentar, com facilidade, a fadiga de um só dia? Ainda mais quando já se conhece o prêmio que Deus preparou para quem combate com denodo seus inimigos, além da salvação prometida para quem persevera até o fim (Mt 10,22). Se nos for concedido viver também amanhã, vamos reformular nossos propósitos e trabalhar como se não nos fosse dada outra oportunidade para conseguir o céu. Que seria de nós se, depois de ter feito a grande parte do caminho, deixássemos de correr porque parece muito distante a meta, que, ao contrário, pode estar a poucos passos? Diz o Espírito Santo: "ai de vós que perdestes a perseverança e abandonastes os caminhos retos, extraviando-vos por caminhos depravados" (Eclo 2,16-14). 335 - Deus Está Conosco: de quem ter medo? Deus não se satisfaz em nos indicar o caminho, mas se oferece para nos conduzir por ele: "eu te conduzi pelos caminhos da eqüidade" (Pr 4,11). Vamos refletir bem sobre este ponto, porque assim estaremos à altura de superar os temores que ainda podem perturbar nossos corações e que o inimigo não cessa de nos sugerir, para tornar inúteis nossos bons propósitos. Mesmo que sejam longas as estradas a percorrer, enorme a inevitável fadiga para caminhar sem parar, graves os perigos que se encontram, fortes os inimigos que impedem nossos passos e contínuas as insídias que nos são preparadas, se o Senhor nos acompanha, "não temeremos mal algum" (Sl 23,4). "Ele está à minha direita, não vacilo" (Sl 16,8). Por que, então, ter medo de cair? Se o Senhor está a nosso lado e toma as armas para combater contra nossos adversários (Dt 7,31, seguinte), por que nos amedrontar? Se Ele, enfim, sempre está nos vigiando, sustentando cada passo dado e livrando nossos pés de laços armados (Sl 91, 3,12), por que pensar que seremos vencidos? Diz ainda o salmista: "teu Espírito bom nos guie por uma estrada plana" (Sl 142,10). Pode existir maior segurança? Daí se conclui que uma pessoa, quando é guiada pelo Espírito de Deus, caminha com segurança. E este é o Espírito que Deus prometeu a quem o pedir. "Se vós que sois maus sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do céu dará o Espírito Santo aos que lhe pedirem" (Lc 11,13). Que mais falta ainda? Nada, a não ser invocar a presença do Espírito, conforme a promessa da palavra infalível de Deus. Rezemos, portanto, a fim de que Aquele que iniciou a boa obra de nossa santificação (Fl 1,6), concedendo-nos graças para nossa conversão, leve-a a termo, socorrendo-nos até o fim, com auxílios eficazes (Fl 1,6). 336 - Vence Quem é Mais Corajoso Coragem! Se o tempo é breve, mais ainda é a fadiga. Já que Deus mesmo vem em nosso auxílio, controlemos nossos desejos, reafirmemos os bons propósitos e corramos sem parar, até conseguir abraçar Aquele a quem devem ser dirigidos todos os pensamentos de nossa mente e os desejos de nosso coração. Se formos firmemente decididos desde o princípio, findará bem depressa qualquer tipo de contratempo e dificuldade, porque não há nada que espante mais nossos inimigos do que a coragem e a ousadia. Se na primeira tentação não conseguirmos desbaratar os adversários, não desanimemos. Se, por acaso, durante a luta, acontecer, por nossa desatenção, que soframos algum ferimento, não percamos a coragem. Há sempre um remédio eficaz que nos curará imediatamente, proporcionando maior coragem ainda. Assim, confiantes sempre em Deus, prossigamos nossa caminhada. Quando menos esperarmos, veremos superada toda dificuldade, vencidos os inimigos e assegurada a coroa prometida a quem combate com perseverança, até o fim (2Tm 2,5). 337 - Jamais Parar É importante que se considere o céu como o final de uma alameda cercada de espinhos, cheia de galhos e garranchos. Convém mirar a meta e não os obstáculos, prosseguindo a caminhada, arredando ora esse empecilho, ora aquele obstáculo, e nunca parar até chegar ao fim. Fixemos, com o olhar de nossa mente, nosso fim, que é Deus, e jamais o percamos de vista, procurando trabalhar incansavelmente, rezar sem interrupção, lutar intrepidamente, sem desanimar ou sem ceder enquanto não o possuirmos. Se nós colocamos a mão no arado, não voltemos atrás, porque "quem põe a mão no arado e olha para trás não está apto para o Reino de Deus", diz o Evangelho (Lc 9,62). Por isso, esquecidas completamente as fadigas passadas, levemos sempre em frente nossos desejos, rumo a realizações mais nobres. Quando a estrada se apresenta muito longa diante do desejo a ser realizado, este pode começar a esfriar-se, mesmo que se coloque imediatamente a caminho. Aproveitemos o tempo presente (Ef 5,16). Não voltará jamais. É necessário, então, empregá-lo diligentemente. OS NOVÍSSIMOS 338 - Trata-se da Alma, Trata-se da Eternidade Preciosa é a morte dos justos! Morre Estêvão, o primeiro dos mártires, cheio do Espírito Santo. Contempla abertos os céus e Jesus sentado à direita de Deus. Morre com a mais serena alegria de espírito, a mais tranqüila perseverança no coração e o mel mais doce nos lábios. Morre, ou melhor, repousa, no seio do Senhor: "adormeceu" (At 7,60). "É preciosa aos olhos do Senhor a morte dos seus fiéis" (Sl 116,15). Quem é que não deseja morrer como os justos? "Possa eu ter a morte dos justos" (Nm 23,10), desejou o próprio Balaão, que depois morreu como ímpio. Por incrível que pareça, até aqueles que preferem viver no pecado anseiam morrer como justos. Na realidade é um desejo vão. Não morre como justo, senão quem vive como justo, do mesmo modo que não morre como santo, senão quem vive como santo. O Evangelho nos convida a refletir sobre o fim universal do mundo (Lc 21,5-36), reflexão esta que deve perpassar todos os nossos sentimentos e nos fazer entrar seriamente em nós mesmos. Vamos agora refletir um pouco mais profundamente. Não é, talvez, a morte, para cada indivíduo, o que deverá ser o fim de tudo para todos? De fato, o dia em que eu morrer será para mim o fim do mundo. Será que vou conseguir escapar desse dia e, assim, evitar a morte? Ou que esse dia não deva ser temido? Portanto, entreguemo-nos, com afinco, à oração assídua, à vigilância de nós mesmos, ao esmero em adquirir as virtudes cristãs, à prática generosa da penitência e da mortificação. Trata-se, numa palavra, de mudarmos radicalmente os costumes e buscarmos uma vida nova para revestirmo-nos com a veste nupcial, a única que nos coloca no rol dos eleitos. Trata-se da alma, trata-se da eternidade!. 339 - Morrer Bem Para morrer bem, é preciso fugir do ócio, do pecado e da ocasião de pecado. Os que praticaram o bem ressurgirão para a vida; ao passo que os que tiverem feito o mal, para a condenação (Jo 5,29). Não é suficiente converter-se com a inteligência. Não é fácil, mas é fundamental fazê-lo com a vontade. É preciso, portanto, muito empenho para concretizar a conversão séria da vida toda. Se ainda vivemos sob o jugo do pecado, temos que detestá-lo, confessá-lo aos pés do sacerdote, abominá-lo, abandonar as ocasiões e empregar todos os meios válidos para poder perseverar em nossa decisão. Meditemos. O passado já foi. O futuro ainda está por vir. Só o presente existe e está em minhas mãos. Vivamos o dia a dia, da manhã ao meio-dia, do meio-dia à noite realizando tudo com o maior empenho. Talvez não nos será dado outro tempo para glorificar a Deus. Quando uma pessoa em perigo de vida encontra-se com a alma bem preparada, não é desejável que o Senhor lhe prolongue a vida. A morte é uma ponte entre duas eternidades, o antes e o depois. É um passo. Quando uma pessoa tem certeza de que, assim, se sente bem, não é recomendável que lhe seja vedado o viver bem aquele momento. 340 - O Juízo "Temei a Deus, dai-lhe glória, porque chegou a hora do seu julgamento" (Ap 14,7). Do oriente ao ocidente, já fulgura uma luz deslumbrante e aparece no céu a cruz (Mt 24,30). Pecadores, eis o legislador, o juiz que pode condenar e absolver (Tg 4,8, seguintes). Eis que Ele já "vem com as nuvens e todo olho o verá, como também aqueles que o transpassaram" tantas vezes com seus pecados, "e todas as tribos da terra baterão no peito por causa dele" (Ap 1,7). Os anjos começam a separar os bons dos maus, os cabritos das ovelhas (Mt 25,31-33). Separação angustiante! O filho é separado do pai para sempre, a filha de sua mãe e o amigo do próprio amigo. Dois viviam juntos na mesma família e dois trabalhavam juntos na mesma oficina; um é acolhido entre os eleitos e o outro é abandonado em meio aos réprobos. Aqueles que não souberam vencer o respeito humano para mudar de vida nem superar a vergonha mínima de confessar seu pecado ao ministro de Deus sofrem agora uma inútil confusão, ao ver suas culpas mais ocultas manifestadas diante do mundo inteiro. Por sua parte, muitos eleitos poderão dizer: também nós fomos pecadores, mas, com o auxílio da graça, pudemos dominar tentações, hábitos e respeito humano, voltando-nos para Deus, de todo coração. Ó destino feliz dos justos, pois estarão para sempre com Deus! Ó destino miserável dos pecadores, porque serão condenados para sempre a padecer longe de Deus! Senhor misericordioso e infinitamente benigno, a fim de que não tenhamos que ouvir, naquele dia, o triste "afastai-vos de mim" (Mt 25,41), fazei que, agora, não sejamos surdos ao vosso doce "vinde!". 341 - À Luz do Juízo Não nos contentemos em ver o julgamento de Deus como próximo. Consideremo-lo, verdadeiramente, presente. Não nos limitemos a desenvolver em nós um estéril assombro ou uma superficial emoção. Pelo contrário, formulemos um sério propósito de melhorar sempre mais ou, se for o caso, de mudar de vida. Enquanto temos tempo, por que estamos demorando a nos lançar nos braços da misericórdia divina, antes que ela ceda lugar à justiça? Agora é o tempo em que nossa penitência será acolhida e nossa salvação resguardada. Negligenciar esta possibilidade tão importante é o mesmo que apressar sua falência. Protelar a decisão equivale a expor-se ao perigo máximo. Trata-se da alma, que, uma vez perdida, estará perdida para sempre. Trata-se de um estado de vida definitivo e imutável, de uma eternidade de glória ou de pena. Que estamos esperando para nos decidir? Jesus, Homem-Deus, juiz que nos ama com ternura qual pai amoroso, para não ver seus filhos eternamente condenados, alerta-nos e avisa-nos. De que modo? Ele verteu todo seu sangue para lavar nossos pecados; ofereceu seus merecimentos para que sejamos revestidos do direito de entrar em seu reino; tornou-nos participantes de suas alegrias para nos aliviar o peso de nossos sofrimentos. Por isso, continua convidando-nos: "vinde a mim, todos vós que estais cansados e carregados de fardos - oprimidos pelo peso de vossos pecados - e eu vos darei descanso" (Mt 11,28). 342 - Viver Como se o Inferno Não Existisse? Não se pode viver como se o inferno não existisse, e como se eu não pudesse merecê-lo. O inferno existe e é o conjunto dos mais cruéis tormentos; aqueles dos sentidos, expressos na imagem bíblica do fogo e suplícios do espírito. O intelecto será obscurecido e se fixará apenas na própria desgraça, em comparação com o bem perdido. A vontade permanecerá obstinada e alimentando ódio contra Deus. O coração será como um mar em meio à tempestade, invadido por rios de torturas através de todas as faculdades da mente. A memória se martirizará diante das lembranças de doçuras passadas, das oportunidades de salvação e do mal praticado. Terrível será, acima de tudo, o castigo infinito da condenação, pois comporta a perda do bem infinito, que é Deus. Muitíssimos cristãos, embora acreditem na existência do inferno e saibam que basta um só pecado mortal para serem levados para lá, continuam vivendo tranqüilamente no pecado. Quando se confessam, mantêm a boca fechada, por causa da vergonha, e nem mesmo se apavoram pelo fato de viverem mal. Entretanto, são pessoas inteligentes, capazes de resolver seus problemas, administrar, cuidar da família e prevenir possíveis perigos. Infelizmente, elas não sabem cuidar de suas almas, o que é uma verdadeira loucura. Ora, de onde provém tamanha tragédia entre os cristãos? Da ignorância. E de onde provém tamanha ignorância? Do não ouvir a Palavra de Deus. É ela que afugenta as trevas da ignorância e domina a maldade humana. A Palavra de Deus e o pecado jamais podem conviver. Os primeiros cristãos foram convertidos pela pregação. É evidente que não é a voz do homem que converte, mas a de Deus. "A Palavra de Deus é viva e eficaz" (Hb 4,12). 343 - Paraíso: um dia eterno Vamos refletir sobre a bem-aventurada felicidade que Deus nos preparou e sobre como nosso amoroso Senhor espera, com ansiedade, para nos entregar sua posse perpétua. Lá não haverá mais dor, gemidos, tristeza, pobreza e doenças. Tudo será paz, alegria, deleite, tranqüilidade e serenidade. Um dia perpétuo e uma vida sem fim. Uma doce conversação com os anjos, suave concórdia com todo o coro dos santos e alegre banquete com Cristo. A beatífica visão e o convívio com o nosso princípio e fim: Deus. Se São Paulo considerava suave qualquer tipo de tribulação que sofria em comparação com a glória imensa no céu (2Cor 4,17), como não será bem mais leve a luta contra o pecado, pensando na vida da graça? Os comerciantes que buscam suas riquezas do outro lado do mar sofrem, às vezes, naufrágios. Recomeçam, porém, animados, dando continuidade às perigosas viagens. Porque, então, também nós não temos coragem e confiança de recomeçar sempre o caminho em direção à Pátria, já que temos a certeza do êxito feliz? Alguns dos maiores santos, como Pedro, Paulo e Madalena, também cometeram graves pecados. Souberam, entretanto, direcionar para o cumprimento do bem o ardor que antes tinham usado para o mal. Ergamos os olhos e vejamos como o Paraíso é magnífico. Fixemos nosso olhar em Cristo, que derramou todo o seu sangue para nos alcançar a salvação e nos mostra, agora, a coroa que Ele mesmo colocará em nossa cabeça..

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