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Watson School of Biological Sciences (graduate school) - O Livro Contra Celso, da Coleção Patrística escrita por Orígenes para refutar o filósofo platônico-eclético Celso, o qual entre os anos 170-185 SÉTIMO LIVRO - Nos seis livros anteriores, santo irmão Ambrósio, combati da melhor forma as acusações de Celso contra os cristãos; enquanto foi possível, não descurei de fazer passar toda objeção pelo crivo de um exame rigoroso nem omiti dar-lhe a resposta que eu podia dar. Depois de pedir a Deus, pelo próprio Jesus Cristo de que Celso se faz acusador, que fizesse resplandecer em nossos corações, pois ele é a verdade, os argumentos que refutam a mentira, volto à carga neste sétimo livro com a oração dirigida a Deus pelo profeta: "Aniquila-os, Senhor, por tua verdade!" (Sl 53,7): quer dizer, destrói os discursos contrários à verdade; pois é a eles que a verdade de Deus destrói. Uma vez destruídos, libertados de toda distração, poderemos dizer: "E eu te oferecerei um sacrifício espontâneo" (Sl 53,8), apresentando ao Deus do universo um sacrifício racional e sem fumaça. Oráculos pagãos, profetas judeus - A intenção de Celso aqui é atacar a afirmação de que a história do Cristo Jesus foi predita pelos profetas da Judeia. O primeiro ponto a criticar é o princípio de seu raciocínio: aqueles que admitem outro deus além do deus dos judeus são absolutamente incapazes de responder às suas dificuldades, e nós, que temos conservado o mesmo Deus, procuramos refúgio para nossa defesa nas profecias sobre Cristo. A esse respeito, diz ele: Vejamos como encontrarão uma desculpa. Os que admitem outro deus não apresentarão nenhuma, mas os que conservam o mesmo Deus repetirão a mesma frase, evidentemente bem sutil: "Era necessário que assim fosse, e a prova é que outrora isto foi predito". A resposta a dar é que suas palavras a respeito de Jesus e dos cristãos um pouco antes desta passagem são de tal fraqueza que mesmo os que admitem outro deus, cometendo deste modo uma impiedade, responderiam sem nenhuma dificuldade às críticas de Celso. E se não fosse absurdo dar aos espíritos fracos pretextos para admitir más doutrinas, eu mesmo teria dado esta resposta para convencer de mentira a afirmação de que aqueles que admitem outro deus não têm defesa nenhuma contra as críticas de Celso. Mas é preciso se limitar a defender as profecias seguindo o que ficou dito acima. - Então diz Celso: Eles não dão nenhuma importância aos oráculos pronunciados pela Pítia, pelas sacerdotisas de Dodona, pelo deus de Claros, entre os brânquidas, no templo de Amon, e por mil outros adivinhos, sob a moção dos quais certamente toda a terra foi colonizada. Ao contrário, o que lhes parece maravilhoso e incontestável são as predições dos habitantes da Judeia, feitas à sua maneira, ditas realmente ou não, e conforme um uso ainda hoje em vigor entre os povos da Fenícia e da Palestina! A propósito dos oráculos enumerados, digamos que poderíamos tirar de Aristóteles e dos paripatéticos muitos argumentos que poderiam zerar sua estima pela Pítia e outros oráculos. Poderíamos, igualmente, citando as palavras de Epicuro e daqueles que abraçaram sua doutrina a esse respeito, mostrar que os próprios gregos rejeitam os oráculos recebidos e admirados em toda a Grécia. Mas, suponhamos que as respostas da Pítia e dos outros oráculos não sejam invenção de pessoas que simulam a inspiração divina. E vejamos se, mesmo neste caso, examinado numa análise sincera dos fatos, não podemos mostrar que, embora aceitemos estes oráculos, não somos obrigados a reconhecer neles a presença de certos deuses. São ao contrário maus demônios e espíritos hostis ao gênero humano que impedem a alma de se elevar, caminhar pelo caminho da virtude e restabelecer a piedade verdadeira para com Deus. Assim, dizem que a Pítia, profetisa de Apolo, cuja fama parece eclipsar todos os oráculos, sentada junto à gruta de Castália, recebe dele um espírito pelos seus órgãos femininos; e quando está plena dele, recita o que as pessoas consideram como veneráveis oráculos divinos. Não vê ele aí a prova do caráter impuro e viciado desse espírito? Ele se introduz na alma da adivinha não através de poros dispersos e imperceptíveis, bem mais puros do que os órgãos femininos, mas através daquilo que não é permitido a um homem casto olhar e muito menos tocar. E isso não apenas uma ou duas vezes, o que poderia parecer admissível, mas tantas vezes quantas se acredita que ela profetize sob a influência de Apolo. E bem mais, esta passagem ao êxtase e ao frenesi da pretensa profetisa, indo ao extremo da perda de toda consciência de si mesma, não é obra do Espírito divino. A pessoa de que o Espírito se apodera deveria na verdade aprender de seus oráculos o que contribui para uma vida moderada e conforme com a natureza, deveria ser a primeira a obter ajuda dela para a sua utilidade ou vantagem e ficar mais perspicaz, sobretudo no momento em que a divindade se une a ela. - Por isso, reunindo os textos das Escrituras sagradas, demonstramos que os profetas judeus, iluminados pelo Espírito divino, na medida em que este lhes era útil quando profetizavam, pareciam os primeiros a gozarem em si a vinda do Espírito do alto. O contato, por assim dizer, daquilo que chamamos Espírito Santo com sua alma tornava sua inteligência mais perspicaz, sua alma mais límpida; e até seu corpo, morto para o desejo da carne, não oferecia mais obstáculo à vida virtuosa. Pois, de acordo com nossa fé, o Espírito divino faz morrer as práticas do corpo e as inimizades que têm sua origem no desejo da carne, inimigo de Deus. Se a Pítia está fora de si e sem consciência quando faz oráculos, que natureza devemos atribuir ao espírito que espalha a noite sobre sua inteligência e seus pensamentos? Não é este o gênero de demônios que muitos cristãos expulsam dos doentes com o auxílio não de um processo mágico, encantatório ou médico, mas unicamente pela oração, por meio de simples esconjuros e palavras ao alcance do homem mais simples? Pois em geral são pessoas simples que recorrem a esses expedientes. A graça contida na palavra de Cristo provou a fraqueza e a impotência dos demônios: para que sejam vencidos e se retirem sem resistência da alma e do corpo do homem, não é preciso um sábio capaz de fornecer demonstrações racionais da fé. - E muito mais, a darmos fé não somente aos cristãos e aos judeus mas também a muitos outros gregos e bárbaros, a alma humana vive e subsiste depois de sua separação do corpo; e é certo pela razão que a alma pura e não oprimida sob o peso de chumbo do vício se eleva até as regiões dos corpos puros e etéreos, abandonando neste mundo os corpos espessos e suas imundícies; ao contrário, a alma perversa, atraída para a terra por seus pecados e incapazes de tomar alento, vagueia aqui ao léu, umas em volta "dos túmulos" onde se veem "os fantasmas" das almas como sombras, outras simplesmente em volta da terra. Que natureza devemos atribuir a espíritos acorrentados ao longo dos séculos, por assim dizer, a edifícios e a lugares, quer por encantamentos, quer por causa de sua perversidade? Evidentemente, a razão exige que se julguem perversos estes espíritos que usam o poder de adivinhação, em si mesmo indiferente, para enganar os homens e desviá-los da piedade pura para com Deus. Outra prova dessa perversidade é que eles alimentam seus corpos com a fumaça dos sacrifícios, com as exalações do sangue e da carne dos holocaustos; se comprazem com tais sacrifícios saciando-se, por assim dizer, no seu amor à vida, à maneira dos homens corrompidos, sem nenhum atrativo pela vida pura desligada do corpo, que desejosos dos prazeres corporais, se apegam à vida do corpo terrestre. Se Apolo de Delfos fosse o deus em quem os gregos acreditam, a quem deveria ele escolher como profeta senão a um sábio ou, na falta deste, um homem que avança no caminho da sabedoria? Por que, para profetizar, não escolheria um homem e sim uma mulher? E admitindo que ele preferia o sexo feminino, porque talvez não tivesse nem poder nem prazer a não ser no seio das mulheres, como não devia ele escolher uma virgem e não outra mulher como intérprete de sua vontade? - Não! Apolo Pítio, admirado pela Grécia, não atribuiu a nenhum sábio nem mesmo a qualquer homem a honra daquilo que ocorre aos olhos dos gregos pela possessão divina. E entre as mulheres, ele não escolheu uma virgem ou mulher formada na sabedoria pela filosofia, mas uma mulher do povo. Talvez os melhores dos humanos fossem superiores à influência de sua inspiração. Além disso, se de fato ele fosse deus, deveria usar a presciência para dar início, se posso assim dizer, à conversão, à cura, à reforma moral dos homens. Ora, a história não nos transmite a seu respeito nada disso: mesmo quando ele disse que Sócrates era o mais sábio de todos os homens, atenuava o elogio acrescentando a respeito de Sófocles e Eurípides: "Sófocles é sábio, porém Eurípides é ainda mais". Dessa forma ele concede a Sócrates a superioridade sobre os poetas trágicos qualificados por ele como sábios, que disputam um prêmio banal na cena e na orquestra e provocam entre os espectadores ora lágrimas e lamentações, ora risos indecorosos, pois este é o objetivo do drama satírico. Mas ele não valoriza a nobreza que a filosofia e a verdade conferem, nem o louvor que esta nobreza merece. E se ele declarou Sócrates o mais sábio dos homens, certamente é menos pela sua filosofia do que pelos sacrifícios e cheiros de gordura que ele tinha oferecido a ele como também aos outros demônios. É por causa destes sacrifícios, e não pelas suas ações virtuosas, que os demônios parecem ouvir as súplicas daqueles que os oferecem. Assim sendo, relembrando os feitos e indicando em suas histórias a razão principal por que os demônios ouvem os desejos daqueles que oferecem sacrifícios, o melhor dos poetas, Homero, fala de Crises que obteve, por meio de algumas grinaldas e coxas de touros e de cabras, o que ele tinha pedido em favor de sua filha contra os gregos: a peste que os obrigou a lhe entregar Criseida. Lembro-me de ter lido, no livro de um pitagórico que tratava das doutrinas expressas simbolicamente pelo poeta, que as palavras de Crises a Apolo e a peste enviada por ele aos gregos mostram que Homero sabia como certos demônios perversos, ávidos do cheiro das gorduras e dos sacrifícios, se livram de sua dívida com os que sacrificam, pela ruína de outros homens se aqueles assim lhe solicitam. O Deus "que reina sobre Dodona a inclemente" com seu cortejo de profetas "que jamais lavam os pés, que dormem no chão", renunciou ao sexo masculino pela profecia e utiliza as sacerdotisas de Dodona, como Celso observou. Pode haver em Claros um oráculo semelhante àquele, outro entre os brânquidas, outro ainda no templo de Amon e em todo lugar da terra em que se fazem oráculos: como se mostrará que se trata de deuses e não de demônios? - Entre os profetas judeus, uns eram sábios antes de receberem o dom da profecia e a inspiração divina, outros assim se tornaram quando tiveram o espírito iluminado pela própria profecia. Eles foram escolhidos pela providência por serem depositários do Espírito divino e das palavras que ele inspira, por causa de sua vida inimitável, de uma firmeza absoluta, de uma liberdade, de uma impassibilidade totais diante dos perigos e da morte. A razão exige que tais sejam os profetas do Deus supremo, em comparação com o qual a firmeza de Antístenes, de Crates, de Diógenes são um brinquedo de criança. Desta forma, por causa da verdade e de sua liberdade em censurar os pecadores, "eles foram apedrejados, torturados, serrados, morreram ao fio de espada, andaram errantes cobertos com peles de ovelha e de cabra, necessitados, atribulados, maltratados. Eles, de quem o mundo não era digno, andaram perdidos nos desertos e montes, nas cavernas e covas da terra" (Hb 11,37-38); tinham os olhos sempre fixos em Deus e nos bens de Deus não perceptíveis aos sentidos e por esta razão eternos. A vida de cada um dos profetas foi escrita; mas por ora basta mencionar a vida de Moisés, cujas profecias, como diz a tradição, também foram inscritas na Lei; a de Jeremias, relatada na profecia que leva seu nome; a de Isaías que, excedendo toda austeridade, caminhou "nu e descalço" durante três anos. Considera igualmente a vida cheia de força de Daniel e seus companheiros, em plena juventude, quando lemos que só bebiam água, abstinham-se de carne e só se alimentavam de legumes. E observa ainda, se podes, antes deles, as ações de Noé ao fazer uma profecia, de Isaac ao dar a bênção profética a seu filho, de Jacó ao dizer a cada um dos Doze: "Reuni-vos, eu vos anunciarei o que acontecerá nos tempos vindouros" (Gn 49,1). Estes e uma infinidade de outros profetizaram em nome de Deus e predisseram a história de Jesus Cristo. Por isso não levamos em consideração os oráculos pronunciados pela Pítia, pelas sacerdotisas de Dodona, pelo deus de Claros, entre os brânquidas, no templo de Amon, ou por mil outros pretensos adivinhos. Mas admiramos os dos profetas da Judeia, vendo que sua vida cheia de força, de firmeza, de santidade, era digna do Espírito de Deus que profetiza de modo novo, sem nada em comum com as adivinhações dos demônios. - Não sei, aliás, por que Celso acrescenta a estas palavras, que são predições dos habitantes da Judeia, o seguinte: Dizei realmente ou não; como se, em sua incredulidade, ele afirmasse que é possível que elas não tenham mesmo sido ditas e que talvez se tenha escrito o que na verdade não foi dito. Ele ignorava as datas e não sabia que, fazendo mil predições muitos anos antes, eles também falaram da vida de Cristo. Em seu desejo de lançar descrédito sobre os antigos profetas, ele acrescenta que predisseram conforme um costume ainda hoje em vigor entre os fenícios e palestinenses. Não mostra se fala de pessoas estranhas à doutrina dos judeus e dos cristãos, ou de pessoas que profetizam à maneira judaica no estilo dos profetas. Todavia, diga ele o que quiser, nós o convencemos de mentira. Não existem estranhos à fé que tenham feito qualquer coisa de semelhante ao que fizeram os profetas; não existem mais recentes, mesmo posteriores à vinda de Jesus, a respeito dos quais a história diga que tenham profetizado entre os judeus. Pois, na opinião de todos, o Espírito Santo abandonou os judeus culpados de impiedade para com Deus e aquele que tinha sido predito por seus profetas. Mas os sinais do Espírito Santo apareceram primeiro no tempo em que Jesus ensinava, e em maior número depois de sua ascensão, mas a seguir em menor número. Entretanto, existem ainda hoje vestígios entre alguns cujas almas foram purificadas pelo Logos e pelas ações que ele inspira. "Pois o Espírito Santo, o educador, foge da duplicidade, ele se retira diante dos pensamentos sem sentido" (Sb 1,5) - Celso promete indicar a maneira como as adivinhações são feitas na Fenícia e na Palestina, como uma coisa a respeito da qual ele é instruído e sabe de primeira mão. Examinemos então esta questão. Começa dizendo que existem diversas espécies de profecias, mas sem as indicar: não tinha condições, era apenas um palavrório. Mas, vejamos o que ele apresenta como o tipo mais acabado entre os homens desta região. Existem muitos deles obscuros que, com a maior facilidade e em qualquer ocasião nos templos e fora dos templos, e outros que, mendigando seu pão e percorrendo as cidades e os campos, se agitam aparentemente como se pronunciassem um oráculo. Na boca de cada um está a fórmula habitual: Eu sou Deus, ou Filho de Deus, ou Espírito divino. E aqui estou. Pois o mundo já está perdido, e vós, ó homens, haveis de perecer por causa de vossos erros. Mas eu quero vos salvar. E me vereis de volta com um poder celeste. Feliz quem hoje me prestar culto! A todos os outros enviarei o fogo eterno nas cidades e nos campos. E os homens que não sabem que suplícios os esperam se arrependerão e gemerão em vão; mas os que forem persuadidos por mim, eu os guardarei por toda a eternidade. E continua: A estas presunções eles acrescentam termos desconhecidos, incoerentes, totalmente obscuros, cuja significação nenhum homem razoável seria capaz de descobrir por estarem por demais desprovidos de clareza e de sentido, mas que em qualquer ocasião dão a qualquer ignorante ou charlatão pretexto para se apropriarem deles no sentido que ele deseja. - Se ele tivera boa fé em sua acusação, deveria ter citado as profecias em seu texto: aquelas cujo autor se proclamou o Deus todo-poderoso, ou aquelas em que se acredita ouvir o Filho de Deus ou o Espírito Santo. Pois assim ele teria pelo menos procurado refutar-lhes o conteúdo e mostrar que ele não tem nenhuma inspiração divina nos discursos que por seu conteúdo afastam os erros, criticam o estado atual, anunciam o futuro. Por isso os contemporâneos dos profetas escreveram e guardaram suas profecias para que a posteridade, ao lê-las, as admirasse como parábolas de Deus e, beneficiando-se não só das que censuram e convertem, mas também das que predizem, e convencida pelos acontecimentos de que era o Espírito divino que tinha predito, ela perseverasse na piedade conforme o Logos, persuadida pela lei e pelos profetas. Os profetas, segundo a vontade de Deus, disseram sem nenhum sentido oculto tudo o que podia ser compreendido de imediato pelos ouvintes como útil e proveitoso para a reforma dos costumes. Mas tudo o que era mais misterioso e mais secreto, dependendo de contemplação que ultrapassa os ouvintes comuns, eles revelaram em forma de enigmas, alegorias, "discursos obscuros", "parábolas ou provérbios" (Nm 12,8; 1Cor 13,12; Pr 1,6); e isto para que os que não resmungam diante do esforço, mas suportam todo esforço pelo amor da virtude e da verdade, depois de terem procurado encontrem, depois de terem encontrado se portem como o exige a razão. Mas o nobre Celso, irritado por não compreender estas palavras proféticas, recorre à injúria: A estas pretensões, eles acrescentam imediatamente termos desconhecidos, incoerentes, totalmente obscuros, cuja significação nenhum homem razoável seria capaz de descobrir por estarem por demais desprovidos de clareza e de sentido, mas que em qualquer ocasião dão a qualquer ignorante ou charlatão pretexto para se apropriarem deles no sentido que ele deseja. Eis aí, no meu entender, palavras de gente pérfida, ditas para afastar o mais possível os leitores das profecias do trabalho de investigar e examinar o sentido delas; disposição análoga àquela que a questão proposta indica a propósito de um profeta que veio predizer o futuro: "Por que veio a ti esse louco?" (2Rs 9,11) - Certamente existem razões bem acima de minhas capacidades para afirmar que Celso mente e que as profecias são inspiradas por Deus. Nem por isso deixei de, na medida do possível, explicar palavra por palavra os termos incoerentes e totalmente obscuros, como os qualifica Celso, nos Comentários de Isaías, Ezequiel e de alguns dos Doze. E se Deus permitir um aprofundamento maior em sua Palavra, no momento em que ele quiser, virão se acrescentar aos comentários já citados sobre estes autores os de todo o restante, ou ao menos aquilo que eu conseguirei elucidar. Mas existem outros que, desejosos de examinar a Escritura e possuindo a inteligência, saberiam descobrir o seu significado. Ela carece realmente de clareza em muitas passagens, jamais, porém, encontra-se desprovida de sentido, como ele diz. Também não deixa de ser uma falsidade que um tolo ou um charlatão possa elucidá-las e apropriar-se delas no sentido que ele deseja. Somente o verdadeiro sábio em Cristo pode explicar a concatenação das passagens proféticas que têm um sentido secreto, "exprimindo realidades espirituais em termos espirituais" (1Cor 2,13) e interpretando segundo o estilo habitual das Escrituras tudo o que ele descobre. Não devemos crer em Celso, ao afirmar que ouviu com seus próprios ouvidos semelhantes pessoas. Em sua época, já não existiam profetas semelhantes aos antigos; do contrário, como as profecias de outrora, as suas teriam sido consignadas a seguir pelos que as tivessem recolhido e admirado. A mentira me parece evidente quando Celso afirma que estes assim chamados profetas que ele ouviu com seus próprios ouvidos, assim que os desmascarou, lhe confessaram sua impostura e que eles forjavam discursos sem coerência. Ele deveria ainda fornecer os nomes dos que afirma terem ouvido com seus ouvidos: para que estes nomes, se tivesse podido citá-los, permitissem aos críticos competentes julgar se ele dizia a verdade ou mentia. Acaso foram preditos atos imorais a respeito de Deus? - Além disso ele pensa que os que acusam os profetas de defender a causa de Cristo nada têm mais a dizer se encontrarmos a respeito de Deus uma palavra perversa, vergonhosa, impura, contaminada. Assim sendo, acreditando que seu ataque não tem réplica, ele encontra mil conclusões a partir de premissas que não foram admitidas. Devemos saber que os que querem viver segundo as divinas Escrituras aprenderam que a "ciência do insensato é discurso incoerente" (Eclo 21,18), e que eles ouviram as palavras: "Estai sempre prontos a dar razão da vossa esperança a todo o que vo-la pede" (1Pd 3,15); aqueles não procuram refúgio na simples alegação das profecias. Eles se esforçam para explicar as obscuridades aparentes e mostrar que nenhuma das palavras é perversa, vergonhosa, impura, contaminada, mas elas assim se tornam para os que não compreendem como se deve receber a divina Escritura. Deveria ter citado, entre as palavras dos profetas, a que lhe parece perversa, a que lhe dá a impressão de vergonhosa, a que ele julga impura, a que ele supõe contaminada, se de fato tivesse descoberto tais palavras entre os profetas. Desta forma, seu argumento teria sido mais impressionante e mais eficaz em vista de seu objetivo. Muito ao contrário, sem um exemplo, ele tem a pretensão de proclamar com ameaça que existem tais palavras nas Escrituras, o que é calúnia. A um ruído de palavras vazias de sentido não existe nenhuma razão para responder, a fim de mostrar que entre as palavras dos profetas não existe nenhuma que seja perversa, vergonhosa, impura e contaminada. - Além disso, Deus nada faz nem sofre de vergonhoso e não se põe a serviço do mal como acredita Celso: nada disso está predito. E se ele pretendesse que foi predito que Deus está a serviço do mal, que ele faz e sofre coisas muito vergonhosas, deveria citar as passagens dos profetas neste sentido, em vez de querer manchar em vão os ouvidos de seus ouvintes. É bem verdade que os profetas predisseram o que Cristo sofreria e deram a razão por que ele sofreria. E Deus sabia o que seu Cristo sofreria. Por que seria tudo isso coisas muito abomináveis e muito impuras, como diz Celso? Entretanto, ele saberá ensinar como os sofrimentos que ele suportou eram muito abomináveis e muito impuros quando ele diz: Alimentar-se um Deus de carne de ovelha, beber fel ou vinagre, seria algo diferente de comer excrementos? Mas, segundo nossa fé, Deus não comeu carne de ovelha; quando ele pensa que comia, era Jesus que comia porque tinha um corpo. Por outro lado, sobre o fel e o vinagre preditos pelo profeta: "Como alimento deram-me fel, e na minha sede fizeram-me beber vinagre" (Sl 68,22), embora eu tenha falado deste assunto acima, Celso me obriga a fazer repetições. Os que conspiram contra o Evangelho da verdade apresentam continuamente ao Cristo de Deus o fel de sua malícia e o vinagre de sua perversidade; e ele "provou mas não quis beber" (Mt 27,34) - Depois disso, para arruinar a fé dos que admitem a história de Jesus, porque ela foi predita, ele acrescenta: Pois bem! Se os profetas predisseram que o grande Deus, para não dizer o mais vil, sofreria a escravidão, a doença, a morte, deveria Deus sofrer a morte, a escravidão, a doença sob pretexto de que isto foi predito, para que sua morte fizesse crer que ele era Deus? Mas os profetas não puderam prever tudo isso: é um mal e uma impiedade. Portanto, não precisamos examinar se eles predisseram ou não, mas se o ato é honesto e digno de Deus. Se o ato é vergonhoso e mau, apesar de todos os homens em transe parecerem predizê-lo, devemos recusar-nos a crer. Como então a verdade admitiria que Jesus sofreu isto como um Deus? Por estas palavras ele parece ter percebido ao menos de longe a força de persuasão que teria para os ouvintes o argumento de que Jesus foi profetizado, e ele tenta anular o valor desse argumento por outra razão plausível afirmando: portanto, não precisamos examinar se eles predisseram ou não. Ora, se ele quisesse opor à afirmação uma razão não capciosa mas apodítica, deveria ter dito: portanto, é preciso provar que eles não predisseram, ou que as profecias sobre Cristo não se realizaram em Jesus como eles predisseram, e deveria ter acrescentado a prova que lhe parecesse boa. Desta forma ter-se-ia percebido o que dizem as profecias que referimos a Jesus e a maneira como ele refuta nossa interpretação; e todos teriam verificado se ele refuta honestamente os textos de profetas que aplicamos à doutrina concernente a Jesus, ou se ele é surpreendido querendo descaradamente fazer violência à verdade evidente como se ela não fosse a verdade. - Depois de afirmar, por hipótese, que há coisas que não são possíveis e não convêm a Deus, diz: Pelo fato de elas terem sido preditas a respeito do Deus supremo, deveríamos acaso acreditar que são de Deus só porque foram preditas? E ele se empenha em deixar claro que ainda que os profetas as tivessem realmente predito do Filho de Deus, seria impossível acreditar nas predições que ele deveria sofrer ou agir desta maneira. Devemos responder que sua hipótese é absurda e propõe premissas que levam a consequências contraditórias. E eis a prova. Se os verdadeiros profetas do Deus supremo dizem que Deus sofrerá a escravidão, a doença ou mesmo a morte, esses males acontecerão a Deus, pois os profetas do grande Deus dizem necessariamente a verdade. Por outro lado, se os verdadeiros profetas do Deus supremo dizem estas mesmas coisas, pois o que é por natureza impossível não pode ser verdadeiro, o que os profetas anunciam de Deus não poderia acontecer. Ora, quando duas premissas têm consequências contraditórias em razão do que chamamos silogismo de duas proposições, o antecedente das duas premissas fica anulado na espécie: os profetas predizem que o grande Deus sofrerá a escravidão, a doença, a morte. A conclusão, portanto, é que os profetas não predisseram que o grande Deus sofreria a escravidão, a doença, a morte. E eis a forma do raciocínio: se A é verdadeiro, B é verdadeiro; se A é verdadeiro, B não é verdadeiro; portanto, A não é verdadeiro. Os estoicos apresentam a esse respeito este exemplo: se sabes que estás morto, estás morto; se sabes que estás morto, não estás morto; conclusão: portanto, não sabes que estás morto. E eis como eles provam as premissas: se sabes que estás morto, o que sabes é verdade, portanto, é verdade que estás morto. Por outro lado, se sabes que estás morto, é igualmente verdade que sabes que estás morto. Mas como um morto nada sabe, é claro que se sabes que estás morto, não estás morto. E, como observamos acima, a conclusão das duas premissas é: portanto, não sabes que estás morto. O mesmo acontece mais ou menos com a hipótese de Celso no argumento citado acima. - Mas o que admitimos na hipótese nada tem de comparável às profecias referentes a Jesus. As profecias não predisseram que Deus seria crucificado; e afirmam o seguinte daquele que sofreria a morte: "Não tinha beleza nem esplendor que pudesse atrair o nosso olhar, nem formosura capaz de nos deleitar. Era desprezado e abandonado pelos homens, um homem sujeito à dor, familiarizado com a enfermidade, como uma pessoa de quem todos escondem o rosto" (Is 53,2-3). Repara então como eles disseram que aquele que suportou sofrimentos humanos era homem. E o próprio Jesus, sabendo com precisão que o que morria era o homem, declara aos que tramam contra ele: "Vós porém procurais matar-me, a mim, que vos falei a verdade que ouvi de Deus" (Jo 8,40) Se houvesse algo de divino no homem que o espírito discerne nele, seria o Filho único de Deus, o Primogênito de toda criatura, aquele que disse: "Eu sou a Verdade, eu sou a Vida, eu sou a Porta, eu sou o Caminho, eu sou o Pão vivo que desceu do céu" (Jo 14,6; 10,9; 14,6; 6,51). O raciocínio sobre este ser e sua essência é bem diferente do que diz respeito ao homem que o espírito discerne em Jesus. Dessa forma, até os cristãos de extrema simplicidade, nada familiarizados com os raciocínios dialéticos, recusariam dizer que a Verdade, a Vida, o Caminho, o Pão vivo descido do céu ou a Ressurreição tenha sofrido a morte. A pessoa que afirma ser a ressurreição, ela mesma ensinou no homem visível que era Jesus: "Eu sou a Ressurreição" (Jo 11,25). Além disso, nenhum de nós é tão estúpido a ponto de dizer que a Vida está morta ou que a Ressurreição está morta. Ora, a hipótese de Celso só seria aceitável se afirmássemos que os profetas predisseram a morte para aquele que é o Deus Logos, a Verdade, a Vida, a Ressurreição ou algum dos outros títulos dados ao Filho de Deus. - Existe, portanto, apenas um ponto em que Celso diz a verdade: Mas os profetas não puderam prever isto: é um mal e uma impiedade. Que quer ele dizer senão que o grande Deus sofreria a escravidão e a morte? Pelo contrário, é bem digno de Deus o anúncio feito pelos profetas que certo "esplendor e imagem" (Sb 7,26; Hb 1,3) da natureza divina viveria associada à alma santa de Jesus que assume um corpo humano, a fim de difundir a doutrina que faz participar da amizade do Deus do universo todo aquele que a recebe e cultiva em sua alma, e que conduz todo homem a seu fim, contanto que conserve em si o poder deste Deus Logos que devia habitar num corpo e numa alma de homem. Desta forma, seus raios não ficariam fechados só nele e não seria possível pensar que a luz que é força destes raios, o Deus Logos, não exista em nenhuma outra parte. Assim sendo, o que se fez a Jesus, considerando-se a divindade que nele está, não é contrário à piedade e não repugna à noção da divindade. Além disso, enquanto homem, mais ornado do que qualquer outro pela participação mais elevada ao Logos em pessoa e à Sabedoria em pessoa, ele suportou como sábio perfeito o que deveria suportar aquele que realiza tudo em favor de toda a raça dos homens ou até dos seres racionais. E não é absolutamente absurdo que o homem morra e que sua morte não seja apenas exemplo da morte sofrida pela religião, mas também que ela comece e continue a ruína do Maligno, do Diabo, que se atribuíra o domínio de toda a terra. Esta ruína é atestada pelos que de toda parte, graças à vinda de Jesus, escapam dos demônios que os mantinham submetidos e, libertados desta escravidão que pesava sobre eles, se consagram a Deus e à piedade para com ele, a qual, segundo suas forças, se torna mais pura a cada dia. Deus se contradisse? - Em seguida, Celso continua: Não refletirão eles ainda a esse respeito? Se os profetas do Deus dos judeus tivessem predito que Jesus seria seu filho, como é que Deus, por meio de Moisés lhes dá como leis: que se enriqueçam, sejam poderosos, encham a terra, massacrem seus inimigos sem poupar a juventude, que exterminem toda raça, o que ele mesmo faz diante dos olhos dos judeus, como atesta Moisés? E além disso, se eles não obedecem, ele ameaça expressamente tratá-los como inimigos? Ao passo que seu Filho, o homem de Nazaré, promulga leis contrárias: o rico não terá acesso junto ao Pai, nem aquele que ambiciona o poder, nem aquele que pretende alcançar a sabedoria ou a glória; tal como os corvos, seus discípulos não deverão se preocupar com alimento e guardá-lo em celeiros e, como os lírios, menos ainda se preocupar com o que se vestir; e de quem vos bate deveis estar dispostos a receber outro golpe! Quem então mente: Moisés ou Jesus? Será que o Pai, ao enviar Jesus, esqueceu o que prescrevera a Moisés? Terá ele renegado as próprias leis, mudado de opinião e enviado seu mensageiro com um objetivo contrário? Celso, que pretende saber tudo, cai aqui num erro muito grosseiro a respeito do sentido das Escrituras. Ele crê que na Lei e nos Profetas não há doutrina mais profunda do que o sentido literal das expressões. É por não ver que o Logos não poderia prometer de modo tão manifestamente inverossímil a riqueza material a quem leva vida virtuosa: pois não é possível mostrar que pessoas tão justas viveram numa pobreza extrema. Assim os profetas, que a pureza de sua vida tinha disposto a receber o Espírito divino, "levaram vida errante, vestidos com peles de carneiro ou pêlos de cabras; oprimidos e maltratados, sofreram privações. Eles, de quem o mundo não era digno, erravam pelos desertos e pelas montanhas, pelas grutas e cavernas da terra" (Hb 11,37-38). Pois, nas palavras do salmista, "os males do justo são muitos" (Sl 33,20) Se Celso tivesse lido a lei de Moisés, provavelmente teria pensado que o aforismo "tu emprestarás a muitas nações, mas nada pedirás emprestado" (Dt 15,6; 28,12), dirigido ao que observa a lei, deve ser cumprido como promessa feita ao justo: ele se enriqueceria com a riqueza cega a tal ponto que a abundância de seus bens lhe permitisse emprestar não só aos judeus, mas também a grande número de nações, e não apenas a uma, duas ou três. Quantas riquezas não deveria possuir assim o justo em recompensa pela sua justiça segundo a lei, para poder emprestar a numerosas nações? A consequência lógica de uma tal interpretação nos faria acreditar igualmente que jamais o justo emprestaria, pois está escrito: "Mas tu não emprestarás". A nação teria acaso ficado tanto tempo na religião de Moisés se, como pensa Celso ela apanhasse seu legislador em flagrante delito de mentira? De ninguém se fala que ele se tenha enriquecido a ponto de emprestar a numerosas nações. Além disso, não é imaginável que tendo aprendido a ouvir a lei no sentido que Celso lhe dá, e diante da mentira flagrante das promessas da lei, tenham lutado pela lei. Os pecados do povo relatados na Escritura seriam uma prova de que eles desprezaram a lei, certamente porque eles a desprezaram como mentira? Seria preciso responder que também se deve ler as circunstâncias em que está escrito que o povo inteiro, depois de ter cometido o mal em presença do Senhor, se converteu para vida melhor e para a piedade segundo a lei. - Além disso, se a palavra da lei "dominarás muitas nações, mas nunca serás dominado" (Dt 15,6; 28,12) fora tão-somente, sem uma significação mais profunda, a promessa que eles seriam poderosos, o povo teria evidentemente desprezado muito mais as promessas da lei. Celso parafraseia o sentido de certas expressões declarando que a posteridade dos hebreus encheria toda a terra. Historicamente isto se deu depois da vinda de Jesus, mas por assim dizer como um efeito da cólera de Deus e não propriamente de sua bênção. Além disso, se na promessa se diz aos judeus que massacrem seus inimigos, é preciso que uma leitura e um estudo cuidadosos dos termos revelem que uma interpretação literal é impossível. Bastará por ora tirar dos salmos estas palavras colocadas na boca do justo: "A cada manhã eu exterminava todos os pecadores da terra, para extirpar da cidade do Senhor todos os malfeitores" (Sl 100,8) Levando em consideração os termos e a intenção do autor, será possível que, depois de ter lembrado seus feitos que qualquer pessoa pode facilmente ler, ele acrescente o que pode ser extraído do texto literalmente: que em nenhum outro momento do dia a não ser de manhã ele destruiu "todos os pecadores da terra" sem deixar sobreviver nenhum deles, e se de fato ele exterminasse sem exceção de Jerusalém todo homem que cometesse a iniquidade? Podemos ainda encontrar na lei muitos exemplos como este: "A ninguém deixamos escapar vivo" (cf Dt 2,34; Nm 21,35) - Celso acrescenta a predição feita aos judeus segundo a qual a sua desobediência à lei far-lhes-ia sofrer os tratamentos que eles infligiriam a seus inimigos. Antes, porém, que Celso alegue um exemplo dos traços de ensinamento de Jesus que ele julga contraditório à lei, faz-se necessário lembrar aquilo que já foi dito. Para nós, a lei tem dois sentidos: um literal e outro espiritual, como já foi indicado acima. No sentido literal ela é qualificada, menos por nós do que por Deus, exprimindo em um dos profetas, "julgamentos que não são bons" e "prescrições que não são boas" (Ez 20,25 11); no sentido espiritual ela é qualificada pelo mesmo profeta, em nome de Deus, "julgamentos bons" e "prescrições boas". Está claro, portanto, que o profeta não diz coisas contraditórias na mesma passagem. Com ele concorda Paulo segundo o qual "a letra mata", que equivale ao sentido literal, e "o espírito vivifica" (2Cor 3,6), que equivale ao sentido espiritual. Podemos assim encontrar em Paulo passagens análogas às contradições aparentes do profeta. Ezequiel dissera: "Eu lhes dei julgamentos que não são bons e prescrições que não são boas, pelo que eles não poderão viver"; e noutra passagem: "Eu lhes dei julgamentos bons e prescrições boas, mediante os quais eles poderão viver", ou o equivalente. Paulo ainda, para atacar o legalismo literal, diz: "Ora, se o ministério de morte, gravado com letras em pedras, foi cercado de tamanha glória que os filhos de Israel não podiam fixar o rosto de Moisés por causa da glória passageira desse rosto, como não seria o ministério do Espírito mais glorioso?" (2Cor 3,7 8). E em outra passagem ele admira e louva a lei que ele nomeia espiritual: "Nós sabemos, porém, que a lei é espiritual" e ele o prova: "Assim a lei é santa, e o mandamento é santo, justo e bom" (Rm 7,14 12) - Portanto, se o texto da lei promete a riqueza aos justos, Celso pode seguir "a letra" que mata e pensar que a promessa visa à riqueza cega. Nós, porém, pensamos que se trata do homem dotado de visão penetrante: no sentido em que fomos cumulados de "todas as riquezas da palavra e todas as do conhecimento" (1Cor 1,5), em que os ricos deste mundo são exortados a "que não sejam orgulhosos, nem ponham sua esperança na instabilidade da riqueza, mas em Deus, que nos provê tudo com abundância para que nos alegremos. Que eles façam o bem, enriqueçam-se com boas obras, sejam pródigos, capazes de partilhar" (1Tm 6,17-18). Pois, conforme Salomão, "o resgate da vida de um homem é a sua riqueza; mas o pobre não sofre ameaça" (Pr 13,8) Do mesmo modo que a riqueza, devemos interpretar o poder que permite, nas palavras da Escritura, a um justo perseguir mil inimigos e a dois porem em fuga dez mil (cf Dt 32,30) Se este é o sentido das palavras sobre a riqueza, vê se ele não está de acordo com a promessa de Deus que o homem que é rico em toda doutrina, em toda ciência, em toda sabedoria, em toda obra boa possa emprestar de sua riqueza em doutrina, em sabedoria, em ciência a numerosas nações, assim como Paulo pôde fazer a todas as nações que ele visitou quando ele irradiou sua luz de Jerusalém até a Ilíria, levando a bom termo a pregação do Evangelho de Cristo. Estando sua alma iluminada pela divindade do Logos, os segredos divinos lhe eram transmitidos pela revelação: nada tomava emprestado a ninguém nem tinha necessidade alguma que alguém lhe transmitisse a doutrina. Mas como está escrito: "Dominarás a muitas nações, mas nunca serás dominado", em virtude do poder que o Logos lhe conferia, Paulo dominava os povos da gentilidade submetendo-os ao ensinamento de Cristo Jesus, sem jamais se submeter em parte alguma a homens como se eles fossem superiores. E no mesmo sentido "ele enchia toda a terra". - Se é necessário explicar ao mesmo tempo o massacre dos inimigos e o poder do justo sobre todas as coisas, podemos dizer: ao afirmar: "A cada manhã eu farei calar todos os ímpios da terra, para extirpar da cidade do Senhor todos os malfeitores", o profeta chamava de terra em sentido figurado a carne cujo "desejo é inimigo de Deus" (Rm 8,7), e de cidade do Senhor, sua alma na qual estava um templo de Deus (cf 1Cor 3,16-17; 2Cor 6,16); pois ele tinha de Deus uma opinião e uma concepção justas e admiradas de todos os que as observam. Portanto, ao mesmo tempo, repleto por assim dizer de poder e de força pelos raios do Sol da "justiça" (Ml 4,2) que iluminava sua alma, ele suprimia todo "desejo da carne" (Rm 8,7), chamado pelo texto como "pecadores da terra", e exterminava da cidade do Senhor, que estava na sua alma, todos os raciocínios que tramam a iniquidade e os desejos inimigos da verdade. No mesmo sentido, os justos destroem tudo o que há de vida em seus inimigos nascidos do vício, sem poupar o menor mal que acaba de nascer. É ainda nesse sentido que compreendemos a passagem do Salmo 136: "Ó devastadora filha de Babel, feliz quem devolver a ti o mal que nos fizeste! Feliz quem agarrar e esmagar teus nenês contra a rocha!" Os recém-nascidos de Babilônia, que significa confusão, são os pensamentos confusos inspirados no vício que nascem e se desenvolvem na alma. Tornar-se perfeito senhor desta situação para esmagar suas cabeças contra a firmeza e a solidez do Logos é esmagar os nenês de Babilônia contra a rocha e assim se tornar feliz. Assim sendo, admitamos que Deus ordene exterminar as obras da iniquidade, todas as raças sem poupar a juventude: ele nada ensina que contradiga a pregação de Jesus. Admitamos que sob as vistas daqueles que são judeus secretamente Deus realize a destruição de seus inimigos e de todas as obras da malícia. E ainda mais, admitamos que os que recusam obedecer à lei e ao Logos de Deus sejam equiparados a seus inimigos e tragam a marca do vício: eles deverão sofrer as penas merecidas pela desobediência às palavras de Deus. - Vemos claramente também, desta forma, que Jesus, o homem de Nazaré, não promulga leis contrárias às declarações citadas a respeito da riqueza e acerca de quem a ela renuncia, quando diz que é difícil a um rico entrar no Reino de Deus: entenda-se por rico simplesmente o que é perseguido pela riqueza e impedido, como por seus espinhos, de produzir os frutos do Logos, ou o homem rico em opiniões mentirosas, de que fala o livro dos Provérbios: "É melhor o pobre justo que o rico mentiroso!" (Pr 28,6) Que Jesus proscrevia o desejo de dominar, Celso provavelmente percebeu esta verdade das passagens seguintes: "O que quiser ser o primeiro dentre vós seja aquele que serve!"; "Sabeis que os governadores das nações as dominam"; "Os reis das nações as dominam, e os que as tiranizam são chamados benfeitores" (Mt 20,25-27; Lc 22,25). Não devemos ver aí contradição com a profecia: "Dominarás muitas nações, mas nunca serás dominado" (Dt 15,28 12), principalmente pelas razões que apresentei ao explicar o texto. Depois disto Celso propõe uma objeção a propósito da sabedoria. Ele acredita que, de acordo com o ensinamento de Jesus, o sábio não tem acesso ao Pai. Respondemos: para qual sábio? Trata-se do homem assim qualificado pela sabedoria dita deste mundo, que é "loucura diante de Deus" (1Cor 3,19), também, nós diremos que não existe acesso ao Pai para tal sábio. Mas se por sabedoria entendemos Cristo, pois Cristo é poder de Deus e sabedoria de Deus, não só diremos que para tal sábio existe acesso ao Pai, mas também afirmamos: o homem gratificado com o carisma chamado "mensagem de sabedoria" (1Cor 12,8), comunicado pelo Espírito, é bem superior aos que não o são. - Em compensação, declaramos proibida a busca da glória entre os homens não só pelo ensinamento de Jesus, mas também pelo Antigo Testamento. Assim, um dos profetas, ao se maldizer por se ter escravizado aos pecados, denuncia como o maior mal que lhe poderia ter sucedido a glória desta vida. E se exprime nestes termos: "Senhor, meu Deus, se eu fiz algo... se em minhas mãos há injustiça, se paguei com o mal ao meu benfeitor, se poupei sem razão o meu opressor, que o inimigo me persiga e alcance! Que me pisoteie vivo por terra e atire meu ventre contra a poeira!" (Sl 7,4-6) Além disso, nem as palavras: "Não vos preocupeis com a vossa vida quanto ao que haveis de comer ou beber. Olhai as aves do céu: não semeiam, nem ajuntam em celeiros. E no entanto, vosso Pai celeste as alimenta. Ora, não valeis mais do que elas?!" (cf Mt 6,25-26; Lc 29,24); "E com a roupa, por que andais preocupados? Aprendei dos lírios do campo" (Mt 6,28), e tampouco as palavras que seguem são contrárias às bênçãos da lei que ensinam que o justo comerá e será saciado, nem estas palavras de Salomão: "O justo come e se farta; o ventre dos ímpios passa fome" (Pr 13,25) Pois é preciso observar o seguinte: é o alimento da alma que se tem em mira na bênção da lei: ele sacia não o composto humano, mas apenas a alma. E devemos tirar do Evangelho talvez uma interpretação bastante profunda, e talvez também uma interpretação mais simples, porque não devemos deixar a alma se perder no meio dos cuidados com a alimentação e o vestuário, mas praticar uma vida frugal e ter confiança que Deus providenciará se apenas nos preocuparmos com o que é necessário. - Sem pôr em paralelo as passagens da lei com as do Evangelho aparentemente contrárias, Celso acrescenta que é preciso estar pronto a receber um segundo golpe de quem vos bate. Diremos que conhecemos as palavras ditas aos antigos: "Olho por olho, dente por dente", mas que também lemos estas outras: "A quem te ferir numa face, oferece a outra" (Lc 6,29; Mt 5,38-39) Entretanto, como Celso, imagino eu, se faz porta-voz dos que fazem distinção entre o Deus do Evangelho e o Deus da Lei, devemos responder à sua objeção: o Antigo Testamento também diz: "A quem te bate na face direita, oferece também a outra". Pelo menos é o que está escrito nas Lamentações de Jeremias: "É bom para o homem suportar o jugo desde sua juventude, que esteja solitário e silencioso quando o Senhor o impuser sobre ele; que ponha sua boca no pó: talvez haja esperança! Que dê sua face a quem o fere e se sacie de opróbrios" (Lm 3,27-29) O Evangelho, portanto, não entra em contradição com o Deus da Lei, nem mesmo a respeito do tapa entendido ao pé da letra. Nenhum dos dois mente, nem Moisés, nem Jesus, e o Pai ao enviar Jesus não esqueceu o que ordenara a Moisés; tampouco renegou as suas próprias leis, mudando de opinião e enviando seu mensageiro com finalidade contrária. - Sendo necessário caracterizar brevemente a diferença entre o regime em vigor desde o princípio entre os judeus conforme as leis de Moisés e o regime mais perfeito que os cristão pretendem seguir agora conforme o ensinamento de Jesus, eis o que direi. Por um lado, não era conveniente aos gentios chamados à fé seguir à letra o regime de Moisés, pois estavam sujeitos aos romanos. Por outro lado, não era possível aos judeus de outrora conservar intacta sua constituição, porque, por hipótese, eles obedeciam ao regime evangélico. Os cristãos não podiam se conformar com a lei de Moisés massacrando seus inimigos ou os que suas transgressões da lei condenavam a perecer queimados ou lapidados, porque mesmo os judeus, apesar de seu desejo, não podiam lhes infligir esta pena ordenada pela lei. Em compensação, proibir aos judeus de outrora, que possuíam uma constituição e um território próprios, de atacar seus inimigos e fazer campanha pela defesa de suas tradições, de executar ou castigar de algum modo os adúlteros, os assassinos, os criminosos desta espécie, teria sido reduzi-los em massa a uma destruição total no momento de um ataque inimigo contra a nação, pois sua própria lei os teria privado de força e impedido de rechaçar os inimigos. Mas a Providência, que outrora deu a lei e em nossos dias o Evangelho de Jesus Cristo, não queria mais que o judaísmo estivesse em vigor; ela então destruiu sua cidade, seu templo e o serviço de Deus realizado no templo pelo culto e pelo sacrifício que ela tinha prescrito. E assim como a Providência pôs fim a estas práticas que ela não queria mais, da mesma forma deu ao cristianismo impulso cada dia maior, concedendo então a liberdade de se exprimir, apesar dos obstáculos inúmeros opostos à difusão do ensinamento de Jesus no mundo. E como foi Deus que quis estender aos gentios os benefícios do ensinamento de Jesus Cristo, todo projeto dos homens contra os cristãos foi posto em cheque, e quanto mais os imperadores, os chefes de nações, o povo os humilhavam em todos os lugares, tanto mais numerosos e poderosos se tornavam (cf Êx 1,7) A esperança dos cristãos - Depois disso, tendo citado diversas afirmações concernentes a Deus que ele erradamente nos atribui, por exemplo, que Deus seria um corpo, por natureza, e um corpo em forma humana, Celso pretende refutar o que nós de modo algum afirmamos. Seria supérfluo aduzir e refutar estas acusações. Se disséssemos de Deus o que ele nos atribui e contra o qual ele se insurge, teríamos o dever de citar suas afirmações, de provar nossas teses e destruir as suas. Mas se ele nos atira declarações que ele não ouviu de ninguém, ou que procedem, se acaso ouviu de alguém, de pessoas simples, ingênuas e que não conhecem o sentido da Escritura, não precisamos perder tempo numa tarefa tão inútil. Pois as Escrituras dizem claramente que Deus é incorpóreo. Por isso, "ninguém jamais viu a Deus" (Jo 1,18), e "o Primogênito de toda criatura" é apresentado como "a imagem do Deus invisível" (Cl 1,15), em outras palavras, incorpóreo. Mas dei acima explicações pormenorizadas a respeito de Deus numa justa medida ao examinar como compreender as palavras: "Deus é espírito e aqueles que o adoram devem adorá-lo em espírito e verdade" (Jo 4,24) - Depois destas observações acerca de Deus, caluniosas a nosso respeito, ele nos pergunta aonde queremos ir, e que esperanças temos nós. E, como resposta, ele transcreve estas pretensas palavras nossas: Para outra terra melhor do que esta. Ele replica: Os homens divinos dos tempos antigos falaram de uma vida de felicidade reservada às almas bem-aventuradas. Alguns a chamaram "Ilhas dos bem-aventurados", outros "Campos Elísios", porque nela os homens são livres dos males deste mundo. Como diz Homero: "Mas para os Campos Elísios, bem nos últimos confins da terra, os Imortais te enviarão, lá onde a vida é aprazível." E Platão que acredita na imortalidade da alma chama deliberadamente de "terra" esta região para onde a alma é enviada: "É uma imensa extensão, e nós que do mar de Fásis às colunas de Hércules habitamos as margens, como formigas e rãs em volta de uma lagoa, ocupamos apenas uma pequena parte. Muitos outros, porém, noutros lugares, habitam muitas regiões semelhantes. Pois existem em toda parte em volta da terra muitas cavidades de todas as formas e de todos os tamanhos para as quais confluíram a água, a névoa e o ar. Mas a terra como tal, a terra pura, encontra-se na parte pura do céu." Celso, portanto, supõe que nossa ideia de outra terra, melhor e bem superior a esta, nós a obtivemos de certos homens dos tempos antigos que ele julga divinos, e sobretudo de Platão que, no Fédon, tinha especulado sobre a terra pura que se encontra na parte pura do céu. Não percebe que Moisés, bem anterior mesmo ao alfabeto grego, representou Deus prometendo a terra santa "boa e espaçosa onde correm leite e mel" (Êx 3,8) aos que tivessem vivido segundo a lei. Esta boa terra não é, como alguns julgam, a Judeia deste mundo que se encontra, também ela, na terra maldita desde sua origem por causa das obras da transgressão de Adão. Pois a sentença: "Maldito é o solo por causa de ti! Com sofrimentos dele te nutrirás todos os dias de tua vida" (Gn 3,17; 1Cor 15,22), se aplica à terra inteira de que todo homem, morto em Adão, tira seu alimento às custas de sofrimentos, isto é, de trabalhos, e isso todos os dias de sua vida. Sendo maldita, toda a terra "produzirá espinhos e abrolhos todos os dias da vida" para todos os que em Adão foram expulsos do paraíso terrestre; e todo homem come o seu pão "com o suor do rosto até voltar à terra donde foi tirado". Toda esta passagem contém uma extensa doutrina que pode ser elaborada para elucidação dos termos. Mas aqui me contentarei com breves observações, para refutar o erro que aplica à terra da Judeia o que é dito da boa terra prometida por Deus aos justos. - Se realmente a terra toda é maldita por causa das obras de Adão e dos que nele morreram, é evidente que todas as suas partes incorrem na mesma maldição, entre outras, a terra da Judeia. Portanto, não se pode aplicar-lhe esta passagem: "numa terra boa e espaçosa onde correm leite e mel", ainda que se mostre que Jerusalém e a Judeia são a sombra simbólica da terra pura, boa e espaçosa que se encontra na parte pura do céu, e na qual está a Jerusalém celeste. É ela que o Apóstolo tem em vista, como homem que é ressuscitado com Cristo e que, procurando as realidades superiores, encontrou um sentido que não vem de nenhuma fábula judaica, quando diz: "Mas vós vos aproximastes do monte Sião e da Cidade do Deus vivo, da Jerusalém, celestial, e de milhões de anjos reunidos em festa" (Hb 12,22) Para nos convencermos de que esta interpretação da terra boa e espaçosa de que fala Moisés nada tem de contrária ao sentido do Espírito divino, prestemos atenção ao que dizem todos os profetas: eles ensinam a volta a Je-rusalém dos que se afastaram dela e longe dela pecaram, e em geral lembram a restauração da nação e a cidade de Deus, como os chama quem disse: "Ele tem seu lugar na santa paz", ou ainda: "O Senhor é grande e muito louvável na cidade de nosso Deus, a montanha sagrada, bela em altura, alegria da terra toda" (Sl 75,3; 47,2-3) Será suficiente citar aqui as passagens do Salmo 36 sobre a terra dos justos: "Os maus serão extirpados e os que esperam no Senhor possuirão a terra"; e pouco depois: "Os que ele abençoa possuirão a terra, os que ele amaldiçoa serão extirpados"; e mais adiante ainda: "Espera pelo Senhor e observa o seu caminho; ele te exaltará, para que possuas a terra: tu verás os ímpios extirpados" (Sl 36,9 22 34) - Além disso, a ideia de que o brilho das pedras consideradas neste mundo preciosas seria reflexo daquele das pedras da terra superior parece-me tirada por Platão da descrição feita por Isaías da cidade de Deus, da qual está escrito: "Farei de rubi as tuas ameias e de berilo as tuas portas, de pedras preciosas todas as tuas muralhas" e ainda: "Estabelecerei os teus alicerces sobre safira" (Is 54,12 11) Mas os partidários mais sérios do filósofo explicam o mito de Platão como uma alegoria. E quanto às profecias, das quais, a meu ver, Platão tirou seu mito, àqueles que, sob a inspiração divina, levaram uma vida semelhante à dos profetas e consagraram todo seu tempo em perscrutar as santas Escrituras, cabe-lhes expô-las aos que pela pureza de sua vida e seu desejo de aprender os segredos de Deus para elas estão preparados. Minha intenção era unicamente mostrar que nossa terra santa nada deve aos gregos nem a Platão. Foram eles que, embora bem posteriores ao antigo Moisés e mesmo à maior parte dos profetas, assim falaram da terra superior, ou porque compreenderam mal certos termos enigmáticos empregados por eles a este respeito, ou porque leram e plagiaram as Santas Escrituras. Ainda mais, Ageu estabeleceu uma distinção manifesta entre o continente e a terra, chamando de continente esta terra que pisamos. Diz ele: "Ainda um pouco de tempo e eu abalarei o céu, a terra, o mar e o continente" (Ag 2,6) - Celso adia a explicação do mito de Platão que se encontra em Fédon: Mas o que pretende ele indicar com isso? Não é coisa fácil a qualquer sabê-lo, a não ser que se possa compreender o que significa o que ele diz: "A fraqueza e a lentidão nos tornam incapazes de chegar ao limite do ar; se nossa natureza fosse capaz de manter esta contemplação, haveríamos de reconhecer aí o verdadeiro céu e a verdadeira luz". A exemplo dele, também eu, julgando que não é intenção atual minha elucidar o tema da terra santa e boa, da cidade de Deus que nela se encontra, remeto o leitor aos Comentários dos profetas, tendo em parte explicado na medida do possível a cidade de Deus em meus estudos sobre os Salmos 45 e 47. Mas a antiquíssima doutrina de Moisés e dos profetas sabia que as realidades verdadeiras têm todas o mesmo nome que as coisas mais comuns deste mundo: por exemplo, existe uma luz verdadeira e um céu que é diferente do firmamento, e o sol de justiça é coisa diferente do sol sensível. Em suma, em contraposição às coisas sensíveis das quais nenhuma é verdadeira, ela declara: "Deus cujas obras todas são verdade" (Dn 4,34); ela põe na categoria das realidades verdadeiras as obras de Deus, e na categoria das coisas inferiores "as obras de suas mãos". Desta forma Isaías censura a alguns: "Para os feitos do Senhor eles não têm um olhar sequer, eles não veem a obra das suas mãos" (Is 5,12). Mas basta sobre este ponto. Ressurreição - Celso não compreendeu nossa doutrina da ressurreição, doutrina rica, difícil de expor, por exigir mais do que qualquer outra intérprete bem preparado para mostrar o quanto esta doutrina é digna de Deus e sublime: de acordo com ela, existe uma relação seminal no que a Escritura chama a tenda da alma (2Cor 5,4), na qual os justos gemem acabrunhados; e gostariam de não "ser despojados de sua veste, mas revestir a outra por cima desta" (2Cor 5,4). Por ter ouvido falar da ressurreição da boca de pessoas simples, incapazes de apoiá-la com qualquer razão, ridiculariza o que se afirma. Será útil acrescentar ao que ficou dito acima esta simples observação sobre a doutrina: não é, como acredita Celso, por ter compreendido mal a doutrina da metensomatose que nós falamos de ressurreição; mas é porque sabemos que a alma, que por sua própria natureza é incorpórea e invisível, precisa, quando se encontra num lugar corporal qualquer, de um corpo apropriado por sua natureza neste lugar. Ela carrega este corpo depois de ter abandonado a veste, necessária antes, mas supérflua para um segundo estado, e a seguir, após tê-lo revestido por cima com aquela veste que tinha inicialmente, porque precisa de uma veste melhor para chegar às regiões mais puras, etéreas e celestes. Ao nascer para o mundo, ela abandonou a placenta que era útil à sua formação no seio de sua mãe enquanto nela se encontrava; revestiu por baixo o que era necessário a um ser que viveria na terra. Além disso, como existe uma morada terrena da tenda, que é necessária de certa maneira à tenda, as Escrituras declaram que a morada terrena da tenda será destruída, mas que a tenda revestirá "uma morada não feita por mão humana, eterna no céu". E os homens de Deus dizem: "Este ser corruptível revestirá a incorruptibilidade" (1Cor 15,53), que é diferente do que é incorruptível, "este ser mortal revestirá a imortalidade", que é diferente do que é imortal. Realmente, a mesma relação que tem a sabedoria com o que é sábio, a justiça com o que é justo, a paz com o que é pacífico, existe igualmente entre a incorruptibilidade e o que é incorruptível, entre a imortalidade e o que é imortal. Repara, pois, na exortação que nos faz a Escritura ao dizer que revestiremos a incorruptibilidade e a imortalidade; como vestes para aquele que delas se revestiu e que por elas é envolvido, elas não permitem que quem por elas é envolvido seja sujeito à corrupção ou à morte. Eis o que tive a ousadia de dizer porque não compreendeu o que entendemos por ressurreição, e aproveitou a oportunidade para ridicularizar uma doutrina que ele não conhece. - Acreditando que ensinamos o mistério da ressurreição para conhecer e ver a Deus, ele inventa afrontas à vontade: Pressionados de todos os lados e confusos, como se nada tivessem compreendido, voltam continuamente à mesma questão: como pois conhecer e ver a Deus? Como ir até ele? Fique, pois, sabendo quem quiser o seguinte: para outras funções, precisamos de um corpo, porque nos encontramos num lugar material, e de um corpo apropriado para a natureza do lugar material; precisando de um corpo, revestimos por cima da tenda as qualidades de que falamos. Mas para conhecermos a Deus, não precisamos do corpo. O conhecimento de Deus não depende do olho do corpo, mas do espírito: este vê o que é à imagem do Criador e recebeu da providência de Deus o poder de conhecer a Deus. E o que vê a Deus é o coração puro donde não provêm mais pensamentos perversos, nem assassínios, nem adultérios, nem fornicações, nem roubos, nem falsos testemunhos, nem difamações, nem mau olhar, nem qualquer outra inconveniência (cf Mt 15,19; Mc 7,21-22). Por isso se diz: "Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus" (Mt 5,8). E como nossa livre determinação não é suficiente para nos dar um coração inteiramente puro, mas temos necessidade de Deus que o cria assim, por isso o homem que ora com inteligência diz: "Ó Deus, cria em mim um coração puro" (Sl 50,12) - Jamais também se há de perguntar, como se Deus estivesse em algum lugar: como chegar a ele? Porque Deus é superior a todo lugar e contém tudo o que pode ser, e nada existe que possa conter a Deus. Não é chegar até Deus corporalmente que o preceito nos ordena: "Seguireis ao Senhor vosso Deus" (Dt 13,5); não é corporalmente que o profeta quer aderir a Deus, quando diz, na oração: "Minha vida está ligada a ti" (Sl 62,9) Celso nos calunia, portanto, dizendo que nós esperamos ver a Deus com os olhos de nosso corpo, ouvir sua voz com nossos ouvidos, tocá-lo com nossas mãos sensíveis. Sabemos pelo contrário que as divinas Escrituras empregam termos homônimos para os olhos que não são os do corpo, e da mesma forma para os ouvidos ou as mãos; e o que é mais notável, para um sentido divino e de outra ordem que não é o sentido designado comumente por esta palavra. Pois quando o profeta diz: "Abre meus olhos para eu contemplar as maravilhas que vêm de tua lei"; "O mandamento do Senhor é claro, ilumina meus olhos"; "Ilumina meus olhos, para que eu não adormeça na morte" (Sl 118,18; 18,9; 12,4), ninguém é tão néscio a ponto de pensar que os olhos do corpo compreendem as maravilhas da lei divina, ou que o mandamento do Senhor ilumina os olhos do corpo, ou que ele possa enviar um sonho que cause a morte. Além disso, quando nosso Salvador diz: "Quem tem ouvidos, ouça!" (Mt 11,15; 13,9, etc), qualquer pessoa compreende que se trata de ouvidos de ordem espiritual. E quando se diz que "a palavra do Senhor" está na mão do profeta Jeremias ou de algum outro, ou a lei "na mão" de Moisés (Jr 1,4 9; Nm 16,40), ou "Procurei a Deus com minhas mãos e não fui enganado" (Sl 76,3), ninguém é tão imbecil a ponto de não compreender que se trata de mãos no sentido figurado. É delas também que João declara: "Nossas mãos apalparam do Verbo da vida" (1Jo 1,1) E para aprender das Santas Escrituras que existe um sentido superior e não corporal, é preciso compreender as palavras de Salomão nos Provérbios: "Encontrarás o conhecimento de Deus" (Pr 2,5) - Portanto, não temos necessidade, como se procurássemos a Deus desta maneira, de irmos aonde Celso nos envia, aos templos de Trofônio, de Anfiarau, de Mopso, onde, diz ele, os deuses se manifestam em forma humana e, acrescenta, sem fraude mas com toda clareza. Pois sabemos que são demônios que se alimentam de gorduras, de sangue e de fumaças dos sacrifícios, postos assim nas prisões construídas por sua cobiça. Os gregos viram nelas templos de divindades, mas nós sabemos que existem nelas apenas habitações de demônios impostores. Celso maldosamente acrescenta, a propósito desses deuses que ele mencionou, com forma humana segundo ele: Nós os veremos não uma única vez numa aparição fugidia como aquele que enganou os cristãos, mas num comércio permanente com aqueles que o desejam. Parece uma consequência disso que, segundo seu pensar, Jesus era fantasma ao se manifestar a seus discípulos depois de sua ressurreição dos mortos, mostrando-se a eles numa aparição fugidia; ao passo que os que ele chama deuses em forma humana lhe parecem viver em comércio permanente com os que o desejam. Mas como um fantasma, como ele diz, que apareceu fugidiamente para enganar os espectadores, pode, depois de passada esta visão, realizar tantas maravilhas, converter as almas de tantas pessoas, nelas implantar a persuasão de que devem fazer tudo para agradar a Deus porque serão julgadas por ele? Como um pretenso fantasma expulsa demônios e realiza outras ações admiráveis? Pois não lhe é atribuído apenas um lugar, como aos deuses de Celso em forma humana, mas ele percorre toda a terra, ele ajunta e atrai por sua divindade a todos os que ele encontra propensos para uma vida virtuosa. Conhecimento de Deus - Depois destes ataques aos quais respondi da melhor forma, Celso volta à carga: Mas eles perguntarão ainda: Como conhecerão a Deus se não chegam até ele pelos sentidos? O que se pode conhecer sem o uso dos sentidos? Em seguida, ele mesmo responde: Isto nada tem a ver com o homem, nem com a alma, mas com a carne. Mas que pelo menos ouçam se esta raça pusilânime e agarrada ao corpo é capaz de entender alguma coisa. Quando tiverdes fechado a entrada dos sentidos, olhado para cima pelo espírito e uma vez longe da carne, tiverdes despertado os olhos da alma, só então vereis a Deus. E se procurais um guia para este caminho, deveis fugir dos impostores e feiticeiros que evocam fantasmas, para evitardes este cúmulo do ridículo de falar mal tratando-os de fantasmas dos outros deuses visíveis, enquanto vós adorais um homem mais miserável que os próprios fantasmas verdadeiros, e que não é mais um fantasma mas na verdade um morto, e procurais para ele um pai semelhante a ele. Para responder à sua prosopopeia, que nos atribui palavras que diríamos para defender a ressurreição da carne, direi em primeiro lugar: a habilidade de um autor de prosopopeia é manter a intenção e o caráter habitual da personagem posta em cena; seu erro é atribuir ao que fala expressões em desacordo com sua personagem. Duas categorias de autores merecem igualmente a crítica: primeiro, os que numa prosopopeia atribuem a bárbaros, a pessoas incultas, a escravos, que jamais entenderam raciocínios filosóficos e não sabem articulá-los corretamente, uma filosofia que talvez conheça o autor, mas que não se pode supor conhecida com alguma probabilidade da personagem posta em cena; depois, aqueles que atribuem a pessoas apresentadas como sábios versados nas coisas divinas as palavras ditas por pessoas incultas sob a influência das paixões vulgares ou ditadas pela ignorância. Por isso um dos numerosos títulos que tornam Homero admirável é ter mantido as personagens dos heróis tais como os propôs desde o início: por exemplo, Nestor, Ulisses, Diomedes, Agamêmnon, Telêmaco, Penélope ou algum dos outros. Mas Eurípides é injuriado por Aristófanes por raciocinar fora de propósito, por ter muitas vezes posto na boca de mulheres bárbaras ou escravas a expressão de doutrinas tiradas por ele de Anaxágoras ou de algum outro sábio. - Se tais sãos as qualidades e os defeitos na arte da prosopopeia, não haverá uma boa razão para se zombar de Celso quando ele atribui aos cristãos afirmações que eles não defendem? Se ele tivesse imaginado palavras de pessoas simples, como pessoas desta espécie poderiam distinguir os sentidos da inteligência, o sensível do inteligível e dogmatizar à maneira dos estoicos que negam as realidades inteligíveis e afirmam que as coisas de que temos compreensão são entendidas pelos sentidos, e que toda compreensão depende dos sentidos? Mas se ele empresta estas palavras que ele inventa aos que interpretam filosoficamente os mistérios de Cristo e têm o máximo cuidado em examiná-los, sua ficção não lhes é aplicável. Com efeito, não existe personagem que, sabendo que Deus é invisível e que certas criaturas são invisíveis, quer dizer inteligíveis, diria para defender a ressurreição: se não chegamos até Deus pelos sentidos, como chegar a conhecê-lo, ou o que se pode conhecer sem o uso dos sentidos? E não é em obras pouco acessíveis, lidas somente por pequeno número de eruditos, mas sim mais populares, que está escrito: "Sua realidade invisível - seu eterno poder e sua divindade - tornou-se inteligível, desde a criação do mundo, através das criaturas" (Rm 1,20) Decorre daí esta conclusão: embora os homens nesta vida devam partir dos sentidos e do sensível quando querem se elevar até a natureza do inteligível, de modo algum devem se prender ao sensível. Tampouco diremos que é impossível sem o uso dos sentidos conhecer o inteligível, ainda que se proponha a questão nestes termos: quem pode conhecer sem o uso dos sentidos? Provaremos que Celso não teve razão em afirmar que isso não tem a ver nem com o homem nem com a alma, mas com a carne. - Ao dizer que o Deus do universo é espírito, ou que ele está além do espírito e da essência, simples, invisível, incorpóreo, afirmamos que Deus só é compreendido por aquele que foi criado à imagem deste espírito; e para empregar a expressão de Paulo: "Agora vemos em espelho e de maneira confusa, mas, depois, veremos face a face" (1Cor 13,12). Se digo "face", que ninguém venha, por causa do termo, criticar o sentido que ele comporta. Mas esta frase: "E nós todos que, com a face descoberta, refletimos como num espelho a glória do Senhor, somos transfigurados nesta mesma imagem, cada vez mais resplandecente" (2Cor 3,18), deve nos ensinar que neste mundo o que importa não é uma face perceptível aos sentidos, mas entendida em sentido figurado; e o mesmo se diga dos olhos, dos ouvidos e, como mostramos acima, de tudo que tem o mesmo nome que os órgãos do corpo. Portanto, o homem, quer dizer, a alma que se serve de um corpo, chamada "homem interior" (Rm 7,22), e também "a alma", não há de responder ao que escreve Celso, mas o que ensina o homem de Deus. O cristão não pode manter um propósito da carne; ele aprendeu a mortificar "pelo Espírito as obras do corpo" e a trazer "sempre em seu corpo a agonia de Jesus" (Rm 8,13; 2Cor 4,10), recebeu esta ordem: "Mortificai, pois, os vossos membros terrenos" (Cl 3,5) Conhece o sentido das palavras: "Meu espírito não se responsabilizará indefinidamente pelo homem, pois ele é carne" (Gn 6,3), ele sabe que "os que estão na carne não podem agradar a Deus" (Rm 8,8), e tudo faz para não estar de modo algum na carne, mas somente no espírito. - Vejamos agora o seu convite para que ouçamos dele a maneira como conheceremos a Deus; embora, no seu modo de pensar, nenhum dos cristãos seja capaz de entender suas palavras, pois ele diz: Que eles ouçam, entretanto, se ao menos são capazes de entender alguma coisa. Vejamos então que palavras este filósofo quer que ouçamos dele. Ele devia nos ensinar, e nos injuria. Devia dar testemunho de benevolência com os que o ouvem, ao início de sua argumentação, e tacha de raça pusilânime os que enfrentam até a morte para não abjurar, nem por uma palavra, o cristianismo, e que estão preparados para suportar todos os maus tratos e todo gênero de morte. Trata-nos como raça presa ao corpo, a nós que afirmamos: "Mesmo se conhecemos a Cristo segundo a carne, agora já não o conhecemos assim" (2Cor 5,16), e que estamos mais prontos a nos desfazer do corpo pela religião do que um filósofo a deixar seu manto. Ele então nos diz: Quando tiverdes fechado a entrada dos sentidos, olhado para cima pelo espírito e, uma vez longe da carne, tiverdes despertado os olhos da alma, só então vereis a Deus. E imagina que não tínhamos ainda refletido sobre esta ideia que ele tira dos gregos, quero dizer, de duas espécies de olhos. Devemos responder que Moisés, ao descrever a criação do mundo, representa o ser humano antes de sua transgressão ora vendo, ora não vendo: a Escritura diz "vendo", quando se refere à mulher: "A mulher viu que a árvore era boa ao apetite e formosa à vista, e que essa árvore era desejável para adquirir discernimento" (Gn 3,6). Ela diz "não vendo", não somente nas palavras da serpente à mulher, que supõem olhos cegos: "Mas Deus sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão", mas também quando afirma: "Eles comeram do fruto e então abriram-se os olhos dos dois" (Gn 3,6-7) Portanto, eles abriram os olhos de seus sentidos que eles tinham razão em manter fechados, para não serem impedidos pelas distrações de olhar com o olho da alma; mas os olhos da alma, que eles até então prazerosamente mantinham abertos sobre Deus e o seu Paraíso, foram os que eles, a meu ver, fecharam pelo seu pecado. Daí decorre igualmente o fato de nosso Salvador, sabendo que existem em nós duas espécies de olhos, declara: "Para um discernimento é que vim a este mundo: para que os que não veem, vejam, e os que veem, tornem-se cegos" (Jo 9,39). Por aqueles que não veem ele dá a entender os olhos da alma, a quem o Logos dá a faculdade de ver, e por aqueles que veem, os olhos dos sentidos que o Logos torna cegos, para que a alma veja sem distração o que ela deve ver. Portanto, todo homem que vive seu cristianismo como convém mantém acordado o olho de sua alma e fechado o dos sentidos. E à medida que o olho superior está aberto e fechada a visão dos sentidos, todos compreendem e contemplam ao Deus supremo e seu Filho, que é o Logos, Sabedoria, etc. - Depois da passagem que acabamos de examinar, Celso desenvolve para todos os cristãos um argumento que, a rigor, se aplicaria aos que se declaram absolutamente estranhos ao ensinamento de Jesus: assim, os ofitas que, como se dizia acima, rejeitam totalmente a Jesus, e alguns outros que sustentam opiniões análogas às suas; eis os impostores e feiticeiros que evocam fantasmas; eis os que aprendem miseravelmente os nomes dos porteiros. Portanto, ele se engana de destinatários quando diz aos cristãos: Se procurais um guia para este caminho, é preciso que fujais dos impostores e dos feiticeiros que evocam fantasmas. Ele não percebe que estas pessoas, tão impostoras quanto ele, falam mal de Jesus e de todas as religiões. Por isso ele acrescenta, confundindo-nos com eles em seu argumento: para evitardes este cúmulo do ridículo de falar mal tratando-os de fantasmas dos outros deuses visíveis, enquanto vós adorais um homem mais miserável que os próprios fantasmas verdadeiros, e que não é mais um fantasma mas na verdade um morto, e procurais para ele um pai semelhante a ele. O fato de Celso não ter sabido a diferença entre a posição dos cristãos e a dos inventores destas fábulas, de ele pensar que os agravos dirigidos a eles se aplicam a nós e o fato de nos opor a essa gente sem razão, transparece claramente das seguintes palavras: Eis aí a grande impostura, e estes conselheiros admiráveis, e as palavras maravilhosas dirigidas ao leão, ao anfíbio de cabeça de burro, e a outros porteiros divinos cujos nomes aprendestes miseravelmente de cor, pelos quais, ó infelizes, sois atormentados cruelmente, sois arrastados ao suplício, sois sacrificados! Com toda certeza ele ignora que nenhum daqueles que consideram como os porteiros do caminho de subida, os demônios em forma de leão e com cabeça de asno, e o anfíbio, resiste até à morte, mesmo em se tratando do que lhe parece a verdade. Mas o excesso de piedade, por assim dizer, que nos entrega a toda espécie de morte e à crucifixão é atribuído por ele aos que nada suportam de semelhante. É a nós que somos crucificados pela religião que ele critica por sua fábula de demônios em figura de leão, de anfíbio e outros. Não é Celso que nos desvia dessa doutrina sobre o demônio em forma de leão e outros: jamais admitimos qualquer coisa parecida. Nós nos conformamos é com o ensinamento de Jesus, afirmando o contrário do que eles dizem, e recusando admitir que Miguel ou algum dos que acabam de ser enumerados tenham tal forma de rosto. Teologia antiga e platônica - Mas devemos examinar quem é que Celso deseja ver-nos seguir para não ficarmos sem guias antigos e santas personagens. Ele nos remete aos poetas, inspirados segundo ele, nos filósofos, sem apresentar-lhes os nomes. Apesar de sua promessa de nos mostrar os guias, ele se limita a indicar, em geral, os poetas inspirados, os sábios, os filósofos. Se tivesse citado o nome de cada um deles, poderia parecer lógico opor que, para induzir em erro, ele nos desse como guias homens cegos à verdade, ou se não totalmente cegos, pelo menos no erro sobre muitas doutrinas da verdade. Entende então como poetas inspirados Orfeu, Parmênides, Empédocles, ou o próprio Homero ou também Hesíodo? Cada pessoa pode mostrar como aqueles que seguem tais guias caminham num caminho melhor e têm mais socorro nas dificuldades da vida do que os que, graças ao ensinamento de Jesus Cristo, disseram adeus a todas as imagens e estátuas, e mesmo a toda a superstição judaica, e que pelo Logos de Deus erguem seu olhar para o Deus único Pai do Logos. E quem são então os sábios ou os filósofos com os quais Celso quer que aprendamos muitas verdades divinas? Pois ele quer fazer que abandonemos Moisés, o servo de Deus, os profetas do Criador do universo que, verdadeiramente inspirados, disseram tantas verdades. Ele quer fazer-nos abandonar até Aquele que iluminou o gênero humano, anunciou o caminho da verdadeira piedade; o qual, enquanto dependia dele, a ninguém deixou sem participação em seus mistérios; que, ao contrário, no excesso de seu amor pelos homens, pode dar aos espíritos mais inteligentes uma concepção de Deus capaz de elevar a alma acima das coisas deste mundo; o qual, contudo, condescende em vir em auxílio dos pobres recursos dos homens ignorantes, das mulheres simples, dos escravos, em suma, dos que não têm o socorro de ninguém a não ser de Jesus somente para fazê-los levar uma vida melhor enquanto possível, com as doutrinas que eles puderam receber sobre Deus. - Em seguida, ele nos remete a Platão como a mestre mais eficaz em matéria de teologia, e cita a afirmação do Timeu: Descobrir o autor e pai deste universo é muito árduo, e uma vez descoberto, anunciá-lo a todos é impossível. Depois ele acrescenta: Vede pois como os intérpretes de Deus e os filósofos procuram o caminho da verdade, e como Platão sabia que era impossível a todos caminhar por ele. Mas como os sábios o encontraram para nos fazerem adquirir a respeito do Ser inominável e Primeiro alguma noção que o torne manifesto, quer pela síntese que domina as outras coisas, quer por separação delas, quer por analogia, quero ensinar o Ser que por outro caminho é inefável; mas ficarei muito espantado que possais me seguir, vós que viveis estreitamente presos à carne e cujo olhar nada tem de puro. A sentença de Platão é certamente sublime e não desprezível. Mas repara se a divina Escritura não representa com um amor maior da humanidade o Deus Logos, que "no princípio estava com Deus", tornando-se carne (Jo 1,1-2 14) para que pudesse chegar a todos os homens o Logos acerca do qual Platão diz que, uma vez descoberto, anunciá-lo a todos é impossível. Platão pode dizer: "Descobrir o autor e pai deste universo é muito árduo": ele dá a entender que não é impossível para a natureza humana descobrir a Deus como ele merece ou, se não como ele merece, pelo menos mais e melhor do que a multidão. Se isto fosse verdade e Deus fosse realmente descoberto por Platão ou por algum dos gregos, eles não teriam venerado, chamado a deus, adorado nenhuma outra coisa, quer abandonando-o, quer associando nele coisas incompatíveis com sua majestade. Nós, porém, sustentamos que a natureza humana não é capaz, em si mesma, de modo algum, de procurar a Deus e descobri-lo com pureza, a não ser que seja ajudada por Aquele que procuramos. E ele é descoberto pelos que reconhecem, depois de terem feito o que podiam, que têm necessidade dele. Ele manifesta-se àqueles a quem ele julga razoável aparecer à medida que naturalmente é possível a Deus ser conhecido pelo homem e à alma humana sempre no corpo conhecer a Deus. - Além disso, quando Platão diz que, uma vez descoberto o autor e o pai do universo, é impossível anunciá-lo a todos, ele declara não que ele seja inefável e inominável, mas que ele é inexprimível e pode ser dito a um pequeno número. Depois Celso, como se houvesse esquecido as palavras de Platão que ele citou, diz que até para esses Deus é inominável: pois os sábios o encontraram para que pudéssemos adquirir uma noção do Ser inominável e Primeiro. Ora, nós dizemos que Deus não é o único ser inefável, mas que existem outros entre os seres inferiores a ele. Foi o que Paulo procurou indicar dizendo: "Ouviu palavras inefáveis, que não é lícito ao homem repetir" (2Cor 12,4), frase em que a palavra "ouviu" é sinônimo de "compreendeu" como no exemplo: "Quem tem ouvidos, ouça!" (Mt 11,15; 13,9) Afirmamos, portanto, que ver o autor e o pai do universo é trabalho árduo. Nós, porém, o vemos da maneira como o indica não só a promessa: "Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus" (Mt 5,8), mas também a declaração daquele que é a "imagem do Deus invisível": "Quem me vê, vê o Pai que me enviou" (Cl 1,15; Jo 14,9). Com efeito, nenhum homem sensato dirá que Jesus disse: "Quem me vê, vê o Pai que me enviou" referindo estas palavras a seu corpo sensível e visível aos homens. Do contrário, também teriam visto Deus Pai todos aqueles que diziam: "Crucifica-o, crucifica-o!", bem como Pilatos que recebera o poder sobre a natureza humana de Jesus, o que é absurdo. Que as palavras: "Quem me vê, vê o Pai que me enviou" não devem ser tomadas em sua acepção ordinária, a prova está nas palavras ditas a Filipe: "Há tanto tempo estou convosco e tu não me conheces, Filipe?" era a resposta ao pedido: "Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta!" (Jo 14,8-9) Portanto, quando tivermos compreendido que é preciso entender estas palavras do Deus unigênito Filho de Deus, o Primogênito de toda criatura, enquanto o Logos se fez carne, saberemos como, vendo a Imagem do Deus invisível, conheceremos o pai e o autor deste universo. - Celso pensa que Deus é conhecido pela síntese que domina as outras coisas, semelhante à síntese de que falam os geômetras, quer pela análise que o distingue das outras coisas, quer também por uma analogia semelhante à sua, se formos capazes, porém, de chegar por este método ao vestíbulo do Bem. Mas ao dizer: "Ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar" (Mt 11,27; Lc 10,22), o Logos de Deus declara que Deus é conhecido por favor divino, inseparável da ação de Deus na alma que nela produz uma espécie de transporte divino. É muito natural que o conhecimento de Deus ultrapasse a natureza humana; por isso se explica por que há tantos erros a respeito de Deus. Mas, graças à bondade e ao amor de Deus pelos homens, por um favor milagroso propriamente divino, este conhecimento de Deus chega a todos os que foram predestinados, porque Deus sabia de antemão que eles viveriam de maneira digna de Deus que eles teriam conhecido: não falsificariam em nada a religião para com ele, ainda que os que não têm nenhuma ideia da religião e a imaginam bem diferente do que ela é realmente os conduzissem à morte, ainda que os julgassem extremamente ridículos. Mas Deus, imagino eu, via a arrogância e o desprezo pelos outros daqueles que se orgulham de ter, pela filosofia, conhecido a Deus e conhecido seus segredos e que, entretanto, tal como os incultos, se desvelam em volta de suas estátuas, de seus templos, e dos mistérios tão celebrados; ele, portanto, escolheu "o que é loucura no mundo", os cristãos mais simples, cuja conduta é mais moderada e mais pura do que a de muitos filósofos, "para confundir os sábios" (1Cor 1,27) que não se envergonham de seu comércio com os seres inanimados tratando-os como deuses ou imagens de deuses. Que homem sensato não riria daquele que, depois de tantas especulações filosóficas sublimes sobre Deus ou os deuses, volta seus olhos para as estátuas e lhes dirige sua prece ou, através destas imagens que ele vê, a oferece na realidade ao ser objeto de seu pensamento para o qual ele imagina que deve subir a partir das coisas visíveis e do símbolo? Mas o cristão mais simples sabe que qualquer lugar do mundo é parte do todo e que o mundo inteiro é o templo de Deus. Orando "em todo lugar", depois de ter fechado a entrada dos sentidos e aberto os olhos da alma, eleva-se acima de todo o mundo; nem mesmo se detém na abóbada do céu, mas atingindo pelo pensamento o lugar supraceleste, guiado pelo Espírito divino e, por assim dizer, fora do mundo, faz subir até Deus sua oração que não tem como objeto as coisas passageiras. Pois ele aprendeu de Jesus a não procurar nada de pequeno, quer dizer sensível, mas somente as coisas grandes e verdadeiramente divinas que sobrevêm como dons de Deus para guiar à bem-aventurança junto dele, por seu Filho, o Logos que é Deus. A verdade e a vida - Mas, vejamos o que pretende ele nos ensinar, se é que somos capazes de seguir seu pensamento, quando declara que somos estreitamente presos à carne, mas que, se levarmos vida correta segundo a doutrina de Jesus, ouvimos a palavra: "Vós não estais na carne, mas no espírito, se é verdade que o Espírito de Deus habita em vós" (Rm 8,9) Ele acrescenta que nosso olhar nada tem de puro, nós que nos esforçamos até em nossos pensamentos por evitar a impureza das sugestões do mal e dizemos em nossa oração: "Ó Deus, cria em mim um coração puro, renova um espírito firme no meu peito" (Sl 50,12), para poder contemplar a Deus com um coração puro, único capaz de vê-lo. E eis o que ele diz: "A essência e a geração constituem o inteligível e o visível. A verdade acompanha a essência, o erro a geração. À verdade se liga a ciência, ao outro domínio a opinião. O inteligível é questão de intelecção, o visível, de visão. É o intelecto que conhece o inteligível, e o olho o visível. Portanto, o que é o sol para as coisas visíveis - ele não é nem olho nem visão, mas é causa, para o olho do fato de ver, para a visão do fato de, por ele, ela existir, para as coisas visíveis, do fato de serem vistas, para todas as coisas sensíveis, do fato de serem sujeitas à geração; e bem mais, ele mesmo é para si mesmo causa de o verem - eis o que Deus é para as coisas inteligíveis: ele não é nem o intelecto, nem a intelecção, nem a ciência, mas ele é a causa, para o intelecto, de seu ato de inteligência, para a intelecção, do fato de ela existir por ele, para a ciência, do fato de que por ele ela conhece, para todas as coisas inteligíveis e a própria verdade e a própria essência, do fato de existirem, sendo ele mesmo, além de todas as coisas, inteligível por certo poder inefável. Estas reflexões dirigem-se aos inteligentes. Se compreendeis alguma coisa vós mesmos, melhor para vós. E se acreditais que um espírito desce de junto de Deus para anunciar antecipadamente as coisas divinas, pode ser este espírito que proclama tudo isso; na verdade, penetrados por ele é que os antigos anunciaram tantas doutrinas excelentes. Se não conseguis entendê-los, calai-vos, escondei vossa ignorância, não trateis como cegos os que veem, de coxos os que correm, quando na verdade vós é que sois coxos e mutilados na alma, e viveis apenas para o corpo, quer dizer, para uma coisa morta." - Para nós que temos o cuidado em não combater nada que seja nobremente expresso, ainda que os autores sejam estranhos à nossa fé, e em não provocar discussões nem pretender derrubar as doutrinas sadias, eis nossa resposta. É inútil insultar os que querem consagrar todos os seus esforços em praticar a piedade para com o Deus do universo, que acolhe tanto a fé que os simples têm nele quanto a piedade refletida daqueles que têm mais inteligência, e que fazem subir suas preces com ação de graças ao Criador do universo como o Sumo Sacerdote que dirigiu pelos homens a piedade pura para com Deus; é inútil tratar essas pessoas de coxos e mutilados na alma, e dizer que elas vivem para o corpo, coisa morta, pois elas dizem com toda alma: "Embora vivamos na carne, não militamos segundo a carne. Na verdade, as armas com que combatemos não são carnais, mas têm, ao serviço de Deus, o poder de destruir fortalezas" (2Cor 10,3-4): cuidado, pois basta falar mal das pessoas que oram por serem de Deus e já se faz a alma coxear e se mutila em si mesmo "o homem interior" amputando-o, por estas calúnias contra os que querem viver na virtude da moderação e do equilíbrio, cuja semente o Criador naturalmente lançou na natureza racional! Quando ao contrário tivermos aprendido, entre outras coisas do divino Logos para vivê-lo na prática, quando somos insultados, a bendizer, quando somos perseguidos, a suportar, quando somos caluniados, a suplicar, seremos do número dos que, tendo corrigido os passos da alma, purificam e preparam a alma inteira. Não se trata de distinguir apenas em palavras a essência da geração, o inteligível do visível, de referir a verdade à essência, de fugir por todos os meios do erro que acompanha a geração. Por este ensinamento fugimos, não das coisas da geração, que vemos e que, por esta razão, são passageiras, mas às realidades superiores, quer as chamemos essência, quer invisíveis porque são inteligíveis, ou coisas que não vemos porque é próprio de sua natureza fugir aos sentidos. É exatamente esta a maneira como os discípulos de Jesus consideram o que está sujeito à geração, servindo-se dela como de degrau para chegar a compreender a natureza das realidades inteligíveis. Pois "as obras invisíveis de Deus", quer dizer, as realidades inteligíveis, "desde a criação do mundo podem ser conhecidas através das criaturas" pela ação do espírito. Entretanto, depois de se terem elevado das coisas criadas do mundo às obras invisíveis de Deus, eles não param. Mas, depois de se terem exercitado suficientemente por elas e as ter compreendido, os discípulos de Jesus sobem até ao poder eterno de Deus, quer dizer, à sua divindade. Eles sabem que Deus em seu amor aos homens manifestou a verdade e o que podemos conhecer dele mesmo, não somente aos que lhe são consagrados, mas também aos que são estranhos à pura religião e à piedade para com ele. Infelizmente, alguns, elevados pela Providência de Deus ao conhecimento de tão sublimes realidades, têm uma conduta indigna deste conhecimento, cometem a impiedade, retêm "a verdade prisioneira na injustiça" e, em razão de seu conhecimento destas elevadas realidades, não conseguem mais encontrar oportunidade de escusa junto a Deus. - Pelo menos é este o testemunho do divino Logos concernente aos que aceitaram as ideias que Celso apresenta e professam uma filosofia de acordo com estas doutrinas: "Pois, tendo conhecido a Deus, não o honraram como Deus nem lhe renderam graças; pelo contrário, eles se perderam em vãos arrazoados", e depois da luz viva do conhecimento das realidades que Deus lhes manifestou, "seu coração insensato ficou nas trevas" (Rm 1,21) Podemos então ver como os que "se jactam de possuir a sabedoria" deram exemplos de grande loucura. Depois de ter ouvido estas belas doutrinas sobre Deus e os inteligíveis, "trocaram a glória do Deus incorruptível por imagens do homem corruptível, de aves quadrúpedes e répteis". E assim, abandonados pela Providência por sua vida indigna das verdades que Deus lhes manifestou, eles chafurdam nas concupiscências de seu coração que os arrastam à impureza e aviltam seus corpos em todas as torpezas de uma vida licenciosa; tudo isso, por terem trocado "a verdade de Deus pela mentira e adoraram e serviram à criatura em lugar do Criador" (Rm 1,22-25) - Mas aqueles que eles desprezam por sua falta de cultura e tratam como loucos e escravos, só porque confiam em Deus depois de terem recebido o ensinamento de Jesus, se abstêm da imoralidade, da impureza e de toda indecência da união carnal, de modo que, como os sacerdotes perfeitos que se proibiram qualquer união, muitos deles se mantêm não só distantes de qualquer relação carnal, mas numa pureza perfeita. Sem dúvida, entre os atenienses existe um hierofante que, julgando-se incapaz de controlar sua virilidade e dominá-la segundo sua vontade, amortece pela cicuta a sua virilidade, e é considerado puro para se dedicar ao culto tradicional dos atenienses. Mas entre os cristãos podemos encontrar homens que não precisam de cicuta para servir a Deus na pureza; em vez da cicuta, basta-lhes a doutrina para servirem a Deus na oração e expulsar de seu pensamento qualquer cobiça. Na companhia dos outros pretensos deuses, virgens em bem reduzido número - guardadas ou não por homens, não cabe aqui investigar este fato - parecem passar sua vida na pureza para honrar a divindade. Entre os cristãos, não são as honras humanas, nem um salário ou donativos em dinheiro, nem a gloríola que os levam a observar uma virgindade perfeita; e como "elas julgaram bom ter o conhecimento de Deus", Deus as guarda num espírito que lhe apraz e "fazer o que convém" (Rm 1,28-29), repletas de toda justiça e toda bondade. - Tudo isso não digo para rivalizar com os belos pensamentos dos gregos, nem criticar as doutrinas sadias, mas quero deixar claro que estes pensamentos e outros, mais profundos e mais divinos ainda, foram expressos por homens divinos, profetas de Deus e apóstolos de Jesus, perscrutados pelos que querem ser perfeitamente cristãos, sabendo que "a boca do justo medita a sabedoria e sua língua fala o direito; no seu coração está a lei do seu Deus" (Sl 36,30-31) Além disso, existem pessoas que também não enxergam claramente estas verdades, por causa de sua profunda ignorância, de sua simplicidade, ou pela falta de conselheiros que os tivessem arrastado a uma piedade racional; eles creem, entretanto, no Deus supremo e no seu Filho único Logos de Deus; e podemos encontrar neles um grau de seriedade e de pureza, uma inocência de costumes e uma simplicidade muitas vezes superior, que não alcançaram aqueles "que se jactam de possuir a sabedoria" e chafurdam na imoralidade com filhos, "praticando torpezas homens com homens" (Rm 1,22 27) - Celso, portanto, não explicou como o erro acompanha a geração, nem mostrou o que ele queria dizer para que o compreendêssemos comparando suas ideias com as nossas. Mas os profetas sugerem uma sábia doutrina a respeito da geração: eles dizem que um sacrifício "pelo pecado" é oferecido mesmo pelos recém-nascidos, porque não são puros de pecado. E acrescentam: "Eis que eu nasci na iniquidade, minha mãe concebeu-me no pecado" (Sl 50,7). Além disso, declaram que "os ímpios se desviaram desde o seio materno" e fazem esta observação espantosa: "desde o ventre materno já falam mentiras" (Sl 57,4) Mas os nossos sábios têm tal desprezo pela natureza das coisas sensíveis que qualificam os corpos ora de vaidade: "De fato, a criação foi submetida à vaidade - não por seu querer, mas por vontade daquele que a submeteu com a esperança" (Rm 8,20); ora de vaidade das vaidades, conforme o Eclesiastes: "Vaidade das vaidades, tudo é vaidade" (Ecl 1,2). Onde encontrar tal descrédito lançado sobre a vida da alma humana neste mundo senão no autor que diz: "Todas as coisas não passam de vaidade, vaidade todo homem vivo!" (Sl 38,6) Ele não põe em dúvida a diferença para a alma entre a vida neste mundo e a vida fora deste mundo, não diz: "Quem sabe se viver não é morrer, e se morrer não é viver?" (Eurípides, Fragm. 638). Mas ele tem a coragem da verdade nestas palavras: "Nossa alma foi humilhada na poeira"; "Tu me colocas na poeira da morte" (Sl 43,26; 21,16). E como está dito: "Quem me libertará deste corpo de morte?" e igualmente: "Quem transformará nosso corpo de miséria?" (Rm 7,24; Fl 3,21) Também vale a palavra do profeta: "Tu nos humilhaste num lugar de aflição" (Sl 43,20), em que "lugar de aflição" designa o lugar terrestre em que vem Adão, que é o homem, depois de ter sido expulso do paraíso. E considera a profundidade de vista que possuía sobre a condição de vida diferente para as almas aquele que diz: "Agora vemos em espelho e de maneira confusa, mas, depois, veremos face a face"; e também: "Enquanto habitamos neste corpo, estamos fora de nossa mansão, longe do Senhor", por isso "preferimos deixar a mansão deste corpo para ir morar junto do Senhor" (1Cor 13,12; 2Cor 5,6 8) - Mas por que deveria eu multiplicar as citações contra as palavras de Celso para provar que essas doutrinas foram professadas entre nós bem antes das suas, quando meu objetivo é evidente segundo os testemunhos relatados? Aqui, porém, ele parece admitir isso, dizendo que se um espírito divino desce de junto de Deus para anunciar de antemão as coisas divinas, pode ser este espírito que proclama tudo isto; na verdade, penetrados por ele é que os antigos anunciaram tantas doutrinas excelentes. Mas ele não viu a superioridade das ideias precisas que temos quando dizemos: "Todos levam o teu espírito incorruptível! Por isso, pouco a pouco" Deus convence "os que caem" (Sb 12,1-2). E nós afirmamos, entre outras coisas, que as palavras: "Recebei o Espírito Santo" (Jo 20,22) indicam que o dom difere em intensidade daquele designado pelas palavras: "Sereis batizados com o Espírito do Senhor dentro de poucos dias" (At 1,5) O que é trabalhoso é refletir seriamente nestes assuntos e ver a diferença entre os que puderam, por longos intervalos, abrir-se à compreensão da verdade e a uma concepção limitada de Deus, e os que, sob inspiração divina mais elevada, continuamente unidos a Deus, estão sempre sob a direção do Espírito divino. Se Celso tivesse examinado e compreendido isto, não nos teria acusado de ignorância, nem proibido de tratar como cegos os que veem uma expressão da piedade nas obras materiais da arte humana como são as estátuas. Pois todo o que abre os olhos da alma não segue outro método para adorar a divindade a não ser o que ensina a sempre ter os olhos fixos no Criador do universo, em lhe oferecer toda prece e em fazer tudo sob os olhos de Deus, que enxerga até nossos pensamentos. Desejamos pois ver-nos a nós mesmos e ser guias de cegos até que cheguem ao Logos de Deus e recuperem a visão da alma ofuscada pela ignorância. Levando conduta digna daquele que disse a seus discípulos: "Vós sois a luz do mundo" (Mt 5,14), do Logos que ensinou que "a luz brilha nas trevas" (Jo 1,5), seremos também a luz daqueles que vivem na escuridão, educaremos os insensatos e instruiremos as crianças. - Que Celso não se aborreça se tratamos de coxos e mutilados das pernas da alma os que correm aos objetos considerados sagrados como se eles fossem de verdade e não veem que nenhuma obra de artesãos pode ser sagrada. Mas os que professam a piedade conforme o ensinamento de Jesus correm igualmente, até que, chegados ao final da corrida, exclamam com um coração firme e sincero: "Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. Desde já me está reservada a coroa da justiça" (2Tm 4,7-8) É "assim e não ao incerto" que corre cada um de nós, "assim" pratica o pugilato, "não como quem fere o ar" (1Cor 9,26), mas ferindo os que são dominados pelo "Príncipe do poder do ar, o espírito que agora opera nos filhos da desobediência" (Ef 2,2). Celso pode dizer que vivemos para o corpo, que é coisa morta! Nós ouvimos a palavra: "Se viverdes segundo a carne, morrereis, mas, se pelo Espírito fizerdes morrer as obras do corpo, vivereis" (Rm 8,13) Sabemos que "Se vivemos pelo Espírito, pelo Espírito pautemos também a nossa conduta" (Gl 5,25). Ah! Oxalá possamos mostrar por nossas ações que ele mentiu ao dizer que vivemos para o corpo, que é coisa morta. Heróis e sábios comparados a Jesus - Depois de seu ataque, que amorteci da melhor forma, ele nos interpela: Como teria sido melhor, pois tínheis tanta coisa a inovar, se procurásseis outro homem entre aqueles cuja morte foi heroica e que puderam merecer tornar-se objeto de mito divino! Por exemplo, se Héracles, Asclépio, os antigos heróis reverenciados não vos agradam, vós teríeis Orfeu, homem de espírito piedoso como todos concordam, também ele vítima de morte violenta. Mas talvez outros já o tivessem escolhido? Mas vós tínheis pelo menos Anaxarco que, lançado num pilão, moído da maneira mais iníqua, exprimiu seu perfeito desprezo pela tortura: "Tritura, tritura o saco que envolve Anaxarco, mas a ele mesmo não podes triturar." Palavras de um espírito verdadeiramente divino. Mas também aqui, certos filósofos naturalistas vos ultrapassaram tomando-o como mestre. Então, não tínheis Epicteto? Como o seu mestre lhe torcia a perna, ele, sorridente, dizia sem emoção: "Tu vais quebrá-la"; e quando a perna foi quebrada, ele disse: "Não te dizia eu que ias quebrá-la?" Que disse vosso Deus de semelhante em seu suplício? Tínheis pelo menos a Sibila que alguns dentre vós utilizam: com mais razão a teríeis proposto como filha de Deus. Mas só podeis intercalar ao acaso em seus versos várias blasfêmias, e apresentais como Deus aquele cuja vida foi muito infame e a morte muito lamentável. Quanto não vos seriam mais convenientes Jonas debaixo da mamoneira, ou Daniel salvo das feras, ou outros de ações mais prodigiosas ainda? - Já que Celso nos remete a Héracles, cabe-lhe apresentar-nos alguns trechos memoráveis de suas palavras, e justificar sua indigna escravidão junto de Ônfale! Cabe-lhe mostrar que era ato digno de honras divinas o apossar-se à força como assaltante do boi de um lavrador, devorá-lo e, comendo, comprazer-se com as injúrias que recebia do lavrador, de tal modo que até hoje conta-se que o sacrifício oferecido ao demônio de Héracles é acompanhado de certas maldições. Ao recordar Asclépio, ele me convida à repetição, pois já falei dele; mas me contento com o que já disse. E por outro lado, o que admirou ele em Orfeu para dizer que este homem, de espírito piedoso, como todos dizem, levou uma vida virtuosa? Eu me pergunto se não é para nos provocar e denegrir a Jesus que ele canta agora os louvores de Orfeu, e se, ao ler seus mitos ímpios sobre os deuses, ele não se desviou aborrecido de seus poemas que merecem, mais do que os de Homero, ser banidos de uma boa república. Pois a respeito daqueles que são considerados deuses encontram-se coisas em Orfeu muito piores do que em Homero. Anaxarco, devo admitir, foi um herói nas palavras dirigidas ao tirano de Chipre Aristocreonte: "Tritura, tritura o saco que envolve Anaxarco!" Mas é o único traço admirável que os gregos sabem a seu respeito; ainda que por isso, como pensa Celso, se devesse honrar a coragem deste homem, seria irracional proclamar deus a Anaxarco. Também nos remete ele a Epicteto cujas nobres palavras todos admiram. Mas o que ele disse quando lhe era quebrada a perna nada tem de comparável às obras milagrosas de Jesus nas quais Celso se recusa a acreditar, nem às suas palavras que, pronunciadas com poder divino, convertem hoje ainda não só alguns indivíduos da multidão dos simples, mas também bom número de homens inteligentes. - Depois da lista desses grandes homens, ele acrescenta: Que disse vosso Deus de semelhante em seu suplício? Podemos responder-lhe: seu silêncio no meio dos golpes e dos numerosos ultrajes manifesta mais firmeza e paciência do que todas as palavras ditas pelos gregos sujeitos à tortura, se é que quer acreditar ser leal a narrativa feita por homens sinceros: eles narraram sem mentir os fatos extraordinários, entre os quais eles contaram seu silêncio sob os golpes. Mesmo insultado e revestido do manto de púrpura, a coroa de espinhos em volta da cabeça e na mão o caniço à guisa de cetro, conservava extrema brandura sem uma palavra vulgar ou indignada contra os autores capazes desta perversidade. Jesus não disse por covardia, como alguns pensam, esta oração: "Meu Pai, se é possível, afaste-se de mim este cálice; contudo, não seja como eu quero, mas como tu queres" (Mt 26,39). Não era conforme o caráter daquele que por firmeza permaneceu silencioso sob os golpes, e com brandura suportou todos os ultrajes infligidos por aqueles que zombavam dele. Se ele parece pedir que seja afastado o cálice, é em outro sentido que estudei longamente e expliquei em outra parte. Mas, ouvindo mais simplesmente, repara se a oração não está impregnada de piedade com Deus. Todos sabem que aquilo que acontece casualmente não é o principal, mas todos suportam, quando as circunstâncias exigem, o que pode acontecer sem ser principal. Além disso, as palavras: "contudo, não seja como eu quero, mas como tu queres" não eram palavras de alguém que se entrega, mas que aceita o que acontece e prefere as circunstâncias permitidas pela Providência. - Em seguida, ele quis, não sei por quê, que proclamemos como Filho de Deus não a Jesus, mas a Sibila. E declara que intercalamos em seus versos várias blasfêmias, sem determinar o que intercalamos. Ele teria determinado, se tivesse mostrado que as mais antigas cópias eram mais puras e não continham o que ele acredita ter sido intercalado. Tampouco mostra que sejam blasfêmias, e repete o que disse não duas ou três vezes, e sim muito mais, que a vida de Jesus foi muito infame, sem se deter em nenhum dos atos que ele considera como muito infames. De modo que ao dizer isto, ele parece não apenas afirmar sem provar, mas também insultar um homem que ele ignora. Se tivesse citado os aspectos da vida muito infames que as ações de Jesus lhe revelam, eu teria contestado cada um dos aspectos que lhe parecem muito infames. A censura dirigida a Jesus de ter tido morte muito lamentável também poderia ser formulada a propósito de Sócrates, de Anaxarco mencionado por ele um pouco mais acima, e de uma infinidade de outros. Se a morte de Jesus foi muito lamentável, a deles não terá sido? Ou se a deles não foi muito lamentável, a sua acaso o foi? Vês bem, aí de novo, que Celso tinha em vista injuriar grosseiramente a Jesus, instigado, penso eu, por um espírito que Jesus tinha vencido e expulso, para impedi-lo de encontrar seu alimento no cheiro de gorduras e no sangue e de continuar a enganar os que procuram a Deus nas estátuas terrestres em lugar de levantar os olhos ao verdadeiro Deus supremo. - Em seguida, como se quisesse inflar seu livro, quis nos fazer crer na divindade de Jonas e não na de Jesus; ele preferiu Jonas, que pregou a penitência à única cidade de Nínive, a Jesus, que pregou ao mundo inteiro com mais êxito. Ele nos quis fazer proclamar a divindade daquele que realizou o extraordinário prodígio de passar três dias e três noites no ventre da baleia. Mas aquele que aceitou morrer pelo homens, do qual Deus deu testemunho pelos profetas, Celso não admitiu que merecesse o segundo lugar de honra depois do Deus do universo, pelas belas ações que realizou no céu e na terra. Jonas, por se ter recusado a pregar o que Deus lhe ordenara, foi engolido pela baleia. Mas Jesus, por ter ensinado o que Deus queria, aceitou morrer pelos homens. Ele afirma em seguida que Daniel, que escapou dos leões, merece mais ser adorado por nós do que Jesus, que calcou aos pés a ferocidade de todo poder adverso e nos deu "o poder de pisar serpentes, escorpiões e todo o poder do Inimigo" (Lc 10,19). Então, sem ter mais exemplos, acrescenta: ou outros de ações ainda mais prodigiosas, para insultar ao mesmo tempo Jonas e Daniel; pois, em Celso, o espírito não aprendeu a falar bem dos justos. Resistência e brandura - Depois disso, vejamos o que diz o texto a seguir: Eles têm ainda como preceito não resistir ao ultraje: "A quem te ferir numa face, oferece a outra" (Lc 6,29). É uma antiga máxima muito bem expressa antes deles e que eles lembraram em termos mais populares. Com efeito, Platão representou Sócrates no seguinte diálogo com Críton: "Não se deve de modo algum cometer injustiça? Certamente não. Nem tampouco responder à injustiça com a injustiça, como se pensa geralmente, pois não se deve de modo algum cometer injustiça? Evidentemente não. E então? Críton! Deve-se, ou não, praticar o mal? Não se deve, suponho eu, Sócrates. Mas então? Retribuir aos outros com o mal que sofremos, será justo, como pretende a multidão, sim ou não? De modo algum. Sem dúvida é porque não existe nenhuma diferença entre praticar o mal com os outros e cometer injustiça? Dizes a verdade. Portanto, não se deve responder à injustiça com a injustiça, nem praticar o mal com ninguém, apesar de tudo o que se possa sofrer." É esta a opinião de Platão. E ele prossegue: "Portanto, examina também tu, com muita atenção, se tens o meu sentimento e partilhas de meu parecer, e se em nossa deliberação, partimos deste princípio que nunca é bom nem cometer injustiça, nem responder à injustiça com a injustiça, nem resistir ao mal retribuindo o mal com o mal. Ou deixas de estar de acordo e de mesmo sentimento sobre o princípio? Para mim, há muito tempo que este é meu parecer, e ainda hoje o mantenho." Tal é, pois, a doutrina de Platão. E já anteriormente ela tinha sido sustentada por homens divinos. Mas a res-peito desse ponto, como acerca dos outros que eles alteram, é preciso se ater ao que acaba de ser dito. Quem desejar procurar outros exemplos os encontrará. - Sobre esta máxima e todas as outras citadas por Celso que, não podendo resistir à sua verdade, afirma que elas foram ditas pelos gregos, eis o que se deve dizer. Que a doutrina seja benéfica e de sentido razoável, que seja ensinada entre os gregos por Platão ou por algum de seus sábios, entre os judeus por Moisés ou algum dos profetas, entre os cristãos nas palavras evangélicas de Jesus ou nos discursos dos apóstolos, não se deve considerar como repreensível uma afirmação dos judeus e dos cristãos porque foi dita igualmente entre os gregos, sobretudo quando fica demonstrada a anterioridade dos escritos dos judeus com relação aos dos gregos. Tampouco se deve julgar a mesma doutrina revestida com a beleza do estilo grego absolutamente superior à que é enunciada num estilo mais popular e em termos mais simples entre os judeus e entre os cristãos. Entretanto, o texto original dos judeus no qual os profetas nos deixaram seus livros foi escrito em língua hebraica com a arte de composição literária de sua língua. E se for preciso mostrar que as mesmas doutrinas, por mais paradoxal que seja a intenção, foram mais bem expressas pelos profetas dos judeus ou pelos discursos dos cristãos, podemos estabelecer a tese por um exemplo referente à alimentação e à maneira de prepará-la. Suponhamos que um alimento sadio e fortificante seja preparado de maneira especial, temperado com determinados condimentos, e que ele seja servido não aos camponeses que, educados em suas taperas e na pobreza, não aprenderam a comer tais alimentos, mas apenas pelos ricos efeminados. Suponhamos que estes alimentos sejam preparados não desta maneira apreciada pelas pessoas que passam como gente distinta, mas como aprenderam a comê-lo os pobres, os mais humildes, a maioria dos homens, e que então todas as multidões deles se alimentem. Ora, se concordarmos que o primeiro modo de preparar mantém a saúde exclusivamente dos que são considerados pessoas finas, pois ninguém do povo come semelhantes iguarias, e que o segundo melhore a saúde das multidões humanas, a quem então preferir, em nome do bem comum, para a preparação de alimentos sadios? Aos que o fazem em proveito exclusivamente dos conhecedores, ou aos que o fazem em proveito das multidões? Admitamos que uma saúde igual e um reconforto provenham dos alimentos preparados de um ou de outro modo: é claro que o amor dos homens e o bem comum fazem considerar o médico que cuida da saúde da multidão como mais útil à comunidade do que aquele que o faz por um pequeno número. - Uma vez bem compreendido este exemplo, cumpre aplicá-lo à qualidade do alimento espiritual dos seres racionais. Vê se Platão e os sábios da Grécia com suas belas sentenças não se parecem com os médicos que reservaram sua solicitude às pessoas consideradas distintas e desprezaram a multidão dos homens. Pelo contrário, os profetas da Judeia e os discípulos de Jesus renunciaram à arte da composição literária e, como diz a Escritura aludindo à linguagem, "à sabedoria dos homens, à sabedoria carnal" (cf 1Cor 2,5): eles são comparáveis a pessoas que tiveram cuidado de preparar e condimentar alimentos muito sadios da mesma qualidade, graças a uma composição literária ao alcance das multidões humanas, não estranha à sua linguagem, que não os impede, por alguma estranheza e algum caráter insólito, de ouvir tais conversas. Como realmente a finalidade dos alimentos espirituais, se assim posso dizer, é tornar resistente e brando aquele que os consome, como não considerar uma doutrina que produz nas multidões resistência e brandura, ou ao menos progresso nestas virtudes, como mais bem preparada do que aquela que as dá, admitindo que ela as dá, apenas a muito poucas pessoas que facilmente se podem contar. Se Platão tivesse desejado ajudar com sãs doutrinas os que falam o egípcio ou o sírio, teria previamente o cuidado, sendo grego, de aprender as línguas de seus ouvintes e, segundo a expressão dos gregos, de falar bárbaro para tornar melhores os egípcios e os sírios, evitando a impossibilidade de dizer algo de útil aos egípcios e aos sírios. Assim também a natureza divina, que previamente providenciava o bem não só dos que eram vistos como formados na cultura grega, mas também do restante dos homens, condescendeu com a ignorância das multidões de ouvintes. Assim, usando de expedientes que lhes são familiares, ela ganhou os ouvintes da multidão dos simples: eles facilmente poderão, uma vez feita a sua iniciação, aspirar a captar até os pensamentos mais profundos escondidos nas Escrituras. Pois fica claro, até numa primeira leitura, que muitas passagens podem comportar sentido mais profundo que o sentido que aparece logo à primeira vista. Este sentido se torna claro aos que se entregam ao exame da doutrina, e de clareza proporcionada ao estudo feito da doutrina e do zelo empregado em praticá-la. - Fica bem claro que, dizendo em termos mais populares, segundo Celso: "A quem te ferir numa face, oferece a outra"; "Àquele que quer pleitear contigo, para tomar-te a túnica, deixa-lhe também a veste" (Lc 6,29; Mt 5,40), Jesus traduziu e apresentou sua doutrina de maneira mais útil à vida sob esta forma do que sob a forma que Platão lhe dá no Críton. Pois, longe do alcance do povo simples, Platão é apenas compreendido por aqueles que receberam a cultura geral antes de tratar a venerável filosofia dos gregos. Deve-se notar igualmente que o sentido desta resistência não é alterado pela popularidade das expressões de Jesus, mas também Celso calunia a Escritura quando diz: Mas no tocante a esse ponto, como no concernente aos outros que eles alteram, é preciso se ater ao que acaba de ser dito. Quem desejar procurar outros exemplos os encontrará. Intolerância - Pois bem, vejamos o que ele declara em seguida: Fiquemos por aqui! Eles não podem tolerar a vista dos templos, dos altares, das estátuas. O mesmo se diga dos citas, dos nômades da Líbia, dos seres, povo sem deus, de outras nações sem fé nem lei. É igualmente o sentimento dos persas, como relata Heródoto: "Os persas, pelo que sei, observam os costumes seguintes: em geral não erguem estátuas, nem templos, nem altares; pelo contrário, consideram loucura dos que o fazem; a razão é que, a meu ver, jamais pensaram como os gregos, que os deuses têm a mesma natureza que os homens." E a respeito, eis mais ou menos o que declara Heráclito: "E também estas estátuas para as quais eles oram, como se tagarelassem com as casas. Eles nada sabem da verdadeira natureza dos deuses e heróis." O que nos ensinam eles, pois, de mais sábio do que Heráclito? Ele, pelo menos, insinua que é tolice rezar para estátuas quando não se conhece a verdadeira natureza dos deuses e dos heróis. É esse o pensamento de Heráclito. Eles desprezam abertamente as estátuas. Será porque a pedra, a madeira, o cobre, o ouro não podem pelo trabalho deste ou daquele artesão se tornar um deus? Sabedoria bem ridícula essa! Quem então, a menos que seja muito criança, considera-os como deuses e não como oferendas votivas consagradas aos deuses e imagens dos deuses? Será que não se deve admitir imagens divinas porque Deus é de outra forma, como também pensam os persas? E sem saber, eles mesmos se refutam quando dizem: Deus fez o homem à sua imagem e de forma semelhante à sua. Deverão concordar certamente que essas estátuas existem em honra de certos seres, semelhantes ou diferentes na forma, mas eles pensam que esses seres a quem elas são consagradas não são deuses mas demônios, e que não se deve prestar culto aos demônios quando se adora a Deus. - A isso devemos responder: se de fato os citas, os nômades da Líbia, os seres que Celso declara povo sem deus, e muitas outras nações sem fé nem lei, e se os próprios persas não podem tolerar a vista de templos, de altares, de estátuas, a razão de sua intolerância não é a mesma que a nossa. De fato é preciso examinar as doutrinas que levam à intolerância os que não podem tolerar os templos e as estátuas, a fim de poder louvar esta intolerância se ela é motivada por sãs doutrinas, e censurá-la se os motivos são errôneos. Pois é possível que a mesma atitude provenha de doutrinas diferentes. Por exemplo, os filósofos que seguem Zenão de Cício evitam o adultério; mas também os adeptos de Epicuro, e até homens sem instrução. Mas observa o profundo desacordo de todas estas pessoas sobre os motivos para evitar o adultério. Os estoicos o fazem em nome do bem comum e porque é contrário à natureza, para um ser racional, corromper uma mulher já dada a outro homem pelas leis e destruir o lar de outro homem. Os epicureus, quando se abstêm do adultério, não o evitam por essa razão, mas porque pensam que o fim é o prazer, e em vista dos múltiplos obstáculos ao prazer inevitáveis para aquele que cedeu ao único prazer do adultério: às vezes a prisão, a fuga, a morte; muitas vezes outros perigos antes desses, quando a pessoa espreita o momento em que saem da casa o marido e os que cuidam de seus interesses; desta forma, admitindo-se que seria possível a quem tenta o adultério escapar à vista do marido da mulher, de todos os seus familiares e daqueles para quem o adultério é uma desonra, o prazer atrairia para o adultério até mesmo o epicureu. E se às vezes o ignorante recusa o adultério mesmo quando tem ocasião de cometê-lo, talvez se abstenha dele pelo medo que lhe inspiram a lei e os castigos, e não é pela procura de prazeres mais numerosos que um homem se absteria do adultério. Vemos então que uma ação suposta a mesma, a abstenção do adultério, em razão das intenções daqueles que se abstêm, não é idêntica, mas diferente. Eles se inspiram ou em doutrinas sadias, ou em motivos perversos e muito ímpios como os do epicureu ou desse ignorante. - Assim como descobrimos nesta atitude a abstenção do adultério, embora pareça a mesma, uma diversidade proveniente das doutrinas e das intenções diversas, o mesmo ocorre com a recusa de honrar a divindade nos altares, nos templos e nas estátuas. Os citas, os nômades da Líbia, os seres, povo sem deus, e os persas fundamentam sua atitude em outras doutrinas diferentes daquelas pelas quais os cristãos e os judeus não toleram este culto que se pretende oferecido à divindade. Pois nenhum desses povos pode tolerar os altares e as estátuas porque se recusaria a exautorar e aviltar a adoração devida à divindade, dirigindo-a a matéria assim modelada. A razão também não é porque eles compreenderam que são demônios que essas imagens e locais encarnam, evocados por sortilégios, ou por eles mesmos terem de outro modo tomado posse dos lugares em que eles recebem gulosamente o tributo das vítimas e vivem à procura de prazer ilícito e de indivíduos sem lei. Mas os cristãos e os judeus têm estes mandamentos: "É ao Senhor teu Deus que temerás. Só a ele servirás" (Dt 6,13); "Não terás outros deuses diante de mim"; "Não farás para ti imagem esculpida de nada que se assemelha ao que existe lá em cima, nos céus, ou embaixo na terra, ou nas águas que estão debaixo da terra. Não te prostrarás diante desses deuses e não os servirás" (Êx 20,3-5); "Ao Senhor teu Deus adorarás e só a ele prestarás culto" (Mt 4,10); e muitos outros do mesmo teor. Por causa deles, não só se afastam dos templos, dos altares, das estátuas, mas também correm para a morte quando necessário, para evitar emporcalhar a noção do Deus do universo com uma infração deste gênero à sua lei. - A respeito dos persas, lemos nas páginas anteriores que eles se negam a construir templos, mas adoram o sol e as criaturas de Deus. Isto nos é proibido. Aprendemos a não adorar "a criatura em lugar do Criador", mas a saber que "a criação será libertada da escravidão da corrupção para entrar na liberdade da glória dos filhos de Deus", e que "a criação em expectativa anseia pela revelação dos filhos de Deus", e que "a criação foi submetida à vaidade - não por seu querer, mas por vontade daquele que a submeteu - na esperança" (Rm 1,25; 8,19-21) Aprendemos que não se deve honrar no lugar de Deus a quem nada falta, ou de seu Filho Primogênito de toda criatura, as coisas que foram submetidas à escravidão da corrupção e à vaidade, e estão na expectativa de uma esperança melhor. Eis aí o que basta, portanto, às minhas observações anteriores sobre a nação dos persas que se afastam dos altares e das estátuas, mas adoram a criação em lugar do Criador. Celso também citou o texto de Heráclito insinuando, em sua interpretação, que é tolice orar para as estátuas quando não se conhece a verdadeira natureza dos deuses e heróis. Devemos responder: é possível conhecer a Deus e seu Filho único, como os seres que são honrados por Deus com o título de deus e participam de sua divindade, e que são diferentes de todos os deuses das nações que por sua verdadeira natureza são demônios; mas na verdade não é possível conhecer a Deus e orar para as estátuas. - É tolice não só orar para as estátuas, mas também se acomodar às massas e fingir orar para as estátuas, como os filósofos peripatéticos, os sequazes de Epicuro e Demócrito. Não, nada de bastardo deve subsistir na alma do homem verdadeiramente piedoso diante da divindade. Recusamos por este modo honrar as estátuas para evitar, enquanto depender de nós, adotar a opinião de que as estátuas seriam outros deuses. Por isso Celso e todos os que professam que não são deuses são para nós condenáveis, apesar de sua fama de sabedoria, quando fingem honrar as estátuas. A massa que segue seu exemplo peca, não por acreditar que os honra por acomodação, mas porque as almas degradam-se a ponto de considerá-las como deuses e não tolerar ouvir dizer que não são deuses que eles adoram. Celso diz com justeza que não as considera como deuses, mas apenas como oferendas consagradas e oferecidas aos deuses, mas não esclarece como estas oferendas são consagradas não aos homens, mas, como ele observa, aos próprios deuses. Pois é claro que são oferendas de pessoas que têm ideias falsas sobre a divindade. Também não pensamos que as estátuas sejam imagens divinas, pois não representamos a imagem de Deus invisível e incorpóreo. Mas quando Celso supõe uma contradição entre nossa afirmação segundo à qual a divindade não tem forma humana, e nossa crença de que Deus fez o homem à sua imagem e a fez à imagem de Deus, devemos responder como ficou dito acima: declaramos que o que é à imagem de Deus é conservado na alma racional que é tal pela virtude. Aqui, porém, Celso, que não vê a diferença entre Imagem de Deus e o que é à imagem de Deus, nos faz dizer: Deus fez o homem à sua imagem e de forma semelhante à sua. Respondemos a isso acima. Os demônios - A seguir Celso afirma a respeito dos cristãos: Eles concordam que estas estátuas destinam-se a honrar certos seres semelhantes ou diferentes em sua forma, mas pensam que tais seres aos quais elas são consagradas não são deuses, mas demônios, e que não se deve prestar culto aos demônios quando se adora a Deus. Mas se ele tivesse conhecido a doutrina sobre os demônios e o que cada um executa, evocado pelas pessoas entendidas nesta arte ou se entregando voluntariamente à atividade que ele deseja e pode executar, e se tivesse penetrado nesta doutrina sobre os demônios vasta e difícil de compreender para a natureza humana, não nos teria ofendido por sustentarmos que não se deve prestar culto aos demônios quando se adora o Deus supremo. De fato, estamos tão longe de prestar culto aos demônios que por meio de preces e fórmulas extraídas das Escrituras nós os expulsamos das almas humanas, dos lugares em que eles se instalaram, e às vezes mesmo de animais; pois muitas vezes os demônios se empenham por levá-los à perdição. - Depois de ter falado acima longamente de Jesus, não é necessário aqui voltar ao assunto para respondermos à sua objeção: E certamente eles são convencidos abertamente a não adorarem não a um deus, nem a um demônio, mas a um morto. Deixando pois este assunto, vejamos imediatamente o que ele acrescenta: Primeiro, eu lhes perguntarei: por que razão não se deve prestar culto aos demônios? Entretanto, será que tudo não é regido conforme a vontade de Deus, e toda providência não depende dele? O que existe no universo, obra de Deus, dos anjos, de outros demônios ou de heróis, não tem tudo isso uma lei dada pelo Deus altíssimo? Não encontramos à frente de todo ofício, uma vez obtido o poder, um ser julgado digno? Não é pois justo que aquele que adora a Deus preste culto a esse ser que obteve dele a autoridade? Claro que não, diz ele, não é possível que o mesmo homem sirva a vários senhores. Vê pois mais uma vez como ele se ajusta com pontos que exigem exame sério e até conhecimento das profundas e misteriosas doutrinas concernente à direção da realidade universal. Com efeito, é preciso examinar em que sentido tudo é regido conforme a vontade de Deus, e se esta direção se estende ou não até os pecados. Pois se esta direção se estende de fato aos pecados cometidos não somente entre os homens, mas também pelos demônios e por todos os outros seres incorpóreos que são capazes de pecar, é preciso enxergar o absurdo que implica esta afirmação: tudo é regido conforme a vontade de Deus. A consequência seria que até os pecados e tudo o que provém do vício são regidos conforme a vontade de Deus; o que não é a mesma coisa que dizer: isto acontece porque Deus não se opõe. Mas se tomarmos as palavras "ser regido" em sentido próprio, queremos dizer que as consequências do vício são controladas, pois é claro que tudo é regido conforme a vontade de Deus; e assim, quem peca não comete falta contra a direção de Deus. A mesma distinção se impõe relativamente à providência. É preciso dizer que a expressão "toda providência depende dele" significa algo de verdadeiro, se a providência se refere a um bem. Mas se dizemos em geral que tudo o que acontece é de acordo com a providência, ainda que seja um mal, será errado dizer que toda providência depende dele; a não ser talvez que se queira dizer: o que resulta das obras da Providência de Deus é causado pela providência de Deus. Ele declara ainda: Tudo o que existe no universo, obra de Deus, dos anjos, de outros demônios ou de heróis, acaso não tem uma lei dada pelo Deus altíssimo? Pelo menos aí ele deixa de sustentar um discurso verdadeiro. Pois os seres que cometem transgressões não as cometem observando uma lei dada pelo Deus altíssimo. E a Escritura mostra que os autores destas transgressões são não apenas homens maus, mas também demônios maus e anjos maus. - Não somos os únicos a dizer que existem maus demônios, é também o pensamento de quase todos os que afirmam a existência de demônios. Portanto, não é verdade que tudo tem uma lei dada pelo Deus altíssimo. Todos os seres que efetivamente, por desatenção pessoal, malícia, perversidade, ignorância do bem, infringem a lei divina não seguem a lei de Deus; mas para usar uma expressão diferente e aliás da Escritura, "eles seguem a lei do pecado" (Rm 8,2). Conforme a maioria dos que admitem a existência dos demônios, os maus demônios não seguem a lei de Deus, mas a transgridem. Conforme o que dizemos, todos os demônios saíram do caminho que leva ao bem, anteriormente não eram demônios; há uma espécie de seres caídos das alturas onde estavam com Deus, a dos demônios. Por isso não se deve prestar culto aos demônios quando se adora a Deus. A natureza dos demônios é também revelada pelos que os invocam por meio de filtros, malefícios, conjuros ou outras inúmeras práticas. É o que acontece com os que aprenderam a invocar os demônios por feitiços e encantamentos e levá-los a fazer o que eles desejam. Por isso o culto de todos os demônios nos é coisa estranha, a nós que adoramos o Deus supremo. E o culto dos que consideramos como deuses é culto de demônios: "Os deuses dos povos são demônios" (Sl 95,5) É o que revela igualmente o caso dos santuários considerados os mais influentes: fizeram-se invocações mágicas no momento da ereção destas estátuas e destes templos: invocações realizadas pelos que se entregam ao culto dos demônios por artes mágicas. Por isso estamos decididos a fugir do culto dos demônios como da peste. E declaramos culto dos demônios toda adoração pretensa dos deuses entre os gregos junto às estátuas, aos altares e templos. - Também de nada vale afirmar que encontramos à frente de todo ofício, uma vez obtido o poder do Deus altíssimo, um ser julgado digno de alguma tarefa. Seria preciso uma ciência muito profunda para poder resolver esta questão: à maneira dos carrascos nas cidades e dos homens postos à frente das funções cruéis, mas necessárias nos estados, os maus demônios porventura são postos à frente de certos ofícios pelo Logos de Deus que governa o universo, ou à maneira desses bandidos que, em lugares desertos, instalam um chefe para os comandar, os demônios, organizados, por assim dizer, em coortes nas diversas regiões da terra, acaso se deram um chefe que fosse seu guia nos empreendimentos que eles decidiram para roubarem e resgatarem as almas humanas? Se se pretende tratar convenientemente este ponto para defender os cristãos que evitam adorar outra coisa que não seja o Deus supremo e seu Logos, o "Primogênito de toda criatura" (Cl 1,15), dever-se-á explicar as passagens seguintes: "Todos os que vieram antes de mim são ladrões e assaltantes"; "O ladrão vem só para roubar, matar e destruir" (Jo 10,8 10), e qualquer outra palavra semelhante das sagradas Escrituras, como: "Eis que eu vos dei o poder de pisar serpentes, escorpiões e todo o poder do Inimigo, e nada poderá vos causar dano"; "Poderás caminhar sobre o leão e a víbora, pisarás o leãozinho e o dragão" (Lc 10,19; Sl 90,13) Celso ignorava tudo a respeito destas palavras. Se as tivesse conhecido, não teria dito: O que existe no universo, obra de Deus, dos anjos, de outros demônios ou de heróis, tudo isso acaso não tem uma lei dada pelo Deus altíssimo? Não encontramos à frente de todo ofício, uma vez obtido o poder, um ser julgado digno? Não seria justo que aquele que adora a Deus preste culto a este ser que obteve dele a autoridade? E a isso acrescenta ele: Não, pois não é possível que o mesmo homem sirva a vários senhores. Trataremos deste ponto no livro seguinte, pois o sétimo que escrevi contra o tratado de Celso já atingiu uma dimensão suficiente..

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Leme:

Clara Gates, Wayne County: Jamestown Community College. São José dos Campos: Purchase College; 2019.

Hazel Booth, Onondaga County. Assis: Clarkson University; 2020.

Steve Lloyd, Pitt Street zip 10002. Águas Lindas de Goiás: Sackler Institute of Graduate Biomedical Sciences; 2015.

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