Projeto Dia Do Indio 2 Ano

Helene Fuld College of Nursing - OITAVO LIVRO - Tendo concluído sete livros, pretendo iniciar o oitavo. Que Deus e seu Filho único, o Logos, dignem-se em me assistir para que as mentiras de Celso, inutilmente intituladas Discurso verdadeiro, encontrem nele refutação pertinente, e as verdades do cristianismo, na medida que o assunto o permite, encontrem demonstração inabalável. Rogo poder dizer com a sinceridade de Paulo: "Em nome de Cristo, exercemos a função de embaixadores e por nosso intermédio é Deus mesmo que vos exorta" (2Cor 5,20); e poder exercer embaixada por Cristo junto aos homens no espírito em que o Logos de Deus os chama à sua amizade: pois ele quer unir intimamente à justiça, à verdade, às outras virtudes aqueles que, antes de receber as doutrinas de Jesus Cristo, tinham passado sua vida nas trevas a respeito de Deus e na ignorância do Criador. E direi também: que Deus nos dê seu nobre e verdadeiro Logos, o Senhor poderoso e forte "na guerra" (Sl 23,8) contra o mal. Agora, devo abordar o seguinte texto de Celso e dar-lhe resposta. Espírito de revolta? - Ele nos perguntou acima por que rejeitamos o culto dos demônios. E às suas observações sobre os demônios dei uma resposta que me parece conforme à vontade do divino Logos. Pois em seu desejo de nos ver prestar culto aos demônios, Celso nos atribui esta resposta à sua pergunta: É impossível que o mesmo homem sirva a vários senhores. Segundo ele, é um grito de revolta de pessoas que se retraem em si mesmas e rompem com o resto do gênero humano. Falar assim, acredita ele, é projetar sua paixão em Deus enquanto depender da pessoa. É por isso, conforme ele, que se pode admitir que o servidor de um mestre não pode servir a outro razoavelmente, pois o primeiro seria prejudicado no serviço prestado a outro: quem se comprometeu com uma pessoa não tem o direito de se comprometer com outra, pois a prejudicaria. As pessoas têm razão em não servir ao mesmo tempo a diferentes heróis e demônios desse gênero. Mas quando se trata de Deus que não pode sofrer prejuízo nem mágoa, é absurdo, pensa ele, evitar prestar culto a diversos deuses como se se tratasse de homens, de heróis ou de demônios desse gênero. Prestar culto a diversos deuses, diz ele, é prestar culto a um dos que pertencem ao grande Deus e, dessa forma, lhe ser agradável. Não é permitido, acrescenta ele, honrar aquele a quem Deus não deu este privilégio. Por conseguinte, diz ele, a honra e a adoração prestados a todos os que pertencem a Deus não podem magoá-lo, uma vez que eles pertencem todos a ele. Deus e deuses, Senhor e senhores - Antes de prosseguir, vejamos nossas boas razões para aprovar as palavras: "Ninguém pode servir a dois senhores. Com efeito, ou odiará um e amará o outro, ou se apegará ao primeiro e desprezará o segundo", e em seguida: "Não podeis servir a Deus e a Mamon" (Mt 6,24; Lc 16,13). Sua justificação nos leva a profunda e misteriosa doutrina a respeito dos deuses e dos senhores. Pois a divina Escritura sabe que o soberano Senhor está "mais elevado que todos os deuses" (Sl 96,9) Com a palavra "deuses", não entendemos os que são adorados pelos pagãos, pois aprendemos que "os deuses dos povos são todos demônios" (Sl 95,5). Esses deuses, segundo a palavra profética, formam uma espécie de assembleia: o Deus supremo os julga, atribuindo a cada um sua obra própria. Pois "Deus se levanta no conselho divino, em meio aos deuses ele julga" (Sl 81,1) E ainda, "O Senhor, o Deus dos deuses" é aquele que por seu Filho "convocou a terra, do nascente ao poente" (Sl 49,1); e recebemos a ordem de "celebrar o Deus dos deuses", sabendo igualmente que Deus "não é Deus de mortos, mas sim de vivos" (Sl 135,2; Mt 22,32). É isso o que afirmam não só estas passagens mas também uma infinidade de outras. - Tais sãos as ideias referentes ao Senhor e aos senhores que as divinas Escrituras propõem à nossa pesquisa e à nossa reflexão, dizendo aqui: "Celebrai o Deus dos deuses, porque o seu amor é para sempre, celebrai o Senhor os senhores" (Sl 135,2-3), e aí: "Deus é o Rei dos reis e Senhor dos senhores" (1Tm 6,15). E a Escritura distingue os pretensos deuses dos que o são na verdade, tenham ou não o título. Paulo ensina a mesma doutrina sobre os senhores autênticos ou não: "Se bem que existam os que são chamados deuses, quer no céu, quer na terra - e há de fato, muitos deuses e muitos senhores" (1Cor 8,5) E, como "o Deus dos deuses", por Jesus, convoca do nascente ao poente os que ele quer como o lote de sua herança, como o Cristo de Deus que é Senhor prova que ele é superior a todos os senhores, por ter penetrado os territórios de todos e chama a si os povos de todos esses territórios, Paulo, como sabia de tudo isso, diz depois da passagem citada: "Para nós, contudo, existe um só Deus, o Pai, de quem tudo procede e para quem nós somos, e um só Senhor, Jesus Cristo, por quem tudo existe e por quem nós somos". E percebendo aí uma doutrina admirável e misteriosa, acrescenta: "Mas nem todos têm esta ciência" (1Cor 8,6-7). Ora, dizendo: "Para nós, contudo, existe um só Deus, o Pai, de quem tudo procede e para quem nós somos, e um só Senhor, Jesus Cristo, por quem tudo existe", ele designa com o termo "nós" a ele mesmo e todos os que são elevados até ao supremo Deus dos deuses e ao Senhor dos senhores. Somos elevados até ao Deus supremo quando o adoramos sem separação, divisão ou partilha, por seu Filho, Logos de Deus e Sabedoria que contemplamos em Jesus, o único que conduz os que se esforçam de todas as maneiras por se unirem ao Criador do universo pela qualidade de suas palavras, de suas ações e de seus pensamentos. Por esse motivo, creio eu, e por outros semelhantes, o Príncipe deste mundo, transformando-se em anjo de luz, fez que fosse escrito: "Em seu séquito vem um exército inteiro de deuses e demônios, distribuídos em onze seções", na obra em que a respeito dele mesmo e dos filósofos se diz: "Nós, por nossa parte, estamos com Zeus, e outros estão com outros demônios." - Como existem muitos deuses pretensos ou reais, como igualmente senhores, fazemos tudo para nos elevar acima não apenas dos seres honrados como deuses pelas nações da terra, mas também dos que são chamados deuses pelas Escrituras. Estes últimos são ignorados pelos que são estranhos às alianças de Deus dadas por Moisés e nosso Salvador Jesus, e pelos que são excluídos de suas promessas que eles tornaram manifestas. Nós nos elevamos acima da categoria dos que Paulo chama deuses, quando olhamos como eles, ou de alguma outra maneira, "não para as coisas que se veem, mas para as que não se veem" (1Cor 4,18) E, vendo como "a criação em expectativa anseia pela revelação dos filhos de Deus, pois a criação foi submetida à vaidade, não por seu querer, mas por vontade daquele que a submeteu na esperança" (Rm 8,19-21), bendizendo a criação e considerando como toda ela será "libertada da escravidão da corrupção" e chegará "à liberdade da glória dos filhos de Deus", não podemos ser levados a servir a Deus e a outro com ele, nem a servir a dois senhores. Portanto, não se trata de um clamor de revolta, entre os que compreenderam as reflexões deste gênero e recusam servir a vários senhores. Por isso eles se contentam com o Senhor Jesus Cristo que ensina por ele mesmo aos que o servem, para que, instruídos e constituídos num reino digno de Deus, ele os entregue a seu Deus e Pai. Além disso, eles se separam e rompem com os que são estranhos à Cidade de Deus, excluídos de suas alianças, para viverem como cidadãos do céu em busca do Deus vivo e da "Cidade de Deus vivo, a Jerusalém celestial, e de milhões de anjos reunidos em festa, e da assembleia dos primogênitos cujos nomes estão inscritos nos céus" (Hb 12,22-23) - Além disso, se recusamos servir a outro que não a Deus por seu Logos e sua Verdade, não é porque Deus seja prejudicado como parece acontecer ao homem cujo servo serve também a outro senhor. É para nós mesmos não sermos prejudicados, separando-nos do lote de herança do Deus supremo, em que levamos uma vida que participa de sua própria bem-aventurança por excepcional espírito de adoção. Graças à sua presença neles, os filhos do Pai celeste pronunciam em segredo, não em palavras mas na realidade, este sublime clamor: "Abba, Pai!" (Rm 8,15) Certamente os embaixadores de Lacedemônia se negaram a adorar o rei da Pérsia, apesar da forte pressão dos guardas, por reverência a seu único senhor, a lei de Licurgo. Mas os que por Cristo exercem a função de embaixadores numa embaixada bem mais nobre e divina recusariam adorar qualquer príncipe da Pérsia, da Grécia, do Egito ou de qualquer outra nação, apesar da vontade que têm os demônios, satélites desses príncipes e mensageiros do diabo, de obrigá-los a fazer isso e persuadi-los a renunciar Àquele que é superior a todas as leis terrestres. Pois o Senhor dos que exercem a função de embaixadores por Cristo é o Cristo de quem são embaixadores, o Logos que existe "no princípio", que está com Deus, e é Deus (cf Jo 1,1) - Celso achou bom, a seguir, defender, entre as opiniões que considera suas, uma doutrina muito profunda sobre os heróis e certos demônios. Depois de verificar, a propósito das relações de serviço entre os homens, que seria causar prejuízo ao primeiro senhor que queremos servir consentir em servir a terceiro, ele afirma que o mesmo acontece com os heróis e demônios deste gênero. Devemos perguntar-lhe o que entende como heróis e que natureza ele atribui aos demônios deste gênero, para que o servo de um herói determinado deva evitar servir a outro, e o de um desses demônios, evitar igualmente servir a outro: como se o primeiro demônio sofresse um prejuízo como fazem os homens quando passamos de seu serviço ao de outros senhores. Que ele determine além disso que prejuízo ele julga ter sido causado aos heróis e aos demônios deste gênero! Será necessário então repetir seu propósito caindo num oceano de tolices e refutar o que foi dito ou, se ele recusa as tolices, reconhecer que não conhece nem os heróis, nem a natureza dos demônios. E quando diz a respeito dos homens que os primeiros sofrem prejuízo pelo serviço prestado a segundos, devemos perguntar como ele define o prejuízo sofrido pelo primeiro quando seu servo consente em servir a outro. - De fato, se ele com isso entendia, sendo homem comum e sem filosofia, um prejuízo referente aos bens que chamamos exteriores, nós o convenceríamos de que desconhece as belas palavras de Sócrates: "Ânito e Meleto podem me levar à morte, mas não me prejudicar; pois não é permitido que o superior sofra prejuízo da parte do inferior." Se ele define esse prejuízo como moção ou estado referente ao vício, é evidente, pois nenhum prejuízo desse gênero existe para os sábios, que podemos servir a dois sábios vivendo em lugares separados. E se esse raciocínio não fosse plausível, de nada adianta argumentar com este exemplo para criticar as palavras: "Ninguém pode servir a dois senhores": e ela só terá mais força se aplicada ao serviço do Deus do universo por seu Filho que nos conduz a Deus. Além disso, não prestamos culto a Deus pensando que ele precisa disso e que ele se aborreceria se não lhe prestássemos culto, mas pelo benefício que temos em prestar esse culto a Deus, ficando livres de mágoa e paixão, servindo a Deus por seu Filho único, Logos e Sabedoria. Honra única ao Pai e ao Filho - Observemos a leviandade de suas palavras: Se de fato queremos prestar culto a outro dos seres do universo. Ele indica dessa forma que podemos sem nenhum prejuízo para nós mesmos prestar culto divino a qualquer um dos seres que pertencem a Deus. Mas como ele mesmo sentisse a insanidade de suas palavras: se de fato queremos prestar culto a outro dos seres do universo, ele cai em si e acrescenta esta correção: não é permitido honrar aquele a quem Deus não deu esse privilégio. Perguntemos a Celso, a propósito das honras prestadas aos deuses, aos demônios, aos heróis: como podes mostrar, meu caro, que essas honras que eles recebem são devidas a um privilégio dado por Deus e não à ignorância e à tolice humana dos que estão no erro e caíram longe daquele a quem cabe de pleno direito toda honra? Honra-se, por exemplo, como acabas de dizer, o efeminado Adriano. Não dirás, suponho eu, que o privilégio de ser honrado como deus foi dado a Antínoo pelo Deus do universo! A mesma coisa se dirá dos outros, exigindo-se a prova de que o privilégio de ser honrado como deuses lhes foi concedido pelo Deus supremo. Se nos for dirigida a mesma réplica a respeito de Jesus, provaremos que o privilégio de ser honrado foi dado por Deus, "a fim de que todos honrem o Filho, como honram o Pai" (Jo 5,23). Já as profecias, antes de seu nascimento, afirmavam seu direito a essa honra. Mais tarde, os milagres que ele realizou, não por magia como acredita Celso, mas por sua divindade predita pelos profetas, lucravam com o testemunho de Deus. Dessa forma, honrando o Filho que é Logos, o homem nada faz de insensato: tira proveito da honra que lhe é prestada e honrando-o a ele que é a Verdade, se torna melhor porque honra a verdade; assim ocorre quando se honra a Sabedoria, a Justiça e todas as outras prerrogativas que as divinas Escrituras atribuem ao Filho de Deus. - A honra que prestamos ao Filho de Deus, e da mesma forma a que tributamos a Deus Pai, consiste numa vida honesta. Não é acaso o que nos ensinam as palavras: "Tu, que te glorias na Lei, estás desonrando a Deus pela transgressão da Lei" (Rm 2,23), e estas outras: "Que castigo mais severo ainda merecerá aquele que calcou aos pés o Filho de Deus, e profanou o sangue da Aliança no qual foi santificado, e ultrajou o Espírito da graça?" (Hb 10,29) Se transgredir a Lei é ultrajar a Deus por essa transgressão, se recusar o Evangelho é calcar aos pés o Filho de Deus, é claro que observar a Lei é honrar a Deus, ser ornado com a palavra de Deus e com suas obras é adorar a Deus. Se Celso tivesse conhecido os que pertencem a Deus, e não existem outros senão os sábios, se tivesse conhecido os que lhe são estranhos, e são todos os homens maus que não têm nenhuma preocupação em adquirir a virtude, teria compreendido o verdadeiro sentido das palavras: A honra e a adoração prestados a todos os que pertencem a Deus não podem aborrecê-lo, pois eles pertencem todos a ele. - Depois disso ele declara: Na verdade, quem afirma que um só ser foi chamado Senhor, falando de Deus, comete uma impiedade: ele divide o Reino de Deus e nele introduz a revolta, como se nele existisse uma facção e outro deus seu adversário. Essa reflexão teria sentido se ele determinasse com provas rigorosas que os que são adorados como deuses entre os pagãos são realmente deuses, e que os seres que se fazem presentes, como se acredita, nas estátuas, nos templos e nos altares não são maus demônios. Além disso, aspiramos a compreender esse Reino de Deus constantemente pregado em nossos discursos e em nossos escritos, e tornar-nos tais que tenhamos só a Deus como rei e o Reino de Deus torne-se igualmente o nosso reino. Celso, ao contrário, que nos ensina a adorar vários deuses, para ser consequente consigo mesmo, deveria ter falado de reino dos deuses e não de Reino de Deus. Portanto, em Deus não há facções nem outro deus seu adversário; e isso, apesar dos que, à maneira dos Gigantes e dos Titãs, querem por sua perversidade batalhar contra Deus que estabeleceu por tantos meios a verdade sobre Jesus, e mesmo a exemplo daquele que pela salvação de nossa raça se entregou, como Logos que é, ao mundo inteiro em sua totalidade, conforme a capacidade de cada um. - Poderíamos julgar plausível o ataque que segue: Além disso, se estas pessoas não prestassem culto a ninguém mais senão somente a Deus, talvez tivessem uma razão válida a opor aos outros. Mas não, elas prestam culto excessivo Àquele que acaba de aparecer, e todavia não acreditam ofender a Deus prestando igualmente culto a seu ministro. Devemos responder: se Celso tivesse compreendido as palavras: "Eu e o Pai somos um", e estas do Filho de Deus em sua oração: "Como tu e eu somos um", ele não pensaria que prestamos culto a outro senão ao Deus supremo, pois Jesus disse: "O Pai está em mim e eu estou no Pai" (Jo 10,30; 17,21-22; 14,10-11; 17,21) Se alguém acreditasse que estas palavras nos levam ao grupo dos que negam a existência de duas hipóstases, um Pai e um Filho, reflita sobre estas palavras: "A multidão dos que haviam crido era um só coração e uma só alma" (At 4,32), a fim de compreeder: "Eu e o Pai somos um". Portanto, é a um só Deus, como acabamos de explicar, o Pai e o Filho, que prestamos culto, e temos ainda uma razão válida a opor aos outros. E não prestamos culto excessivo Àquele que acaba de aparecer como se ele jamais tivesse existido antes. Pois nele cremos quando diz: "Antes que Abraão existisse, eu sou", e quando afirma: "Eu sou a Verdade" (Jo 8,58; 14,6). Ninguém de nós tem a estupidez de acreditar que a verdade não existia antes do tempo da manifestação de Cristo. Por isso prestamos culto ao Pai da Verdade e ao Filho que é a Verdade: eles são duas realidades pela hipóstase, mas uma só pela humanidade, pela concórdia, pela identidade da vontade; de modo que aquele que viu o Filho, resplendor da glória, expressão da substância de Deus, viu a Deus nele que é a imagem de Deus (cf Jo 14,9; Hb 1,3; Cl 1,15; 2Cor 4,4) - Ele julga a seguir que, por prestarmos culto ao mesmo tempo a Deus e a seu Filho, segue-se que, segundo o que acreditamos, não só Deus mas também seus ministros recebem culto. Sem dúvida, se ele tivesse pensado nos que são os verdadeiros ministros de Deus depois do Filho único de Deus, Gabriel, Miguel e os demais anjos, e se tivesse dito que se deve prestar culto a eles, talvez eu tivesse esclarecido o sentido da expressão "prestar culto", e as ações daquele que o presta, e eu diria no tocante a esse assunto, que implica discussão de matérias difíceis, o que eu pude compreender a esse respeito. Mas, quando ele crê que os demônios adorados pelos pagãos são os ministros de Deus, não nos leva à consequência que devemos lhes prestar culto. Pois a Escritura os apresenta como ministros do Maligno, do Príncipe deste mundo (cf 1Cor 2,6 8; Jo 12,31; 14,30; 16,11), que afasta de Deus os que ele pode. Portanto, como eles não são ministros, evitamos adorar todos os que os outros homens adoram e prestar-lhe culto. Pois se tivéssemos aprendido que eles eram ministros do Deus supremo, não diríamos que eles são demônios. Por isso adoramos o Deus único e seu Filho único, Logos e Imagem, por nossas melhores súplicas e pedidos, oferecendo nossas preces ao Deus do universo por meio de seu Filho único. É em primeiro lugar a ele que as oferecemos pedindo-lhe, sendo ele "propiciação pelos nossos pecados", que apresente como Sumo Sacerdote ao Deus supremo nossas preces, nossos sacrifícios e súplicas (1Jo 4,10; 2,2; Hb 2,17 etc) Essa é a fé que temos em Deus por seu Filho que a fortifica em nós, e Celso não pode mostrar a menor facção a respeito do Filho de Deus. Sim, adoramos o Pai admirando seu Filho, Logos e Sabedoria, Verdade, Justiça e tudo o que aprendemos daquilo que é o Filho de Deus: admiramos então também Aquele que nasceu de tal Pai. Mas isto é bastante. - Em seguida Celso afirma: Se acaso ensinamos que Jesus não é seu Filho, mas que Deus é o pai de todos e o único a quem se deve adorar verdadeiramente: eles se recusam a aceitar, a menos que associemos a ele aquele que é o chefe do grupo deles. Eles até o chamaram Filho de Deus, não para oferecerem a Deus adoração suprema, mas suprema exaltação a este. Ora, aprendemos o que é o Filho de Deus: "o resplendor de sua glória e a expressão de seu ser"; "o eflúvio do poder de Deus, uma emanação puríssima da glória do Onipotente; um reflexo da luz eterna, um espelho nítido da atividade de Deus, e uma imagem de sua bondade" (Hb 1,3; Sb 7,25-26); sabemos que Jesus é o Filho de Deus e que Deus é seu Pai. Não há nada de inconveniente nesta doutrina, nada de incompatível com Deus no fato de ele gerar tal Filho único. E ninguém conseguirá demover-nos da convicção de que Jesus é o Filho do Deus supremo não gerado e Pai. O fato de Celso se enganar no tocante à recusa de alguns em identificar o Filho de Deus com o do Criador deste universo é problema dele e dos adeptos desta doutrina. Jesus não é chefe de grupo, mas o autor de toda paz, que disse a seus discípulos: "Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou" (Jo 14,27) Em seguida, sabendo da guerra que nos seria feita pelos homens que são do mundo e não de Deus, acrescenta: "Não vo-la dou como o mundo a dá". Desta forma, em todas as tribulações a que o mundo nos submete, nossa confiança repousa naquele que disse: "No mundo tereis tribulações, mas tende coragem: eu venci o mundo!" (Jo 16,33). É a ele que proclamamos Filho de Deus, mas para usarmos os termos de Celso, do Deus a quem oferecemos adoração suprema, e sabemos que é seu Pai que lhe deu exaltação suprema. Na multidão dos fiéis, alguns podem ter opinião diferente, afirmando com precipitação que o Salvador é o Altíssimo Deus que reina sobre tudo. Mas esse não pode ser nosso pensamento, pois acreditamos naquele que disse: "O Pai é maior do que eu" (Jo 14,28). Dessa forma, contrariamente à calúnia de Celso, não podemos pôr abaixo do Filho de Deus Aquele a quem chamamos agora seu Pai. O "Diálogo celeste" - Depois disso, Celso prossegue: Para mostrar que essa opinião não se afasta do objetivo, citarei suas próprias palavras. Numa passagem do Diálogo celeste, eles se exprimem nestes termos: "Se o Filho de Deus é mais poderoso, e se o Filho do homem é seu Senhor (e quem dominará o Deus soberano?), por que tantas pessoas em volta do poço e ninguém para nele descer? Por que ao final de uma estrada tão longa perder a coragem? - Erro! Tenho coragem e uma espada". Assim, sua vontade não é adorar o Deus supraceleste, mas o Pai que eles deram àquele em volta do qual eles se reuniram: pretextando que seria ele o Grande Deus, eles prestam culto somente àquele que eles consideram seu chefe, o Filho do homem que eles proclamam mais poderoso que o Deus soberano e seu Senhor. Vem daí entre eles esta proibição de servir a dois senhores para manter sua facção reunida em torno dele somente. Aí está ele novamente tomando não sei de que seita muito obscura aquilo com que ele afronta todos os cristãos. Se digo muito obscura, é porque mesmo depois de tantas controvérsias com os fomentadores de seitas, não consigo ver claramente a doutrina da qual ele tirou estas palavras; pelo menos caso se trate de empréstimo e não de uma invenção ou de uma conclusão de sua parte. Afirmamos claramente de fato, nós para quem até o mundo sensível é obra do Criador de todas as coisas, que o Filho não é mais poderoso do que o Pai, mas que lhe é inferior; e dizemos isto porque acreditamos nas palavras: "O Pai que me enviou é maior do que eu" (Jo 14,28) E ninguém de nós é tão estúpido a ponto de dizer: o Filho do homem é o Senhor de Deus. Afirmamos ao contrário que o Salvador, visto precisamente como Logos, Sabedoria, Justiça, Verdade, domina tudo o que lhe foi submetido em razão desses títulos, mas não o Deus e Pai que o domina. Além disso, como o Logos não domina nenhuma pessoa contra a vontade dela, e como ainda existem seres maus, homens, anjos e todos os demônios, dizemos que ele não os domina ainda, pois eles não se submetem a ele de boa vontade. Mas, de acordo com outro sentido da palavra "dominar", ele os domina igualmente, no sentido em que se diz que o homem domina os animais sem razão, também sem ter submetido sua faculdade principal, como ele amansa e também domina os leões e os animais de carga que eles domaram. De resto ele faz tudo para persuadir os que ainda recusam obedecer-lhe e também para os dominar. Para nós, portanto, é mentira de Celso atribuir-nos as palavras: Quem dominará o Deus soberano? - E além disso, é também por uma confusão, creio eu, e tomando de outra seita que ele diz: Por que tantas pessoas em volta do poço e ninguém para nele descer? Por que ao final de uma estrada tão longa perder a coragem? - Erro! Tenho coragem e uma espada. Em tudo isso não existe uma palavra de verdade, nós o afirmamos, nós os membros da Igreja que é a única a ter o nome de Cristo. A estas palavras ele acrescenta o que lhe parece ser uma consequência, mas que nada tem a ver conosco. Pois nós nos propomos venerar não um Deus hipotético, mas o Criador ao mesmo tempo deste universo e de tudo o que pode existir de não sensível e não visível. Mas trata-se aí dos que, conforme outro caminho e "outras veredas", recusam reconhecê-lo para se consagrarem a outro que eles imaginaram, de espécie nova, que de Deus têm apenas o nome, e que seria superior ao Criador; trata-se de todos os que dizem: o Filho é mais poderoso do que o Deus soberano e é o Senhor deste. Quanto à proibição de servir a dois senhores, dei a razão de acordo com nosso pensar, quando mostrei que não se pode descobrir nenhuma facção em volta do Senhor Jesus, entre os que professam terem-se elevado acima de todo senhor e que servem como único Senhor ao Filho de Deus, ao Logos de Deus. O culto verdadeiro - Em seguida ele declara que evitamos construir altares, estátuas e templos; pois ele acredita que é a palavra de ordem combinada de nossa associação secreta e misteriosa. É ignorar que para nós o coração de cada justo forma o altar de onde sobem na verdade e em espírito, incenso de agradável odor, as preces de uma consciência pura. Por isso diz João no Apocalipse: "O incenso que são as orações dos santos" (Ap 5,8), e no Salmista: "Suba minha prece como um incenso em tua presença" (Sl 140,2) As estátuas, as oferendas agradáveis a Deus não são obras de artesãos vulgares, mas do Logos de Deus que as delineia e forma em nós. São as virtudes, imitações do "Primogênito de toda criatura", no qual estão os modelos da justiça, da temperança, da força, da sabedoria, da piedade e das demais virtudes. Portanto, todos os que, segundo o divino Logos, edificaram em si mesmos a temperança, a justiça, a força, a sabedoria, a piedade e as obras-primas das demais virtudes, trazem em si mesmos estátuas. É por meio delas, como sabemos, que convém honrar o protótipo de todas as estátuas, a "Imagem do Deus invisível" (Cl 1,15; Jo 1,18), o Deus Filho único. Além disso, os que se despojaram do "homem velho com as suas práticas e se revestiram do novo, que se renova para o conhecimento segundo a imagem do seu Criador" (Cl 3,9-10) recuperando continuamente a imagem do Criador, edificam em si mesmos estátuas dele, assim como o Deus supremo deseja. Como alguns escultores conseguiram admiráveis obras-primas, por exemplo Fídias e Policleto, ou os pintores Zêuxis e Apeles, como outros fizeram obras menos belas, e como outros são ainda inferiores àqueles, como, em suma, existe uma infinita diversidade na confecção de estátuas e imagens, da mesma forma existem estátuas do Deus supremo de uma arte tão perfeita e de uma ciência tão consumada que não se pode estabelecer comparação entre Zeus do Olimpo esculpido por Fídias e o homem esculpido à imagem de Deus que o criou. Mas de todas essas imagens que existem na criação inteira, a mais bela de todas e a mais perfeita está em nosso Salvador que disse: "O Pai está em mim" (Jo 14,10) - Em cada um dos que se esforçam por imitá-lo sob esse aspecto existe uma estátua "à imagem do Criador" (Cl 3,10), que eles realizam contemplando a Deus com coração puro e tornando-se imitadores de Deus. E em geral, todos os cristãos procuram edificar altares assim como acabo de descrever: não inanimados e insensíveis, mas capazes de receber, no lugar dos demônios gulosos que frequentam as coisas inanimadas, o Espírito de Deus que, para fazer delas sua morada, reside nestas imagens de virtude de que falamos e no que é "à imagem do Criador"; e desta maneira, o Espírito de Cristo pousa sobre os que, por assim dizer, lhe são conformes. É precisamente isto que pretende mostrar o Logos de Deus: ele representa Deus fazendo esta promessa aos justos: "Em meio a eles habitarei e caminharei, serei o seu Deus, e eles serão o meu povo" (2Cor 6,16); e põe na boca do Salvador estas palavras: "Se alguém ouve essas minhas palavras e as põe em prática, meu Pai e eu a ele viremos e nele estabeleceremos morada" (Mt 7,24; Jo 14,23) Podemos comparar, se quisermos, os altares que descrevi aos altares de que fala Celso, e as estátuas interiores à alma dos que têm piedade com o Deus do universo, às estátuas de Fídias, de Policleto e de seus semelhantes. Veremos claramente que estas são inanimadas, sujeitas ao desgaste do tempo, mas aquelas perduram na alma imortal enquanto a alma racional quiser que elas subsistam nela. - Será preciso uma comparação entre os templos para convencer os partidários de Celso que não nos recusamos a edificar templos que correspondam aos altares e às estátuas de que acabamos de falar, mas que repelimos a ideia de construir para o autor de toda vida templos inanimados e mortos? Bastará transmitir a quem deseje a instrução que nos é dada: nossos corpos são o templo de Deus, e se alguém pela licença ou pelo pecado "destrói o templo de Deus", será destruído como verdadeiramente ímpio com respeito ao templo verdadeiro. Mas de todos esses templos, o melhor e mais excelente era o corpo santo e puro de nosso Salvador Jesus. Sabendo ele das manobras de que eram capazes os ímpios contra o templo de Deus que se encontrava nele, sem todavia que o plano de seus autores pudesse prevalecer sobre a divindade que habitava neste templo, lhes diz estas palavras: "Destruí este templo, e em três dias eu o levantarei. Ele, porém, falava do templo de seu corpo" (Jo 2,19 21) Além disso, as divinas Escrituras têm maneira misteriosa de ensinar a doutrina da ressurreição aos que são capazes de ouvir com ouvidos mais divinos as palavras de Deus. Dizendo que o templo será reconstruído de pedras vivas e muito preciosas, elas insinuam que cada um daqueles a quem o próprio Logos inspira que tendam à piedade que ele ensina é pedra preciosa integrada ao templo de Deus. É a declaração de Pedro: "Também vós, como pedras vivas, constituí-vos em edifício espiritual, dedicai-vos a sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais aceitáveis a Deus por Jesus Cristo" (1Pd 2,5) É a declaração de Paulo: "Estais edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, do qual é Cristo Jesus a pedra angular" (Ef 2,20). É o sentido misterioso encerrado na passagem de Isaías dirigida a Jerusalém: "Certamente revestirei de carbúnculo as tuas pedras, estabelecerei os teus alicerces sobre a safira. Farei de rubi as tuas ameias e de berilo as tuas portas, de pedras preciosas todas as tuas muralhas. Todos os teus filhos serão discípulos do Senhor; grande será a paz dos teus filhos. Serás edificada sobre a justiça" (Is 54,11-14) - Alguns justos, portanto, são de carbúnculo, outros de safira, outros de rubi, outros de berilo; e assim os justos formam o conjunto das pedras escolhidas e preciosas. Mas não cabe aqui explicar o significado das pedras, a doutrina referente à sua natureza, as categorias de almas às quais podemos atribuir o nome de cada pedra preciosa. Bastaria lembrar rapidamente o sentido que damos aos templos e o do único templo de Deus feito de pedras preciosas. Efetivamente, se os habitantes de cada cidade se gabavam de seus pretensos templos por comparação com os outros, em seu orgulho por terem templos mais preciosos, eles exaltariam a excelência dos seus para provarem a inferioridade dos outros. Desta forma, para responder aos que criticam nossa recusa de adorar a divindade em templos insensíveis, nós opomos a estes os templos como os concebemos; e mostramos, pelo menos aos que não são insensíveis nem semelhantes a seus deuses insensíveis, que não há nenhuma comparação possível: nem entre nossas estátuas e as estátuas das nações; nem entre nossos altares e os incensos, se podemos dizer, que sobem de seus altares e as gorduras e o sangue que neles são oferecidos; nem mesmo entre os templos que indicamos e os templos dos seres insensíveis admirados por homens insensíveis que não têm a menor ideia do sentido divino pelo qual chegamos a Deus, suas estátuas, os templos e os altares que convêm a Deus. Portanto, não é para observar uma palavra de ordem convencionada de nossa associação secreta e misteriosa que evitamos edificar altares, estátuas e templos; mas porque encontramos, graças ao ensinamento de Jesus, a forma da piedade para com a divindade, evitamos as atitudes que sob a aparência da piedade tornam ímpios os que se afastam da piedade que tem por mediador Jesus Cristo: só ele é o caminho da piedade, porque ele diz com toda verdade: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida" (Jo 14,6) - Vejamos ainda o que Celso diz a seguir de Deus e como ele nos convida a usar coisas que na verdade são vítimas oferecidas aos ídolos ou, melhor, aos demônios, mas que eles chamam vítimas sagradas, ignorando o que é uma coisa verdadeiramente sagrada e a natureza do sacrifício que lhe diz respeito. Eis o que ele diz: Com toda certeza Deus é comum a todos, é bom, de nada precisa, ignora a inveja. Então, o que é que impede os que lhe são mais dedicados de participarem das festas públicas? Não sei por que aberração ele acredita que, sendo Deus bom, ele não precisa de nada, ignora a inveja, daí se conclua que os que lhe são dedicados podem tomar parte nas festas públicas. Respondo-lhe: do fato de Deus ser bom, nada precisar, ignorar a inveja, segue-se que se pode tomar parte nas festas públicas, se fosse provado que as festas públicas nada têm de errado, mas são costumes fundamentados numa visão exata de Deus e são uma consequência do culto e da piedade que lhe são devidos. Se, porém, as festas públicas, que o são apenas de nome, não apresentam nenhuma razão demonstrativa de que elas se harmonizam com o culto oferecido à divindade, se ficasse provado ao contrário que elas são invenções de pessoas que as instituíram acidentalmente em relação com acontecimentos históricos ou teorias naturalistas sobre a água, a terra, os frutos que ela parece produzir, é claro que, para quem pretende honrar a divindade com o cuidado necessário, será razoável abster-se de tomar parte nas festas públicas. Efetivamente, como diz excelentemente um sábio grego: "Celebrar uma festa nada mais é do que cumprir o seu dever". E é celebrar a festa conforme a verdade cumprir seu dever orando sempre, não deixando de oferecer à divindade os sacrifícios incruentos nas orações. Por essa razão, julgo magníficas as palavras de Paulo: "Observais cuidadosamente dias, meses, estações, anos! Receio ter-me afadigado em vão por vós" (Gl 4,10-11) - Alguém objetará lembrando nossas celebrações dos domingos, da Preparação, da Páscoa, de Pentecostes? Devemos responder: quem é cristão perfeito e não deixa de dar atenção devida às palavras, às ações, aos pensamentos do Logos de Deus que por natureza é o Senhor, esse vive continuamente nos dias do Senhor, celebra constantemente os domingos. Além disso, quem se prepara sem cessar para a vida verdadeira e se afasta dos prazeres da vida que enganam a multidão dos homens, sem alimentar "o desejo da carne", mas castiga ao contrário seu corpo e o reduz à servidão, celebra a Preparação. Além disso, para quem compreende que "Cristo, nossa Páscoa, foi imolado" e deve celebrar a festa comendo a carne do Logos, não há instante em que não realize a Páscoa, termo que quer dizer sacrifício por uma feliz passagem: pois pelo pensamento, por cada palavra, por cada ação não deixamos de passar dos negócios desta vida a Deus apressando-nos a chegar à cidade divina. Enfim, se podemos dizer com toda verdade: "Ressuscitamos com Cristo" (Cl 2,12; 3,1), e também: "Com ele nos ressuscitou e nos fez assentar nos céus, em Cristo Jesus" (Ef 2,6), estamos continuamente nos dias de Pentecostes, principalmente quando subindo à sala superior como os apóstolos de Jesus, perseveramos nas súplicas e orações para nos tornarmos dignos "do vendaval impetuoso vindo do céu" (At 1,13-14; 2,2-3) para aniquilar por sua violência a malícia dos homens e seus efeitos, e merecer igualmente ter parte na língua de fogo que vem de Deus. - Mas a multidão dos que parecem crer não tem este fervor: ela não quer ou não pode celebrar como festas todos os dias; ela precisa, para tornar a lembrar, de modelos sensíveis que a preservem do total esquecimento. Suponho que era o pensamento que fazia Paulo chamar de festa parcial a festa fixada em dias distintos dos demais: dava a entender com essa expressão que a vida em contínuo acordo com o divino Logos não é festa parcial, mas a festa integral e ininterrupta. Depois dessa exposição sobre nossas festas e a comparação com as festas públicas de Celso e dos pagãos, vê se nossas festas não são infinitamente mais veneráveis do que essas festas populares em que o "desejo da carne" (Rm 8,8,6-7) que as anima conduz aos excessos de embriaguez e despudor. Ainda haveria muito a dizer sobre a razão por que a lei de Deus prescreve, nos dias de festa, comer "o pão da miséria" ou "ázimos com ervas amargas", e por que ela diz: "Humilhai vossas almas" (Dt 16,3; Êx 12,8; Lv 16,31) ou outras fórmulas semelhantes. É porque o homem, sendo composto, não lhe é possível, enquanto "a carne tem aspirações contrárias ao espírito e o espírito contrárias à carne" (Gl 5,17), estar por inteiro na celebração da festa: ou se celebra a festa pelo espírito afligindo o corpo incapaz, por causa do "desejo da carne", de celebrá-la com o espírito, ou ela é celebrada segundo a carne sem se dar mais espaço à festa segundo o espírito. Mas basta por ora o que dissemos com relação às festas. - Vejamos as palavras de Celso que nos exortam a comer carnes oferecidas aos ídolos e a participar dos sacrifícios públicos durante as festas públicas. Ei-las: Se esses ídolos nada são, que perigo haverá em se tomar parte no banquete? E se forem demônios, é evidente que também eles pertencem a Deus, que é preciso acreditar neles e lhes oferecer segundo as leis sacrifícios e orações para torná-los benevolentes. Em resposta, será útil ter em mãos a primeira carta aos Coríntios e explicar todo o raciocínio de Paulo sobre as oferendas aos ídolos. Nela, contra a opinião de que um ídolo nada é no mundo, ele estabelece o prejuízo causado pelas oferendas. Ele mostra aos que são capazes de entender suas palavras que receber uma parte das oferendas é um ato tão criminoso quanto derramar sangue, pois é fazer perecer irmãos pelos quais Cristo morreu. Em seguida, estabelecendo o princípio de que as vítimas dos sacrifícios são oferecidas aos demônios, ele declara que participar da mesa dos demônios é entrar em comunhão com os demônios e afirma a impossibilidade de "participar da mesa do Senhor e da mesa dos demônios" (1Cor 10,20-21) Mas como a explicação detalhada desses pontos da carta aos Coríntios exigiria um tratado inteiro de amplas discussões, eu me contentarei com estas breves observações. Se bem as examinarmos, veremos que ainda que os ídolos nada sejam, nem por isso é menos perigoso tomar parte no banquete dos ídolos. Também provei cabalmente que ainda que os sacrifícios sejam oferecidos a demônios, não devemos tomar parte neles, pois sabemos a diferença que existe entre a mesa do Senhor e a dos demônios e, sabendo disso, fazemos tudo para sempre termos parte na mesa do Senhor, mas evitando a todo custo jamais ter parte na mesa dos demônios. - Celso, aqui, afirma que os demônios pertencem a Deus e que, por esta razão, é preciso acreditar neles e lhes oferecer segundo as leis sacrifícios e orações a fim de os tornar propícios. Devemos pois ensinar a respeito desse ponto, a quem deseje, que o Logos de Deus recusa declarar como propriedade de Deus seres maus, pois ele os julga indignos de tão grande Senhor. Por isso nem todos os homens são chamados homens de Deus, mas somente os que são dignos de Deus: tais eram Moisés, Elias, e todos os que receberam na Escritura o título de homem de Deus, ou os que são semelhantes aos que o recebem. E da mesma forma, nem todos os anjos são chamados anjos de Deus, mas somente os bem-aventurados; os que se voltaram para o mal são chamados anjos do diabo (cf Mt 25, 41), como os homens maus são chamados homens de pecado, filhos da pestilência, filhos da iniquidade. E porque alguns homens são bons, outros são maus, por isso se diz de uns que são de Deus e de outros que são do diabo, e da mesma forma os anjos, uns são de Deus, e outros são maus; mas a divisão em dois grupos não vale mais para os demônio: está provado que são todos maus. Por isso declaramos falsas as palavras de Celso: se são demônios, é evidente que também eles pertencem a Deus. Ou então mostre quem quiser que não há razão válida para se fazer a distinção no caso dos homens e dos anjos, ou então que se pode apresentar uma razão de valor igual a respeito dos demônios. - Se isto for impossível, é evidente que os demônios não pertencem a Deus: pois seu chefe não é Deus, mas, como dizem as divinas Escrituras, Belzebu. Tampouco se deve acreditar nos demônios, ainda que Celso nos conclame para eles, mas é preferível morrer a obedecer aos demônios, e além disso suportar qualquer coisa por obediência a Deus. Também não se deve sacrificar aos demônios, pois é impossível sacrificar aos seres maus que fazem o mal aos homens. Além do mais, donde provêm as leis em virtude das quais Celso quer que sacrifiquemos aos demônios? Serão acaso leis de cidades? Prove ele que elas se harmonizam com as leis divinas. E se não consegue provar, pois as leis de muitas cidades não são concordes entre si, é claro que não são leis em sentido próprio, ou leis de homens maus nos quais não se deve acreditar. Pois "é preciso obedecer a Deus antes do que aos homens" (At 5,29) Desprezemos então o conselho de Celso segundo o qual é preciso orar aos demônios; ele não merece a menor atenção. É preciso orar ao Deus supremo único, e também ao Logos de Deus, seu Filho único, Primogênito de toda criatura, e pedir-lhe, como Sumo Sacerdote, que leve nossa prece, uma vez recebida, até ao seu Deus e nosso Deus, seu Pai e o Pai dos que vivem segundo o Logos de Deus. Não gostaríamos de ter a benevolência dos homens que, querendo nos fazer viver segundo sua malícia, não concedem sua benevolência a ninguém que tenha abraçado o partido contrário; pois a sua benevolência nos torna inimigos de Deus, que não concede sua benevolência aos que querem granjear a deles. Da mesma forma, tendo compreendido a natureza dos demônios, sua determinação e malícia, jamais pretendemos angariar a sua benevolência. - Com efeito, ainda que não tenhamos obtido a benevolência dos demônios, nada podemos sofrer de sua parte. Estamos sob a proteção do Deus supremo que a piedade torna benévola e que encarrega seus anjos divinos de proteger os que merecem, para que não sofram nenhum mal dos demônios. Mas, quando se obtém a benevolência do Deus supremo por causa da piedade que lhe temos e porque recebemos do Senhor Jesus, que é o Anjo do Grande Conselho de Deus, com abundância a benevolência de Deus por meio de Jesus Cristo, nada tendo a sofrer de todo o exército dos demônios, podemos dizer corajosamente: "O Senhor é minha luz e minha salvação: de quem terei medo? O Senhor é a fortaleza de minha vida: frente a quem temerei?" (Sl 26,3). Também podemos dizer: "Ainda que um exército acampe contra mim para devorar minha carne, meu coração não temerá" (Sl 26,3) Assim respondemos à sua objeção: "Se os ídolos são demônios, é evidente que eles também pertencem a Deus, que é preciso crer neles e lhes oferecer segundo as leis dos sacrifícios e das orações para torná-los benevolentes". Prática da abstinência - Citemos ainda a passagem seguinte e a examinemos da melhor forma: Se é por respeito a uma tradição que eles se abstêm de vítimas desse gênero, eles deveriam abster-se completamente de carne de animal, como fazia Pitágoras no seu respeito pela alma e pelos órgãos. Mas se, como dizem, é para não festejar com os demônios, felicito-os por sua sabedoria de compreender tardiamente que eles não deixam de ser os comensais dos demônios. Mas eles só dão atenção a isso vendo uma vítima imolada. E contudo o pão que eles comem, o vinho que bebem, os frutos que degustam, a própria água que bebem e o próprio ar que respiram acaso não são dádivas dos demônios que são encarregados de velar por cada um destes bens? Não vejo como, nesta matéria, a obrigação para eles de se abster de toda carne animal lhe pareça a consequência lógica pelo fato de se absterem de certas vítimas por respeito a uma tradição. Nós negamos isto, pois a divina Escritura não nos sugere nada de semelhante. Mas, para tornar nossa vida mais forte e mais pura, ela nos diz: "É bom se abster de carne, de vinho e de tudo o que seja causa de tropeço, de queda ou de enfraquecimento para teu irmão"; "Não faças perecer por causa do teu alimento alguém pelo qual Cristo morreu" (Rm 14,21 15); "Eis porque, se um alimento é ocasião de queda para meu irmão, para sempre deixarei de comer carne, a fim de não causar a queda de meu irmão!" (1Cor 8,13) - No entanto, é preciso saber que os judeus, julgando compreender a lei de Moisés, têm todo cuidado em só usar alimentos considerados puros e em abster-se dos impuros e, além disso, em não deixar entrar em seus alimentos nem o sangue dos animais nem os animais capturados por feras e muitos outros: matéria de uma vasta doutrina que não cabe aqui examinar. Mas em seu ensinamento, Jesus queria levar todos os homens à pura adoração de Deus e evitar que uma legislação por demais severa sobre os alimentos afastasse grande número de pessoas cujos costumes pudessem ser melhorados pelo cristianismo. Por isso declarou: "Não é o que entra pela boca que torna o homem impuro, mas o que sai da boca... Pois tudo o que entra pela boca vai para o ventre e daí para a fossa. Mas o que sai da boca procede do coração e é isto que torna o homem impuro. São as más intenções, assassínios, adultérios, prostituições, roubos, falsos testemunhos e difamações" (Mt 15,11 17 19) Paulo também diz: "Não são os alimentos que nos aproximam de Deus: se deixamos de comer, nada perdemos; e, se comemos, nada lucramos" (1Cor 8,8). Em seguida, como houvesse certa obscuridade que exigia definições, "pareceu bom aos apóstolos e anciãos" que estavam reunidos em Antioquia, e como eles mesmos disseram, reunidos "pelo Espírito Santo", dirigir aos fiéis oriundos da gentilidade uma carta proibindo-lhes comer somente aquilo de que eles declararam necessário se absterem: quer dizer, as oferendas aos ídolos, as carnes sufocadas e o sangue (cf At 15,22 28-29) - Com efeito, o sacrifício é oferecido aos demônios e o homem de Deus não deve participar da mesa dos demônios. As carnes sufocadas, porque o sangue não é separado e é apresentado como o alimento dos demônios que se alimentam de suas exalações, são proibidas pela Escritura, que não deseja que tenhamos o mesmo alimento que os demônios; pois, talvez, se nos servíssemos de carnes sufocadas, alguns deles se alimentariam ao mesmo tempo que nós. E o que acaba de ser dito das carnes sufocadas pode mostrar claramente por que nos abstemos do sangue. Além disso, para mim não ficaria fora de propósito mencionar a belíssima máxima que a maior parte dos cristão lê nas Máximas de Sexto: "Comer carne de animais é coisa indiferente; abster-se delas é mais sensato." Portanto, não é simplesmente por respeito a uma tradição que nos abstemos daquilo que se supõe terem sido vítimas sacrificadas aos pretensos deuses, heróis ou demônios, mas por muitas razões das quais apontei algumas. Além disso, se é preciso nos abster de toda carne animal, isso não se faz da mesma forma como nos abstemos do pecado e de suas consequências. É preciso abster-nos não só da carne animal, mas também de qualquer outro alimento se seu uso implica no pecado e em suas consequências; pois devemos abster-nos de comer seduzidos pela gula, ou atraídos pelo prazer, esquecidos da saúde do corpo e do cuidado que devemos ter com ele. Entretanto, não admitimos, de modo algum, a metensomatose da alma nem sua queda em animais irracionais, e se por vezes nos abstemos da carne de animais, evidentemente não é pelo mesmo motivo que Pitágoras que nos privaremos dela. Pois sabemos honrar somente a alma racional e confiar com honra seus órgãos a uma sepultura honrada conforme os costumes estabelecidos. De fato, a habitação da alma racional merece não ser rejeitada sem honra e ao acaso como a dos seres irracionais; e principalmente quando os cristãos acreditam que a honra prestada ao corpo em que a alma racional habita recai sobre a pessoa dotada de uma alma que por esse órgão combateu o bom combate. Mas "como ressuscitam os mortos? Com que corpo voltam?" (1Cor 15,35), expliquei isto acima, como o assunto o requeria. - Em seguida, Celso lembra que os judeus e os cristãos concordam em dizer, para justificarem sua abstinência das oferendas aos ídolos: quando uma pessoa é consagrada ao Deus supremo, não tem o direito de ser comensal dos demônios; e a esse respeito ele faz a observação já referida. Para nós, não existe outro modo de ser comensal dos demônios em questão de alimento e bebida a não ser comer o que o povo chama de vítimas sagradas e de beber o vinho das libações que são feitas aos demônios. Para Celso é ser comensal dos demônios comer pão, beber vinho de algum modo qualquer, saborear frutos, e até beber apenas água: mesmo então, diz ele, aquele que bebe é comensal dos demônios. Chega até a afirmar que o ar respirado neste mundo é concedido por certos demônios, pois os demônios encarregados do ar concedem aos vivos o ar da respiração. Toda pessoa tem a liberdade de acreditar na doutrina de Celso e mostrar como a administração de tudo o que ficou dito depende não dos anjos divinos de Deus, mas dos demônios cuja raça inteira é perversa. Também nós dizemos que é sob a dependência, por assim dizer, de invisíveis agricultores e de outros seres, que administram não apenas as plantas que nascem da terra, mas também de toda água de fonte e todo ar, que a terra produz aquilo que afirmamos ser regido pela natureza; que a água cai em forma de chuva e corre para as fontes e rios que dela nascem; que o ar conserva sua pureza e traz vida aos que o respiram. Mas nós, naturalmente, não dizemos que esses seres invisíveis são demônios. Se podemos arriscar dizer alguma coisa, diremos que, exceto aquelas outras, são obras dos demônios: as fomes, as esterilidades da vinha e das árvores e mesmo a corrupção do ar, causa de danos aos frutos, às vezes da morte dos animais e de peste entre os homens. Tudo isso é realizado pelos próprios demônios; espécie de carrascos que são, receberam por alguma decisão divina o poder de causar pragas para converter os homens abandonados à deriva das ondas do vício ou para exercitar a raça dos seres racionais: para permitir aos que permanecem piedosos mesmo nas calamidades e nada perder de sua virtude de se manifestar assim aos espectadores visíveis e invisíveis, que até então não viam o brilho de sua alma, e a fim de que os outros, cujas disposições são contrárias, mas evitam mostrar seu vício, submetidos à prova revelem sua essência verdadeira, eles mesmos tomem consciência e se mostrem por assim dizer aos espectadores. - Mas, conforme o testemunho do Salmista, são anjos maus que em virtude de uma decisão divina causam diretamente as grandes desgraças: "Lançou contra eles o fogo de sua ira: cólera, furor e aflição, anjos portadores de desgraças; deu livre curso à sua ira" (Sl 77,49). Será que os demônios recebem às vezes o poder de causar outras desgraças ainda, uma vez que sempre as querem, mas nem sempre conseguem porque são impedidos em suas ações? Quem puder que examine a questão. Enquanto for possível à natureza humana, que se mostre a decisão divina com referência à partida em massa fora de seus corpos de uma multidão de almas tomando caminhos em direção da morte, coisa em si indiferente. Realmente, "grandes são as decisões de Deus" e essa grandeza as torna incompreensíveis a uma inteligência que permanece acorrentada a um corpo mortal; e por isso "elas são difíceis de explicar", e para as almas sem instrução, absolutamente fora de seu alcance (cf Sb 17,1) Dessa forma os temerários, em sua ignorância a esse respeito e em sua revolta contra Deus provocada por sua temeridade, multiplicam as doutrinas ímpias contra a Providência. Portanto, não é dos demônios que recebemos as diferentes coisas necessárias à vida, especialmente quando aprendemos a usar delas como se deve. Ninguém é comensal dos demônios quando recebe pão, vinho, frutos, água e ar, mas muito mais comensal dos anjos divinos encarregados desses elementos, que são, por assim dizer, convidados à mesa do homem piedoso, atento aos ensinamentos da Escritura: "Quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus" (1Cor 10,31). Também se diz em outro lugar: "Quer comais, quer bebais, fazei-o em nome do Senhor Jesus" (Cl 13,17) Portanto, quando comemos, bebemos, respiramos para glorificar a Deus e fazemos tudo segundo a Escritura, não somos comensais de algum dos demônios, mas dos anjos divinos. Com efeito, "tudo o que Deus criou é bom, e nada é desprezível, se tomado com ação de graças, porque é santificado pela Palavra de Deus e pela oração" (1Tm 4,4-5) Mas essas criaturas não teriam sido boas nem capazes de serem santificadas se, como crê Celso, os demônios tivessem recebido a administração delas. A verdadeira ação de graças - É claro que desta forma repliquei antecipadamente ao que ele diz a seguir: Ou então é preciso de todo modo renunciar a viver e a vir a este mundo, ou se alguém veio à vida nestas condições, deve dar graças aos demônios que receberam em herança as coisas da terra, oferecer-lhes primícias e orações toda a vida, a fim de obter sua benevolência. Sem dúvida, é preciso viver, e viver segundo as palavras de Deus enquanto for possível e se puder viver segundo ela. Ora, isto nos é concedido mesmo quando comemos e quando bebemos fazendo tudo para glorificar a Deus. Não devemos recusar comer com ação de graças ao Criador estas coisas que foram criadas para nós. Nestas condições é que fomos levados por Deus a esta vida e não nas que Celso imagina. Não é aos demônios que estamos sujeitos, mas ao Deus supremo por Jesus Cristo que nos levou a ele. De acordo com as leis de Deus, nenhum demônio recebeu em herança as coisas da terra. Mas por causa de sua transgressão, talvez tenham eles partilhado estes lugares dos quais está ausente o conhecimento de Deus e da vida conforme seus preceitos, nos quais os homens estranhos acorrem à divindade. Talvez também porque eles eram dignos de governar e castigar os maus, o Logos que administra todas as coisas os tenha colocado na cabeça daqueles que se sujeitaram ao mal e não a Deus. Por isso Celso, em sua ignorância de Deus, pode testemunhar seu reconhecimento aos demônios. Nós, porém, que damos graças ao Criador do universo, comemos os pães oferecidos com ação de graças e oração sobre as oferendas, pães que se tornaram pela oração um corpo santo que santifica os que os usam com reta intenção. - Além disso, Celso quer consagrar primícias aos demônios. Mas nós o fazemos ao que disse: "Que a terra verdeje de verdura: ervas que deem semente e árvores frutíferas que deem sobre a terra, segundo sua espécie, frutos contendo sua semente" (Gn 1,11). Aquele a quem oferecemos as primícias também é aquele ao qual fazemos subir nossas orações, pois "temos um sumo sacerdote eminente, que atravessou os céus, Jesus, o Filho de Deus" (Hb 4,14), e permanecemos firmes nesta fé que professamos, enquanto vivermos, obtendo a benevolência de Deus e de seu Filho único, que se manifestou a nós em Jesus. E se desejamos ter um grande número de seres cuja benevolência queremos obter, aprendemos que "mil milhares os serviam, e miríades de miríades o assistiam" (Dn 7,10). Esses seres, olhando como parentes e amigos os que imitam sua piedade para com Deus, colaboram para a salvação dos que invocam a Deus e a ele oram verdadeiramente; aparecem-lhes e creem ser seu dever ouvir e visitar - em consequência de um acordo de prestação de serviço e salvação - os que oram a Deus, a quem eles mesmos oram. Pois "são todos eles espíritos servidores, enviados ao serviço dos que devem herdar a salvação" (Hb 1,14). Portanto, os sábios da Grécia podem dizer que os demônios receberam em herança a alma humana desde o nascimento! Mas Jesus nos ensinou a não desprezarmos os pequeninos na Igreja, quando disse: "Os seus anjos nos céus veem continuamente a face de meu Pai que está nos céus" (Mt 18,10). E o profeta declara: "O anjo do Senhor acampa ao redor dos que o temem, e os liberta" (Sl 33,8) Assim sendo, não negamos que haja muitos demônios na terra. Pelo contrário, afirmamos sua existência, seu poder sobre os maus por causa da malícia destes, sua total impotência contra os que estão revestidos da "armadura de Deus", que receberam a força de seu poder para resistir "às insídias do diabo" e que se exercitam lutando constantemente contra eles, porque sabem que o combate que travam "não é contra o sangue nem contra a carne, mas contra os Principados, contra as Autoridades, contra os Dominadores deste mundo de trevas, contra os Espíritos do Mal, que povoam as regiões celestiais" (Ef 6,10-12) Devemos ter medo dos demônios? - Consideremos esta outra passagem de Celso: O quê! O sátrapa, o governador, o general, o procurador do rei da Pérsia ou do imperador de Roma, talvez mesmo os que exercem cargos, ofícios ou serviços inferiores, teriam o poder de causar graves danos se fossem postos de lado, enquanto os sátrapas e ministros do ar ou da terra não causariam senão prejuízos leves se fossem ultrajados? Vê, pois, de que modo ele representa como autores de graves danos para os que os ultrajam ministros humanos do Deus supremo: sátrapas, governadores, generais, procuradores e os que exercem cargos, ofícios e serviços inferiores! Ele não vê que um homem sábio jamais desejaria prejudicar a quem quer que fosse, mas faria o possível para converter e melhorar até mesmo os que o ultrajam. A não ser talvez que os que Celso apresenta como os sátrapas governadores, generais do Deus supremo sejam piores que Licurgo, legislador de Lacedemônia, e Zenão de Cício. Pois Licurgo, tendo em seu poder o homem que lhe tinha vazado um olho, não só não se vingou, mas não cessou de lisonjeá-lo até o persuadir a se dedicar ao estudo da filosofia. O mesmo se diga de Zenão: alguém lhe dizia: "Que eu morra, se não me vingar de ti!" Respondeu ele: "E eu, se não conseguir a tua amizade!" E nada direi tampouco daqueles que foram formados pelo ensinamento de Jesus e ouviram o mandamento: "Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; desse modo vos tornareis filhos do vosso Pai que está nos céus, porque ele faz nascer o sol igualmente sobre maus e bons e cair a chuva sobre justos e injustos" (Mt 5,44-45). E nas palavras do profeta, diz o justo: "Senhor, meu Deus, se eu fiz algo... se em minhas mãos há injustiça, se paguei com o mal ao meu benfeitor, se poupei sem razão o meu opressor, que o inimigo me persiga e alcance! Que me pisoteie vivo por terra e atire meu ventre contra a poeira!" (Sl 7,4-6) - Mas não é verdade, como julga Celso, que os anjos, verdadeiros sátrapas, governadores, generais, procuradores de Deus, causam danos aos que os ultrajam. Se alguns demônios causam danos, estes demônios dos quais o próprio Celso tem uma ideia, assim o fazem porque são maus e não receberam de Deus nenhuma missão de sátrapa, general, procurador; e causam prejuízos aos que lhes estão sujeitos e a eles se entregaram como a seus senhores. Esta talvez seja a razão por que aqueles que, em cada região, infringem as leis estabelecidas sobre os alimentos que lhes são proibidos comer sofrem danos, se estiverem entre os súditos destes demônios. Mas quem não faz parte destes súditos e não se entregou ao demônio deste lugar, permanece isento de toda sevícia da parte deles e se ri desses poderes demoníacos. Entretanto, se, por causa da ignorância dele sobre outros pontos, sujeitou-se a outros demônios, pode sofrer da parte deles. Mas não o cristão, o verdadeiro cristão que se sujeitou a Deus somente e a seu Logos: não pode sofrer absolutamente nada dos seres demoníacos, pois é superior aos demônios. E não pode sofrer porque "o anjo do Senhor acampa ao redor dos que o temem", e "seus anjos no céu veem continuamente a face do Pai que está nos céus" (Sl 33,8; Mt 18,10), e este anjo continuamente apresenta suas orações pelo único Sumo Sacerdote ao Deus do universo e ele mesmo se une à oração daquele que está sob sua tutela. Que Celso, portanto, não nos atemorize ameaçando-nos de dano a sofrer da parte de demônios que teríamos posto de lado. Pois não existe dano algum que os demônios postos de lado possam nos causar: pertencemos àquele que é o único capaz de socorrer os que o merecem, e que contudo encarregou igualmente seus anjos de guardarem os que têm piedade com ele, a fim de que nem os anjos adversários nem seu chefe chamado "príncipe deste mundo" (Jo 14,30) possam fazer absolutamente qualquer coisa contra as pessoas consagradas a Deus. - Em seguida, ele esquece que se dirige a cristãos que oram a Deus exclusivamente mediante Jesus, mistura doutrinas diferentes e as atribui sem razão aos cristãos dizendo: Se pronunciamos seus nomes em língua bárbara, terão poder, mas se for em grego ou em latim, já não terão. Que nos seja mostrado então aquele cujo nome invocamos numa língua bárbara para o chamar em auxílio! Veremos claramente a insanidade desta crítica de Celso constatando que a multidão dos cristãos não usa em suas orações nomes que estão literalmente nas divinas Escrituras para designar a Deus, mas os gregos usam palavras gregas, os romanos palavras latinas e assim cada qual segundo sua própria língua, para orar a Deus e o louvar como pode. E o Senhor de toda língua ouve os que oram em cada língua, como se ouvisse uma voz por assim dizer única no que ela quer dizer, embora se expresse em diversas línguas. Pois o Deus supremo não é dos que receberam como herança uma língua bárbara ou grega, ignorando as outras e sem qualquer atenção com os que falam outras línguas. - Depois disso, ele declara estas palavras, não ouvidas de qualquer cristão, mas de um cristão do povo, estranho às nossas leis e à nossa cultura: Os cristãos dizem: eis que estou diante da estátua de Zeus, de Apolo ou de algum outro deus, eu o injurio e o golpeio, e ele não se vinga de mim. Isto não é conhecer a prescrição da Lei: "Não falarás mal dos deuses" (Êx 22,28), para que nossa boca não se habitue a falar mal de quem quer que seja, pois conhecemos o preceito: "Abençoai os que vos perseguem; abençoai e não amaldiçoeis" (Rm 12,14), e conhecemos o ensinamento: "Os caluniadores não herdarão o Reino de Deus" (1Cor 6,10) Haverá entre nós alguém tão estúpido que diga isso sem ver que esse tipo de argumento é absolutamente incapaz de destruir a opinião que muitos têm dos pretensos deuses? Pois aqueles que professam o ateísmo radical e negam a Providência, e por suas doutrinas perversas e ímpias fundaram uma escola dos assim ditos filósofos, eles mesmos nada tiveram que sofrer com aquilo que o povo considera como males, nem tampouco aqueles abraçaram suas doutrinas; mas eles têm ao contrário riqueza e saúde corporal. E se procurarmos o prejuízo que eles sofreram, veremos que é prejuízo na inteligência. Pois que dano maior haverá que o de não compreender a partir da ordem do mundo aquele que o fez? E que miséria pior haverá senão a cegueira da inteligência, que impede de ver o Criador e pai de toda inteligência? Efeitos da Paixão e do martírio - Depois de nos ter atribuído tais palavras, caluniando os cristãos que nada dizem de semelhante, julga dar-se a si mesmo uma réplica, que parece mais uma brincadeira do que defesa; e diz como se dirigisse a nós estas palavras: Não vês acaso, meu caro, que as pessoas se erguem diante do teu demônio, que não só o injuriam, mas também o expulsam de toda a terra e de todo o mar; e a ti, como uma estátua que lhe é consagrada, elas te amarram, te arrastam ao suplício e te crucificam. E o demônio ou, como dizes, o Filho de Deus, não se vinga de ninguém. Essa réplica teria cabimento, se disséssemos o que ele acha que dizemos. E ainda, neste caso, não seria dizer a verdade chamar o Filho de Deus de demônio. Certamente que não, para nós que declaramos maus todos os demônios, aquele que converteu tantos homens a Deus não era demônio, mas o Logos e o Filho de Deus. Mas para Celso que jamais falou de demônios maus, não sei por que apresentou Jesus como demônio. No final, porém, se há de realizar tudo o que a Escritura anuncia sobre os ímpios que terão recusado todos os remédios e serão surpreendidos em sua malícia por assim dizer incurável. - Qualquer forma que nossa pregação assuma do castigo, convertemos muitos homens de seus pecados ensinando-lhes o castigo. Mas consideremos aquilo que no dizer de Celso responde o sacerdote de Apolo ou de Zeus: "Lentamente giram as mós dos deuses, diz ele, mesmo sobre os filhos que nascerão no futuro". Aí está por que é superior o que se ensina: "Os pais não serão mortos em lugar dos filhos, nem os filhos em lugar dos pais. Cada um será executado por seu próprio crime"; "Todo homem que tiver comido uvas verdes terá seus dentes embotados"; "O filho não sofre o castigo da iniquidade do pai, como o pai não sofre o castigo da iniquidade do filho: a justiça do justo será imputada a ele, exatamente como a impiedade do ímpio será imputada a ele" (Dt 24,16; Jr 31,30; Ez 18,20) E se, como equivalente ao versículo: "Sobre os filhos que nascerão no futuro", citássemos este texto: "Puno a iniquidade dos pais sobre os filhos até a terceira e quarta geração dos que me odeiam" (Êx 20,5), devemos saber que se trata aí de provérbio citado em Ezequiel quando ele repreende os que dizem: "Os pais comeram uvas verdes, e os dentes do filhos ficaram embotados. A isso ele acrescenta: "Por minha vida, oráculo do Senhor, aquele que pecar, esse morrerá" (Ez 18,3-4) Mas não é oportuno explicar agora o que significa a parábola sobre os pecados que são punidos até a terceira e quarta geração. - Em seguida, ele nos agride como fazem as velhas: Insultando suas estátuas, zombas dos deuses; mas se houvesses insultado ao próprio Dioniso ou a Héracles em pessoa, talvez não tivesses escapado tão airosamente. Teu Deus foi torturado e crucificado em pessoa, e os autores deste crime nada precisaram sofrer, nem mesmo durante sua vida a seguir. E desde então o que aconteceu de novo que possa fazer acreditar que não era feiticeiro, mas o filho de Deus? Dessa forma Deus que tinha enviado seu Filho para levar certa mensagem o desprezou no momento de torturas tão cruéis que a própria mensagem pereceu com ele; e embora tão longo tempo tenha se passado, ele não deu a mínima atenção a ela. Já se viu um pai tão injusto? Sem dúvida, este, como dizes, queria que seu destino se realizasse, e é a razão de tais ultrajes. Mas esses deuses contra os quais blasfemas, poderíamos dizer que eles também querem isto, e por esse motivo eles suportam as blasfêmias. Pois a melhor comparação só é relativa a coisas iguais. Nossos deuses, pelo menos, vingam-se secretamente do blasfemo, obrigado por isso a fugir e a se esconder ou a ser preso e executado. A isso posso responder que não insultamos a ninguém: estamos convencidos de que "os que insultam serão excluídos do Reino de Deus" (cf Lc 6,28); lemos os textos: "Abençoai os que vos perseguem; abençoai e não amaldiçoeis" (Rm 12,14); conhecemos estas palavras: "Somo amaldiçoados, e bendizemos" (1Cor 4,12). E embora o insulto encontre uma desculpa na defesa a opor aos erros que tememos, ainda assim a palavra de Deus no-la proíbe; quanto mais devemos nós nos abster se o insulto manifesta uma grande tolice. Seria isto certamente tolice semelhante a insultar a pedra, o ouro ou a prata aos quais foi dada uma forma considerada como a dos deuses pelas pessoas muito distantes da divindade. Desta forma, não zombamos sequer destas estátuas, no máximo de seus adoradores. Mas ainda que haja demônios morando nestas estátuas, ainda que um seja considerado Dioniso, outro Héracles, não as insultamos: seria coisa vã e absolutamente contrária à mansidão, à paz e à tranquilidade de nossa alma, que aprendeu que não se deve insultar a ninguém, seja homem ou demônio, por sua malícia. - Não sei como Celso, que ainda há pouco celebrava os deuses, se atreve agora contra suas próprias palavras a mostrar realmente a maldade deles: pois eles castigam mais por espírito de vingança e não para reformar os que os insultam. Diz ele: se houvesses insultado ao próprio Dioniso ou a Héracles em pessoa, talvez não tivesses escapado tão airosamente. Mostre, porém, quem quiser como uma pessoa ausente pode entender alguma coisa, porque ora está presente, ora ausente, e que necessidade têm os demônios de passar de um lugar a outro. Depois disso, crendo que chamamos Deus ao corpo de Jesus torturado e crucificado e não à divindade que nele está, e que nós o consideramos como Deus quando era torturado e crucificado, ele diz: Teu Deus foi torturado e crucificado em pessoa e os autores deste crime nada sofreram. Como falei extensamente acima do que ele sofreu em sua humanidade, omito falar aqui propositadamente a esse respeito para não parecer que estou me repetindo. Uma vez que ele afirma que aqueles que torturaram a Jesus nada precisaram sofrer, nem mesmo em sua vida posterior, eis o que lhe mostrarei bem como a quem quiser saber: a cidade em que o povo judeu condenou Jesus a ser crucificado clamando: "Crucifica-o, crucifica-o" (Lc 23,21) - pois eles preferiram que fosse libertado aquele bandido lançado na prisão por causa de sedição e assassínio e que Jesus que tinha sido entregue por inveja fosse crucificado - esta cidade pouco tempo depois foi atacada e sofreu cerco tão prolongado que foi arrasada até os alicerces e devastada, pois Deus julgava indignos de participar da vida em comum os que moravam nestes lugares. E ele até os poupava, se posso usar esta expressão estranha, quando, vendo-os incapazes de uma cura salutar e destinados a crescer de dia a dia na onda de sua malícia, os entregou a seus inimigos. E isso aconteceu por causa do sangue de Jesus que foi derramado pela trama que eles urdiram em sua terra, já incapaz de suportar os que tinham ousado praticar esse crime contra Jesus. - Eis o que aconteceu novamente desde a paixão de Jesus: quero dizer o destino desta cidade e de toda a nação judaica, e o nascimento repentino da raça dos cristãos, que parece ter sido gerada de repente. O que também é novo foi o fato de pessoas estranhas às alianças de Deus e excluídas das promessas, distantes da verdade, a terem aceito por milagre divino. Não foi obra de feiticeiro, mas de Deus, que para anunciar sua mensagem enviou seu Logos em Jesus. Ele foi tão cruelmente torturado que essa crueldade deve ser imputada aos que injustamente o torturaram, e ele a suportou com coragem extrema e mansidão total. Mas sua paixão, em vez de fazer fracassar a mensagem de Deus, ao contrário, se assim podemos dizer, concorreu para a tornar conhecida, como o próprio Jesus tinha ensinado: "Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muito fruto" (Jo 12,24) Portanto, por sua morte o grão de trigo que foi Jesus produziu muito fruto, e o Pai exerce uma providência contínua para com os que foram, ainda são e serão os frutos produzidos pela morte desse grão de trigo. O Pai de Jesus é pois pai justo: não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por nós como seu cordeiro, para que o Cordeiro de Deus, morrendo pela salvação de todos, tirasse o pecado do mundo. Assim, não foi obrigado pelo Pai, mas quis suportar os suplícios que lhe eram infligidos por seus perseguidores. E depois disso, voltando a atacar os que blasfemam contra as estátuas, diz Celso: Mas esses deuses contra os quais blasfemas, poderíamos dizer que eles também querem isto, e por esse motivo suportam as blasfêmias. Pois a melhor comparação só é relativa a coisas iguais. Nossos deuses, pelo menos, vingam-se secretamente do blasfemo, obrigado por isso a fugir e a se esconder ou a ser preso e morto. Mas os demônios acreditam se vingar dos cristãos não porque estes blasfemem contra eles, mas porque os expulsam das estátuas e dos corpos e das almas dos seres humanos. Celso, sem compreender, disse uma coisa verdadeira a esse respeito: pois é verdade que os demônios perversos enchem as almas daqueles que condenam e entregam as almas daqueles que se deliciam com lhes mover guerra. - Entretanto, como as almas daqueles que morrem pelo cristianismo, gloriosamente libertados de seu corpo pela religião, destruíam o poder dos demônios e faziam fracassar sua trama contra os homens, por essa razão, penso eu, os demônios, reconhecendo por experiência sua derrota e a vitória das testemunhas da verdade, tiveram medo de voltar a se vingar, e assim, até que tenham esquecido os sofrimentos por que passaram, o mundo estará provavelmente em paz com os cristãos. Mas quando eles reunirem seu poder e quiserem, em sua cega maldade, vingar-se ainda dos cristãos e persegui-los, sofrerão ainda a derrota; e então de novo as almas dos fiéis piedosos, que por sua religião se desfazem de seu corpo, destruirão o exército do Maligno. Mas, a meu ver, os demônios percebem claramente que uns, vitoriosos até em sua morte pela religião, acabam com a dominação deles, e outros, vencidos pelos sofrimentos, submetem-se ao seu poder negando a piedade para com Deus. Lutam ardorosamente às vezes com os cristãos que são entregues, porque sua confissão os tortura e sua negação os deixa no sossego. Podemos perceber sinais disso na atitude dos juízes: eles são torturados pela paciência dos cristãos no meio dos maus tratos e das provações, mas se orgulham de sua derrota. É porque sua ação não é inspirada por sua, assim chamada, filantropia, pois veem claramente que entre os que sucumbem debaixo dos tormentos, a língua abjura, "mas seu coração não abjura". Aí está minha resposta à sua observação: Nossos deuses pelo menos se vingam severamente do blasfemo, obrigado por isso a fugir e a se esconder ou a ser preso e executado. E se acontece que um cristão fuja, não é por medo, mas para obedecer ao preceito de seu mestre, conservar-se livre e ajudar na salvação dos outros. Verdade dos oráculos - Vejamos ainda a passagem seguinte: Será preciso enumerar todos os oráculos feitos nos santuários por uma voz divina através dos profetas e profetisas e outros inspirados, homens e mulheres; todas as maravilhas ouvidas no fundo de seus santuários; todas as revelações obtidas das vítimas e dos sacrifícios; todas as manifestações que provêm de outros prodígios? Outros se beneficiaram com aparições notórias. Toda a vida está repleta desses fatos! Quantas cidades foram fundadas graças aos oráculos ou libertadas de epidemias ou de fomes! Quantas pereceram miseravelmente por tê-los desprezado ou esquecido! Quantas foram fundadas com colônias por sua ordem e prosperaram por terem seguido suas prescrições! Quantos príncipes, quantos particulares pelo mesmo motivo tiveram êxito ou fracassaram! Quantas pessoas desoladas por não terem filhos obtiveram o que pediram e escaparam da cólera dos demônios! Quantas enfermidades corporais foram curadas! Quantos, em compensação, por terem ultrajado santuários, foram imediatamente castigados! Alguns foram fulminados no mesmo instante por demência, outros confessaram seus crimes; uns se mataram, outros foram vitimados por doenças incuráveis. Alguns até foram aniquilados por uma voz terrível que vinha do santuário. Não sei por que Celso, que apresenta estas histórias como manifestas, considerou como fábulas os prodígios relatados em nossos escritos a respeito dos judeus, de Jesus e de seus discípulos. Por que nossos escritos não seriam verdadeiros, e as histórias de Celso invenções fabulosas? Elas não encontram crédito nas escolas filosóficas dos gregos como as de Demócrito, Epicuro, Aristóteles, que talvez tivessem feito acreditar as nossas por causa de sua evidência, se tivessem conhecido Moisés ou algum dos profetas que realizaram milagres, ou mesmo ao próprio Jesus. - Conta-se que a Pítia às vezes se deixou corromper para fazer oráculos. Nossos profetas, ao contrário, foram admirados pela clareza de suas mensagens, não apenas por seus contemporâneos, mas igualmente pela posteridade. Pois, graças aos oráculos dos profetas, foram construídas cidades, homens recuperaram a saúde, fomes acabaram. Além disso, é claro que a nação inteira dos judeus, conforme os oráculos, veio do Egito fundar colônias na Palestina. Enquanto ela seguiu as prescrições de Deus, prosperou; quando se afastou delas, teve que se arrepender. E será preciso dizer quantos príncipes e quantos particulares segundo os relatos da Escritura tiveram êxito ou fracassaram conforme foram fiéis às profecias ou as desprezaram? Deveremos ainda falar da ausência de filhos de que se lamentavam os pais e as mães que erguiam preces ao Criador do universo por esse motivo? Leia-se a história de Abraão e Sara (cf Gn 17,16-21): deles já velhos nasceu Isaac, o pai de toda a raça judaica e de outras raças. Leia-se igualmente a história de Ezequias, que não só obteve a graça de ser libertado de uma doença, conforme as profecias de Isaías, mas ousou dizer com toda segurança: "Desde agora hei de procriar filhos que anunciarão a tua justiça" (cf Is 38,1-8 19) Além disso, no quarto livro dos Reis, a hospedeira de Eliseu, que pela graça de Deus profetizou o nascimento de um filho, tornou-se mãe pela oração do profeta (cf 2Rs 4,8-17). E também inúmeras enfermidades foram curadas por Jesus. E muitos que tinham ousado se entregar aos sacrilégios contra o culto exercido no templo de Jerusalém sofreram os castigos narrados nos livros dos Macabeus (cf 1Mac 2,23-25; 7,47; 9,54-56; 2Mac 3,24-30; 4,7-17; 9,5-12) - Os gregos dirão que são fábulas, embora a verdade destas histórias seja atestada pelos dois povos inteiros. Mas por que então as histórias dos gregos não seriam fábulas em vez destas? Se encaramos diretamente a questão sem qualquer prevenção arbitrária a favor de suas próprias histórias e sem incredulidade com relação às dos estrangeiros, poderíamos dizer: as dos gregos vêm dos demônios, as dos judeus de Deus pelos profetas, ou dos anjos e de Deus pelos anjos, e as dos cristãos de Jesus e de seu poder que residia em seus apóstolos. Que me seja permitido compará-las todas entre si vendo o objetivo visado pelos que as realizaram e o resultado delas, proveito ou prejuízo ou ineficácia para os que viveram seus pretensos benefícios. Veremos certamente a sabedoria do antigo povo dos judeus antes de ultrajar a divindade. Esta os abandonou mais tarde pela gravidade de sua malícia. Mas ela milagrosamente reuniu os cristãos, conduzidos desde o começo, mais pelos prodígios do que pela força persuasiva dos discursos, a abandonar as crenças tradicionais para escolher as que lhes eram estranhas. Com efeito, se é preciso uma explicação verossímil da reunião inicial dos cristãos, diremos que não é plausível que os apóstolos de Jesus, homens iletrados e ignorantes, tivessem fundamentado sua segurança para anunciar o cristianismo aos homens sobre algo que não fosse o poder que lhes tinha sido dado e sobre a graça unida à palavra para mostrar a verdade dos fatos; nem tampouco que seus ouvintes tivessem renunciado a seus hábitos ancestrais inveterados sem que um poder notável e atos milagrosos os tivessem levado a doutrinas tão novas, estranhas àquelas nas quais eles tinham sido educados. A eternidade dos castigos e das recompensas - Então, não sei por quê, Celso recordando a coragem dos que lutam até a morte para não abjurarem o cristianismo, acrescenta, comparando por assim dizer nossas doutrinas com as que são professadas pelos iniciadores e mistagogos: Além de tudo, meu caro, tal como tu acreditas em castigos eternos, os intérpretes dos mistérios sagrados, iniciadores e mistagogos, também acreditam. As ameaças que diriges aos outros, eles as dirigem a ti mesmo. Cabe examinar quais das duas são as mais verdadeiras e as mais poderosas. Pois em palavras cada um afirma com igual energia a verdade de suas doutrinas próprias. Mas quando se exigem provas, os outros exibem grande número de evidências, apresentam obras de certos poderes demoníacos e oráculos, oriundas de todas as espécies de adivinhações. Com isso ele pretende que nossa doutrina concernente aos castigos eternos é a mesma que a dos iniciadores aos mistérios, e quer examinar qual das duas é a mais verdadeira. Ora, não posso afirmar que seja verdadeira a doutrina capaz de por os ouvintes na disposição dos judeus e dos cristãos, com relação ao que eles chamam o século futuro com suas recompensas para os justos, e seus castigos para os pecadores. Mostre Celso, ou qualquer outro, aqueles aos quais os iniciadores e mistagogos inspiram com tais disposições com relação aos castigos eternos! É provável que a intenção do autor desta doutrina não seja apenas permitir sacrifícios expiatórios e discursos sobre os castigos, mas também dispor os ouvintes a fazerem todo o possível para evitarem eles mesmos os atos que são a causa dos castigos. Além disso, a leitura atenta das profecias me parece capaz de convencer o leitor inteligente e de boa fé que o Espírito de Deus estava presente nestes homens. Com estas profecias não se pode comparar de modo algum nenhuma das obras demoníacas que são exibidas, nem ações milagrosas devidas aos oráculos, nem adivinhações. - Vejamos ainda as palavras que Celso nos dirige a seguir: Além disso, não é de vossa parte uma conduta absurda: de um lado, desejar o corpo e esperar que esse mesmo corpo ressuscite, como se não existisse para vós nada de melhor nem mais precioso do que isso, e em compensação expô-lo aos suplícios como coisa desprezível. Mas com homens imbuídos de tais opiniões e presos ao corpo, essa discussão não vale a pena: são pessoas aliás grosseiras e impuras que, sem nenhuma razão, são contaminadas pela revolta. Mas naturalmente, discutirei com os que esperam a eternidade junto de Deus para a sua alma e sua inteligência, quer a chamem princípio espiritual, espírito inteligente, santo e bem-aventurado, alma viva, produto celeste e incorruptível da natureza divina e incorpórea, ou com algum nome que lhes agrade chamá-la. Eles pelos menos têm esta opinião correta que os que levaram vida virtuosa serão felizes, mas os injustos serão punidos para sempre com castigos eternos. É uma doutrina que nem eles nem ninguém deve jamais abandonar. A respeito da ressurreição, Celso muitas vezes nos dirigiu críticas; já fiz o possível para deixar claro o que me parece sensato a esse respeito; não responderei indefinidamente a uma afronta indefinidamente repisada. Mas Celso nos calunia atribuindo-nos a ideia de que em nossa constituição nada há de melhor nem de mais precioso do que o corpo. Pois dizemos que a alma, e principalmente a alma racional, é mais preciosa do que qualquer corpo, porque é a alma que contém o que é "à imagem do Criador" (Cl 3,10), e de modo algum o corpo. Pois segundo nossa visão, Deus não é um corpo; rejeitamos os erros absurdos em que caem os adeptos da filosofia de Zenão e de Crisipo. - Como ele nos critica por desejarmos o corpo, que saiba bem que se o desejo é mau, nós não desejamos nada, mas se é indiferente, desejamos todos os bens que Deus prometeu aos justos. Dessa forma, então, desejamos e esperamos a ressurreição dos justos. Celso acredita que temos uma atitude contraditória, esperando, de um lado, a ressurreição do corpo como se fosse digno de honra junto de Deus, expondo-o, de outro lado, aos suplícios como coisa desprezível. Mas o corpo que sofre pela religião e escolhe as tribulações pela virtude de modo algum é desprezível; o que é inteiramente desprezível é o corpo que se consumiu nos prazeres pecaminosos. Pelo menos é o que a divina Escritura declara: "Qual raça é digna de honra? A raça dos homens. Qual raça é digna de desprezo? A raça dos homens" (Eclo 10,19) Em seguida, Celso julga que devemos recusar discutir com os que esperam recompensa para o corpo, como se estivessem irracionalmente presos a objeto inapto para obter o que eles esperam. Eles os chama de grosseiros e impuros que, sem nenhuma razão, são contaminados pela revolta. Mas se ele amasse os homens, deveria vir em socorro até de pessoas grosseiras. A sociabilidade não exclui as pessoas grosseiras como ela exclui os animais irracionais. Ao contrário, nosso Criador nos criou sociáveis igualmente com todos os homens. Portanto, vale a pena discutir mesmo com pessoas grosseiras para as conduzir na medida do possível a uma vida mais civilizada, com pessoas impuras para as tornar mais puras na medida do possível, com os que, sem nenhuma razão, pensam qualquer coisa e cuja alma está doente, para que não façam mais nada contrário à razão e não tenham mais a alma doente. - Depois disso, ele aprova os que esperam a eternidade e a identidade junto de Deus para a alma ou a inteligência, que entre eles se chama princípio espiritual, espírito racional, inteligente, santo e bem-aventurado, alma viva. Admite como opinião justa a doutrina segundo a qual os que levaram vida virtuosa serão felizes, mas as pessoas injustas serão punidas para sempre com os castigos eternos. Além disso, acho admiráveis acima de tudo o que Celso jamais escreveu, estas palavras que concluem as observações anteriores: é uma doutrina que nem eles nem ninguém deve jamais abandonar. Mas Celso escrevia contra os cristãos, cuja fé repousa plenamente em Deus e nas promessas de Cristo aos justos e em seus ensinamentos sobre o castigo dos injustos: ele deveria ver que um cristão que aceita os argumentos de Celso contra os cristãos e abandona o cristianismo, rejeitando o Evangelho, rejeita igualmente esta doutrina que, segundo o próprio Celso, nem os cristãos nem ninguém jamais deve abandonar. Vejo que em sua obra Arte de curar as paixões Crisipo procede com mais humanidade do que Celso. Ele pretende curar as paixões que oprimem e perturbam a alma humana, principalmente pelas doutrinas que ele julga sadias, mas também, em segundo ou terceiro lugar, pelas doutrinas estranhas às suas máximas. "Supondo-se que existam três espécies de bens, diz ele, mesmo assim é preciso preocupar-se com as paixões. Não é no momento de seu paroxismo que se insiste na doutrina que ocupa o espírito dos que por ela são perturbados. Perdendo tempo em refutar, fora de propósito, as doutrinas que se apossaram da alma, correríamos o risco de deixar passar a cura que ainda é possível." E acrescenta: "E supondo-se que o prazer seja o Soberano Bem e que este seja o pensamento daquele que se deixa dominar pela paixão, seria preciso contudo socorrê-lo e mostrar-lhe que, mesmo quando se admite o prazer como o Soberano Bem e o Fim, toda paixão é condenável." Admitindo-se que os que levaram uma vida virtuosa serão felizes e que as pessoas injustas serão punidas para sempre com castigos eternos, Celso deveria ser consequente consigo mesmo e, se fosse capaz, depois do argumento que lhe parece principal, devia definir e demonstrar longamente a verdade da afirmação segundo a qual as pessoas injustas serão punidas para sempre com castigos eternos, e que os que tiverem levado uma vida virtuosa serão felizes. - Quanto a nós, o que queremos principalmente, por causa das inúmeras razões que nos persuadiram a viver conforme o cristianismo, é familiarizar todos os homens, enquanto possível, com todas as doutrinas cristãs. Mas acaso encontramos pessoas tão seduzidas pela calúnia contra os cristãos a ponto de imaginarem que os cristãos não são religiosos, e de recusarem até ouvir aqueles que professam ensinar os mistérios do divino Logos? Nosso amor então à humanidade nos leva a investir todas as forças para estabelecer as teses a respeito do castigo eterno reservado aos ímpios, e inculcar a própria doutrina nos que não querem viver como cristãos. Dessa forma também queremos implantar a convicção de que os que levaram uma vida virtuosa serão felizes, observando que até estranhos à fé dão sobre a vida virtuosa diversos argumentos semelhantes aos nossos; pois não encontraríamos ninguém que tivesse perdido inteiramente as noções comuns do bem e do mal, do justo e do injusto. Assim, vendo o mundo e, no mundo, o movimento controlado do céu e das estrelas na esfera dos fixos, e a ordem dos planetas levados em sentido inverso do movimento do mundo, vendo a mistura dos ares e das águas para a utilidade dos animais e principalmente do homem, e a abundância das coisas criadas para os homens, que todos os homens cuidem de não fazer nada que desagrade ao Criador do universo, de suas almas e do espírito que está nelas. Que estejam convencidos de que serão castigados por causa de seus pecados, mas receberão daquele que trata cada um segundo seu mérito uma recompensa proporcional às obras perfeitas e convenientes. Que todos os homens sejam persuadidos que eles passarão a uma vida feliz pelas suas boas ações, mas que os maus serão miseravelmente entregues aos sofrimentos e aos tormentos pelas suas injustiças, intemperanças, excessos, como também pela sua covardia, pusilanimidade e toda loucura. Reconhecimento aos seres que nos protegem - Depois de ter insistido tanto neste ponto, vejamos ainda outra passagem de Celso: Os homens nascem presos a um corpo, quer em razão da economia do universo, quer em expiação de sua falta, quer porque a alma é carregada de paixões até ser purificada em períodos determinados. Pois, segundo Empédocles, é necessário que "durante mil anos a alma dos mortais vagueie errante longe dos bem-aventurados mudando de forma com o tempo" (Empédocles, Fragm. B 115). Portanto, é preciso acreditar que os homens foram confiados à guarda de certos carcereiros desta prisão. Observa aqui mais uma vez que em questões tão graves, ele hesita de maneira bem humana, e dá prova de prudência citando as teorias de numerosos autores sobre a causa de nosso nascimento, sem ousar afirmar que uma delas seja falsa. Uma vez, porém, decidido a não dar seu assentimento levianamente e a não opor uma recusa temerária às opiniões dos Antigos, porventura não chegava ele à conclusão lógica: se ele não quisesse acreditar na doutrina dos judeus enunciada por seus profetas nem a Jesus, devia permanecer hesitante e admitir como provável que aqueles que prestaram seu culto ao Deus do universo e que, para a honra que lhe é devida e pela observação das leis que eles acreditavam provenientes dele, se expuseram não poucas vezes a perigos sem conta e à morte, não tiveram o desprezo de Deus, mas uma revelação foi feita também a eles: pois desdenharam as estátuas produzidas por arte humana e procuraram subir pelo raciocínio até o próprio Deus supremo. Deveriam ter considerado que o Pai e Criador de todos os seres, que vê tudo, ouve tudo e julga segundo seu mérito a determinação de toda pessoa em procurá-lo e em querer viver na piedade, concede também a eles o fruto de sua proteção, para que progridam na ideia de Deus que eles receberam uma vez. Refletindo sobre esse ponto, Celso e os que odeiam Moisés e os profetas entre os judeus, Jesus e seus verdadeiros discípulos que se consomem por suas palavras, não teriam insultado deste modo a Moisés e aos profetas, a Jesus e a seus apóstolos. Eles não punham só os judeus abaixo de todas as nações da terra, chamando-os de inferiores até mesmo aos egípcios que, por superstição ou por qualquer outra causa ou erro, rebaixam o mais possível até aos animais irracionais a honra que eles devem à divindade. Todas as observações são feitas, não para induzir alguns a duvidarem da doutrina do cristianismo, mas para estabelecer que seria preferível, para os que injuriam tão temerariamente a doutrina dos cristãos, hesitar pelo menos em falar do assunto e não dizer com tanta audácia de Jesus e de seus discípulos o que ignoram, e que eles afirmam sem aquilo que entre os estoicos é chamado "uma representação compreensiva", nem qualquer outro critério pelo qual cada escola filosófica estabeleceu, como bem lhe pareceu, a realidade de um dado fenômeno. - Em seguida, quando Celso declara: É preciso crer que os homens foram confiados à guarda de certos carcereiros desta prisão, devemos responder-lhe que mesmo na vida dos que Jeremias chama "os cativos da terra" (Lm 3,34), a alma virtuosa pode ser libertada dos laços do pecado. Pois Jesus afirmou isto, como muito antes de sua vinda à terra o predissera o profeta Isaías. E que dizia ele antecipadamente senão aos cativos: "saí", e àqueles que vivem nas trevas: "vinde à luz"? (Is 49,9). E o próprio Jesus, como Isaías também predissera: "O povo que andava nas trevas viu uma grande luz, uma luz raiou para os que habitavam uma terra sombria como a da morte". É por isso que podemos dizer: "Rebentemos os grilhões, sacudamos de nós suas algemas!" (Is 9,2; Sl 2,3) Se Celso e os que têm a mesma hostilidade contra nós podiam penetrar no sentido profundo dos Evangelhos, eles não nos teriam aconselhado a obedecer aos que ele chama os carcereiros desta prisão. Ao contrário, está escrito no Evangelho: "Uma mulher estava inteiramente recurvada e não podia de modo algum endireitar-se". Jesus a viu, e entendendo por que estava recurvada sem poder se endireitar de modo algum, disse: "E esta filha de Abraão que Satanás prendeu há dezoito anos, não convinha soltá-la no dia de Sábado?" (Lc 13,11 16) Quantos outros, atualmente presos a Satanás, estão recurvados e não podem de modo algum se endireitar, porque ele quer nos obrigar a olhar para baixo! E não existe ninguém que possa endireitá-los a não ser o Logos que veio habitar em Jesus e antes tinha inspirado os profetas. Sim, Jesus veio libertar todos os que estavam sujeitos ao diabo, a respeito do qual ele declarou com uma profundidade digna dele: "Agora o príncipe deste mundo está julgado" (Jo 16,11) Por conseguinte, nós não insultamos os demônios deste mundo, mas condenamos suas atividades que visam a perda do gênero humano, pois sua intenção é, sob pretexto de oráculos e curas dos corpos e de outros prodígios, separar de Deus a alma que caiu no "corpo de miséria" (cf Fl 3,21). Os que compreenderam esta miséria exclamam: "Infeliz de mim! Quem me livrará deste corpo de morte?" (Rm 7,24). Tampouco é verdade que entregamos em vão nosso corpo à tortura e ao suplício. Não lhes entregamos em vão nosso corpo quando, recusando proclamar deuses os demônios que envolvem a terra, servimos de alvo a seus ataques e aos de seus devotos. Pareceu-nos até razoável crer que é agradar a Deus entregar-nos à tortura pela virtude, ao suplício pela piedade, e à morte pela santidade. Pois "é preciosa diante de Deus a morte de seus santos" (Sl 115,6). E nós afirmamos que é bom não amar a vida. Mas Celso nos compara aos malfeitores que merecem com razão os sofrimentos que lhes são infligidos por seu banditismo, e ele não se envergonha de comparar nosso tão belo objetivo ao dos bandidos. Por estas palavras ele é de fato o irmão dos que incluíram Jesus entre os malfeitores, realizando o oráculo da Escritura: "E foi contado com os transgressores" (Is 53,12; Lc 22,37) - Em seguida, Celso declara: De duas coisas uma, como exige a razão. Se eles se negam a prestar o culto habitual aos que presidem às atividades seguintes, que renunciem a chegar à idade de homem, a se casar, a aceitar ter filhos e a nada mais fazer na vida, mas saiam todos deste mundo sem deixar a menor posteridade, e desta forma sua raça liberte totalmente a superfície da terra. Mas se eles pretendem se casar, ter filhos, saborear dos frutos, ter parte nas alegrias desta vida e suportar os males que ela implica - pois a natureza quer que todos os homens sofram males, a existência dos males é necessária e não encontrariam lugar em outra parte senão nesta vida - então é preciso prestar aos seres que os presidem as honras que merecem, cumprir o culto devido nesta vida até que eles sejam libertados de seus laços, para não parecerem ingratos com eles. Seria de fato injusto ter parte em seus bens sem nada lhes pagar em retorno. Ao que respondo: a única maneira de sair da vida que julgamos razoável é a que pedem a religião e a piedade, quando os juízes ou os que parecem ter nossas vidas à sua discrição nos propõem a alternativa ou de viver desobedecendo aos preceitos de Jesus, ou de morrer obedecendo às suas palavras. Além do mais, Deus nos permitiu casar porque nem todos são capazes de compreender o bem superior da pureza absoluta; e permitiu a todos os que se casaram educar plenamente os que nasceram, mas não destruir os filhos dados pela Providência. Nada há que contradiga nossa intenção de não obedecer aos demônios que dividiram a terra entre si; pois, armados com a armadura de Deus, nós nos insurgimos como os atletas da piedade contra a raça dos demônios que conspiram contra nós. - Portanto, apesar da pretensão de Celso de nos fazer abandonar a vida todos juntos para que, pensa ele, nossa raça livre totalmente a superfície da terra, viveremos na dependência de nosso Criador segundo as leis de Deus, não desejando por nada deste mundo ser escravos das leis do pecado. Casamo-nos se quisermos e aceitarmos os filhos nascidos desses casamentos. E se necessário, participaremos das alegrias desta vida, suportando os males que ela implica como provações da alma. É o termo empregado comumente pelas divinas Escrituras para designar as aflições dos homens. Por elas, como o ouro no fogo, a alma provada ou é condenada, ou é manifestada em sua admirável virtude. E estamos tão bem preparados para os males de que nos fala Celso que chegamos mesmo a dizer: "Examina-me, Senhor, coloca-me à prova, depura meus rins e meu coração" (Sl 25,2). Pois "um atleta não recebe a coroa se não lutou segundo as regras" já agora na terra contra seu corpo de miséria (2Tm 2,5; Fl 3,21) Recusamo-nos também a prestar honras habituais aos seres que Celso diz serem encarregados das coisas deste mundo. Adoramos o Senhor, nosso Deus, e só a ele servimos, orando para sermos imitadores de Cristo. Pois, à sugestão do diabo: "Tudo isto te darei, se, prostrado, me adorares", Jesus respondeu: "Ao Senhor teu Deus adorarás e só a ele prestarás culto" (Mt 4,9-10) Eis por que recusamos prestar honras habituais aos seres que Celso chama de encarregados das coisas deste mundo, uma vez que "ninguém pode servir a dois senhores" (Mt 6,24), nem podemos "servir ao mesmo tempo a Deus e a Mamon", não importando se este último termo designa um ou vários seres. Além disso, se "pela transgressão da Lei" (Rm 2,23), recusamos honrar o legislador, parece-nos claro que, diante da oposição das duas leis, a de Deus e a de Mamon, é preferível para nós recusar a honra a Mamon transgredindo a lei de Mamon para honrar a Deus, observando a lei de Deus, em vez de recusar a honra a Deus, transgredindo a lei de Deus, a fim de honrar a Mamon. - Celso crê que se cumpre a obrigação do culto devido nesta vida, até que os homens sejam livres de seus laços, quando se oferecem sacrifícios conforme os costumes dos povos a cada um dos deuses reconhecidos em cada cidade. É desconhecer o verdadeiro dever exigido pela piedade autêntica. Nós, porém, dizemos que cumprimos a obrigação do culto de modo conveniente nesta vida, quando, lembrados do Criador e dos atos que lhe são agradáveis, fazemos tudo para agradar a Deus. Celso também quer que não sejamos ingratos com os demônios deste mundo, acreditando que devemos sacrifícios a eles de ação de graças. Nós, porém, esclarecendo a doutrina da ação de graças, dizemos que, recusando sacrificar a seres que não nos fazem nenhum bem, mas se erguem contra nós, não existe ingratidão de nossa parte. Recusamos apenas ser ingratos com Deus, que nos cumula de bens, pois somos suas criaturas, objetos de sua Providência, qualquer seja a sorte de que ela nos julgou dignos, aguardando, depois desta vida, o cumprimento das esperanças que ele nos deu. E temos como sinal de nossa gratidão a Deus o pão chamado "Eucaristia". Mas, como ficou dito acima, os demônios não controlam a marcha das coisas criadas pelas nossas necessidades. Por isso não há injustiça em participarmos dos bens criados sem oferecer sacrifícios a seres que nada têm a ver com isso. E vendo, não demônios mas anjos encarregados dos frutos da terra e do nascimento dos animais, nós os louvamos e os felicitamos pelo fato de Deus lhes ter assim confiado estes bens úteis à nossa raça. Mas estamos longe de lhes prestar a honra devida a Deus: Deus não quer isto, tampouco eles a quem estes bens são confiados por Deus. E nos felicitam mesmo por nos abstermos desses sacrifícios em vez de oferecê-los: não precisam absolutamente das exalações que promanam da terra. - Celso prossegue: Podemos saber dos egípcios que até nestas matérias mais ínfimas existe um ser ao qual foi confiada autoridade. Dizem eles que trinta e seis demônios ou certos deuses do ar foram encarregados do corpo do homem distribuído em partes - outros falam até de um número bem maior - e que cada qual deles recebeu a ordem de se encarregar de uma destas partes. Sabem eles os nomes desses deuses na língua da terra: Chnumen, Chnachumen, Knat, Sikat, Biú, Eru, Erebiú, Rhamanor, Rheianoor, e todos os outros que eles chamam em sua língua. Invocando-os, eles curam as doenças das diversas partes. O que é então que nos impede honrar a estes ou àqueles se preferimos gozar de boa saúde e não ficar doentes, ter uma vida feliz e não miserável, escapar enquanto possível das torturas e dos suplícios? Desta forma, Celso tenta submeter nossa alma aos demônios, como se eles tivessem recebido o encargo de nossos corpos. Sustenta que cada um preside a uma parte de nosso corpo. Quer que acreditemos nesses demônios que ele menciona, e que lhes prestemos culto para ter boa saúde e evitar a doença, levar vida feliz e não miserável e, na medida do possível, fugir das torturas. Ele desconhece a honra indivisa e indivisível que é dirigida ao Deus do universo, a ponto de não acreditar que só Deus, adorado e excelsamente honrado, basta para conceder a quem o adore, e justamente por esta adoração, um poder que detém os ataques dos demônios contra o justo. Pois ele não viu como a fórmula "em nome de Jesus", pronunciada pelos autênticos crentes, curou muitas pessoas de doenças, de possessões diabólicas e de outras aflições. - É bem provável que faremos rir a um partidário de Celso dizendo: "Ao nome de Jesus, se dobre todo joelho dos seres celestes, dos terrestres e dos que vivem sob a terra, e, para a glória de Deus, o Pai, toda língua confesse: Jesus é o Senhor" (Fl 2,10-11). Mas este riso não pode impedir nossa invocação de ter provas de sua eficácia mais manifestas do que o que ele conta a propósito dos nomes de Chnumen, Chnachumen, Knat, Sikat e dos outros da lista egípcia, cuja invocação curaria as doenças das diversas partes do corpo. Repara também de que maneira, desviando-nos de adorar ao Deus do universo por Jesus Cristo, ele nos convida, para curarmos nosso corpo, em trinta e seis demônios bárbaros que os mágicos do Egito são os únicos a invocar prometendo-nos não sei que maravilhas. Segundo ele, seria oportuno para nós ser mágicos e feiticeiros e não cristãos, acreditar num número infinito de demônios e não acreditar no Deus supremo por si mesmo evidente, vivo e manifesto por aquele que, com grande poder, difundiu a pura doutrina da religião por todo o mundo dos homens e mesmo, acrescentarei sem mentir, o mundo dos outros seres racionais que precisam de reforma, de cura e de conversão do pecado. Procura dos verdadeiros bens e de Deus - Celso em todo caso adivinha que é fácil passar do conhecimento destas práticas à magia e, consciente do prejuízo que daí adviria para seus ouvintes, diz: É preciso, contudo, quando alguém se une a estes demônios, cuidar para não ser absorvido pelo culto a lhes ser prestado e por amor ao corpo não se desviar dos bens superiores e ficar longe deles esquecendo-os. Talvez não seja necessário recusar crer nos sábios: eles dizem que a maior parte dos demônios terrestres, absorvidos na geração, presos ao sangue e ao cheiro de gordura, amarrados por encantamentos e outras práticas deste tipo, nada podem de melhor a não ser curar os corpos, predizer o destino próximo ao indivíduo e à cidade, e que sua ciência e poder não se estendem senão às atividades mortais. Como pelo próprio testemunho deste inimigo da verdade de Deus existe tal risco nessa matéria, como não será melhor afastar toda suspeita de ser absorvido por tais demônios, amar o corpo, não nos desviar dos bens superiores, ficar longe dos bens superiores esquecendo-os; mas antes nos confiar ao Deus supremo por Jesus Cristo, que nos apresenta um ensinamento tão admirável? Devemos pedir-lhe toda ajuda e toda proteção de seus santos anjos e justos, para que nos livrem dos demônios terrestres absorvidos na geração, presos ao sangue e ao cheiro de gordura, atraídos por encantamentos estranhos, amarrados às coisas deste tipo. Segundo parecer unânime, segundo Celso, o máximo que podem fazer é curar os corpos. Eu, porém, diria que não é evidente que estes demônios, independentemente do culto que lhes seja prestado, possam curar os corpos. Para a cura dos corpos, entendendo-a como vida simples e comum, é preciso o uso da medicina; e se a pessoa aspira a uma vida superior à da multidão, é preciso a piedade com o Deus supremo e as preces que lhe são dirigidas. - Considera tu mesmo a disposição que agradará mais ainda ao Deus supremo cujo poder é inigualável em toda as ordens de coisas, especialmente para difundir sobre os homens os benefícios da alma, do corpo, dos bens exteriores. Será acaso a consagração total de si mesmo a Deus, ou a minuciosa investigação dos nomes, dos poderes, das atividades dos demônios, das pedras com suas inscrições que correspondem às formas tradicionais dos demônios simbolicamente ou de qualquer outra maneira? É evidente, até numa reflexão sumária, que a disposição simples e sem vã curiosidade que, por isso, se consagra ao Deus supremo, será aceita por Deus e por todos os seus familiares. Ao contrário, para a saúde física, o amor ao corpo, o êxito nas coisas indiferentes, preocupar-se com os nomes dos demônios, procurar o modo como cativar os demônios por meio de encantamentos, é querer ser abandonado por Deus, como um ser mau, ímpio e demoníaco e não humano, aos demônios que alguém escolhe pronunciando estas fórmulas, para ser atormentado, quer pelos pensamentos que cada um deles sugere, quer por outras desgraças. Pois é possível que estes seres, sendo maus e, como declara Celso, presos ao sangue, ao cheiro de gordura, aos encantamentos e a outras coisas desse tipo, não mantêm, nem com aqueles que lhes oferecem esses deleites, nem a sua fé nem, se podemos dizer, seus compromissos. Pois, se outros os invocam contra os que lhes prestaram culto e se compram seu serviço religioso com mais sangue, cheiro de gordura e este culto que eles exigem, eles podem se voltar contra aquele que ontem lhes prestava culto e lhes dava uma parte deste banquete que lhes é caro. - Depois de ter falado tanto a respeito disso nas páginas anteriores, depois de nos ter conduzido aos santuários dos oráculos e às suas predições cuja origem seria divina, eis que Celso escolhe um partido melhor: reconhece que a predição ao indivíduo e à cidade de seu destino próximo e o interesse revelado pelas coisas mortais é consentâneo com os demônios terrestres que são absorvidos na geração, presos ao sangue, ao cheiro de gordura, amarrados por encantamentos e outras práticas desse tipo, e nada podem fazer de melhor. É provável que ao nos erguermos contra a pretensão de Celso de falar de Deus a respeito dos oráculos e do culto em honra dos pretensos deuses, sejamos suspeitos de impiedade porque vemos aí a ação dos demônios que rebaixam as almas humanas ao que se refere à geração. Pois bem! Que aquele teve tais suspeitas contra nós seja persuadido de que as declarações cristãs são exatas, ao ver que o próprio autor de um livro contra os cristãos chegue a esta conclusão como vencido pelo Espírito da verdade. De nada adianta Celso dizer: É preciso tributar honras religiosas a esses seres enquanto estiver em jogo nosso interesse, pois a razão não exige que isto seja feito sem restrição. Não, não se deve prestar honras aos demônios presos ao cheiro da gordura e do sangue, mas fazer tudo para evitar profanar a divindade, rebaixando-a até aos demônios perversos. Se ele tivesse tido uma noção exata de nosso interesse e entendido que nosso interesse em sentido próprio é a virtude e a ação conforme a virtude, Celso não teria usado a expressão "enquanto estiver em jogo nosso interesse" a respeito de tais seres nos quais ele mesmo vê demônios. Para nós, ainda que o culto de tais demônios nos conceda a saúde e o sucesso temporal, preferimos sofrer a doença e o fracasso temporal com a consciência de uma religião pura para com o Deus do universo, e não gozar da saúde do corpo e do sucesso temporal advenientes da separação e da ruína longe de Deus, e enfim a doença e a miséria da alma. Em suma, devemos estar unidos àquele que não tem nenhuma necessidade de nada a não ser da salvação dos homens e de todo ser racional, e não aos que gostam do cheiro de gordura e do sangue. Favor de Deus, favores dos príncipes - Celso, na minha opinião, depois de todas estas palavras sobre a necessidade que teriam os demônios do cheiro de gordura e de sangue, parece mudar de opinião e chegar a uma medíocre palinódia ao declarar: Devemos antes crer que os demônios nada desejam, não precisam de nada, mas se comprazem nos que lhes tributam estes deveres de piedade. Se tivesse acreditado que esta consideração é verdadeira, ele não deveria propor a outra, ou então eliminar esta. De fato, a natureza humana não é deixada num abandono total por Deus e pela Verdade que é seu Filho único. Da mesma forma Celso disse a verdade a respeito da necessidade que têm os demônios do cheiro de gordura e do sangue. Mas, por seu erro, caiu ainda na mentira comparando os demônios aos homens que cumprem perfeitamente seus deveres de justiça, também contra a vontade de todos, e cumulam de bens os que manifestam o seu reconhecimento. Mas aqui ele me parece fazer uma confusão: ora ele tem o espírito perturbado pelos demônios, ora igualmente, saindo da irreflexão à qual eles levam, ele entrevê uma luz de verdade. Pois novamente acrescenta: Quanto a Deus, jamais se deve abandoná-lo de modo algum, nem de dia nem de noite, nem em público nem em particular, em qualquer palavra e em qualquer ação de maneira contínua. Mas, nestas atividades ou sem elas, a alma jamais deixa de tender a Deus. Entendo a expressão "nestas atividades" no mesmo sentido que "em público, em qualquer ação, em qualquer palavra". E ei-lo novamente atormentado pelas distrações que o assaltam da parte dos demônios, às quais ele em geral sucumbe, e acrescenta: Sendo assim, por que este medo de procurar o favor dos que mandam neste mundo, e entre outros dos príncipes e dos reis entre os homens? Não é sem uma força demoníaca que eles obtiveram sua dignidade na terra. Desta forma, nas páginas anteriores, ele tudo fazia para degradar nossa alma diante dos demônios. E agora, ele quer que procuremos o favor dos príncipes e dos reis entre os homens! Mas como os encontramos a cada momento da vida e da história, não julguei necessário apresentar aqui exemplos. - Existe só o Deus supremo cujo favor se deve procurar e a quem se deve pedir que seja propício, buscando sua graça pela piedade e por todas as virtudes. E se Celso quiser, depois do Deus supremo, tornar propícios outros protetores, deve compreender que, como o corpo que se desloca é seguido pelo movimento de sua sombra, da mesma forma o favor do Deus supremo atrai a benevolência de todos os que o amam: anjos, almas, espíritos. Eles conhecem os que merecem o favor de Deus, e não contentes em conceder sua benevolência aos que têm este mérito, colaboram com os que querem prestar culto ao Deus supremo; cheios de benevolência, com eles oram e intercedem. Em consequência disso ousamos dizer: quando os homens aspiram de todo coração aos melhores bens e oferecem a Deus sua oração, uma multidão de santos poderes, mesmo sem serem invocados, oram com eles e assistem nossa raça perecível. E, se posso dizer, combatem a nosso lado, por causa dos demônios que tais poderes veem combater e lutar contra a salvação dos que acima de tudo se consagram a Deus e desprezam o ódio dos demônios, qualquer seja seu furor contra o homem que evita prestar-lhes culto por meio do cheiro de gordura e do sangue, mas se empenha de todos os modos, por suas palavras e ações, em viver na familiaridade e na união com o Deus supremo, graças a Jesus: pois Jesus causou a derrota de número infinito de demônios ao se dirigir para todos os lugares "curando e convertendo todos os que estavam dominados pelo diabo" (At 10,38) - Sim, sem dúvida, devemos desprezar o favor dos homens e dos reis, não só se ele for obtido apenas à custa de assassínios, impurezas e atos criminosos, mas também se for à custa da impiedade com o Deus do universo, ou de uma palavra de servilismo e baixeza, indigna de homens corajosos e magnânimos que querem unir às outras virtudes, como sendo a mais nobre de todas, a firmeza da alma. Neste ponto, porém, nada fazemos de contrário à lei e ao Logos de Deus, não temos a loucura de correr para excitar contra nós a cólera do imperador ou do príncipe, enfrentar os maus tratos, os suplícios e até a morte. Pois lemos as palavras: "Todo homem se submeta às autoridades constituídas, pois não há autoridade que não venha de Deus, e as que existem foram estabelecidas por Deus. De modo que aquele que se revolta contra a autoridade, opõe-se à ordem estabelecida por Deus" (Rm 13,1-2) No Comentário sobre a Epístola aos Romanos, é verdade, dei da melhor forma possível explicações longas e variadas sobre estas palavras. Aqui, só as aplico a este assunto no sentido simples e segundo a interpretação comum, pois Celso declara: Não é sem uma força demoníaca que eles obtiveram sua dignidade na terra. A instituição dos reis e dos príncipes oferece matéria a ampla doutrina: a esse respeito se abre vasto campo de pesquisa, por causa dos que reinaram exercendo a crueldade e a tirania, ou para quem o poder foi ocasião de se entregar à moleza e à volúpia. Por isso deixo de tratar aqui da questão. Entretanto, não juramos pela fortuna do imperador, nem por qualquer outro que fosse visto como um deus. De fato, como afirmam alguns, ou a fortuna do imperador não passa de uma palavra como as palavras são apenas "opinião" ou "divergência", e não juramos sobre o que não tem nenhuma existência como se fosse um deus ou um ser realmente existente e dotado de poder efetivo; pois não queremos utilizar para fins proibidos o poder do juramento. Ou então, segundo o pensamento dos autores para os quais jurar pela fortuna do imperador de Roma é jurar por seu demônio, o que é chamado fortuna do imperador é seu demônio; assim sendo, devemos morrer em vez de jurar por um demônio perverso e pérfido que muitas vezes peca com o homem ao qual ele foi proposto, ou peca mesmo mais que ele. - Em seguida, Celso novamente, semelhante às pessoas que às vezes retornam da possessão diabólica e nela recaem, como se estivesse em período de sabedoria, se exprime neste sentido: Se, na qualidade de adoradores de Deus, recebemos a ordem de cometer uma impiedade ou de dizer alguma coisa vergonhosa, não devemos de modo algum obedecer, mas ao contrário armar-nos contra todas as provações e resistir a mil mortes, para não dizer ou mesmo pensar a menor impiedade com Deus. Depois, novamente por ignorância de nossa doutrina, e além disso, porque confunde tudo, ele diz: Mas, se te ordenarem que bendigas o sol ou cantes com entusiasmo um belo hino em honra de Atena, parecerá melhor que adores o grande Deus quando cantas esses hinos. Pois a piedade com Deus é mais perfeita quando se estende a todas as coisas. Ora, afirmamos: para bendizermos o sol, não esperamos que alguém nos ordene, pois aprendemos a bendizer não apenas aqueles que se incluem na mesma ordem que nós, mas também os inimigos. Havemos de bendizer, portanto, o sol como uma bela criatura de Deus que guarda as leis de Deus, ouve as palavras: "Sol e mar, louvai o Senhor!" (Sl 148,3) e com todas as suas forças canta um hino ao Pai e Criador do universo. Contudo, pondo no mesmo nível Atena e o sol, as tradições dos gregos inventaram a fábula, com ou sem significações alegóricas, segundo a qual ela nasceu toda armada com o cérebro de Zeus e, perseguida um dia por Hefesto, que queria corromper sua virgindade, ela lhe escapou; mas amou a sua semente que no ardor do desejo caíra na terra; e ela educou com o nome de Erictônio, como contam, "o filho da gleba fecunda que Atena, filha de Zeus, outrora criou". Vemos assim que por reconhecer Atena, filha de Zeus, devemos admitir muitos mitos e ficções que não pode admitir aquele que foge dos mitos e busca a verdade. - Supondo que se recorra à alegoria dizendo que Atena é a Sabedoria, é preciso mostrar que ela tem uma existência pessoal e uma natureza que fundamente esta interpretação alegórica. Mas se Atena é um ser humano que viveu antigamente, se foi honrada com um culto pela ação dos que desejavam ver seu nome cantado entre os homens como o de uma deusa e transmitiram a seus inferiores seus mistérios e suas iniciações, muito menos é permitido bendizer e glorificar Atena como uma deusa, pois nos é proibido adorar o sol em seu esplendor, ainda que o bendigamos. Celso afirma que veremos melhor que adoramos o Grande Deus se cantarmos também o sol e Atena. Mas sabemos que é o contrário. Só dirigimos hinos ao Deus supremo e a seu Filho único Deus Logos. Cantamos hinos a Deus e a seu Filho único, como o fazem o sol, a lua, as estrelas e todo o exército celeste. Juntos eles formam apenas um coro divino e cantam com os homens justos um hino ao Deus supremo e a seu Filho único. Dissemos acima que não se deve jurar pelo imperador reinante sobre os homens ou por aquilo que chamam sua fortuna. Portanto, não precisamos dar uma nova resposta às suas palavras: Mesmo que te ordenem jurar por um imperador entre os homens, nada há a temer. Pois as coisas da terra lhe foram entregues e tudo que recebemos nesta vida recebemos dele. Mas negamos absolutamente que todas as coisas da terra lhe tenham sido entregues e que recebamos dele o que recebemos nesta vida. O que recebemos justa e honestamente, o recebemos de Deus e de sua Providência, por exemplo, os frutos comestíveis, o pão que dá força ao coração do homem, o vinho que deleita e alegra o coração do homem. E é igualmente da Providência que recebemos os frutos da oliveira para que ele faça o rosto brilhar com o óleo. As duas pátrias - Celso declara em seguida: Não se deve negar crédito ao antigo autor que outrora proclamou: "Que apenas um seja rei, aquele a quem o filho de Crono, o astuto, tiver dado esse privilégio"! Se recusas esta doutrina, é provável que o imperador te castigue. De fato, ainda que todos os homens façam como tu, nada impedirá que o imperador fique só e abandonado, que todos os bens da terra caiam sob o poder dos bárbaros muito iníquos e selvagens, e que já não se ouça falar na terra nem da religião nem da verdadeira sabedoria. Sim, sem dúvida, que haja um só chefe e um só rei! Mas não aquele a quem o filho de Crono tiver concedido este privilégio, mas o homem a quem o tiver concedido aquele que estabelece os reis e os depõe, e que suscita na hora certa na terra o chefe útil. Não é o filho de Crono, o qual precipitou seu pai no Tártaro, como reza o mito grego, depois de o ter expulso do trono, ainda que se dê uma interpretação alegórica da história: mas é Deus que, governando todo o universo, sabe o que faz quanto à instituição dos reis. Portanto, rejeitamos a doutrina de uma realeza outorgada pelo filho de Crono, o astuto, persuadidos de que Deus ou o Pai de Deus nada quer de astuto nem de tortuoso. Mas não recusamos a doutrina da Providência e das coisas produzidas por ela, nem principalmente, nem por via de consequência. Além disso, não é provável que um imperador nos venha a punir por nossa afirmação de que não é o filho de Crono, o astuto, que lhe outorgou o governo, mas aquele que estabelece os reis e os depõe. Certo, portanto, que todos os homens façam como eu, recusem a doutrina de Homero, mas conservem a doutrina sobre o imperador e cumpram o mandamento: "Tributai honra ao rei!" (1Pd 2,17). Então naturalmente o imperador não será deixado só e abandonado, e os bens da terra não cairão sob o poder dos bárbaros muito iníquos e muito selvagens. Na suposição, como diz Celso, de que todos os homens façam como eu, é evidente que também os bárbaros convertidos à palavra de Deus serão muito sujeitos à lei e muito civilizados; todos os cultos serão abandonados e só o culto dos cristãos estará em vigor: sim, num só dia ele estará em vigor, pois o Logos conquista a cada instante número maior de almas. - A seguir, como se não percebesse a contradição de suas palavras com sua hipótese: Que todos os homens façam como tu, Celso acrescenta: Certamente não dirás que se os romanos, convencidos por ti, negligenciassem seus ritos habituais de piedade com os deuses e os homens para melhor invocar teu Altíssimo ou a quem queiras, este desceria para combater por eles e não lhes seria necessária outra força senão a sua. Outrora, o mesmo Deus prometia isso a seus devotos e até bem mais, como vós mesmos admitis, e vede os serviços que ele prestou a eles ou a vós mesmos! Eles, em vez de dominar toda a terra, estão agora sem eira nem beira; o que ainda resta errante e clandestino no meio de vós é perseguido e conduzido à morte. Ele pergunta o que aconteceria se os romanos estivessem convencidos pela doutrina cristã, desprezassem as honras devidas aos pretensos deuses e os costumes que outrora estavam em uso entre os homens, e adorassem o Altíssimo. Ouça ele nossa opinião a esse respeito. Nós dizemos: "Se dois de vós estiverem de acordo na terra sobre qualquer coisa que queiram pedir, isso lhes será concedido por meu Pai que está nos céus" (Mt 18,19). Pois Deus gosta de ver os seres racionais em acordo e abomina o desacordo entre eles. Que pensar no caso em que o acordo existisse não só como hoje, entre muito poucas pessoas, mas em todo o império romano? Então pedirão ao Logos que outrora disse aos hebreus perseguidos pelos egípcios: "O Senhor combaterá por vós e vós ficareis tranquilos" (Êx 14,14) E tendo pedido a ele um acordo total, poderão destruir um número bem maior de inimigos lançados em sua perseguição do que daqueles que a oração de Moisés destruiu lançando clamores a Deus juntamente com os que estavam com ele. Se as promessas de Deus aos que observam a lei não são realizadas, não é porque Deus tivesse mentido, mas porque as promessas eram feitas sob esta condição: de que eles cumprissem a lei e com ela conformassem sua vida. E se os judeus que tinham recebido estas promessas condicionais não têm mais nem eira nem beira, deve-se ver a culpa disto em todas as suas transgressões da lei e particularmente em sua recusa contra Jesus. - Mas, como supõe Celso, se todos os romanos convencidos começarem a rezar, eles triunfarão sobre seus inimigos; ou melhor, não terão mais nenhuma guerra, pois serão protegidos pelo poder divino que tinha prometido, para cinquenta justos, conservar intactas cinco cidades inteiras. Pois os homens de Deus são o sal do mundo que garante a consistência das coisas da terra, e as coisas terrestres se conservam enquanto o sal não ficar insípido: "Ora, se o sal se tornar insosso, com que o salgaremos? Para nada mais serve, senão para ser lançado fora e pisado pelos homens. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça" (Mt 5,13) e entenda o sentido desta palavra. Para nós, quando Deus, deixando a liberdade ao Tentador, lhe dá todo poder de nos perseguir, somos perseguidos. Mas quando quer nos livrar desta prova, apesar do ódio do mundo que nos cerca, gozamos de paz milagrosa, confiando naquele que disse: "Coragem, eu venci o mundo" (Jo 16,33) Na verdade, ele venceu o mundo, e o mundo só tem força na medida que o queira seu vencedor, que obtém de seu Pai a vitória sobre o mundo. Nossa coragem repousa em sua vitória. Se ele quiser que nossas lutas e combates pela religião sejam reiniciados, os adversários podem se apresentar, nós lhes diremos: "Tudo posso naquele que me conforta, Cristo Jesus nosso Senhor" (Fl 4,13). Pois, como diz a Escritura, embora dois pardais não valham um vintém, "nenhum deles cai em terra sem o consentimento do vosso Pai!" (Mt 10,29-30). E a divina Providência envolve de tal modo todas as coisas que até os cabelos da cabeça são contados por ela. - Em seguida, Celso, como de hábito, continua fazendo confusões, dizendo o que jamais escrevemos, e declara: Na verdade, eis ainda algumas de tuas afirmações intoleráveis: se os que hoje reinam sobre nós, convencidos por ti, são feitos prisioneiros, convencerás também os que reinam depois deles, e a seguir a outros, se estes forem presos. E isso indefinidamente, até que, convencidos já todos os reis por ti e feitos prisioneiros, um chefe avisado, prevendo o que aconteceria, vos suprima a todos inteiramente antes que o tenhais destruído. A razão não precisa responder a estas palavras: ninguém de nós afirma que se aqueles que reinam hoje, convencidos, são feitos prisioneiros, tentaremos convencer os seguintes. De onde tira ele esta objeção que, depois de uma sucessão contínua dos últimos convencidos por nós, e feitos prisioneiros por não terem punido a seus inimigos, um chefe avisado, prevendo o que aconteceria, nos suprima a todos inteiramente? Aí de novo parece ele acumular as inépcias que ele profere por sua própria conta. - Depois disso, Celso exprime uma espécie de desejo: Oxalá os habitantes da Ásia, da Europa, da Líbia, gregos e bárbaros, entrassem em acordo para observarem uma só lei até as extremidades da terra! Depois, vendo que a coisa é impossível, acrescenta: Para pensar isso, é preciso não conhecer nada. Se devemos dizer alguma coisa sobre essa questão que exigiria tantas pesquisas e provas, eis algumas palavras para esclarecer não só a possibilidade, mas a verdade daquilo que ele diz sobre esse acordo unânime de todos os seres reconhecíveis para observar uma só lei. Os adeptos do Pórtico dizem que, uma vez realizada a vitória do elemento que eles julgam mais forte do que os outros, ocorrerá o incêndio que abrasará tudo num grande fogo. Nós afirmamos, porém, que um dia o Logos dominará toda a natureza racional e transformará cada alma em sua própria perfeição, no momento em que todo indivíduo, usando apenas sua simples liberdade, escolherá aquilo que o Logos quer e obterá o estado que ele tiver escolhido. Declaramos ser impossível que, tal como nas doenças e nos ferimentos do corpo em que certos casos são rebeldes a todos os recursos da arte médica, haja igualmente no mundo das almas uma sequela do vício impossível de curar pelo Deus racional e supremo. Pois o Logos e seu poder de curar são mais fortes do que todos os males da alma. Ele aplica esse poder a cada qual segundo sua vontade; e o fim do tratamento é a destruição do mal. Não tenho em vista aqui nem a possibilidade nem a impossibilidade absoluta de ele voltar. Sem dúvida as profecias falam muito em termos obscuros da total destruição do mal e da reforma de todas as almas, mas basta por ora levar em conta a passagem seguinte de Sofonias: "Ao menos tu me temerás. Aceitarás a lição; e não se apagarão de seus olhos todas as visitas que lhe fiz. Mas, não! Eles continuaram a perverter todas as suas obras! Por isso, esperai-me - oráculo do Senhor - no dia em que me levantar como testemunha; porque é minha ordem reunir as nações, congregar os reinos, para derramar sobre vós a minha cólera, todo o ardor de minha ira (Pois pelo fogo de meu zelo será consumida toda a terra). Sim, então darei aos povos lábios puros, para que todos possam invocar o nome do Senhor e servi-lo sob o mesmo jugo. Do outro lado dos rios da Etiópia, os meus adoradores trarão oferenda. Naquele dia, não terás vergonha de todas as tuas más ações, pelas quais te revoltaste contra mim, porque, então, afastarei do teu seio teus orgulhosos fanfarrões; e não continuarás mais a te orgulhar em minha montanha santa. Deixarei em teu seio um povo pobre e humilde, e procurará refúgio no nome do Senhor o Resto de Israel. Eles não praticarão mais a iniquidade, não dirão mentiras; não se encontrará em sua boca língua dolosa. Sim, eles apascentarão e repousarão sem que ninguém os inquiete" (Sf 3,7-13) Cabe elucidar a profecia ao que consegue captar o sentido profundo da Escritura e compreender toda esta passagem. Que examine em particular o sentido destas palavras: depois da destruição de toda a terra, será devolvida "aos povos uma língua para a sua geração" (Gn 11,1-9). Que considere o sentido destas palavras: "Para que possam todos invocar o nome do Senhor e servi-lo sob o mesmo jugo", de modo que sejam afastados do teu seio os orgulhosos fanfarrões", e não haja mais iniquidade, mentiras, língua dolosa. Eis o que julguei bom citar simplesmente e sem demonstração rigorosa, por causa de Celso, que julga impossível que os habitantes da Ásia, da Europa, da Líbia, gregos e bárbaros entrem em acordo para observarem uma só lei. Talvez de fato seja impossível para os que estão sempre nos corpos, mas não para os que estão livres deles. - Logo a seguir, Celso nos exorta a socorrer o imperador com todas as forças, colaborar com suas justas obras, combater por ele, servir com seus soldados se o exigir, e com seus estrategos. A isso devemos responder: quando se apresenta a ocasião, damos aos imperadores um socorro divino, por assim dizer, revestindo-nos da "armadura de Deus" (Ef 6,11). Fazemos isso para obedecer à voz do Apóstolo que diz: "Eu recomendo, pois, antes de tudo, que se façam pedidos, orações, súplicas e ações de graças, por todos os homens, pelos reis e todos os que detêm a autoridade" (1Tm 2,1-2) E quanto mais piedade se tem, com tanto maior eficácia se socorre aqueles que reinam, bem melhor do que os soldados que saem a combate e matam tantos inimigos quantos podem. Mas eis ainda o que se poderia dizer aos estranhos à fé, que exigem que combatamos como soldados pelo bem público e que matemos os homens. Mesmo aqueles que, segundo vós, são sacerdotes de certas estátuas e guardiães dos templos de vossos pretensos deuses, têm o cuidado de conservar sua mão direita sem mancha pelos sacrifícios, para oferecer àqueles que chamais deuses os sacrifícios tradicionais com mãos puras de sangue e de crime. E sem dúvida, em tempo de guerra, não alistais vossos sacerdotes. Portanto, se esta conduta é razoável, quanto mais não será a dos cristãos! Enquanto outros combatem como soldados, eles combatem como sacerdotes e servos de Deus; conservam pura a sua mão direita, mas lutam com orações dirigidas a Deus por aqueles que combatem justamente e por aquele que reina com justiça, para que tudo o que se opõe e é hostil aos que agem justamente possa ser vencido. Além disso, nós que por nossas preces vencemos todos os demônios que suscitam as guerras, fazem violar os juramentos e perturbam a paz, damos ao imperador um auxílio muito maior do que os que vemos combater. E colaboramos com as causas públicas fazendo subir, na justiça, nossas preces associadas aos exercícios e às meditações que ensinam a desprezar os prazeres e a não mais os ter como guias. Mais do que os outros, combatemos pelo imperador. Não servimos com seus soldados, mesmo que ele o exija, mas combatemos por ele organizando um exército especial, o da piedade, pelas súplicas que dirigimos à divindade. - E se Celso quiser ver-nos servir igualmente como estrategos pela defesa da pátria, saiba ele que também o fazemos, mas não para atrair os olhos dos homens e obter deles por esta conduta uma glória fútil. Nossas orações são feitas no segredo no íntimo da alma e sobem como as dos sacerdotes pela salvação de nossos compatriotas. Os cristãos são até mais úteis às pátrias do que o resto dos homens: eles educam seus concidadãos, ensinam-lhes a piedade com Deus, guardião da cidade; fazem subir para uma cidade celeste e divina os que levaram vida honesta nas menores cidades. Poderíamos dizer-lhes: foste fiel (cf Lc 16,10; 19,17) numa cidade bem pequena, vem agora para a grande, em que "Deus se levanta no conselho divino e, em meio aos deuses, ele os julga"; ele aceita contar-te entre eles com a condição de que não queiras mais morrer como um homem, nem cair "como qualquer dos príncipes" (Sl 81,1 7) - Celso nos convida ainda a participar do governo da pátria se for necessário para a defesa das leis e da piedade. Mas, sabendo que por trás de toda cidade se encontra outro gênero de pátria estabelecida pelo Logos de Deus, convidamos para assumirem o governo das igrejas aqueles cuja doutrina e santidade de vida tornam aptos para tal função. Rejeitando os que aspiram ao poder, obrigamos os que, no excesso de sua modéstia, evitam apressadamente a tarefa de cuidar da Igreja de Deus. E os que nos governam sabiamente, depois de terem sido assim obrigados, governam sob as ordens do grande Rei que lhes impõe este cuidado, e acreditamos ser o Logos de Deus, o Filho de Deus. E quer escolhidos, quer obrigados, se os governantes na Igreja governam sabiamente a pátria conforme Deus, quero dizer a Igreja, eles governam segundo as ordens de Deus sem violar em nada por isso as leis estabelecidas. Não, não é verdade que os cristãos fogem dos serviços comuns da vida quando abandonam os cargos públicos. Mas eles se reservam para o serviço mais divino e mais necessário da Igreja de Deus pela salvação dos homens. Eles governam ao mesmo tempo conforme a necessidade e a justiça. Velam por todos: por aqueles que estão dentro para que vivam melhor a cada dia; por aqueles que parecem estar do lado de fora para que se empenhem nas palavras e nas ações veneráveis da piedade; e para que assim, adorando verdadeiramente a Deus e formando o maior número possível de fiéis, sejam impregnados do Logos de Deus e da lei divina, e sejam unidos ao Deus supremo por Aquele que, Filho de Deus, Logos, Sabedoria, Verdade, Justiça, lhe une todo aquele que se esforça por viver em tudo segundo a vontade de Deus. - Eis, pois, concluída aqui, pio Ambrósio, conforme a força que recebi e de que disponho, a tarefa que me havias confiado. Meus oito livros contêm tudo o que julguei útil opor ao livro de Celso intitulado Discurso verdadeiro. A leitura de seu tratado e de minha resposta fará discernir qual das obras respira mais o espírito do verdadeiro Deus, o tom da piedade para com ele, a verdade das sãs doutrinas que, chegando aos homens, os incitam para a vida melhor. Fica ciente, todavia, que Celso tinha prometido compor outro tratado além daquele em que prometeu ensinar aos que quiserem e puderem crer como se deve viver. Portanto, se ele não cumpriu a promessa de escrever um segundo Discurso, podemos nos contentar com os oito livros compostos contra o primeiro. Mas se ele o iniciou e concluiu, procura o tratado e mo envia. Então, também contra ele porei em ação tudo o que o Pai da verdade me dá para refutar as opiniões falsas que nele se encontram, e, onde ele disser a verdade, dar testemunho, sem espírito de chicana, da justeza de suas palavras..

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Macaé:

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