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York College, Jamaica, Queens - O Livro Contra Celso, da Coleção Patrística escrita por Orígenes para refutar o filósofo platônico-eclético Celso, o qual entre os anos 170-185 TERCEIRO LIVRO Será uma discussão fútil? - No primeiro livro da resposta ao tratado que Celso escreveu contra nós com o pomposo título de Discurso verdadeiro, discuti, do melhor modo que pude, conforme tua ordem, fidelíssimo Ambrósio, seu prefácio e as declarações que se lhe seguem, examinando cada uma delas, até o fim da declamação fictícia de seu judeu contra Jesus. No segundo livro, conforme os recursos de que dispunha, respondi a todos os pontos da declamação de seu judeu contra nós que acreditamos em Deus por Cristo. Inicio este terceiro livro com o objetivo de nele combater aquilo que Celso afirma de própria autoridade. Declara ele então que nada é mais idiota do que a disputa entre cristãos e judeus; diz que nossa controvérsia sobre Cristo não teria mais valor do que a proverbial querela sobre a sombra de um burro. Pensa que nada existe de sério neste debate entre judeus e cristãos: de um e de outro lado, acredita-se na predição, por um espírito divino, de um Salvador que viria ao gênero humano, mas as duas partes não se entendem quanto ao fato de a personagem predita já ter vindo ou não a este mundo. Nós, cristãos, de fato, acreditamos que Jesus veio de acordo com as profecias; mas os judeus, em sua maioria, longe estão de acreditar nele, de tal sorte que seus contemporâneos conspiraram contra Jesus e os de hoje aprovam o que os judeus então ousaram praticar contra ele; acusam a Jesus de ter fingido, por meio de artifícios mágicos, ser aquele cuja vinda os profetas haviam profetizado e que os judeus tradicionalmente chamavam Cristo. - Diga, pois, Celso e com ele os que gostam de seus ataques contra nós: que relação existe entre a sombra de um burro e o fato de que os profetas judeus predisseram o lugar de nascimento do futuro chefe daqueles a quem sua vida virtuosa mereceria ser chamada "o lote de herança" de Deus (Dt 32,9); de que uma virgem conceberia o Emanuel; de que tais sinais e prodígios seriam realizados pela personagem predita e que "sua palavra corria tão rápida" de que a voz de seus apóstolos "alcançaria toda a terra"; de que sofrimentos ele suportaria depois de sua condenação pelos judeus e como ressuscitaria? Acaso podemos ver nestas palavras um efeito do acaso sem nenhum motivo plausível que incitasse os profetas não só a pronunciá-las, mas também a julgá-las dignas de nota? Será que a poderosa nação judaica, que por muito tempo ocupara uma terra particular para nela habitar, não tinha motivo plausível para proclamar alguns dentre eles como profetas e rejeitar a outros como falsos profetas? Será que nada os obrigava a acrescentar aos livros de Moisés, que eles acreditavam sagrados, os discursos daqueles que a seguir eles consideraram como profetas? E aqueles que censuram os judeus e os cristãos de tolice, acaso podem provar que a nação judaica teria podido subsistir sem que houvesse nela qualquer anúncio de acontecimentos conhecidos previamente? As nações que a cercavam, cada uma segundo suas tradições, acreditavam receber oráculos e adivinhações dos que elas veneravam como deuses; mas eles tinham sido educados no desprezo de todos os que as nações tinham na conta de deuses e neles não viam deuses, mas demônios, porque seus profetas diziam: "Os deuses dos povos são todos demônios": seriam eles os únicos a não terem quem fosse profeta por profissão e capaz de impedir os que, por desejo de previsão dos acontecimentos futuros, queriam ir em busca dos demônios de outras nações? Julga, pois, se não era necessário que uma nação inteira, educada no desprezo aos deuses das outras nações, tivesse profetas em abundância, manifestando logo sua excelência e superioridade sobre os oráculos de qualquer povo. - Aliás, por toda parte eram operados milagres, ou pelo menos em muitos lugares, e o próprio Celso menciona em seguida Asclépio - que beneficiava com curas e predições do futuro a todas as cidades a ele consagradas como Trikké, Epidauro, Cós, Pérgamo - Aristeias de Proconeso, o herói de Clazômenas, e Cleomedes de Astipaleia. E unicamente entre os judeus, afirmando sua consagração ao Deus do universo, não teria havido nenhum sinal ou prodígio para ajudar a fortalecer sua fé no Criador do universo e sua esperança em outra vida melhor? Mas como seria possível? Eles teriam imediatamente passado ao culto dos demônios que pronunciavam oráculos e faziam curas e teriam abandonado o Deus em cujo socorro as pessoas tinham teoricamente fé, mas que não lhes teria dado a menor manifestação de si mesmo. E como não é isso que ocorre, mas ao contrário eles teriam arrostado desgraças incontáveis para não renegarem o judaísmo e sua lei e sofrido na Síria, na Pérsia, sob Antíoco, como não é plausível a demonstração para aqueles que se negam a crer nos relatos dos milagres e nas profecias, que não há ficção nenhuma em tudo isso, mas ao contrário um espírito divino residia nas almas puras dos profetas que aceitaram todas as penas pela defesa da virtude, e os incitava a predizer certas coisas em benefício de seus contemporâneos, e outras pela posteridade, mas especialmente a vinda futura de um Salvador ao gênero humano? - Assim sendo, como falar de um debate sobre a sombra de um burro, quando judeus e cristãos examinam as profecias nas quais eles creem conjuntamente, para saber se a personagem predita já veio, ou de todo modo não veio, mas se deve esperar ainda por ele? Supondo que se conceda a Celso que Jesus não é aquele que os profetas anunciaram, não é menos verdade que o debate relacionado com o sentido dos escritos proféticos nada tem a ver com a sombra de um burro: o que se pretende é pôr a claro quem é a personagem anunciada antecipadamente, as qualidades que as profecias lhe atribuem, os feitos que realizará, e se possível a data de sua vinda. Já disse acima, ao citar algumas das numerosas profecias que o Cristo predito é Jesus. Portanto, nem os judeus nem os cristãos se enganam ao admitirem a inspiração divina das profecias; mas só se enganam aqueles que sustentam a falsa opinião de que ainda se espera a personagem predita, cuja identidade e origem foram proclamadas pelo discurso verdadeiro dos profetas. A ruptura com a comunidade de origem - Em seguida, Celso imagina que os judeus, egípcios de raça, teriam abandonado o Egito depois de terem se revoltado contra o Estado egípcio e desprezado as cerimônias religiosas em uso no Egito, e afirma: o que eles fizeram aos egípcios, tiveram que suportar da parte daqueles que escolheram o partido de Jesus e nele acreditaram como Cristo. Nos dois casos, a causa da inovação foi a revolta contra o Estado. Mas devemos destacar aqui o procedimento de Celso. Os egípcios de outrora cobriram de vexames a raça dos hebreus, que por causa de uma fome devastadora na Judeia, tinham vindo ao Egito. E pelos danos causados aos seus hóspedes que lhes dirigiam súplicas, sofreram o castigo que necessariamente devia sofrer da divina Providência toda uma nação unânime em sua hostilidade contra toda a raça de seus hóspedes que nenhum mal lhes haviam praticado. Sob o tacão dos flagelos de Deus, pouco tempo depois, deixaram partir, com pesar, para onde quisessem, os que eles haviam injustamente escravizado. Como egoístas que davam mais importância a qualquer compatriota do que a hóspedes mais virtuosos, não arredaram pé de nenhuma acusação feita contra Moisés e os hebreus: sem negarem os milagres prodigiosos de Moisés, eles os atribuíram à magia, não a um poder divino. Moisés, porém, não era mágico, mas homem piedoso; consagrado ao Deus do universo, tendo parte num espírito divino, instituiu as leis para os hebreus ditadas por Deus e deixou registrados os acontecimentos assim como ocorreram na realidade. - Mas Celso, em vez de submeter a uma crítica imparcial os relatos contraditórios dos egípcios e dos hebreus, por prevenção em favor dos egípcios seus preferidos, deu crédito aos autores de injustiças contra seus hóspedes, como se fossem testemunhas verídicas, e afirmou que os hebreus, vítimas de tais injustiças, num acesso de revolta, abandonaram o Egito. Isto significa não enxergar como era impossível para tal multidão de revoltados contra os egípcios, que não tinha outra origem senão a revolta, tornar-se uma nação no próprio momento de sua revolta, e mudar de linguagem, de tal modo que aqueles que até então falavam a língua egípcia adotaram todos de repente a língua hebraica. Mas, suponhamos, como faz ele, que, ao deixarem o Egito, eles viessem a odiar até a própria língua materna: como então não adotaram mais tarde a língua dos sírios e dos fenícios em vez de criar a língua hebraica tão diferente destas? E o que meu argumento quer provar é a falsidade da afirmação de que egípcios de raça tenham se revoltado contra egípcios, abandonado o Egito e partido para a Palestina para habitarem numa região hoje conhecida como Judeia. Pois os hebreus, antes de descerem para o Egito, já tinham uma linguagem ancestral, e as letras hebraicas eram diferentes das egípcias, e foram as hebraicas que Moisés usou para escrever os cinco livros que os judeus consideram sagrados. - Entretanto, um exame acurado da questão permite afirmar acerca dos que partiram do Egito: é um milagre o fato de todo o povo em massa ter retomado, como um presente de Deus, a língua chamada hebraica; neste sentido, um de seus profetas disse: "Quando saíram da terra do Egito, ele ouviu uma língua desconhecida" (cf Sl 80,6). E é possível apresentar outra prova de que aqueles que saíram do Egito com Moisés não eram egípcios. Se tivessem sido, seus nomes deveriam ter sido egípcios, pois cada língua tem suas denominações do mesmo tipo. Mas é claro que não eram egípcios porque seus nomes são hebraicos, uma vez que a Escritura está cheia de nomes hebraicos e de pessoas que no Egito deram tais nomes a seus filhos; é óbvio, portanto, que é falsa a afirmação dos egípcios segundo a qual, embora fossem egípcios, foram expulsos do Egito com Moisés. E não resta a menor dúvida de que sendo sua raça de ancestrais hebreus, de acordo com a história escrita por Moisés, eles falavam uma língua própria com que davam nome a seus filhos. - E afirmar que os hebreus, que eram egípcios, tiveram sua origem numa revolta é tão falso quanto dizer que outros, que eram judeus, se revoltaram, no tempo de Jesus, contra o Estado judeu, e seguiram a Jesus. Celso e seus adeptos não seriam capazes de mostrar da parte dos cristãos o menor ato de revolta. Ora, se a revolta tivesse dado origem à sociedade dos cristãos, uma vez que eles derivam sua origem dos judeus, aos quais era permitido armar-se para defender seus bens e matar seus inimigos, o Legislador dos cristãos não teria proibido de modo absoluto toda espécie de homicídio. Se ele ensinou que nunca é justa a violência de seus discípulos contra um ser humano, ainda que o mais injusto, é porque ele julgava contrário à inspiração divina de sua legislação autorizar qualquer homicídio. E se os cristãos devessem sua origem a uma revolta, não teriam admitido leis tão pacíficas que às vezes levam-nos à morte "como ovelhas" (cf Sl 43,23) e os tornam incapazes de jamais se vingarem de seus perseguidores, pois, instruídos a não se vingarem de seus inimigos, observam a lei da mansidão e da caridade. Assim sendo, o que eles não teriam realizado se tivessem tido autorização de combater, mesmo que tivessem sido onipotentes, receberam de Deus que sempre combateu em seu favor e, na hora desejada, conteve os adversários dos cristãos erguidos contra eles, dispostos a destruí-los. Para exemplo dos outros, para que, de olhos voltados para o pequeno número em luta pela religião, se tornassem mais firmes e desprezassem a morte, na hora desejada, um pequeno número, fácil de contar, foi morto pela religião dos cristãos. Mas Deus impedia que todo seu povo fosse exterminado, querendo que subsistisse e toda a terra fosse repleta desse piíssimo e salutar ensinamento. Em seguida, novamente, a fim de permitir aos mais fracos respirar nesta intimidade com a morte, Deus cuidava da salvação dos fiéis crentes, desfazendo, por sua vontade, toda a trama de conspiração urdida contra eles, para que não pudesse se inflamar contra eles o ódio dos reis, dos governadores locais e do povo. Esta é minha resposta à declaração de Celso: Foi uma revolta a origem da constituição política dos judeus, e mais tarde, da existência dos cristãos. - Como em seguida ele diz uma mentira evidente, vamos citá-lo textualmente: Se todos os homens quisessem ser cristãos, os cristãos não haveriam mais de querer isto. A mentira de tais palavras ressalta claramente do fato de que os cristãos, à medida de suas forças, não se descuidam de difundir sua doutrina por toda a terra. Alguns, em todo caso, foram longe percorrendo não só as cidades, mas também as aldeias e sítios para trazerem ainda outros à piedade que a Deus é devida. Não se pode dizer que eles fazem isto para se enriquecer, às vezes deixam de aceitar até o que é necessário à sua subsistência, e se alguma vez a penúria os força a tanto, contentam-se com o indispensável, ainda que muitos queiram partilhar com eles o que têm de supérfluo. Mas hoje talvez quando, em razão do grande número dos que aderem à doutrina, pessoas ricas, educadas com dignidade, mulheres distintas e de alta estirpe acolhem os mensageiros da doutrina, pode acontecer que alguém diga: é por vanglória que alguns expõem em público a doutrina cristã. Com toda certeza tal desconfiança não se estabeleceu no começo, quando um perigo grave ameaçava principalmente os pregadores. Até mesmo hoje o descrédito em que eles caem junto ao restante dos homens supera seu pretenso crédito junto aos que têm as mesmas crenças, crédito que não é dado a todos. Há, pois, uma mentira flagrante em dizer que se todos os homens quisessem ser cristãos, os cristãos não haveriam de querer isto. - Considera igualmente a prova que ele apresenta para isto: Na origem eram um pequeno número, animados todos do mesmo pensamento; mas logo que se propagam em grande número, dividem-se e separam-se, e cada qual quer ter sua própria facção: a tanto aspiravam desde a origem. É evidente que, comparados com o grande número que eles seriam mais tarde, os cristãos na origem eram um pequeno número; embora não tivessem sido, sob todos os aspectos, um número tão pequeno. Pois o que provocou a inveja contra Jesus e excitou os judeus a conspirar contra ele foi o grande número dos que o seguiam nos desertos: multidões de quatro a cinco mil homens, sem contar as mulheres e as crianças. Tão poderosa era a sedução de suas palavras que não apenas os homens queriam segui-lo nos desertos, mas até as mulheres esqueciam a fraqueza e a reserva femininas ao acompanharem o mestre nos desertos. E as crianças, geralmente tão insensíveis, o acompanhavam com seus pais, ou porque os seguiam, ou porque eram talvez atraídas por sua divindade para receberem a divina semente. Mas devemos concordar que eram pequeno número originalmente: em que isto contribui para provar que os cristãos não queriam fazer nascer em todos os homens a fé no evangelho? - Também declara ele que todos eram animados pelo mesmo pensamento. Nem mesmo enxerga que desde a origem houve desacordo entre os crentes sobre a interpretação dos livros considerados divinos. Pelo menos, enquanto os apóstolos ainda pregavam e as testemunhas oculares de Jesus ensinavam o que tinham aprendido dele, surgiu uma discussão importante entre os judeus crentes com relação aos gentios que chegavam ao evangelho: devia-se porventura fazê-los observar os costumes judaicos ou tirar-lhes a obrigação relativa aos alimentos puros e impuros, que não devia abranger aqueles que tinham deixado os costumes antepassados na gentilidade e criam em Jesus (cf At 10,14; 11,8; 15,28) Além disso, nas cartas de Paulo, contemporâneo dos que haviam visto Jesus, encontramos alusões a certas discussões sobre a questão se a ressurreição tinha acontecido, e se "o dia do Senhor" estava próximo ou distante (cf 1Cor 15,12s; 2Tm 2,18; 1Ts 5,2) Há também esta passagem: "Evita o palavreado vão e ímpio e as contradições de uma falsa ciência, pois alguns, professando-a, se desviaram da fé" (1Tm 6,20-21; 1,19); ele mostra que desde a origem houve interpretações diferentes, quando os cristãos, nas palavras de Celso, ainda não eram numerosos. - Em seguida, numa nova afronta à nossa doutrina, ele nos censura por causa da existência de seitas no seio do cristianismo: "Mal se propagam em grande número, eles se dividem e se separam, e cada qual quer ter sua própria facção." E declara: Separados novamente por causa de seu grande número, eles se anatematizam uns aos outros; nada mais têm em comum, por assim dizer, a não ser o nome, se é que ainda o têm! Pelo menos é a única coisa que tiveram vergonha de abandonar; de resto, cada qual abraçou uma seita diferente. A isto respondo: não há disciplina com instituição séria e útil à vida que não tenha visto nascer seitas diferentes. Sendo a medicina útil e necessária ao gênero humano e abordando muitas questões discutidas sobre a maneira de cuidar do corpo, encontramos por este motivo na medicina entre os gregos escolas bem numerosas, como todos atestam; o mesmo sucede, suponho eu, entre os bárbaros, pelo menos entre os que declaram praticar a medicina. Por sua vez, a filosofia, ao prometer a verdade e o conhecimento dos seres, prescreve como se deve viver e procura ensinar o que é útil à nossa raça, enquanto o objeto de suas investigações apresenta grande diversidade; por este motivo, constituíram-se na filosofia escolas tão numerosas, algumas célebres, outras menos. Além disso, o judaísmo deu margem ao nascimento de seitas na interpretação diferente dada aos escritos de Moisés e aos discursos proféticos. Por isso também, quando o cristianismo foi valorizado aos olhos dos homens, não só por causa do ajuntamento de escravos que Celso nele via, mas também por causa dos numerosos sábios gregos, inevitavelmente se formaram seitas, jamais em razão das rivalidades e do espírito de disputa, mas porque também muitos desses sábios procuravam compreender os mistérios do cristianismo. O resultado de suas interpretações das Escrituras, que todos juntos julgavam divinas, foi o surgimento de seitas patrocinadas por autores cuja admiração pela origem da doutrina não tinha impedido de serem incitados de um modo ou de outro, por motivos plausíveis, a opiniões divergentes. Mas não seria razoável fugir da medicina por causa de suas escolas; tampouco seria razoável, quando se tem em vista o melhor, odiar a filosofia alegando para justificar esta antipatia o grande número de suas escolas; igualmente não seria razoável, por causa das seitas do judaísmo, condenar os livros sagrados de Moisés e dos profetas. - E havendo a esse respeito um modo de ver coerente, por que não justificar também as seitas entre os cristãos? Paulo me parece ter falado delas de maneira particularmente admirável: "É preciso que haja até mesmo cisões entre vós, a fim de que se tornem manifestos entre vós os que são comprovados" (1Cor 11,19) Pois, assim como é necessário para alguém ser aprovado como médico que, depois da experiência adquirida nas diferentes escolas, faça um exame criterioso do grande número delas para escolher a melhor e assim como é preciso para alguém ser filósofo eminente ter conhecimento de muitos sistemas, tê-los assimilado e se filiado ao mais sólido, assim também, direi, é preciso ter esquadrinhado com cuidado as seitas do judaísmo e do cristianismo para ser cristão de ciência bem profunda. E criticar nossa doutrina por causa das seitas seria igualmente criticar o ensino de Sócrates, porque de sua escola se originaram muitas outras com doutrinas divergentes. Além disso, deveríamos criticar as doutrinas de Platão porque Aristóteles deixou de frequentar sua escola para abrir uma nova, como aludimos acima. Celso, porém, me parece ter tido conhecimento de certas seitas que não têm em comum conosco sequer o nome de Jesus. Talvez tenha ouvido falar dos "ofitas" e "caimitas" ou de qualquer outra seita semelhante que abandonou inteiramente Jesus. Aliás, nada há neste ponto que mereça crítica à doutrina cristã. - Depois disto ele declara: A sociedade que eles formam é admirável porque se pode provar que ela não tem nenhum fundamento sólido. O único fundamento sólido é a revolta, a vantagem que dela se espera e o temor dos estrangeiros: é esta a base de sua fé. Ao que responderei: nossa sociedade se acha tão bem assentada sobre um fundamento, ou melhor, não sobre um fundamento, mas sobre a ação de Deus, que ela tem por origem a Deus que ensina aos homens, nos profetas, a esperar a vinda de Cristo para salvar os homens. Na medida em que isto não é realmente refutado, apesar das refutações aparentes dos não cristãos, nesta mesma medida fica estabelecido que esta doutrina é a doutrina de Deus, e fica demonstrado que Jesus é o Filho de Deus antes e depois de sua encarnação. Mas continuo afirmando, mesmo depois de sua encarnação, ela não deixa de ser descoberta pelos que têm os olhos da alma muito penetrantes como a mais divina, que de fato desceu de Deus até nós, e não se pode deduzir da inteligência humana sua origem e evolução, e sim unicamente da aparição sensível de Deus que, na variedade de sua sabedoria e de seus milagres, estabeleceu primeiro o judaísmo e depois deste o cristianismo. Dessa forma fica refutada a afirmação que é preciso considerar a revolta e a vantagem que desta se espera como o princípio da doutrina pela qual tantos homens se convertem e se tornam melhores. - A prova de que tampouco "é o temor dos estrangeiros" que mantém nossa sociedade está no fato de que, pela vontade de Deus, ele deixou de existir há muito tempo. Mas é provável que acabe a segurança em prol da vida de que gozam os cristãos, quando novamente os que caluniam de todos os meios nossa doutrina pensarem que a revolta, levada ao ponto em que se encontra, tem sua causa no grande número dos crentes e no fato de que eles não são perseguidos pelos governadores como outrora. Pois o evangelho nos ensina a não afrouxar nem nos entregarmos à moleza em tempo de paz, e, na guerra que o mundo nos move, a não perder a coragem e não nos afastarmos do amor que em Jesus Cristo temos ao Deus do universo. Portanto, mostramos claramente o caráter sagrado de nossa origem, em vez de escondê-lo como julga Celso: pois inspiramos aos que acabam de ser iniciados o desprezo pelos ídolos e por todas as imagens e, além disso, erguendo seus pensamentos, levando-os a servir mais a Deus do que às criaturas, fazemo-los subir ao Criador do universo. Colocamos em plena luz Aquele que foi profetizado pelas profecias a seu respeito, que são numerosas, ou pelos evangelhos e pelas palavras dos apóstolos cuidadosamente transmitidas pelos que são capazes de compreendê-las a fundo. Antiga tradição e mistérios do Egito - Mostre quem quiser que ajuntamento será este que atraímos nós, que contos apavorantes forjamos nós, como escreve Celso sem provar! A não ser que, ao falar de contos apavorantes que forjamos, Celso entenda este ensinamento: que Deus é juiz e que os homens são julgados por todas as suas ações, o que afirmamos de maneira variada baseados nas Escrituras como também na razão plausível. No entanto, é verdade, pois amo a verdade, que Celso declara pelo final: "Deus nos guarde, a eles, a mim e a todo ser humano de rejeitar a doutrina de que os injustos serão punidos e os justos julgados dignos de recompensa." Mas se excetuarmos a doutrina do juízo, quais são então estes contos apavorantes que forjamos para atrair os homens? E como ele diz que, forjando as deformações da antiga tradição, começamos a atordoar os homens aos sons da flauta e da música, como os que batem o tambor em volta das pessoas que são iniciadas nos ritos dos coribantes, eu lhe responderei: as deformações de que antiga tradição? Da tradição grega, que ensinou também a existência de tribunais debaixo da terra? Da tradição judaica, que predisse entre outras coisas a existência de uma vida que continua depois desta? Ele seria totalmente incapaz de provar que deformamos a verdade, todos nós, pelo menos os que se esforçam por ter uma fé refletida, quando consagramos nossa vida a tais doutrinas. - Em seguida, ele pretende comparar nossa fé com a religião dos egípcios, entre os quais, à primeira vista, encontramos magníficos recintos e bosques sagrados, vestíbulos imensos e belos, templos admiráveis cercados de imponentes peristilos, cerimônias marcadas de respeito e mistério; mas logo que entramos e penetramos em seu interior, aí contemplamos como objeto de adoração um gato, um macaco, um crocodilo, um bode, um cão. Mas, que semelhança há entre a majestade exterior oferecida à primeira vista pelos egípcios e aquilo que encontramos entre nós? Que semelhança com estes animais irracionais que atrás destes vestíbulos veneráveis são objetos de adoração no interior do templo? Deveremos pensar que as profecias, o Deus supremo, o desprezo aos ídolos são o que, na sua opinião, é venerável, mas que Jesus Cristo crucificado corresponde ao animal irracional que é adorado? Se este é seu pensamento, e não creio que ele diria outra coisa, responderei que provei fartamente acima que, por Jesus, mesmo o que parece humanamente como sua desgraça foi um benefício para o universo e a salvação do mundo todo. - A seguir, a propósito das práticas dos egípcios, que falam com respeito mesmo dos animais irracionais e afirmam que eles são símbolos da divindade, ou qualquer outro título que seus profetas julguem bom atribuir-lhes, ele diz: Elas provocam entre os que adquiriram este saber a impressão de que sua iniciação não foi em vão. Quanto às verdades que apresentamos aos que têm um conhecimento aprofundado do cristianismo nos discursos feitos sob a influência daquilo que Paulo chama "dom espiritual", no discurso de sabedoria "graças ao Espírito", no discurso de ciência "segundo o Espírito" (cf 1Cor 12,8), Celso parece não ter a menor ideia de tudo isso. Constatamos este fato, não só pelo que ele acaba de dizer, mas também pela acusação que ele lança contra a sociedade dos cristãos, ao afirmar que eles excluem os sábios da doutrina de sua fé, mas se contentam com atrair os ignorantes e escravos; é o que veremos oportunamente ao tratar deste assunto. - Ele afirma que zombamos dos egípcios. No entanto, eles propõem muitos enigmas que não merecem desprezo, pois ensinam que são homenagens prestadas não a animais efêmeros, como julga o povo, mas a ideias eternas. Ao passo que é uma tolice não introduzir nas explicações sobre Jesus o que há de mais venerável como são os bodes e os cães do Egito. Ao que eu responderei: tens razão, meu caro, de ressaltar em teu discurso que os egípcios propõem muitos enigmas que não merecem desprezo, e explicações obscuras sobre seus animais; mas andas errado quando nos acusas em tua persuasão que nós só dizemos tolices desprezíveis ao discutirmos a fundo os mistérios de Jesus, segundo a sabedoria do Logos, com os que são perfeitos no cristianismo. Paulo ensina que tais pessoas são capazes de compreender a sabedoria do cristianismo quando diz: "No entanto, é realmente de sabedoria que falamos entre os perfeitos, sabedoria que não é deste mundo nem dos príncipes deste mundo, votados à destruição. Ensinamos a sabedoria de Deus, misteriosa e oculta, que Deus, antes dos séculos, de antemão destinou para nossa glória. Nenhum dos príncipes deste mundo a conheceu" (1Cor 2,6-8) - Pergunto aos que concordam com a opinião de Celso: Será que Paulo não tinha nenhuma ideia de uma sabedoria superior quando reconhecia publicamente a "sabedoria entre os perfeitos"? E como ele me responderá com sua habitual audácia que Paulo podia fazer esta declaração sem ter a menor sabedoria, eu lhe replicarei: começa por examinar as cartas deste autor, presta bem atenção no sentido das expressões que se encontram, por exemplo, nas cartas aos Efésios, aos Colossenses, aos Tessalonicenses, aos Filipenses, aos Romanos, e mostra ao mesmo tempo duas coisas: que compreendeste bem as palavras de Paulo, e que podes provar que há algumas que não passam de miseráveis tolices. De fato, se ele se esforçar por fazer uma leitura atenta, tenho certeza que ou há de admirar o espírito deste homem que exprime ideias geniais numa língua comum ou, recusando-se a admirar, se cobrirá de ridículo, que exponha em que sentido ele compreendeu o autor, ou que tente contradizer e refutar aquilo que imagina ter compreendido. - Não falo ainda de um exame aprofundado de todo o texto dos evangelhos. Cada um deles encerra uma doutrina complexa e difícil de penetrar, não só para os leitores comuns, mas até para pessoas de formação: por exemplo, a explicação das parábolas que Jesus conta para "os de fora", reservando seu significado claro aos que já passaram pelo estágio dos ensinamentos exotéricos e se aproximam dele em particular "dentro de casa" (cf Mc 4,11). Ficaremos admirados ao compreendermos por que se diz que alguns estão "de fora" e outros estão "dentro de casa". E que emoção tem aquele que é capaz de considerar os diversos aspectos de Jesus, quando ele sobe a montanha para certos discursos ou certas ações, ou para a sua transfiguração, ou quando, já na planície, cura os doentes que não podem subir aonde seus discípulos o seguem. Mas não é lugar aqui para expormos o que os evangelhos têm de verdadeiramente venerável e divino, nem o pensamento de Cristo, quer dizer, da Sabedoria e do Logos, manifestada em Paulo. Eis aí o que basta para respondermos à zombaria de Celso, indigna de um filósofo, que ousa equiparar os mais profundos mistérios da Igreja de Deus aos gatos, aos macacos, aos crocodilos, aos bodes e aos cães do Egito. O culto de Jesus e os cultos dos heróis - Mas, para não omitir nenhuma espécie de difamação e zombaria, esse bufão que é Celso, em seu discurso contra nós, menciona os Dióscuros, Héracles, Asclépio e Dioniso, homens que se tornaram deuses de acordo com a crença grega. Diz ele que não suportamos que sejam considerados como deuses, porque eram homens antes de tudo, apesar dos múltiplos e generosos serviços prestados à humanidade; mas afirmamos que Jesus, depois de sua morte, apareceu a seus sequazes. E reforça a acusação: Apareceu em pessoa, dizem eles; entendei bem: sua sombra. Responderei que esta é uma das habilidades de Celso: não mostra claramente que ele não os adora como deuses, para poupar a opinião de seus leitores que o teriam na conta de ateu se proclamasse o que lhe parece verdade; até finge não os conhecer como deuses. Nos dois casos teríamos como responder-lhe. Aos que se negam a considerá-los como deuses podemos então dizer: será que eles não existem mesmo e, conforme o pensamento de alguns sobre a destruição imediata da alma humana, a alma deles também é destruída? Ou então, conforme a opinião dos que afirmam sua sobrevivência ou imortalidade, será que eles sobrevivem de fato, imortais, não como deuses mas como heróis? Ou sem ser mesmo heróis, serão simplesmente almas? Mas, se pensais que eles não são mais, deveremos afirmar a doutrina da alma, que é de máxima importância. Mas se eles existem, não será menos necessário demonstrar a doutrina da imortalidade, não só por aquilo que os gregos disseram com muita razão, mas também pelo conteúdo dos ensinamentos divinos. Mostrarei que é impossível que tais homens tenham chegado à categoria dos deuses e se encontrem, depois de sua partida deste mundo, num lugar e numa condição superiores, quando lemos a respeito deles as histórias que descrevem a licenciosidade desenfreada de Héracles e seu cativeiro de homem efeminado junto à rainha Ônfale, e a maneira como Asclépio teria sido fulminado pelo raio de Zeus. Sobre os Dióscuros citaremos estes versos: "Ora estão vivos, um dia de dois, ora estão mortos: gozam a mesma honra dos deuses", eles que morrem continuamente. Como será possível então admitir razoavelmente um deles como deus ou herói? - Nós, porém, mostraremos a verdade sobre nosso Jesus pelos testemunhos dos profetas, depois, comparando sua história com as deles, mostraremos que nenhuma licenciosidade se conta a seu respeito. Aqueles que por inimizade contra ele tinham procurado "um falso testemunho" para acusá-lo de má conduta não conseguiram encontrar qualquer fundamento plausível a este "falso testemunho" (cf Mt 26,59, seguinte). Além disso, sua morte, resultado da conspiração dos homens, nada teve de comparável à morte fulminante de Asclépio. E o que tem de venerável o frenesi de Dioniso em suas vestes femininas para que possam as pessoas adorá-lo como deus? Se os defensores de tais lendas procuram refúgio na alegoria, é preciso examinar, de um lado, se se trata de alegorias válidas e, de outro, se seres despedaçados pelos Titãs e precipitados do trono celeste podem ter uma existência real e merecer as honras e a adoração. Mas nosso Jesus, para usarmos a expressão de Celso, ao aparecer a seus próprios sequazes, apareceu realmente, e Celso calunia o evangelho dizendo que apareceu como uma sombra. Entretanto, comparemos as histórias de tais heróis com a de Jesus! Será que Celso pretende que as primeiras são verdadeiras e as outras são ficções? Mas elas encerram os pormenores referidos pelas testemunhas oculares que mostraram por sua conduta uma clara compreensão daquele que eles tinham contemplado e manifestaram sua disposição pelo ardor de sofrer por sua doutrina. Como seria responder à intenção de agir em tudo razoavelmente o admitir levianamente as histórias dos heróis e, quanto à de Jesus, atirar-se sem investigação na incredulidade? Asclépio - E quando se diz a respeito de Asclépio, que grande multidão de homens, gregos e bárbaros, reconhece tê-lo visto muitas vezes e ainda o vê, não como fantasma, mas curando, fazendo o bem, predizendo o futuro, Celso nos pede que acreditemos, e não nos critica como fiéis de Jesus quando acreditamos em tais testemunhos. Mas Celso nos trata como idiotas, quando afirmamos nossa fé nos discípulos de Jesus, testemunhas de seus prodígios, que manifestaram claramente a pureza da sua consciência, porque vemos sua franqueza, enquanto é possível julgar com uma consciência orientada por documentos escritos. Aliás, ele consegue perfeitamente mostrar, como diz, a incontável multidão de homens, gregos e bárbaros, que reconhecem Asclépio. Nós, porém, podemos mostrar claramente, caso ele dê importância a isso, a multidão incontável de homens, gregos e bárbaros, que reconhecem Jesus. E alguns deles manifestam, nas curas que operam, o sinal de que receberam, graças à sua fé, um poder milagroso, pois invocam sobre os que lhes pedem a cura apenas o Deus supremo e o nome de Jesus acrescentando à sua invocação a história dele. Por meio deles, eu mesmo vi pessoas libertas de graves doenças, alucinações, demências e uma infinidade de outros males que nem homens nem demônios tinham conseguido curar. - E ainda que eu acreditasse que um demônio médico, chamado Asclépio, curasse os corpos, diria aos que admiram este poder como a faculdade divinatória de Apolo: a arte de curar os corpos é coisa diferente, dom que pode caber aos bons como aos maus; indiferente também a previsão do futuro, pois o vidente não manifesta necessariamente qualquer virtude. Vamos supor então que estes curadores e videntes não tenham qualquer maldade, que, de qualquer forma, provam que são pessoas de virtude e não estão longe de serem considerados como deuses. Mas não poderão mostrar esta virtude dos curadores e dos videntes, pois muitas pessoas indignas de viver, como se relata, foram curadas por algum médico sábio, apesar da vida desordenada que estas levavam. Mesmo nos oráculos da Pítia apolínea podemos encontrar ordens irracionais. Cito dois exemplos. Apolo ordenou que Cleomedes, pugilista penso eu, recebesse as honras divinas, como se ele visse não sei que de venerável na arte do pugilato; mas não atribuiu nem a Pitágoras nem a Sócrates as mesmas honras que concedeu a este pugilista. Além disso, chamou de "servo das Musas" a Arquíloco, autor que manifesta seu talento poético num assunto de extrema grosseria e despudor, e revelou um caráter imoral e impuro: ao qualificá-lo de "servo das Musas" que são consideradas deusas, ele proclamava a sua piedade. Mas não sei se qualquer pessoa chamaria de piedoso o homem que não está ornado de toda moderação e virtude, e se um homem honesto ousaria repetir o que exprimem os jambos inconvenientes de Arquíloco. Mas, se é notório que nada de divino caracteriza a medicina de Asclépio e a adivinhação de Apolo, como adorá-los razoavelmente como puras divindades, mesmo admitindo os fatos? E principalmente quando Apolo, espírito adivinhador puro de toda corporalidade terrestre, se introduz pelo sexo na profetisa sentada na abertura da gruta de Píton. Nada de semelhante acreditamos sobre Jesus e seu poder: seu corpo, nascido da Virgem, era constituído de matéria humana, apta a sofrer ferimentos e morte dos homens. Aristeias do Proconeso - Vejamos ainda o que Celso diz a seguir, extraindo das histórias prodígios que por si mesmos parecem inacreditáveis, mas aos quais ele não recusa sua fé, a julgar ao menos pela maneira como ele exprime. Eis em primeiro lugar os de Aristeias do Proconeso a respeito dos quais ele afirma: Em seguida, Aristeias, depois de ter desaparecido tão milagrosamente aos olhos dos homens, apareceu de novo claramente e bem mais tarde visitou várias regiões da terra e contou coisas espantosas: apesar da recomendação de Apolo aos habitantes do Metaponto de colocar Aristeias na categoria dos deuses, já não existe ninguém que acredite nele como deus. Parece que ele tirou a história de Píndaro e Heródoto. Mas basta citar aqui a passagem de Heródoto que encontramos no quarto livro das Histórias: "Eu disse de onde era Aristeias, autor deste poema. Direi o que ouvi contar a seu respeito no Proconeso e em Cízico. Dizem que Aristeias não era inferior a nenhum concidadão pela nobreza de sua família. Morreu ao entrar na oficina de um pisoeiro, no Proconeso; o pisoeiro, depois de cerrar as portas de seu atelier, pôs-se a caminho para avisar os parentes do defunto. A notícia da morte de Aristeias já se espalhara na cidade, quando um homem que vinha da cidade de Atarké começou a contestar aos que propagavam o rumor: dizia ter encontrado Aristeias ao se dirigir a Cízico e conversado com ele. No momento em que ele sustentava vigorosamente o que dizia frente a seus contraditores, os parentes do falecido foram até à oficina do pisoeiro com uma padiola para levarem o corpo; abriram a casa, e não viram Aristeias nem morto nem vivo. Sete anos depois, ele teria aparecido no Proconeso, composto este poema que os gregos agora chamam de Arismaspeias, e depois de composto o poema, teria desaparecido pela segunda vez. É o que se conta nestas duas cidades. E eis o que vim a saber ter acontecido aos habitantes do Metaponto, na Itália, 240 anos depois do segundo desaparecimento de Aristeias, enquanto meus cálculos no Proconeso e Metaponto me permitiram reconhecê-lo. Os metapontinos dizem que Aristeias em pessoa lhes apareceu em sua terra, lhes ordenou erguer um altar a Apolo e erigir ao lado deste altar uma estátua com o nome de Aristeias do Proconeso; e lhes teria dito que eles eram os únicos italiotas entre os quais Apolo teria vindo até então; e que ele, que no presente era Aristeias, o tinha acompanhado; naquele tempo, quando acompanhava o deus, ele era um corvo. Tendo dito isto, desapareceu, e os metapontinos, segundo dizem, mandaram consultar o Apolo de Delfos sobre o que pensar da aparição deste homem. A Pítia lhes teria aconselhado obedecer à aparição, pois se obedecessem ficariam melhor. E eles, tendo acolhido com fé esta resposta, ter-se-iam conformado com ela. De fato, uma estátua que leva o nome de Aristeias se ergue hoje perto do monumento dedicado a Apolo; em volta, há loureiros e o monumento está erigido no lugar. Mas chega de Aristeias." - A esta história de Aristeias devemos responder: se Celso a tivesse citado como uma história sem indicar que tinha-a aceito como verdadeira, outra teria sido minha resposta a seu argumento. Mas afirmando que Aristeias, depois de ter desaparecido milagrosamente, apareceu de novo claramente, visitou diversas regiões da terra e contou coisas espantosas, e além disso, citando com apoio em sua própria autoridade e aprovando o oráculo de Apolo que recomendou aos metapontinos colocar Aristeias na categoria dos deuses, eis o argumento que lhe tenho a opor: tu, que não vês senão ficções nos milagres que os discípulos de Jesus contam a respeito dele, como acusas os outros de acreditarem sem fundamento racional nos milagres de Jesus, como podes dar a impressão de dar fé a histórias desse quilate sem dar a seu respeito a menor demonstração nem a prova de que elas realmente ocorreram? Crês que Heródoto e Píndaro são capazes de mentir, ao passo que aqueles que se expuseram à morte pelos ensinamentos de Jesus e deixaram para a posteridade sobre o objeto de sua fé escritos deste valor arrostariam o duro combate de uma vida precária e de uma morte violenta em defesa, como dizes, de ficções, mitos e sortilégios? Aceita ser imparcial entre os relatos sobre Aristeias e a história de Jesus, e ante os resultados benéficos para a reforma dos costumes e a piedade para com o Deus supremo, julga se não cabe dizer com propriedade: é preciso crer na ação de Deus envolvida na história de Jesus, e de modo algum na de Aristeias do Proconeso. - Com que intuito a Providência teria permitido os prodígios de Aristeias, que utilidade para o gênero humano teria ela em vista na exibição dessas maravilhas que lhe fazes, não podes dizer! Nós, ao contrário, quando contamos a história de Jesus, damos à sua realidade uma justificação válida: a vontade de Deus de formular por meio de Jesus a doutrina que salva os homens; doutrina que se alicerca nos apóstolos como fundamentos do edifício do cristianismo em sua fundação, mas que se desenvolve nos tempos posteriores em que se realizam, em nome de Jesus, muitas curas e outras manifestações importantes. Além disso, quem é este Apolo que recomenda aos metapontinos colocar Aristeias na categoria dos deuses? Com que intenção faz isso, que benefício visa ele para os metapontinos com estas honras divinas, supondo-se que eles ainda considerem como deus aquele que outrora era apenas homem? Deste Apolo que, para nós, é demônio a quem cabem "libação e cheiro de gorduras", as recomendações sobre Aristeias te parecem merecer considerações; ao passo que as do Deus supremo e de seus santos anjos, proclamadas graças aos profetas não depois do nascimento de Jesus, mas antes de ele vir partilhar a vida humana, não te incitam a admirar nem estes profetas capazes de receber o espírito divino, nem Aquele que eles profetizam? Sua vinda a este mundo foi proclamada muitos anos antes por muitos profetas a tal ponto que a nação inteira dos judeus, suspensa na expectativa d'Aquele cuja vinda ela esperava, se transformou numa controvérsia depois da vinda de Jesus. Grande número reconheceu a Cristo e acreditou que ele era aquele que os profetas anunciavam. Os outros, incrédulos, desprezaram a brandura dos que, seguindo os ensinamentos de Jesus, recusaram-se a despertar a menor revolta; e ousaram contra Jesus as crueldades que os discípulos descreveram com sinceridade leal, sem cortar secretamente da história milagrosa o que, aos olhos da maior parte, poderia se transformar em vergonha da doutrina cristã. O próprio Jesus e seus discípulos queriam de fato que seus adeptos não acreditassem apenas na sua divindade e nos seus milagres, como se não tivesse participado da natureza humana e assumisse esta carne que entre os homens tem "aspirações contrárias ao espírito" (Gl 5,17). Mas eles viam também que o poder que desceu até à natureza e às vicissitudes humanas, e assumiu alma e corpo humano, contribuiria para a salvação dos que creem, porque ele é objeto de fé como também as realidades divinas. Os cristãos veem que com Jesus a natureza divina e a natureza humana começaram a se entrelaçar, para que a natureza humana, pela participação na divindade, seja divinizada, não só em Jesus mas também naqueles todos que, com fé, adotam o gênero de vida que Jesus ensinou e eleva até à amizade por Deus e à comunhão com ele quem vive conforme os preceitos de Jesus. Igrejas e assembleias - Apolo, então, segundo Celso, queria que os metapontinos colocassem Aristeias na categoria dos deuses. Mas os metapontinos acharam que a evidência de que Aristeias era homem, e provavelmente sem virtude, sobrepujava o oráculo que o proclamava deus ou digno das honras divinas; por isso recusaram-se a obedecer a Apolo, e assim ninguém considera Aristeias como deus. Mas de Jesus podemos dizer: era útil ao gênero humano recebê-lo como Filho de Deus, do próprio Deus que veio a este mundo e assumiu alma e corpo humanos; mas isto parecia prejudicial à gula dos demônios que gostam dos corpos e àqueles que os têm na conta de deuses; por isso os demônios terrestres, considerados como deuses pelos que ignoram sua natureza, juntamente com seus servidores, quiseram impedir a divulgação do ensinamento de Jesus, pois viam que haveriam de cessar as libações e o cheiro de gorduras que lhes são tão agradáveis, se o ensinamento de Jesus prevalecesse. Mas Deus, que enviara Jesus, frustrou toda a conspiração dos demônios. Fez com que o evangelho de Jesus triunfasse no mundo inteiro pela conversão e reforma dos homens, por toda parte constituiu igrejas em oposição às assembleias dos supersticiosos, desordenados e injustos: pois tais são as multidões que por toda parte constituem as assembleias políticas dos cidadãos. E as igrejas de Deus, instruídas por Cristo, se as compararmos às assembleias do povo com as quais se parecem, "brilham como astros no mundo" (Fl 2,15) Quem pois se recusaria a admitir que mesmo os membros menos bons destas igrejas, inferiores, em comparação com os perfeitos, são bem superiores aos membros dessas assembleias políticas? - Assim, por exemplo, a igreja de Deus de Atenas é pacífica e ordenada em seu desejo de agradar ao Deus supremo; enquanto a assembleia dos atenienses é tumultuosa sem nenhuma relação com aquela igreja de Deus. O mesmo se pode dizer da igreja de Deus de Corinto e da assembleia do povo de Corinto e, até mesmo, da igreja de Deus de Alexandria e da assembleia do povo de Alexandria. Sabendo disso, qualquer espírito criterioso que examine sinceramente os fatos ficará admirado com Aquele que teve a decisão e o poder de estabelecer por toda parte igrejas de Deus vivendo lado a lado em cada cidade com a assembleia do povo. Da mesma forma, comparando o conselho da Igreja de Deus com o senado de cada cidade, verificaremos que certos membros do Conselho da Igreja, se for uma cidade de Deus no universo, merecem nele exercer o poder, ao passo que os senadores de toda parte nada apresentam em seus costumes que os torne dignos da autoridade maior pela qual eles parecem dominar os cidadãos. Da mesma forma enfim, devemos comparar o chefe da igreja de cada cidade com o governante político, para observarmos que até entre os membros do conselho e os chefes da igreja que, por sua vida indolente, são inferiores aos mais ativos, podemos discernir em geral um progresso em direção das virtudes que supera os costumes dos senadores e governantes das cidades. Ábaris, o Hiperbóreo - Diante desses fatos, como não é lógico pensar que Jesus, que pôde realizar tão grande obra, tinha em si qualidade divina excepcional, e não Aristeias do Proconeso, ainda que Apolo queira colocá-lo na categoria dos deuses, nem aqueles que Celso enumera. Diz ele: Ninguém considera como deus a Ábaris, o Hiperbóreo, dotado do prodigioso poder de ser carregado sobre uma flecha. Com que intenção a divindade, se concedeu ao Hiperbóreo Ábaris o favor de ser carregado sobre uma flecha, lhe outorgou semelhante dom? Que benefício teve com isso o gênero humano? E que vantagem teve este Ábaris de ser carregado sobre uma flecha? E tudo isso, admitindo-se que não houve nenhuma ficção no caso, mas o resultado da ação de um demônio. Mas quando dizemos que meu Jesus foi "exaltado na glória" (1Tm 3,16), vejo a economia providencial: pela realização desta maravilha Deus lhe dava patente de Mestre no espírito dos que o tinham contemplado, a fim de levá-los a combater com todas as suas forças não em defesa de conhecimentos humanos, mas em defesa dos ensinamentos divinos, levá-los a se consagrar ao Deus supremo e a fazer tudo para agradá-lo, para receber segundo seus méritos no tribunal de Deus a sanção do bem e do mal feitos nesta vida. O herói de Clazômenas - Como Celso lembra em seguida a história do herói de Clazômenas e afirma: Não se conta por toda parte que sua alma evadia-se frequentemente de seu corpo para vaguear de um lado para outro incorpórea? Entretanto, os homens não o consideraram como deus, eu replico: é possível que demônios perversos tenham tramado para que estes prodígios fossem escritos - pois não penso que tenham chegado a se concretizar - para que as profecias sobre Jesus e seus ensinamentos fossem atacados como ficções do mesmo gênero que aquelas, ou então que, sem nada mais ter que as outras, elas não suscitassem nenhuma admiração. Mas o meu Jesus dizia acerca da separação de sua alma e do corpo, não movido por necessidade humana, mas em virtude do poder milagroso que lhe tinha sido dado para este fim: "Ninguém tira minha alma de mim, mas eu a dou livremente. Tenho o poder de entregá-la e poder de retomá-la" (Jo 10,18) E como tinha o poder de entregá-la, ele a entregou quando disse: "Meu Pai, por que me abandonaste?", e, "tornando a dar um grande grito, entregou o espírito" (Mt 27,46 50), adiantando-se assim aos carrascos encarregados do suplício que quebravam as pernas dos crucificados, para que o castigo não o fizesse sofrer por muito tempo. Mas ele retomou "sua alma" quando se manifestou a seus discípulos, conforme a predição feita em sua presença aos judeus incrédulos: "Destruí este templo, e em três dias eu o levantarei". Mas "ele falava do templo de seu corpo" (Jo 2,19 21), pois os profetas o haviam anunciado antecipadamente nesta passagem entre muitas outras: "Minha carne repousa em segurança; pois não abandonarás minha vida no Xeol, nem deixarás que teu fiel veja a cova" (Sl 15,9-10) Cleomedes de Astipaleia - Para mostrar que leu muitas histórias gregas, Celso cita ainda a de Cleomedes de Astipaleia, e conta: Este entrou num cofre, fechou-se dentro, e ninguém pôde mais encontrá-lo aí de novo, mas ele evaporou-se por uma providência milagrosa, quando vieram quebrar o cofre para o prenderem. Esta história, se não for uma ficção como parece, nem se compara com a de Jesus; pois a vida destes homens não apresenta nenhuma prova da divindade que lhe é atribuída, enquanto a de Jesus tem como provas as igrejas dos que ele socorreu, as profecias feitas a seu respeito, as curas realizadas em seu nome, o conhecimentos desses mistérios na sabedoria e na razão que encontramos naqueles que procuram sobrepujar a fé simples e perscrutar o sentido das Escrituras; pois esta é a ordem de Jesus: "Perscrutai as Escrituras" (cf Jo 5,39), tal é a intenção de Paulo que ensinou que devemos "saber responder a cada um" como convém, e a de outro autor que diz: "Estai sempre prontos a dar razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la pede" (1Pd 3,15). Mas Celso quer que concordemos com ele que se trata de uma ficção: cabe a ele dizer qual a intenção do poder sobre-humano que fez Cleomedes desaparecer do interior do cofre por uma providência milagrosa. Pois se ele apresenta desse favor concedido a Cleomedes uma razão válida e uma intenção digna de Deus, julgaremos a respeito da resposta a lhe dar. Mas se ele fica embaraçado em dar a menor razão plausível, porque, evidentemente, esta razão é impossível de encontrar, ou se concorda com os que se recusaram admitir esta história, provaremos sua falsidade, ou então diremos que ao fazer desaparecer o homem de Astipaleia, um demônio pregou uma peça semelhante aos feiticeiros e iludiu as vistas; e isso contra Celso que pensou que um oráculo divino tinha declarado que ele se havia evaporado do cofre por uma providência milagrosa. Outros exemplos - Penso que são os únicos heróis conhecidos de Celso. E parecendo que desconsidera propositalmente os casos análogos, afirmou: Poderíamos citar muitos outros do mesmo tipo. Tudo bem! Admitamos que tenha havido muitos heróis do mesmo tipo dos quais o gênero humano não tirou nenhuma compensação: que encontraríamos entre eles que seja comparável à obra de Jesus e a seus milagres, de que falei extensamente? Depois disso Celso pensa que nosso culto a este prisioneiro, como diz, condenado à morte é semelhante à veneração de Zamolxis na terra dos getas, de Mopso na Cilícia, de Anfíloco na Acarnânia, de Anfiarau em Tebas, de Trofônio em Lebadia. Também aí o convenceremos de ter equiparado sem razão nosso culto ao de outros povos que ele menciona. Eles ergueram templos e estátuas às personagens que enumera; nós, porém, negamos à divindade a honra prestada mediante tais procedimentos: são mais apropriados aos demônios, fixados, não sei como, num lugar determinado que escolheram antecipadamente, ou que parecem habitar, atraídos por encantamentos ou sortilégios. Admiramos Jesus que afastou nosso espírito de tudo que é sensível, não só corruptível mas destinado a ser corrompido, para elevá-lo e torná-lo capaz de prestar honra ao Deus supremo por um caminho reto acompanhado de orações; nós lhe apresentamos estas orações por Aquele que, sendo mediador entre a natureza do Não-gerado e a de todas as criaturas, nos traz os benefícios do Pai e, ao mesmo tempo, à maneira do sumo sacerdote, transporta nossas orações até o Deus supremo. - Mas respondendo a tais palavras, ocasionadas não sei por quê, gostaria de lhe fazer as seguinte perguntas cabíveis: não terão então nenhuma realidade os que enumeraste? E não existe nenhum poder nem em Lebadia para Trofônio nem no templo de Anfiarau em Tebas, nem na Acarnânia para Anfíloco, nem na Cilícia para Mopso? Ou haverá nestes santuários algum demônio, herói ou deus, para realizar estas obras que ultrapassam o poder do homem? Se não houver nada mais, nem demônio, nem deus para estes santuários, que pelo menos então externe sua opinião pessoal: como epicureu, ele não admite as mesmas doutrinas que os gregos, nem reconhece a existência dos demônios, nem mesmo honra os deuses como os gregos. E daremos a prova de que errou ao introduzir os exemplos anteriores, como se admitisse sua autenticidade, e os que ele apresenta em seguida. Mas se ele professa que os que enumerou são demônios, heróis ou mesmo deuses, veja que estabelece pelo que diz aquilo que rejeita, isto é: que Jesus também era um ser da mesma natureza, e que por isso ele teve o poder de se apresentar a muitos homens como vindo ao gênero humano da parte de Deus. E vê se esta primeira concessão não deve forçá-lo a reconhecer em Jesus mais força do que naqueles entre os quais ele o colocou. Nenhum deles, de fato, proíbe o culto prestado aos outros; mas Ele, muito seguro de si mesmo, porque é mais forte do que todos, proíbe reconhecê-los como deuses, porque são demônios maus que se apossaram de lugares terrestres, em sua incapacidade de atingir as regiões puras e divinas onde não chegam as rudezas da terra e seus incontáveis males. Antínoo - Fala então do delicado Adriano - refiro-me ao adolescente Antínoo - e das honras que lhe são prestadas na cidade do Egito chamada Antinoópolis, e acha que elas em nada diferem de nosso culto a Jesus. Pois bem! Vamos refutar esta objeção ditada pelo ódio. Que relação pode haver entre Jesus que veneramos e a vida do delicado Adriano, que nem soube guardar sua virilidade de uma sedução feminina mórbida? Contra Jesus, nem os que lhe lançaram mil acusações e dispararam tantas mentiras puderam alegar a menor ação licenciosa. Além disso, se submetêssemos a estudo sincero e imparcial o caso de Antínoo, descobriríamos os encantamentos e sortilégios na origem de seus pretensos prodígios em Antinoópolis, mesmo depois de sua morte. Conta-se que, em outros templos, a conduta seguida pelos egípcios e por outros peritos em feitiçaria é esta: fixam em certos lugares demônios para pronunciar oráculos, curar, e muitas vezes levar à desgraça os que pareceram transgredir as proibições referentes a alimentos impuros e ao contato com cadáveres humanos; querem assim amedrontar a multidão dos incultos. E aquele que em Antinoópolis no Egito é considerado como deus aparece desta forma: suas virtudes são invenções mentirosas de pessoas que vivem de astúcias, enquanto outras, enganadas pelo demônio que mora neste lugar, e outras, vítimas de sua consciência frágil, imaginam pagar um resgate divinamente desejado por Antínoo! Eis os mistérios que eles celebram e seus pretensos oráculos! Que diferença enorme com relação aos de Jesus! Não, não é uma reunião de feiticeiros que, para satisfazer uma ordem de um rei ou a prescrição de um governante, decidiram fazer dele um deus. Mas o próprio Criador do universo, pelo efeito do poder persuasivo de sua palavra milagrosa, o constituiu digno do culto não só de todo homem que procura a sabedoria, mas também dos demônios e de outros poderes invisíveis. Até hoje estes mostram que temem o nome de Jesus como o de ser superior, ou lhe obedecem com respeito como a seu chefe legítimo. Se ele não fora constituído assim pelo favor divino, os demônios não se retirariam sem resistência de suas vítimas apenas pela invocação de seu nome. - Os egípcios, formados no culto de Antínoo, permitiriam que ele fosse comparado a Apolo ou Zeus, pois é honrá-lo colocá-lo na mesma categoria. No caso de Celso, portanto, há uma mentira evidente quando afirma: Eles não permitiriam que ele fosse comparado a Apolo ou Zeus. Os cristãos sabem que a vida eterna consiste em conhecer "o único Deus verdadeiro" supremo, e "Aquele que ele enviou, Jesus Cristo" (Jo 17,3); que "todos os deuses dos pagãos são demônios" (Sl 95,5) ávidos, que rondam em torno das vítimas, do sangue e das exalações dos sacrifícios, para enganar os que não procuram refúgio junto ao Deus supremo; sabem que os anjos de Deus, ao contrário, divinos e santos, são de natureza e caráter bem diversos que os demônios da terra, e são conhecidos do pequeníssimo número dos que fizeram da questão um estudo inteligente e aprofundado: eles não admitiriam tal comparação com Apolo, Zeus, ou qualquer outro adorado com o cheiro da gordura, o sangue e as vítimas. Alguns em sua grande simplicidade não sabem explicar a razão de sua conduta, embora guardem criteriosamente o depósito que receberam. Outros, porém, o fazem com razões não insignificantes, mas profundas ou, diria um grego, esotéricas e epópticas. Elas contêm ampla doutrina a respeito de Deus, a respeito dos seres aos quais Deus concede a honra, por seu Logos, Filho único de Deus, de participar de sua divindade e, por esse fato, de seu nome; uma ampla doutrina igualmente acerca dos anjos divinos e concernente aos que são inimigos da verdade por se terem enganado e, em consequência de seu erro, se proclamaram deuses, anjos de Deus, bons demônios, heróis que devem sua existência à metamorfose de boas almas humanas. Esses cristãos admitirão igualmente que, assim como em filosofia muitos imaginam estar na verdade por se terem deixado enganar por falsas razões ou por terem aderido precipitadamente às razões apresentadas ou descobertas por outros, assim também entre as almas saídas dos corpos, os anjos e os demônios, alguns foram seduzidos por falsas razões a se proclamarem deuses. E como estas doutrinas, entre os homens, não podem ser descobertas com perfeita exatidão, julgou-se ser mais seguro para o homem não confiar em ninguém como Deus, a não ser unicamente em Jesus Cristo, moderador supremo, que contemplou estes segredos profundíssimos, e os comunica a pequeno número. Acasos providenciais - A fé em Antínoo ou em algum de seus semelhantes no Egito ou na Grécia se deve, se posso dizer, à má sorte. A fé em Jesus, porém, parece que se deve ou à sorte ou à conclusão de um estudo sério. Ela se deve à sorte para um grande número, e é a conclusão de um estudo sério para um número muito pequeno. Dizendo que uma fé se deve, falando popularmente, à sorte, nem por isso deixo de referir sua razão a Deus que sabe as causas do destino atribuído a todos os que vêm à existência humana. Por outro lado, os gregos dirão que mesmo para aqueles que julgamos os mais sábios, é à sorte que eles devem quase sempre, por exemplo, o fato de terem tido tais mestres e encontrado os melhores, quando outros ensinavam as doutrinas opostas, e de terem recebido sua educação de elite. Pois muitos têm sua educação em tal meio que nem lhes cabe receber representação dos bens verdadeiros, mas permanecem desde a infância entre homens efeminados ou mestres licenciosos, ou em outra condição miserável que impede sua alma de olhar para o alto. É provável que a Providência tenha suas razões para permitir estas desigualdades e não é nada fácil pô-las ao alcance das pessoas comuns. Eis o que julguei meu dever responder no intervalo como digressão à crítica: Tal é o poder da fé que ela pré-julga qualquer coisa. É necessário frisar que a diferença de educação explica a diversidade da fé entre os homens: sua fé se deve à boa ou à má sorte; e daí concluir que pode parecer que mesmo para as pessoas de espírito atilado o que chamamos de boa sorte e má sorte contribui para fazê-las parecer mais razoáveis e levá-las a dar às doutrinas adesão geralmente mais razoável. Mas basta quanto a este ponto. - Devemos considerar as palavras seguintes em que Celso diz que nossa fé, apossando-se de nossa alma, cria tal adesão a Jesus. É bem verdade que nossa fé cria tal adesão. Mas observa se esta fé não é mesmo louvável quando nos entregamos confiantemente ao Deus supremo, exprimindo nosso reconhecimento àquele que nos conduziu a essa fé, afirmando que não foi sem a ajuda de Deus que Jesus ousou e realizou essa ação. Cremos igualmente na sinceridade dos evangelistas; descobrimo-la na piedade e na consciência que se manifestam em seus escritos, onde não existe qualquer sinal de inautenticidade, fraude, ficção ou impostura. Pois temos a certeza disto: almas como as deles, que não aprenderam os procedimentos ensinados entre os gregos pela sofística artificiosa, muito enganosa e sutil, e a arte oratória usada nos tribunais, não teriam sido capazes de inventar histórias que podem por si mesmas conduzir à fé e à vida de acordo com esta fé. Penso igualmente que Jesus quis ter homens assim como mestres de doutrina para não dar espaço à desconfiança de sofismas ilusórios, mas fazer brilhar aos olhos das pessoas capazes de compreender que a sinceridade de intenção dos escritores, unida, por assim dizer, a tanta simplicidade, tinha merecido uma virtude divina muito mais eficaz que não parece ser a abundância oratória, a composição de períodos, a fidelidade às divisões e às regras da arte grega. - Porém, repara se as doutrinas de nossa fé, em perfeita harmonia desde sua origem com as noções comuns, não transformam os ouvintes sensatos. Pois ainda que a perversão, sustentada por ampla cultura, pôde implantar entre o povo a ideia de que as estátuas são deuses e que os objetos de ouro, prata, marfim, pedra são dignos de adoração, a noção comum exige pensar que Deus não é absolutamente matéria corruptível e não pode ser honrado sob as formas fabricadas pelos homens nas matérias inanimadas que seriam "à sua imagem" (cf Gn 1,26) ou como símbolos. Assim sendo, se diz sem rodeios que as imagens "não são deuses" (cf At 19,26), e a respeito desses objetos fabricados, que não são comparáveis ao Criador, por serem tão pequenos comparados ao Deus supremo que criou, mantém e governa o universo em sua totalidade. E imediatamente, como se ela reconhecesse seu parentesco, a alma racional rejeita os que até então lhe tinham parecido ser deuses, e recupera seu amor natural pelo Criador; e, por causa desse amor, ela acolhe também aquele que por primeiro passou estes ensinamentos a todas as nações, através dos discípulos que ele estabeleceu e enviou com poder e autoridade divina a pregar a doutrina sobre Deus e seu Reino. O corpo mortal de Jesus - Ele volta a seguir à crítica repetida não sei quantas vezes contra Jesus: Embora formado de um corpo mortal, nós cremos nele como Deus, fato que consideramos ato de piedade. É inútil responder igualmente à objeção, pois já lhe demos resposta no que ficou dito acima. Entretanto, os críticos devem saber que aquele que julgamos com convicção ser Deus e Filho de Deus desde a origem é, na verdade, o Logos em pessoa, a Sabedoria em pessoa, a Verdade em pessoa. E afirmamos que seu corpo mortal e a alma humana que nele habita adquiriram a mais alta dignidade não só pela associação, mas também pela união e fusão com ele e que, participando de sua divindade, eles foram transformados em Deus. Ficamos acaso chocados com esta afirmação mesmo a propósito de seu corpo? Basta que nos refiramos às afirmações dos gregos sobre a matéria: sem qualidades propriamente, ela exibe qualidades com que o Criador gosta de revesti-la, e com frequência ela abandona suas qualidades anteriores para receber outras superiores e diferentes. Se existe neste ponto uma compreensão sadia, não admira que, pela Providência de Deus que assim decreta as coisas, a qualidade mortal do corpo de Jesus tenha sido transformada numa qualidade etérea e divina? - Desta forma, não é como bom dialético que Celso compara a carne humana de Jesus ao ouro, à prata e à pedra e lhe diz que ela era mais corruptível. Pois, a rigor, não é verdade que uma coisa incorruptível seja mais incorruptível do que outra coisa corruptível, nem que uma coisa corruptível seja mais corruptível do que outra coisa corruptível. Mas admitamos que ela possa ser mais corruptível, não deixarei de replicar: se é possível que a matéria subjacente a todas as qualidades mude de qualidades, por que não seria possível também que a carne de Jesus tenha mudado de qualidades e seja tal como era preciso para morar no éter e nas regiões acima dele, depois de ter alijado as características da fraqueza carnal, qualificadas por Celso como impurezas. É igualmente erro filosófico. Impuro, no sentido próprio, é aquilo que provém da malícia; mas a natureza do corpo não é impura; não é da natureza do corpo; o princípio gerador da impureza vem da malícia. Desconfiando então da defesa que lhe seria oposta, ele afirma da mudança do corpo de Jesus: Mas, quando esta carne for abandonada, terá ele talvez se tornado Deus? E, melhor ainda, por que não Asclépio, Dioniso, Héracles? Respondo: porém, que obra tão admirável realizaram Asclépio, Dioniso, Héracles? Para ter um título que os faça deuses, quem poderão eles apresentar que tenham tornado moralmente melhor, mais virtuoso, graças a seus discursos e sua conduta? Lendo numerosas histórias que falam deles, vejamos se sua conduta é impecável, livre de injustiça, desatino e vileza. Se não encontrarmos neles nada disso, o argumento de Celso que iguala estas personagens a Jesus terá valor. Mas se for patente que, ao lado de algumas ações honestas que deles se contam, eles cometeram uma infinidade de outras contrárias à reta razão atestada pelos escritos, como sustentar com boas razões que eles, e não Jesus, seriam deuses quando abandonassem seu corpo mortal? O túmulo de Zeus em Creta - Em seguida afirma que zombamos dos que adoram Zeus porque em Creta se mostra seu túmulo, nós que adoramos um homem que saiu do túmulo, sem saber por que nem como os cretenses agem desta forma. Repara que ele toma aqui a defesa dos cretenses, de Zeus e de seu túmulo, aludindo a razões simbólicas que teriam suscitado, pelo que dizem, o mito de Zeus. Ele nos critica porque concordamos que nosso Jesus foi sepultado; mas afirmamos que ele surgiu do túmulo, coisa que os cretenses ainda não ousaram contar a respeito de Zeus. Como ele parece defender este túmulo de Zeus em Creta acusando-nos de não sabermos nem por que nem como os cretenses agem desta maneira, direi: Calímaco de Cirene, que estudou a maior parte dos poemas e leu quase toda a história grega, não conhecia nenhuma significação alegórica da história de Zeus e seu túmulo: desta forma critica os cretenses em seu hino a Zeus: "Os cretenses são sempre mentirosos! Grande chefe, de nada adiantou aos cretenses te erguerem um túmulo! Mas tu não estás morto, pois vives eternamente!" Por estas palavras: "Mas tu não estás morto, pois vives eternamente", ele negou que o túmulo de Zeus estivesse em Creta, mas lembra que Zeus experimentou o começo da morte: pois o nascimento na terra é o começo da morte. Ele afirma: "Na Parrásia, Reia se deitou e te deu à luz." Mas, como tivesse negado o nascimento de Zeus em Creta, por causa da história de seu túmulo, ele devia ver que seu nascimento na Arcádia implicava que depois de ter nascido aí também morreu aí. E eis o que diz Calímaco a respeito: "Zeus! Dizem que estás no monte Ida! Zeus, dizem que nasceste na Arcádia: quem, então, terá mentido, Pai? Os cretenses são sempre mentirosos!" etc. Eis aonde me levou a injustiça de Celso contra Jesus: não tem dúvidas em dar seu assentimento às Escrituras quando dizem que Jesus morreu e foi sepultado; mas considera ficção que ele também tenha ressuscitado dos mortos, e isto, apesar de inúmeros profetas o terem predito, e das muitas provas de que ele se manifestou depois de sua morte. O cristianismo e a sabedoria - Em seguida, Celso relata as palavras, absolutamente contrárias ao ensinamento de Jesus, defendidas por pequeno número de indivíduos que se dizem cristãos, não especialmente inteligentes, como ele crê, e sim dos mais ignorantes: Eis a palavra de ordem deles: Para trás quem tem cultura, quem tem sabedoria, quem tem discernimento! Quantas recomendações perversas para nós! Mas se houver algum ignorante, insensato, inculto, uma criança, que se aproxime com coragem! Ao reconhecer que tais pessoas são dignas de seu Deus, eles mostram claramente que só querem, só podem convencer pessoas simplórias, vulgares, estúpidas: escravos, mulheres incultas e crianças. A isso respondo: se, apesar do ensinamento de Jesus sobre a continência: "Todo aquele que olha para uma mulher com desejo libidinoso já cometeu adultério com ela em seu coração" (Mt 5,28), víamos, entre tantos outros, alguns que se dizem cristãos viver na licenciosidade, teríamos razão em censurá-los por sua vida contrária ao ensinamento de Jesus, mas seria bem insensato aplicar ao evangelho a censura que eles merecem. Assim, se tenho certeza de que a doutrina cristã mais do que qualquer outra convida à sabedoria, devemos censurar aqueles que para justificarem sua ignorância alegam, não as palavras escritas por Celso, pois não encontramos tão descaradas sequer na boca dos simples e ignorantes, mas outras bem menos importantes, capazes de desviar as pessoas da prática da sabedoria. - Mas o Logos quer que sejamos sábios, e podemos mostrá-lo pelas antigas Escrituras judaicas cujas práticas observamos, ou pelas que são posteriores a Jesus cuja inspiração divina as igrejas reconhecem. Mas está escrito, no Salmo 50, que Davi disse em sua oração a Deus: "Tu me revelaste os segredos e os mistérios de tua sabedoria" (Sl 50,8). E ao recitarmos os salmos, verificamos que este livro está repleto de um grande número de sábias doutrinas. Sabemos que Salomão pediu e alcançou a sabedoria; e de sua sabedoria podemos encontrar os sinais em seus escritos, quando em poucas palavras ele encerra grande profundidade de pensamento: encontraríamos neles, entre outros, muitos elogios à sabedoria e exortações sobre o dever de adquiri-la. E a sabedoria de Salomão era tão grande que a rainha de Sabá, "ao saber de sua fama e da fama do Senhor", apresentou-se diante de Salomão "e lhe expôs tudo o que tinha no coração, mas Salomão a esclareceu sobre todas as suas perguntas e nada houve por mais obscuro que ele não pudesse solucionar. Quando a rainha de Sabá viu toda a sabedoria de Salomão" e todos os seus recursos, "ficou fora de si e disse ao rei: Realmente era verdade quando ouvi na minha terra a respeito de ti e da tua sabedoria! Eu não queria acreditar no que diziam antes de vir e ver com meus próprios olhos, mas de fato não me haviam contado nem a metade: tua sabedoria e tua riqueza excedem tudo quanto ouvi" (1Rs 10,1-7). E a respeito dele está escrito: "Deus deu a Salomão sabedoria e inteligência extraordinárias e um coração tão vasto como a areia que está na praia do mar. A sabedoria de Salomão foi maior que a de todos os filhos do Oriente e maior que toda a sabedoria do Egito. Foi mais sábio que qualquer pessoa: mais que Etã, Calcol e Darda, filhos de Maol; sua fama se espalhou por todas as nações circunvizinhas. Pronunciou três mil provérbios e seus cânticos foram em número de mil e cinco. Falou das plantas, desde o cedro que cresce no Líbano até o hissopo que sobe pelas paredes: falou também dos quadrúpedes, das aves, dos répteis e dos peixes. Vinha gente de todas as nações para ouvir a sabedoria de Salomão e ele recebeu tributo de todos os reis da terra que ouviram falar de sua sabedoria" (1Rs 5,10-14) O Logos sabe que, embora haja sábios entre os que creem, para exercer a inteligência dos ouvintes, ele expressou certas verdades em enigmas, outras em "discursos obscuros", outras em parábolas, e outras em forma de perguntas. É o que reconhece um dos profetas, Oseias, no fim de seu livro: "Quem é sábio compreenda isto, quem é inteligente reconheça-o!" (Os 14,10). E Daniel com seus companheiros de prisão se desenvolveram tão bem nas ciências práticas na Babilônia pelos sábios da corte real, que provaram ser "dez vezes" superiores a todos eles (cf Dn 1,20) Em Ezequiel igualmente se diz ao príncipe de Tiro que se orgulhava de sua sabedoria: "Certo, és mais sábio que Daniel, nenhum sábio há que se iguale a ti" (Ez 28,3) - Voltando aos livros escritos depois de Jesus, encontraremos neles que as multidões dos que acreditavam ouviam as parábolas como se fossem de fora e somente dignas das doutrinas exotéricas; mas os discípulos recebem em particular a explicação das parábolas. Pois Jesus "explicava tudo aos seus discípulos em particular" (Mc 4,34), preferindo às multidões as que aspiravam à sabedoria. Aos que creem nele promete enviar-lhes sábios e escribas: "Por isso vos envio profetas, sábios e escribas, dos quais alguns serão crucificados" (cf Mt 23,34) E em sua lista de carismas dados por Deus, Paulo põe em primeiro lugar as palavras de sabedoria; em segundo lugar, como inferiores a estas, as palavras de ciência; e em terceiro lugar, como ainda inferior, a fé. E como t em em maior apreço as palavras do que as realizações de prodígios, põe os "atos de poder" e os "dons de curar" abaixo dos carismas de palavras (cf 1Cor 12,8-10) E nos Atos dos Apóstolos, Estêvão atesta a vasta ciência de Moisés, fundamentando-se certamente em livros antigos e inacessíveis ao povo simples. Pois diz ele: "Assim foi Moisés iniciado em toda a sabedoria dos egípcios, e tornou-se poderoso em suas palavras e obras" (At 7,22). Por isso, na hora de seus prodígios, muitos desconfiavam que ele os realizava, não como ele proclamava, pelo poder de Deus, mas em virtude de sua habilidade nas ciências do Egito. Foi justamente esta desconfiança que levou o rei a convocar os encantadores, os sábios e mágicos do Egito, mas ficou patente sua impotência diante da sabedoria de Moisés, que superava toda a sabedoria dos egípcios (cf Êx 7,11) - Também é provável que as palavras de Paulo na primeira carta aos Coríntios (cf 1Cor 1,18s), que eram gregos inflados da sabedoria grega, levaram alguns a acreditar que o Logos exclui os sábios. Quem tiver tal opinião compreenda bem. Para censurar os maus, o Logos declara que eles não são sábios com relação ao inteligível, ao invisível, ao eterno, como não se ocupam senão do que é o sensível ao qual reduzem todas as coisas; são os sábios deste mundo. Assim também, no grande número de doutrinas, as que, apoiando a matéria e os corpos, sustentam que todas as realidades fundamentais são corpos, que fora deles nada mais existe, nem "invisível", nem "incorpóreo", o Logos as declara "sabedoria deste mundo", destinada à destruição, tomada de loucura, sabedoria deste século. Mas ele declara "sabedoria de Deus" as que elevam a alma das coisas deste mundo à felicidade junto de Deus e a "seu Reino", que ensinam a desprezar como transitório tudo o que é sensível e visível, a procurar com ardor o invisível e tender para o que não vemos (cf 2Cor 4, 18) E por amar a verdade, Paulo afirma de certos sábios gregos, quanto aos pontos em que estão na verdade: "Pois, tendo conhecido a Deus, não o honraram como Deus nem lhe renderam graças." Atesta o conhecimento que eles têm de Deus. Afirma que este conhecimento não pode vir até eles sem a ajuda de Deus, quando escreve: "Pois Deus lho revelou." Alude, penso eu, aos que se elevam do visível ao invisível quando escreve: "Sua realidade invisível - seu eterno poder e sua divindade - tornou-se inteligível, desde a criação do mundo, através das criaturas, de sorte que não têm desculpa. Pois, tendo conhecido a Deus, não o honraram como Deus nem lhe renderam graças" (Rm 1,19-21) - Mas ele tem outra passagem: "Vede, pois, quem sois, irmãos, vós que recebestes o chamado de Deus; não há entre vós muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos de família prestigiosa. Mas o que é loucura no mundo, Deus o escolheu para confundir os sábios; e o que é fraqueza no mundo, Deus o escolheu para confundir o que é forte; e o que no mundo é vil e des-prezado, o que não é, Deus escolheu para reduzir a nada o que é, a fim de que nenhuma criatura se possa vangloriar diante de Deus" (1Cor 1,26-29) E talvez por causa desta passagem, alguns foram levados a crer que nenhum homem que tenha cultura, sabedoria, discernimento se dedica à doutrina. A isto respondo: não está dito "nenhum homem segundo a carne", mas "muitos sábios segundo a carne". E é claro que, entre as qualidades características dos "epíscopos", quando escreve o que deve ser epíscopo, Paulo fixou a do didáscalo, dizendo: é necessário que ele seja capaz de "refutar os que a contradizem", a fim de que, pela sabedoria que nele está, cale a boca dos vãos palavrosos e enganadores. E assim como ele prefere para o episcopado o homem casado uma só vez ao homem casado duas vezes, o "irrepreensível" ao que mereça censura, o "sóbrio" a alguém que não o seja, o "temperante" ao beberrão, o "homem digno" ao indigno por menos que seja, da mesma forma quer que aquele que será preferido para o episcopado seja capaz de ensinar e possa "refutar os que contradizem" (Tt 1,9-11) Mas como pode Celso nos atacar fundado em boas razões como se disséssemos: "Para trás quem tem cultura, quem tem sabedoria, quem tem discernimento!" Muito pelo contrário: "Venha quem tem cultura, sabedoria e discernimento! Venha igualmente quem é ignorante, insensato, inculto ou criança ainda! Pois o Logos, caso eles venham, promete-lhes a cura e torna dignos de Deus a todos os homens". - Tampouco é verdade que os mestres da divina doutrina só querem convencer pessoas simplórias, vulgares, estúpidas: escravos, mulheres incultas e crianças. Também a eles o Logos chama para os tornar melhores; mas chama igualmente os que lhes são bem superiores: pois Cristo é "Salvador de todos os homens, sobretudo dos que têm fé" (1Tm 3,2), quer sejam inteligentes, quer simples, "Ele é a vítima de expiação pelos nossos pecados. E não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo" (1Jo 2,1-2) Por isso é desnecessário querer responder a estas palavras de Celso: Aliás, que mal existe em a pessoa ser culta, dedicar-se às melhores doutrinas, ser prudente e assim parecer? Será obstáculo ao conhecimento de Deus? Não seria antes ajuda e meio mais eficaz de chegar à verdade? Sem dúvida, não há mal nenhum em ser realmente culto: pois a cultura é o caminho para a virtude. No entanto, incluir entre as pessoas cultas as que professam doutrinas errôneas, nem os sábios da Grécia aprovariam. Por outro lado, quem não concordaria que é bom dedicar-se às melhores doutrinas? Mas a que chamaremos de as melhores doutrinas senão as verdadeiras que nos convidam à virtude? Além disso, se é bom ser prudente, não se pode dizer o mesmo de parecer, como afirma Celso. E em vez de ser obstáculo ao conhecimento de Deus, é ajuda ser culto, dedicar-se às melhores doutrinas, ser prudente. Cabe a nós afirmar isto, e não Celso, principalmente se o convencermos de epicurismo. Propaganda cristã - Continuemos seguindo o seu texto: Mas eis nas praças públicas, suponho eu, aqueles que divulgam seus segredos e pedem esmola. Jamais se aproximariam de uma assembleia de homens prudentes com a audácia de nela revelar seus belos mistérios. Mas, logo que percebem a presença de adolescentes, um bando de escravos, um ajuntamento de idiotas, para lá correm a se exibir! Repara então como nos calunia comparando-nos aos que divulgam seus segredos e pedem esmola nas praças públicas. Que segredos divulgamos nós? Que fazemos de semelhante, nós que, lendo textos e explicando-os, exortamos à piedade para com o Deus do universo e as virtudes que reinam com ela, e fugimos do desprezo a Deus e a todos os atos contrários à reta razão? Os próprios filósofos desejariam círculos tão numerosos de ouvintes de suas exortações à virtude! Assim procederam sobretudo certos cínicos, que conversavam em público com todos que passavam. Acaso se dirá também que estes filósofos se pareciam com aqueles que divulgam seus segredos e pedem esmola nas praças públicas, porque, em vez de convidar as pessoas consideradas cultas, chamavam para a rua ouvintes que eles reuniam? Não, nem Celso nem qualquer de seus sequazes há de repreender os que julgam ser dever de humanidade propor suas doutrinas mesmo às pessoas simples do povo. - Porém, se esta conduta não lhes merece qualquer crítica, vejamos se os cristãos não exortam o povo à perfeita honestidade mais e melhor do que estes filósofos. Os filósofos que falam em público não dividem seus ouvintes em classes: o primeiro a chegar pára e escuta. Os cristãos, enquanto lhes é possível, começam a pôr à prova as almas dos que querem ser seus ouvintes e a formá-las em particular. Quando os ouvintes, antes de entrarem na comunidade, dão mostras de terem alcançado progresso suficiente na vontade de viver virtuosamente, são introduzidos pelos cristãos. Constituem à parte um grupo dos principiantes que acabam de ser iniciados e ainda não receberam o símbolo da purificação; depois, vem outro grupo, o dos que deram as melhores provas de sua decisão de não querer nada mais senão o que foi aprovado pelos cristãos. Entre eles, alguns têm a tarefa de investigar sobre a vida e a conduta dos candidatos, para impedir a entrada em sua assembleia geral de pessoas culpadas por faltas secretas, e acolher os outros de todo coração e torná-los melhores a cada dia. E eis como agem os pecadores, principalmente os impudicos: eles os expulsam de sua comunidade, pois, segundo Celso, seriam parecidos aos que divulgam seus segredos nas praças públicas! A venerável escola pitagórica, considerando-os como mortos, erguia cenotáfios aos apóstatas de sua filosofia. Os cristãos, por sua vez, pranteiam como defuntos aqueles que se deixaram vencer pela luxúria ou por alguma outra desordem por se terem perdido e morrido para Deus. Quando manifestam uma conversão séria, depois de um tempo maior do que o de sua primeira iniciação, admitem-nos novamente como ressuscitados dos mortos; mas os que caíram depois de seu ingresso no cristianismo não são nomeados para nenhum cargo nem presidência na "Igreja de Deus". - Depois disso, vê se não há mentira flagrante e comparação sem nexo algum nas palavras de Celso: Eis nas praças públicas os que divulgam seus segredos e pedem esmola. Estas pessoas com quem Celso nos compara, que divulgam seus segredos e pedem esmola nas praças públicas, jamais se aproximariam, diz ele, de assembleia de homens prudentes com a audácia de nela revelar seus belos mistérios. Logo que percebem a presença de adolescentes, um bando de escravos, um ajuntamento de idiotas, para lá correm a se exibir! Nada mais faz senão nos insultar como fazem as mulheres nas esquinas com o único objetivo de revidar às injúrias. Pois fazemos tudo o que é possível para que nossa assembleia seja composta de homens prudentes, e então temos a audácia, nas conversas com a comunidade, de propor em público nossos mais belos e divinos mistérios, quando temos a nosso alcance ouvintes inteligentes. Mas conservamos em segredo e retemos os mistérios mais profundos, quando vemos que as pessoas reunidas são mais simples e precisam de ensinamentos que chamamos, por metáfora, "leite". - Pois está escrito na carta de nosso Paulo aos Coríntios, gregos cujos costumes ainda não tinham sido purificados: "Dei-vos a beber leite, não alimento sólido, pois não o podíeis suportar. Mas nem mesmo agora podeis, visto que ainda sois carnais. Com efeito, se há entre vós invejas e rixas, não sois carnais e não vos comportais de maneira meramente humana?" (1Cor 3,2-3). E este mesmo apóstolo, sabendo que certas verdades são o alimento da alma adiantada na perfeição, e outras, as dos neófitos, são comparáveis ao leite das criancinhas, declara: "Precisais de leite, e não de alimento sólido. De fato, quem ainda se amamenta não pode degustar a doutrina da justiça, pois é criancinha! Os adultos, porém, que pelo hábito possuem o senso moral exercitado para discernir o bem e o mal, recebem o alimento sólido" (Hb 5,12-14) Assim sendo, os que creem na beleza destas palavras acaso haveriam de supor que jamais os belos mistérios do Logos seriam tratados numa assembleia de homens prudentes, mas, uma vez percebida a presença de adolescentes, um bando de escravos, um ajuntamento de idiotas, os mistérios divinos e veneráveis aí seriam propostos em público numa grande ostentação diante de tais espectadores? Pelo contrário, perscrutando toda a intenção das nossas Escrituras, fica bem claro que, partilhando do ódio da plebe rude à raça dos cristãos, Celso profere sem exame tais mentiras. - É nosso desejo instruir todos os homens na palavra de Deus, apesar da negação de Celso, e queremos comunicar aos adolescentes a exortação que lhes convém e indicar aos escravos como podem ser engrandecidos pelo Logos recebendo um espírito de liberdade. Nossos pregadores do cristianismo se declaram devedores "a gregos e a bárbaros, a sábios e a ignorantes" (Rm 1,14): não negam que é preciso curar até mesmo a alma dos ignorantes, para que, abandonando sua ignorância tanto quanto possível, procurem adquirir inteligência melhor, para obedecerem às palavras de Salomão: "os ingênuos aprendam a sagacidade"; "os ingênuos venham para cá, quero falar aos sem juízo"; "vinde comer do meu pão, e beber do vinho que misturei. Deixai a ingenuidade e vivereis, segui o caminho da inteligência" (Pr 8,5; 9,16; 9,5-6) E sobre este ponto eu poderia dizer em resposta às palavras de Celso: será que os filósofos não convidam os adolescentes a ouvi-los? Não exortam a que deixem uma vida desregrada para abraçarem os bens superiores? Então não querem que os escravos vivam como filósofos? Vamos também nós censurar os filósofos por terem conduzido escravos à virtude, como fez Pitágoras com Zamolxis, Zenão com Perseu e, ontem ou anteontem, os que conduziram Epicteto à filosofia? Ou vos será permitido, ó gregos, chamar à filosofia adolescentes, escravos, idiotas, ao passo que para nós seria desumanidade fazer isto, quando, aplicando-lhes o remédio do Logos, queremos curar toda natureza racional e conduzi-la à familiaridade com o Deus Criador do universo? Bastaria isto para respondermos às palavras de Celso, que são injúrias e não críticas. - Como gosta das palavras carregadas de injúrias contra nós, acrescenta ainda outras; vamos citá-las então e vejamos a quem elas desonram mais: aos cristãos, ou a Celso nestes termos: Eis nas casas particulares, cardadores, sapateiros, pisoeiros, pessoas das mais incultas e rudes. Diante de mestres cheios de experiência e discernimento, não ousam abrir a boca. Mas é só surpreenderem seus filhos acompanhados de mulheres incultas e idiotas, começam a falar coisas estranhas: sem consideração com o pai ou com os preceptores, acham que todos devem acreditar apenas neles; os outros não passam de impertinentes estúpidos, que ignoram o verdadeiro bem, incapazes de realizá-lo, preocupados com vis banalidades; só eles sabem como se deve viver; que as crianças acreditem neles e serão felizes e a felicidade iluminará a casa! Mas se enquanto estão falando veem chegar os preceptores desta juventude, homens de discernimento, ou o próprio pai, os tímidos fogem tremendo, os atrevidos incitam as crianças à revolta: cochicham-lhes que, na presença do pai e dos preceptores, não hão de querer nem poder explicar nada de bom às crianças, porque lhes repugnam a idiotice e a grosseria destas pessoas totalmente corrompidas e enterradas no vício que poderiam mandar castigá-los. Se quiserem, basta deixarem lá o pai e os preceptores, vir com as mulheres incultas e os companheiros de brinquedos à oficina do tecelão, à tenda do sapateiro ou à barraca do pisoeiro para atingirem a perfeição. Eis aí com que palavras eles persuadem! - Repara também aqui um exemplo de seus sarcasmos contra nossos mestres de doutrina. Eles que procuram elevar a alma por todos os modos ao Criador do universo, provando que é preciso desprezar todas estas coisas sensíveis, passageiras e visíveis, e fazer tudo para obter a comunhão com Deus, a contemplação das realidades inteligíveis e invisíveis, a bem-aventurança com Deus e os amigos de Deus, Celso os compara aos cardadores que vemos nas casas particulares, aos sapateiros, aos pisoeiros, aos homens mais rudes que, para a desgraça dos filhos de tenra idade, solicitariam o serviço de mulheres incultas para que se afastem do pai e dos preceptores e os sigam. Mas, de que pai sensato, de que preceptores de ensinamentos sérios afastamos os filhos e as mulheres incultas? Que Celso esclareça bem isto! Mostre, por comparação, se as crianças e as mulheres incultas que abraçam nossa doutrina já tinham ouvido doutrina melhor do que a nossa, e de que maneira afastamos as crianças e mulheres incultas de lições belas e veneráveis para as convidar para piores? Não conseguirá fornecer a prova: muito ao contrário, desviamos as mulheres incultas da impureza, da perversão causada pelas pessoas de suas relações, da loucura do teatro, da superstição. E as crianças que chegam à puberdade, dominadas pelos desejos de volúpia, devemos torná-las ajuizadas mostrando-lhes não só a vergonha do pecado, mas também o estado a que estas faltas reduzem a alma dos maus, os castigos que deverá suportar, os suplícios que a esperam. - E quem são os preceptores, tratados por nós como impertinentes estúpidos, que Celso defende pela excelência de suas lições? Talvez ele considere como hábeis preceptores para mulheres incultas e não como impertinentes os que os convidam à superstição e aos espetáculos impuros, ou ainda, como isentos de estupidez aqueles que levam e incitam os jovens a todas as desordens que os vemos cometer um pouco por toda parte. Para nós, pelo menos, convidamos à nossa religião, mostrando-lhes sua excepcional pureza, com todas as nossas forças, até os que defendem doutrinas filosóficas. Pois como Celso, em suas observações, quer deixar claro que, em vez de fazer isto, convidamos apenas os idiotas, poderíamos responder-lhe: se nos acusasses de desviar da filosofia os que antes a ela se dedicavam, não dirias a verdade, mas tuas palavras teriam algo de plausível. Mas, na verdade, como supões que nós arrebatamos nossos adeptos a bons preceptores, prova que tais mestres são diferentes dos mestres de filosofia ou daqueles que trabalharam num ensinamento útil. Mas ele será incapaz de mostrar qualquer coisa. E nós prometemos abertamente, e não em segredo, que serão felizes os que vivem conforme a palavra de Deus, nele fixando em tudo seus olhos, realizando o que quer que seja como se fosse diante dos olhos de Deus. Será isto lição de cardadores, sapateiros, pisoeiros, pessoas rudes e das mais incultas? Não poderá afirmar. - A estes homens, comparáveis, segundo ele, aos cardadores que vemos nas casas, semelhantes aos sapateiros, aos pisoeiros, às pessoas rudes e mais incultas, Celso acusa de não quererem e nem poderem, em presença do pai e dos preceptores, explicar qualquer coisa de bom às crianças. Em resposta, perguntamos: de que pai queres falar, meu caro, de que preceptor? Se é alguém que aprova a virtude, evita o vício, procura os bens superiores, fica sabendo que é com plena certeza de sermos aprovados por tal juiz que haveremos de comunicar nossas lições aos filhos. Mas diante de um pai que descrê da virtude e da perfeita honestidade, guardamos silêncio como diante daqueles que ensinam o que é contrário à sã razão: não nos censures, tua crítica seria insensata. Tu mesmo, com toda certeza, quando transmites os mistérios da filosofia a jovens e crianças, cujos pais julgam a filosofia inútil e vã, nada dirás às crianças diante de seus pais mal preparados; mas, ansioso por separar destes maus pais os filhos orientados para a filosofia, ficarás esperando as ocasiões de fazer chegar aos jovens as doutrinas filosóficas. O mesmo direi dos preceptores. Desviar de preceptores que ensinam as torpezas da comédia, a licença dos jambos e tantas outras coisas, sem boa influência sobre os que as declamam nem utilidade para quem as escuta, porque não sabem interpretar filosoficamente os poemas, nem acrescentar a cada um o que contribui para o bem dos jovens, é conduta que confessamos sem nenhuma vergonha. Mas, apresenta-me preceptores que estão iniciando na filosofia e auxiliando no seu exercício: em vez de desviar os jovens dela, esforçar-me-ei por educar os que já estão exercitados no ciclo das ciências e dos temas filosóficos, levá-los-ei para longe das massas que ignoram até a venerável e sublime eloquência dos cristãos que tratam das verdades mais elevadas e mais necessárias, mostrando com pormenores e provando que esta é a filosofia ensinada pelos profetas de Deus e pelos apóstolos de Jesus. O cristianismo e os pecadores - Em seguida, percebendo que nos tinha injuriado com demasiada aspereza, e como para se escusar, prossegue: Não acuso com aspereza maior do que a verdade a tanto me obriga, aceitem por favor esta prova. Os que apelam para outras iniciações proclamam: "Quem tem as mãos puras e a língua discreta", e ainda outras: "Quem for puro de qualquer imundície, cuja alma não tem consciência de qualquer mal, e viveu no bem e na justiça": eis o que proclamam aqueles que prometem a purificação dos pecados. Ouçamos que homens estes cristãos chamam: "Quem for pecador, fraco de espírito, criança, enfim, quem for infeliz, o Reino de Deus o receberá." Mas acaso não entendeis como pecador o injusto, o ladrão, o que fura muralhas, o que envenena, o que saqueia os templos, o que viola os túmulos? A quem mais um bandido citaria em sua confissão pública? Nossa resposta é esta: não é a mesma coisa chamar os doentes da alma à saúde e os que gozam boa saúde ao conhecimento e à ciência das coisas divinas. Também nós sabemos fazer esta distinção. A princípio, convidando os homens à cura, exortamos os pecadores que venham às doutrinas que ensinam a evitar o pecado, os fracos de espírito que abracem as doutrinas que clarificam a inteligência, as crianças que se eduquem elevando-se aos sentimentos viris, em suma, os infelizes à felicidade, mais precisamente, à bem-aventurança. E quando, entre os que exortamos, os que progridem se mostram purificados pelo Logos, levando enquanto possível vida melhor, nós os chamamos à iniciação perfeita, "pois é realmente de sabedoria que falamos entre os perfeitos" (1Cor 2,6) - Como ensinamos: "A Sabedoria não entra numa alma maligna, ela não habita num corpo devedor ao pecado" (Sb 1,4), também dizemos: "Quem tem mãos puras" e, por esta razão, ergue a Deus "mãos santas" (1Tm 2,8), e porque, oferecendo sacrifícios sublimes e celestes, pode dizer: "Suba minha prece como incenso em tua presença, minhas mãos erguidas como oferta vespertina" (Sl 140,2): que venha a nós! Quem tem a língua prudente, porque medita "dia e noite" a lei do Senhor, e "suas faculdades foram formadas pela prática no discernimento do bem e do mal" (cf Sl 1,2; Hb 5,14), não tenha receio de se achegar aos sólidos alimentos espirituais que convêm aos atletas da piedade e de todas as virtudes. E como "a graça de Deus está com todos os que amam com amor perene" (Ef 6,24) o Mestre que ensina a imortalidade, quem tem as mãos puras, não só de toda imundície, mas também das faltas consideradas como mais leves, que se faça iniciar corajosamente nos mistérios da religião de Jesus, que não são razoavelmente transmitidos senão aos santos e aos puros. O mysta de Celso pode dizer: "Aquele cuja alma não tem consciência de nenhum mal que venha"; mas aquele que, segundo Jesus, conduz os iniciados a Deus, dirá àqueles cuja alma está purificada: "Aquele cuja alma não tem consciência de nenhum mal há muito tempo, e principalmente desde que veio para se curar pelo Logos, que ouça também o que Jesus revelou em particular a seus verdadeiros discípulos". Assim, pois, no contraste que ele estabeleceu entre a iniciação dos gregos e a que os mestres dão da doutrina de Jesus, Celso não viu a diferença entre o convite dos maus à cura de suas almas e o convite dos homens já muito puros aos mais profundos mistérios. - Portanto, não é aos mistérios e à participação da sabedoria "misteriosa e oculta, que Deus, antes dos séculos, de antemão destinou para a glória" de seus justos (1Cor 2,7) que nós chamamos o injusto, o ladrão, o que fura muralhas, o que envenena, o que saqueia os templos, o que viola os túmulos, nem todos os outros entre os quais por extensão Celso pode ser incluído, mas à cura. Há na divindade do Logos aspectos que ajudam a curar os doentes de que ele fala: "Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes" (Mt 9,12); há outros que descobrem aos que são puros de corpo e espírito "a revelação de um mistério envolvido em silêncio desde os séculos eternos, agora, porém, manifestado e, pelos escritos proféticos e por disposição do Deus eterno foi manifestado agora pela Aparição de nosso Salvador, o Cristo Jesus" (Rm 16,25-26; 2Tm 1,10) que se manifestou a cada um dos perfeitos, iluminando seu espírito para conhecimento verídico das realidades. Mas, uma vez que, ampliando suas críticas contra nós, ele termina sua enumeração de vagabundos com esta alfinetada: "A quem mais um bandido citaria em sua confissão pública?", eu responderei: um bandido cita muitos de tais indivíduos para usar de sua perversidade contra os homens que ele deseja matar e espoliar; mas o cristão, ao citar os mesmos indivíduos que o bandido, lhes lança um convite diferente para atar suas feridas pelo Logos, e derrama na alma inflamada de males os remédios do Logos, que, como o vinho, o azeite, o leite e os outros medicamentos aliviam a alma. - Em seguida ele calunia nossas exortações orais ou escritas aos que vivem mal, convocando-os à conversão e à reforma de sua alma, e afirma que dizemos: Deus foi enviado aos pecadores. É mais ou menos como se criticasse alguns por dizerem: é pelos médicos que moram na cidade que um médico foi enviado a ela por um rei cheio de humanidade. Mas "o Deus Logos foi enviado" como médico "aos pecadores", como mestre dos divinos mistérios aos que, já puros, não pecam mais. Mas Celso, incapaz de fazer a distinção - pois não quis aprofundar - objeta: Por que não foi enviado aos que não têm pecado? Que mal existe em alguém não ter pecado? A isto eu respondo: se os que não têm pecado ele entende os que não pecam mais, nosso Salvador Jesus lhes foi enviado também a eles, mas não como médico; porém, se os que não têm pecado ele entende como os que jamais pecaram - pois não existe distinção em seu texto - direi que é impossível que exista nesse sentido um homem sem pecado, com exceção do homem que o espírito discerne em Jesus, "que não cometeu pecado" (1Pd 2,22) Portanto, Celso maldosamente nos atribui a afirmação: Se o injusto se humilhar no sentimento de sua miséria, Deus o acolherá; mas se o justo em sua virtude original erguer os olhos para ele, ele se negará a acolhê-lo. Com efeito, nós afirmamos que é impossível que um homem em sua virtude original erga seus olhos para Deus. Pois a malícia existe necessariamente primeiro no homem, como afirma Paulo: "Sobrevindo o preceito, o pecado reviveu e eu morri" (Rm 7,9-10). Além disso, nós não ensinamos que basta ao injusto se humilhar no sentimento de sua miséria para ser acolhido por Deus, mas que se ele se condenar por seus atos anteriores, e se caminhar humilde pelo seu passado e ordenado quanto ao futuro, Deus o acolherá. - Em seguida, ele não compreende o sentido da expressão: "Aquele que se exalta será humilhado" (Lc 14,11; 18,14), nem mesmo aprendeu de Platão que o homem ho-nesto caminha "humilde e ordenado", nem mesmo sabe que nós afirmamos: "Humilhai-vos sob a poderosa mão de Deus, para que na ocasião própria vos exalte" (1Pd 5,6), ele declara: Homens que presidem corretamente um processo não toleram que se deplorem as faltas com discursos de lamentação, para que a sua sentença não seja ditada pela piedade, mas pela verdade; Deus, portanto, não julga em função da verdade mas da bajulação. Que bajulação, que discurso com lamentações existe nas divinas Escrituras? O pecador diz em sua oração a Deus: "Confessei o meu pecado, e minha iniquidade não te encobri; eu disse: 'Vou ao Senhor confessar a minha iniquidade!' etc." (Sl 31,5) Pode ele provar que tal confissão de pecadores que se humilham diante de Deus em suas orações não é capaz de conseguir a conversão? Além disso, perturbado por seu ardor em acusar, ele se contradiz. Ora parece conhecer um homem sem pecado e justo que, em sua virtude original ergue seus olhos para Deus, ora aprova o que dizemos: "Como pode o homem ser justo, como pode o homem ser puro" (cf Jó 15,14; 25,4), pois exatamente se prova isto quando se afirma: Provavelmente é verdade que a raça humana tem propensão inata para pecar. Em seguida, como se todos os homens não fossem chamados pelo Logos, ele objeta: Seria então necessário chamar todos os homens sem exceção, se de fato todos são pecadores. Mostrei, porém, acima que Jesus disse: Vinde a mim todos os que estais cansados sob o peso do vosso fardo e eu vos darei descanso (Mt 11,28) Todos os homens, pois, "cansados sob o peso do fardo" por causa de sua natureza pecadora são chamados ao alívio junto do Logos de Deus, pois Deus enviou "seu Logos para curá-los, e da cova preservar a sua vida" (Sl 106,20) - Como ele prossegue: Por que então esta preferência dada aos pecadores? e acrescentando discursos do mesmo teor, responderei: o pecador absolutamente não é preferido acima de quem não tem pecado. Acontece que um pecador que tem consciência de sua falta, e por causa disso caminha para a conversão humilhando-se por seus pecados, é preferido acima daquele que é considerado menos pecador, e que, longe de se acreditar pecador, se exalta de orgulho por algumas qualidades superiores que julga possuir. É o que mostra a quem deseja ler com toda lealdade o evangelho na parábola do publicano, que diz: "Tem piedade de mim, pecador!", ao passo que o fariseu se vangloriava com orgulho perverso dizendo: "Ó Deus, eu te dou graças porque não sou como o resto dos homens, ladrões, injustos, adúlteros, nem como este publicano". Jesus concluiu suas palavras sobre os dois homens: "Ele desceu para sua casa justificado, o outro não. Pois todo o que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado" (Lc 18,13; 11,14) Por isso estamos longe de blasfemar a Deus e de mentir, ao ensinar a todo homem, qualquer que ele seja, a tomar consciência da pequenez humana comparada com a grandeza de Deus, e a pedir continuamente o que falta em nossa natureza junto àquele que é o único que pode preencher por nós as nossas insuficiências. - Ele acredita que dizemos isto para encorajar os pecadores, na impotência em que estaríamos de atrair qualquer homem realmente honesto e justo e que, por esta razão, abrimos as portas aos mais ímpios e aos mais depravados. Nós, porém, considerando com toda lealdade nossa assembleia, podemos apresentar um número maior de pessoas convertidas de uma vida não totalmente miserável do que as pessoas convertidas dos pecados mais depravados. De fato, é natural que aqueles que têm consciência de viver vida melhor desejem que nossa pregação a respeito da recompensa que Deus reserva aos melhores seja verídica, cuidam de acolher nossas palavras, mais do que aqueles cuja vida foi completamente desordenada; estes últimos são impedidos pela própria consciência de admitir que serão castigados pelo supremo juiz, com castigo proporcionado a seus crimes e aplicado segundo a reta razão pelo supremo juiz. Mas acontece às vezes que até pessoas muito depravadas, desejosas de admitir a doutrina do castigo, por causa da esperança prometida para o arrependimento, sejam impedidas pelo hábito do pecado: impregnadas pelo vício, não conseguem se livrar facilmente dele para levarem vida regrada de acordo com a reta razão. O próprio Celso compreendeu este fato quando, não sei porquê, afirma: Sem dúvida, é muito evidente para todos que aqueles que são naturalmente inclinados a pecar e têm este hábito, ninguém poderá mudá-los totalmente, nem mesmo castigando, muito menos ainda pela piedade. É muito difícil mudar radicalmente a natureza. Os que vivem infensos ao pecado têm como recompensa vida melhor. A conversão é possível - Também aí Celso me parece estar totalmente errado quando recusa àqueles que são naturalmente inclinados ao pecado e têm o hábito de pecar a possibilidade de mudança completa, pensando que eles não podem ser curados sequer com castigos. Com efeito, parece claro que nós, homens, somos todos naturalmente inclinados a pecar, e que alguns não só são inclinados a pecar, como também têm este hábito. Contudo, nem todos os homens são refratários à mudança completa. Toda escola filosófica e a divina Escritura nos ensinam que existem pessoas de tal maneira mudadas que são propostas como modelos de vida perfeita. Entre os heróis costumam ser citados Héracles e Odisseu, mais tarde Sócrates, ontem ou anteontem Musônio. Não é só segundo nosso parecer que Celso mentiu ao dizer que é evidente a todos que aqueles que são inclinados naturalmente a pecar e têm este hábito, ninguém poderá conduzi-los, nem mesmo com castigos, a mudança total para vida melhor. É também segundo o parecer dos filósofos de valor que não negam a possibilidade de o homem se converter para a virtude. Mas, embora seu pensamento não seja preciso, ao ouvi-lo sem opinião preconcebida, eu tampouco o convenceria de sustentar discurso insensato. Efetivamente ele disse que os que são naturalmente inclinados a pecar e têm este hábito ninguém poderá mudá-los totalmente, nem mesmo com castigos. E o sentido óbvio de seu texto eu o refutei do melhor modo que pude. - Mas eis o que provavelmente ele quis dizer: ninguém poderá mudar totalmente, nem mesmo com castigos, os que são inclinados não só a estes crimes cometidos pelos mais depravados, mas também têm este hábito. É igualmente uma mentira, como demonstra a história de certos filósofos. Acaso não seria posto na categoria dos mais depravados dos homens quem aceitasse de certo modo obedecer a um mestre que o tivesse posto num lugar mau para acolher a quem pretendesse manchá-lo? E é o que a história refere de Fédon. Como não qualificar como o mais celerado dos homens aquele que, com tocadora de flauta e outros convivas, seus companheiros de orgia, penetrou na escola do venerável Xenócrates, para insultar um homem admirado por seus amigos? Pois bem, a razão teve muita força para converter aqueles homens e fazê-los realizar tais progressos em filosofia de tal modo que o primeiro foi julgado digno por Platão de reproduzir o discurso de Sócrates sobre a imortalidade e descrever seu vigor de alma na prisão, quando, em vez de se preocupar com a cicuta, desenvolvia sem medo com toda a serenidade de alma considerações de tal profundidade que até os mais ponderados a quem nenhuma distração perturba têm dificuldade em segui-las. O próprio Polemão passou da libertinagem à extrema temperança e recebeu em sua escola a herança de Xenócrates, célebre por sua dignidade. Celso, portanto, não diz a verdade em seu discurso afirmando que ninguém poderá mudar totalmente, nem mesmo com castigo aqueles que são naturalmente inclinados a pecar e têm este hábito. - Por outro lado, não causa admiração que a ordem, a composição, a elocução destes discursos filosóficos tenham produzido estes resultados nos que foram citados e em outros cuja vida fora má. Mas considerando que os discursos que Celso qualifica de vulgares estão cheios de poder à maneira dos encantamentos, vendo estes discursos converterem incontáveis multidões das desordens à vida mais regrada, injustiças em honestidade, timidez e covardia em firmeza levada até ao desprezo da morte pela religião que eles acreditavam verdadeira, quantas justas razões temos para admirar o poder deste discurso! Pois "o discurso" daqueles que, na origem, passaram este ensinamento e trabalharam para estabelecer as igrejas de Deus, bem como sua "pregação" tiveram poder persuasivo, bem diferente da persuasão própria dos que alardeiam a sabedoria de Platão ou de outro filósofo que, sendo homens, nada mais tinham senão natureza humana. A demonstração que os apóstolos de Jesus usavam fora dada por Deus e tirava sua força de persuasão de "Espírito e poder" (1Cor 2,4) Vêm daí a rapidez e a penetração com a qual sua palavra se propagou, ou melhor a de Deus, que por meio deles mudou grande número dos que eram naturalmente inclinados a pecar e tinham este hábito. E os que nenhum homem teria mudado, nem mesmo com castigo, o Logos os recriou, formando-os e modelando-os segundo sua vontade. - Na lógica de seus princípios, Celso afirma que é muito difícil mudar radicalmente a natureza. Mas sabemos que as almas racionais todas têm a mesma natureza; sustentamos que nenhuma foi feita má pelo Criador do universo, mas que muitos homens se tornaram maus por causa da educação, da perversão, do seu ambiente humano, que fazem da malícia uma disposição natural em certas pessoas; estamos persuadidos de que não só é possível, mas também de que não é muito difícil ao Logos divino mudar a malícia que se tornou natural; a única condição é admitir que é preciso entregar-se ao Deus supremo e fazer tudo para agradá-lo. Junto dele não é verdade que: "a mesma estima espere o covarde e o bravo" nem espere "a mesma morte, o homem que nada faz e o autor de mil proezas". E se para alguns é muito difícil mudar, devemos dizer que a causa está na sua vontade que não quer admitir que o Deus supremo é para cada pessoa o justo juiz de todas as ações de sua vida. Pois, para a realização de ações que parecem muito difíceis, e, falando hiperbolicamente, quase impossíveis, a livre determinação e o exercício são meios poderosos. Será que a natureza humana quer andar em cima de uma corda estendida no ar no meio do teatro e carregando fardos pesados? Ela poderá, pelo exercício e pela aplicação, realizar este tipo de proeza. E se ela quisesse viver na virtude, acaso não poderia, ainda que tivesse sido antes muito corrompida? Considera, além disso, ter-se criado a natureza do homem capaz de ações tão difíceis e sem nenhuma utilidade, mas impotente diante de sua própria bem-aventurança não é mais injurioso à Natureza que cria o ser racional do que ao ser criado; mas basta como resposta à sua reflexão de que é muito difícil mudar radicalmente a natureza. Em seguida ele diz que aqueles que não têm pecado têm como quinhão uma vida melhor, sem indicar claramente se aqueles que ele considera sem pecado assim o são desde a origem ou desde sua conversão. Mas, eles não podem ser isentos de pecado desde a origem. Raramente encontramos pessoas sem pecado desde a conversão, e quando isto acontece, é porque tiveram acesso à doutrina que salva. Mas não são livres de pecado no momento de abraçar a doutrina; pois, sem esta doutrina em sua perfeição, é impossível que alguém viva sem pecado. - Em seguida, ele responde previamente a uma afirmação que nos faz: Deus poderá tudo. Não compreende o que se quer dizer, nem o que significa "tudo", nem o sentido de "ele pode". Não precisamos nos deter neste ponto, pois, embora ele pudesse fazê-lo de maneira plausível, não insistiu: talvez não tenha compreendido o argumento plausível que poderia ser oposto a esta afirmação, ou se o compreendeu, ele quis a resposta à objeção. Mas, de acordo com nossa posição, Deus pode tudo o que ele pode fazer sem deixar de ser Deus, ser bom, ser sábio. Celso, como se não tivesse compreendido em que sentido se diz que Deus pode tudo, declara: Ele não há de querer nada de injusto, fazendo crer que ele pode até o injusto, mas não o quer. Nós, ao contrário, dizemos: assim como uma coisa adoçante por natureza pela doçura que possui não pode amargar, contrariando a sua única propriedade, nem uma coisa luminosa por natureza, porque é luz, não pode causar escuridão: assim Deus tampouco pode cometer a injustiça, pois o poder de cometer injustiça é contrário à sua divindade e à sua onipotência divina. Mas se um ser pode cometer a injustiça por uma propensão natural à injustiça, ele pode cometer a injustiça porque sua natureza não implica a impossibilidade absoluta de cometer a injustiça. - A seguir, ele admite o que os cristãos ponderados não concedem, mas que alguns idiotas sustentam: Semelhante àqueles cuja piedade escraviza, dominado pela piedade por aqueles que se lamentam, Deus conforta os maus e rejeita os bons que nada disso fazem: é o cúmulo da injustiça. Nós, porém, afirmamos que Deus não conforta nenhum mau que ainda não se tenha convertido para a virtude e não rejeita nenhum homem que já é bom. Além disso, ele não conforta nenhuma pessoa que se lamenta por se lamentar, nem tem piedade dela, tomando a expressão no sentido ordinário. Mas os que se condenam severamente a si mesmos por seus pecados, até chorarem e se lamentarem por sua ruína devida aos seus delitos passados, e que manifestam mudança notável, Deus os acolhe por causa de sua conversão, ainda que venham de vida depravada. Pois a virtude que entra na alma expulsa a malícia que a dominava e causa o esquecimento em tais pessoas. E, na falta da virtude, se um progresso notável ocorre na alma, também este basta, à medida que é progresso, para expulsar dela a malícia e secar-lhe a fonte, embora esta já quase não exista na alma. Os mestres da doutrina - Prosseguindo, como se fora da boca de nosso mestre de doutrina, ele diz: Os sábios rejeitam o que dizemos, desorientados e embaraçados em sua sabedoria. Também a isto responderei: se é verdade que "a sabedoria" é a ciência "das coisas divinas e humanas" e de suas causas, ou como a define a palavra divina: "Ela é eflúvio do poder de Deus, uma emanação puríssima da glória do Onipotente, pelo que nada de impuro nela se introduz. Pois ela é reflexo da luz eterna, espelho nítido da atividade de Deus e imagem de sua bondade" (Sb 7,25-26), jamais o verdadeiro sábio rejeitará o que diz o cristão que tem conhecimento verdadeiro do cristianismo, nem ficará desorientado e embaraçado pela sabedoria. Pois a verdadeira sabedoria não desorienta, e sim a ignorância, e a única realidade sólida é a ciência e a verdade que provêm da sabedoria. Se, ao contrário da definição da sabedoria, damos o nome de sábio ao que sustenta por meio de sofismas qualquer opinião, admitiremos que aquele que esta pretensa sabedoria qualifica rejeita as palavras de Deus, por estar desorientado e embaraçado por razões sutis e sofismas. Mas, de acordo com nossa doutrina, "o conhecimento do mal não é sabedoria" (Sb 19,22); "o conhecimento do mal", por assim dizer, reside os que sustentam opiniões falsas e são enganados por sofismas; por isso direi que ela é entre eles ignorância e não sabedoria. - Depois disso, ele insulta novamente o pregador do cristianismo, censurando-o por expor coisas ridículas, porém sem designar nem estabelecer claramente o que ele entende por coisas ridículas. Ele continua seus insultos: Nenhum homem sensato crê nesta doutrina da qual o afasta a multidão de seus adeptos. Isto equivale a dizer: por causa da multidão de pessoas simples que se deixavam levar por suas leis, nenhum homem sensato obedece, por exemplo, a Sólon, Licurgo, Zaleuco ou qualquer outro legislador, sobretudo se entendemos como homem sensato o homem virtuoso. Com efeito, nestes exemplos, os legisladores realizaram o que lhes pareceu benéfico, protegendo seus povos com disciplina e leis particulares; da mesma forma Deus, legislando em Jesus pelos homens de todas as partes, conduz até os que não têm bom senso, enquanto é possível conduzi-los ao que é melhor. Assim era seu pensamento, como ficou dito acima, quando declara pela boca de Moisés: "Provocaram meu ciúme com um deus falso, e me irritaram com seus ídolos vazios; pois vou provocar seu ciúme com uma nação idiota!" (Dt 32,21) Era este igualmente o pensamento de Paulo: "Mas o que é loucura no mundo, Deus o escolheu para confundir os sábios" (1Cor 1,27), chamando sábios no sentido amplo todos os que seu aparente progresso nas ciências não impediu de naufragar no politeísmo ateu, pois, "jactando-se de possuir a sabedoria, tornaram-se tolos e trocaram a glória do Deus incorruptível por imagens do homem corruptível, de aves, quadrúpedes e répteis" (Rm 1,22-23) - Ele acusa ainda o mestre de procurar os idiotas. Poderíamos responder-lhe: a quem chamas idiotas? No rigor do termo, qualquer pessoa má é idiota. Se, portanto, chamas idiotas os maus, será que tu, conquistando homens para a filosofia, procuras angariar maus ou bons? Mas não pode ser bons, eles já são filósofos; são então maus; mas se eles são maus, são idiotas. E tu procuras conquistar muitos deles para a filosofia: portanto, também tu procuras os idiotas. Para mim, ainda que eu procure os que tu chamas idiotas, eu ajo como médico generoso que procura doentes para lhes administrar remédios e fortalecê-los. Mas se chamas idiotas as pessoas de espírito superficial e extravagantes entre todos, responderei que também a estes procuro convertê-los em melhores, enquanto depender de mim, sem porém querer constituir com eles a assembleia dos cristãos. Procuro antes os espíritos vivos e penetrantes porque são capazes de seguir a elucidação dos enigmas e dos significados ocultos da lei, dos profetas e dos evangelhos, que desprezaste como se não contivessem nada de válido, por não ter examinado o sentido que eles encerram e tentado penetrar na intenção dos escritores. - E acrescenta: Quem ensina a doutrina cristã se parece com quem promete a cura dos corpos dissuadindo as pessoas de consultar os médicos competentes, temendo ser convencido por eles de sua ignorância. Revidamos: quais são, na tua opinião, os médicos dos quais desviamos as pessoas simples? Certamente não admites que nossa exortação a abraçar a doutrina se dirija aos filósofos por acreditar que eles sejam os médicos dos quais dissuadimos os que chamamos à doutrina divina? Assim, ou ele não responde, incapaz de designar os médicos em questão, ou deve limitar-se aos simples que também celebram servilmente o culto dos múltiplos deuses e repetem todos os erros vulgares. Dessa forma, nos dois casos, será convencido de ter evocado inutilmente aquele que dissuade os pacientes dos médicos competentes. E se desviássemos da filosofia de Epicuro e de seus adeptos os pretensos médicos epicureus, vítimas de seus embustes! Não seria acaso um ato muito sensato afastá-los da grave doença inoculada pelos médicos de Celso que leva a negar a Providência e a apresentar o prazer como o bem? Suponhamos que afastemos dos outros médicos filósofos aqueles que nós atraímos à nossa doutrina: peripatéticos, por exemplo, que negam a Providência que cuida de nós e a relação entre os homens e Deus; não seria de nossa parte ato de piedade preparar e curar os que atraímos, persuadindo-os a se consagrarem ao Deus supremo, e libertando das feridas profundas causadas pelas doutrinas dos pretensos filósofos os que tivermos persuadido? E mais, digamos que desviemos outros dos médicos estoicos, que apresentam um deus corruptível, dão-lhe essência corporal, capaz de mudança integral, de alteração, de transformação, e pensam que um dia tudo deverá acabar e Deus subsistirá sozinho; como não desviar de doutrinas tão perniciosas os que acreditam em nós, e não os conduzir à piedosa doutrina que lhes ensina a adoração do Criador, o espanto diante do autor do dogma dos cristãos, que, em seu amor extremo pelos homens, realiza sua conversão e cuidou de divulgar suas instruções para as almas em todo o gênero humano? Ainda que curemos os contagiados pela loucura da metensomatose, ensinada por médicos que rebaixam a natureza racional ora até ao nível da natureza privada de razão, ora até ao nível daquela que está despida de representação, acaso não convertemos em melhores as almas dos que acreditam em nossa doutrina? Porque ela não ensina que o mau sofrerá como castigo a perda da sensibilidade ou da razão; ela demonstra que os sofrimentos e os castigos infligidos por Deus aos maus são remédios para produzir a conversão. Eis o que pensam os cristãos inteligentes, ainda que o adaptem aos mais simples, como fazem os pais com seus filhos pequenos. Pois de modo algum nos refugiamos entre néscios e estúpidos caipiras dizendo a eles: Fugi dos médicos, nem dizemos: Vigiai a fim de que nenhum de vós adquira ciência; tampouco afirmamos que a ciência é má, nem enlouquecemos, para dizer que o conhecimento faz com que os homens percam a sanidade mental. Pelo contrário, afirmo, nem teríamos dito estar perdido na sabedoria quem quer que seja, nem Inclinai-vos a mim, quando ensinamos, e sim: ao Deus do Universo inclinai-vos e ao mestre de seu estudo, Jesus. Mas nenhum de nós é de tal forma charlatão para que justamente Celso, preocupado com a pessoa do aluno, diga aos conhecidos: Eu vos salvarei sozinho. Repara, pois, o quanto ele nos calunia. Porém, de modo algum afirmo que os verdadeiros médicos corrompem aqueles a quem prometem tratar. - Ele aduz segundo exemplo contra nós, e afirma que aquele que ensina nossa doutrina se conduz como homem ébrio no meio de ébrios, acusando as pessoas sóbrias de estarem em estado de embriaguez. Que demonstre então, de acordo com os escritos de Paulo, por exemplo, que o apóstolo de Jesus estava ébrio e que suas palavras não eram as de um homem sóbrio, ou conforme os escritos de João, que seus pensamentos não respiram temperança perfeita muito distante da embriaguez do mal! Portanto, nenhum homem moderado que ensina a doutrina cristã é ébrio, e é injúria de Celso indigna de filósofo. E Celso que nos diga que pessoas sóbrias acusamos nós, nós que somos os pregadores da doutrina cristã! Para nós, ébrios são todos os que se dirigem a coisas inanimadas como a Deus. Que digo eu: eles são ébrios? Melhor dizendo, são loucos os que correm aos templos para adorar como deuses as estátuas e os animais. E não são menos loucos os que imaginam que são feitos para o culto dos deuses verdadeiros os objetos fabricados pelos artesãos, às vezes os mais vis dentre os homens. - Depois disso, ele equipara o mestre a homem que sofre das vistas e os discípulos a pessoas que sofrem das vistas e declara: Este homem diante das pessoas que sofrem das vistas acusa de cegueira aqueles cuja visão é penetrante. Quais são então as pessoas de vistas doentes segundo nós senão as que, da imensa grandeza das coisas que existem no mundo e da beleza da criação, são incapazes de erguer os olhos e ver que é preciso adorar, admirar e venerar somente aquele que as fez, e que, por outro lado, não podemos venerar como convém nada do que é fabricado entre os homens e utilizado no culto dos deuses, nem sem o Deus Criador, nem mesmo com ele? Comparar o que absolutamente não pode ser comparado com aquele que ultrapassa com superioridade infinita toda natureza criada é o que fazem as pessoas que sofrem de cegueira de espírito. Não dizemos que aqueles que têm vista penetrante têm os olhos doentes ou são cegos, mas que aqueles que, por não conhecerem a Deus se apegam a templos, a imagens, "às festas de cada mês", são cegos de espírito; o que é verdade, sem dúvida, quando acrescentam à sua impiedade uma vida na devassidão, jamais procuram praticar qualquer ato honesto, mas apenas ações vergonhosas. - Em seguida, depois de tantas injúrias contra nós, querendo mostrar que ele poderia formular outras, mas as silencia, assim se expressa: Estas são as minhas acusações, e outras semelhantes para não enumerar todas. Afirmo que elas são ofensas e insultos a Deus para atrair pessoas perversas com vãs esperanças e persuadi-las insidiosamente a desprezar bens superiores, sob pretexto que terão a ganhar se delas se abstiverem. Podemos responder-lhe: vendo os que entram para o cristianismo, constatamos que não são pessoas perversas atraídas pela doutrina, mas simples ou - como se diria vulgarmente - rudes. O temor dos castigos anunciados os leva e encoraja a se absterem dos atos que os tornam deles merecedores. Eles procuram se dedicar à piedade que o cristianismo lhes ensina, deixam-se vencer pela doutrina até desprezar, por medo dos castigos que esta doutrina chama eternos, qualquer tipo de tortura imaginada contra eles pelos homens, e a morte no meio de tormentos inúmeros: nenhum homem sensato veria nisto conduta inspirada por motivos perversos. Como, por algum motivo perverso, alguém praticaria a temperança e a sobriedade, a liberalidade e a bondade? Não se teria sequer o temor de Deus, que a Escritura recomenda como útil às multidões, aos que são ainda incapazes de contemplar o que merece por si mesmo ser escolhido, e de escolhê-lo como o bem supremo que ultrapassa toda promessa: este temor não pode nascer naquele que escolheu vida perversa. - Talvez se imagine que exista aí mais superstição do que perversão com relação à totalidade daqueles que acreditam na doutrina, e nossa doutrina será acusada de criar supersticiosos. Responderemos com a palavra do legislador a quem se perguntava se ele tinha dado a seus concidadãos as melhores leis: não as melhores absolutamente, mas as melhores que eles podiam receber. Assim o fundador do cristianismo poderia dizer: eu instituí as melhores leis e o melhor ensino que as multidões podiam receber para a correção de seus costumes, ameaçando os pecadores de penas e castigos não mentirosos, mas verdadeiros, necessariamente infligidos para a reforma dos pecadores obstinados, ainda que eles não compreendam absolutamente a intenção daquele que castiga nem o efeito de suas penas. Esta doutrina é benéfica, quer seja expressa em sua verdade às claras, quer, se for útil, em sua forma velada. Mas, em geral, não são as pessoas perversas que os pregadores do cristianismo atraem, e não insultamos a Deus: não dizemos a seu respeito senão o que é verdadeiro e parece claro ao povo, embora não sejam coisas menos claras para ele do que para a elite exercitada em compreender filosoficamente as doutrinas cristãs. - Como Celso critica os cristãos por se deixarem atrair por vãs esperanças, responderei a seus ataques contra a doutrina da vida bem-aventurada e da comunhão com Deus: então, de acordo com o que dizes, meu caro, são atraídos por vãs esperanças os que aceitaram a doutrina de Pitágoras e de Platão sobre a alma naturalmente feita para subir até a abóbada do céu, e num lugar supraceleste contemplar os mesmos espetáculos que os bem-aventurados. E conforme pensas, Celso, também são atraídos por esperanças vãs os que, tendo admitido a sobrevida da alma, vivem para serem heróis e partilharem do convívio dos deuses. E provavelmente, até os que estão persuadidos que o espírito que vem "de fora" é imortal e o único a sobreviver, nas palavras de Celso, são atraídos por vãs esperanças. Venha, pois, sem esconder mais a que seita pertence, mas declarando-se epicureu, venha combater as razões sólidas dadas entre os gregos e os bárbaros sobre a imortalidade da alma e a sobrevida, ou sobre a imortalidade do espírito. Prove que são razões que enganam com vãs esperanças os que as admitem; ao passo que as razões de sua própria filosofia, em vez de vãs esperanças, ou inspiram boas esperanças ou, o que é mais conforme com seus princípios, não inspiram nenhuma esperança, uma vez que a alma sofre destruição imediata e total. A não ser que Celso e os epicureus recusem considerar como vã a esperança de seu fim, o prazer, que para eles é o bem supremo, e é tão-somente o equilíbrio sadio do corpo e a confiança tranquila que nele deposita Epicuro. - Que ninguém suspeite que eu esteja em desacordo com a doutrina cristã quando mobilizei contra Celso os filósofos partidários da imortalidade e da sobrevida da alma: temos com eles posições comuns. Provarei, oportunamente, que a vida bem-aventurada futura pertencerá somente aos que adotaram a religião de Jesus, e uma piedade diante do Criador do universo absolutamente pura e sem mistura com o que quer que seja de criado. Mas que bens superiores persuadimos insidiosamente os homens que desprezem? Mostre-o quem quiser! E compare com eles este fim bem-aventurado, conforme nossa fé, junto de Deus em Cristo, isto é, o Logos, a Sabedoria e toda virtude, este fim que caberá a todos os que viverem de maneira pura e irrepreensível e receberem o amor sem divisão nem separação do Deus do universo, este fim concedido por dom de Deus! Compare este fim com o fim que cada escola filosófica propõe entre os gregos e os bárbaros, ou prometido pelos mistérios! Mostre que o fim apresentado por um dentre eles é superior ao nosso, que é concepção conveniente porque é verdadeira, ao passo que a nossa não convém nem ao dom de Deus, nem àqueles cuja vida foi virtuosa; ou então que ela não foi revelada pelo Espírito divino que tinha inundado a alma pura dos profetas! Mostre quem quiser que doutrinas reconhecidas por todos como perfeitamente humanas são superiores as que são demonstradas como divinas e proclamadas por inspiração divina! Mas quais são os bens superiores que valem a pena as pessoas deles se absterem, segundo o que poderíamos afirmar? Efetivamente, sem nenhuma pretensão de orgulho, logo se evidencia que nada podemos conceber de superior no ato de nos confiarmos ao Deus supremo e de nos entregarmos ao ensino que nos desapega de tudo o que é criado para nos conduzir ao Deus supremo, pelo Logos animado e vivo, que também é Sabedoria viva e Filho de Deus. Mas como o terceiro livro de minha resposta ao tratado de Celso chega neste momento a uma dimensão suficiente, suspendo aqui a argumentação para combater na sequência suas objeções ulteriores..

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