Laboratorio De Analises Clinicas Unimed Caxias Do Sul

Morrisville State College - Apologia contra os livros de Rufino Por São Jerõnimo SEGUNDO LIVRO Primeira parte: Refutação da Apologia de Rufino a Anastásio -- Até aqui, é a propósito dos meus crimes, ou antes a favor dos meus crimes, aqueles que um panegirista enganador atirou contra mim e que seus discípulos denunciam com grande assiduidade, que, contendo meu sofrimento, não como eu devia, mas como eu podia, eu respondi. Minha intenção, com efeito, não é tanto acusar a outrem quanto defender-me. Eu voltarei também à sua apologia, na qual ele se esforça em satisfazer a Anastásio, santo bispo da cidade de Roma, e, para defender-se, é contra mim novamente que ele trama uma calúnia; ele me ama tanto que, arrastado por um turbilhão e mergulhado no abismo, ele me agarra o pé acima de tudo, com a finalidade de salvar-se ou perder-se comigo. -- Ele diz que responde primeiramente aos rumores pelos quais é dilacerada sua fé, na cidade de Roma, de que tanto deu provas tanto na fé quanto na caridade de Deus; a não ser que, tendo sido restituído a seus pais, depois de trinta anos, ele não quisesse separar-se daqueles que ele tinha revisto tão tardiamente, para não ser considerado desumano ou cruel; e que, fragilizado pelo cansaço de tão longa viagem, não pudesse, por sua fraqueza, redobrar suas fadigas, ele teria querido vir pessoalmente. Que, por não tê-lo feito, ele enviou contra os seus ladradores o cajado das suas cartas que o outro pudesse segurar com a mão direita e enxotar os cães que se enraivecem contra ele. Se sua fé e seu amor de Deus foram provados perante todos e, ainda mais, para aquele bispo a quem escreve, de que modo, em Roma, aflige-se-lhe e dilacera-se-lhe e propaga-se o rumor de sua reputação atingida? Então que humildade há em dizer que sua fé e amor de Deus foram experimentados, quando os apóstolos pedem: "Senhor, aumenta em nós a fé", e eles têm como resposta: "Se tiverdes fé do tamanho de um grão de mostarda...", e que ao próprio Pedro se diz: "Homem de pouca fé, por que duvidaste?" Que dizer da caridade, que é maior que a esperança e a fé e que Paulo almeja mais do que disto se prevalece, sem a qual o sangue derramado no martírio e o corpo entregue às chamas não obtêm a coroa dos prêmios? Ele reivindica para si uma e outra destas a ponto de ter, ainda assim, ladradores em seu encalço, que, se o cajado de um pontífice ilustre não os repele, não cessariam de ladrar. O que é, de fato, ridículo é que ele se gaba de ter retornado à casa de seus pais após trinta anos, este homem que não tem mais pai nem mãe, e, em sua velhice, sente falta dos que morreram e que ele deixou vivos quando jovem. A não ser que, por acaso, ele chame de "pais" aos que, segundo a linguagem militar ou vulgar, têm com ele parentesco consanguíneo e de afinidade, os quais não deseja deixar, de modo que não o considerem desumano ou cruel; por esta razão, tendo deixado sua pátria, mora em Aquileia. Em Roma, sua fé, que tantas provações sofreu, está exposta a riscos e este, derrubado e cansadinho depois de trinta anos, não pode de carro vir pelo itinerário suavíssimo da Estrada Flamínia; e assim ele alega a lassidão de uma longa viagem, como se tivesse corrido sem cessar desde trinta anos atrás, ou que, apesar de sua permanência de dois anos em Aquileia, o cansaço de sua viagem passada o tenha esgotado. -- Passemos ao que resta e citemos as próprias palavras de sua epístola: "Ainda que nossa fé tenha sido, em consequência disto, colocada à prova, no tempo da perseguição aos hereges, quando vivíamos na santa Igreja de Alexandria, nas prisões e exílios que eram suportados pela fé..." Eu me admiro que ele não tenha acrescentado: "acorrentado por causa de Jesus Cristo" e "Fui libertado da fauce do leão", e em Alexandria: "lutei contra as feras", e "Terminei minha carreira, guardei a fé, resta para mim a coroa da justiça". Que diabo de exílios, quais são estas prisões de que ele fala? Escandalizo-me com mentira tão manifesta. Como se as prisões e os exílios fossem decretados sem as sentenças dos juízes. Quero, porém, certificar-me destas prisões e de quais províncias ele diz ter sofrido o exílio. E certamente ele tem a possibilidade, entre inúmeras prisões e exílios infinitos, de citar algum nome. Que ele manifeste a nós os atos de sua confissão de fé, de que, até o momento presente, não tomamos conhecimento, de modo que, entre outros mártires de Alexandria, nós possamos fazer leitura de suas façanhas também e que, contra seus ladradores, ele possa responder: "De resto, que ninguém me seja importuno; pois eu trago em meu corpo os estigmas de Nosso Senhor Jesus Cristo". -- "Se, pois, há alguém que, ainda agora deseja experimentar nossa fé ou ouvir ou aprender, que ele saiba que assim acreditamos a respeito da Trindade" etc. Acima de tudo estendes ao bispo um cajado contra os cães que te atacam, com o qual o bispo armado possa avançar em teu lugar. Agora, como se duvidando, dizes: "Se há alguém que deseja experimentar nossa fé". Tua dúvida repousa em um só, quando até ti chegam os latidos de muitos. Não deslindo no momento as tuas expressões, que até tu desprezas e desdenhas; minha resposta se orientará apenas pelo sentido. Algo é indagado a ti e tu te justificas por outra coisa. Combateras já contra as doutrinas de Ário nas prisões e exílios de Alexandria, não com a voz, mas com o sangue. Agora a calúnia se desencadeia contra ti a respeito da heresia de Orígenes. Não quero que cuides das partes sadias, mas que trates as que estiverem feridas. Tu dizes que a Trindade constitui uma única divindade, quando o mundo todo já o crê. Eu penso que até os demônios confessam que o Filho de Deus nasceu de uma virgem e assumiu a carne e a alma da natureza humana. Se meu interrogatório se faz mais rigoroso, tu chamarás o rábula. Tu dizes que o "Filho de Deus assumiu a carne e a alma da natureza humana". A ti rogo que respondas sem indignação. Esta alma que Jesus assumiu existia antes que ele nascesse de Maria? Ou então a alma que nascia do Espírito Santo, ela foi criada ao mesmo tempo com o corpo, quando da concepção virginal? Ou ainda, desde que o corpo foi formado no ventre, ela foi criada e enviada do céu? Das três opiniões eu desejo saber qual é a tua. Se ela existiu antes que ele nascesse de Maria, ela não era ainda a alma de Jesus e tinha alguma atividade e é por causa dos méritos das suas virtudes que essa alma tornou-se depois a sua alma. Se ela começou a existir por transmissão, só há uma única condição para as almas humanas, cuja eternidade reconhecemos, e os seres estúpidos que se dissolvem com seu corpo. Se, pelo contrário, a alma é criada e enviada desde que o corpo é formado, reconhece-o com simplicidade e livra-nos da inquietação. -- Nada destas coisas falas, mas ocupado com outras coisas, tu abusas de nossa simplicidade e não permites que nos detenhamos na questão pela impostura e pompa das palavras. Pois quê, dirás, a questão não tem por objeto a ressurreição da carne e os castigos do diabo? Com isso estou de acordo. Responde, pois, breve e claramente. Não coloco em questão o que escreves: "que a mesma carne, na qual vivemos, ressurge sem amputação de nenhum membro nem supressão de qualquer parte do corpo", (Estas são, na verdade, tuas próprias palavras). Mas eu pergunto, e Orígenes o nega, se os corpos ressuscitam com o mesmo sexo com o qual morreram e, se Maria ressuscita como Maria e João como João, ou como a mistura e a confusão dos sexos, não haja nem homem nem mulher, mas que haja um e outro ou nenhum dos dois. E se os mesmos corpos permanecem para sempre incorruptíveis e imortais e, como astuciosamente nos advertes, conforme o Apóstolo, espirituais; e não somente os corpos, mas as carnes e o sangue derramado nas veias e irrigando os ossos, o que Tomé tocou; ou, pelo menos, pergunto se estes corpos se reduzem paulatinamente a nada e são reconduzidos aos quatro elementos de cuja reunião eles foram formados. Eis o que deverias ter afirmado ou negado, e não dizer aquilo que Orígenes perfidamente declara - de modo que parecesses brincar com tolos e crianças, "com nenhuma amputação de membros nem da supressão de qualquer parte do corpo..." Naturalmente, tivemos medo de ressuscitar sem nariz e ouvidos e, com os genitais amputados e separados, construir uma cidade de eunucos na Jerusalém celeste! -- Em seguida, ele modera suas palavras a respeito do diabo: "Nós declaramos também que haverá igualmente um julgamento, e que, quando deste julgamento, cada um receberá segundo o que fez em sua vida corporal, sejam as boas, sejam as más obras. Porque, se os homens hão de ser retribuídos segundo suas obras, quanto mais o diabo que a todos manifestou-se como causa do pecado! O que sentimos a respeito dele é conforme aquilo que está escrito no Evangelho, ou seja, também o diabo e todos os seus anjos, com aqueles que fazem as suas obras, isto é, aqueles que incriminam seus irmãos, entrarão em posse igualmente com ele da herança do fogo eterno. Se, pois, alguém nega que o diabo seja adjudicatário das chamas eternas, que receba com ele sua parte do fogo eterno, a fim de que experimente o que negou". Retomemos cada ponto: "Nós declaramos, ele diz, que haverá um julgamento e que, quando deste julgamento..." Eu havia decidido calar-me sobre os defeitos verbais, mas, como seus discípulos admiram a eloquência do mestre, tocarei poucas palavras. Ele dissera "julgamento futuro", mas, como homem precavido, temeu dizer somente "quando" e colocou "quando deste julgamento", de modo que nós, esquecidos das palavras anteriores, não pensássemos em "asno", caso não tivesse repetido "julgamento" pela segunda vez. O que ele introduz também em seguida: "Aqueles que incriminam seus irmãos, com o diabo entrarão em posse da herança do fogo eterno", contém a mesma graça. Quem alguma vez ouviu "tomar posse das chamas" e "usufruir dos suplícios"? Mas, como homem grego que é, parece-me que ele quis traduzir a si próprio e, em vez da expressão "kleronomesousin" que é usada entre os gregos, e que entre nós pode ser usada com um único vocábulo "eles herdarão", ele empregou uma expressão mais trabalhada e mais ornamentada "entrarão em posse da herança". Todo o seu discurso está cheio de frivolidades e impropriedades deste gênero. Mas voltemos ao conteúdo. -- O diabo é ferido com terrível lançada, "aquele que a todos manifestou-se como causa do pecado", se, como os homens, deve prestar contas de suas obras e, com seus anjos,"tomar posse da herança do fogo eterno"! Só faltava, pois, essa: que ele, uma vez estando os homens submetidos ao suplício, ele não tomasse posse das chamas pelas quais, por tanto tempo, havia suspirado! E tu me pareces fazer calúnia ao diabo nesta passagem e acusar o acusador de todos de falsos crimes. Tu dizes, pois: "aquele que se manifestou a todos como causa do pecado" e enquanto imputas sobre ele os crimes, tu libertas os homens da sua culpabilidade e retiras-lhes o poder do livre-arbítrio, quando o Salvador diz que de nosso coração saem os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as fornicações, os furtos, os falsos testemunhos, as blasfêmias; e nós lemos de novo sobre Judas em seu Evangelho: "depois do bocadinho, entrou nele Satanás", porque, antes do bocadinho, ele havia pecado voluntariamente e não se inclinou ao arrependimento nem pela humildade nem pela clemência do Salvador. E por essa razão, diz o Apóstolo: "Eu os entreguei a Satanás para que aprendam a não blasfemar"; e em outra passagem: "Eu entreguei a Satanás para a ruína da carne desta espécie de homens, para que o espírito seja salvo". Entregou-os a Satanás, como a um carrasco para puni-los, aqueles que, antes que fossem entregues, haviam blasfemado por vontade própria. E Davi disse: "Purifica-me, Senhor, das minhas faltas ocultas e poupa teu servo das alheias", designando brevemente tanto o desvio de sua vontade e os aguilhões dos seus vícios. Nós lemos também no Eclesiastes: "Se o espírito daquele que tem o poder de subir até o teu coração, não abandones teu lugar". De onde se mostra claramente que, se dermos lugar àquele que sobe, nós teremos pecado por ter dado lugar ao que escala nossos muros, não teremos empurrado o inimigo que cai de cabeça para baixo. Porque amaldiçoas a teus irmãos, isto é, àqueles que te acusam, às chamas eternas com o diabo, não me pareces tanto esmagar teus irmãos quanto aliviar o diabo, visto que o diabo há de ser punido com as mesmas chamas com as quais serão punidos os homens cristãos. Quanto ao que se refere às chamas eternas, penso que o que Orígenes costuma entender por isto não te escapa, a saber, a consciência que se tem de seus pecados, e o arrependimento que queima o íntimo do coração, segundo o que diz Isaías: "o verme deles não morrerá e o fogo deles não será apagado"; e contra Babilônia foi escrito: "tu tens carvões ardentes, e sentar-te-ás sobre eles e eles serão para ti úteis"; e que se ouça o penitente dizer em um salmo: "o que se deve dar a ti ou acrescentar-te contra a língua astuciosa? As flechas agudas do poderoso com as brasas devastadoras", a fim de que as flechas dos preceitos de Deus, dos quais diz o profeta em outra passagem, firam e perfurem a língua astuciosa e façam nela a solidão dos pecadores: "Eu vivi na infelicidade, enquanto se me crava um espinho". Também aquela passagem em que o Senhor diz: "Eu vim pôr fogo sobre a terra e como eu desejo que ele queime!", assim é interpretado: Desejo que todos façam penitência e que se consumam pelo fogo do Espírito Santo os vícios e os pecados. Eu sou, pois, aquele de quem se escreve: "Deus é um fogo devorador". Não é, pois, terrível afirmar a respeito do diabo aquilo que também foi preparado para os homens. Tu deverias ter antes dito, para afastar a suspeita de salvação do diabo: "Tu tornaste perdição, tu te acabarás para sempre", e da pessoa do Senhor falando a Jó a respeito do diabo: "eis que sua esperança o iludirá e, à vista de todos, será precipitado nos infernos. Não o suscitarei por sua crueldade. Quem pode, pois, manter-se diante de minha face? Quem me deu primeiramente que eu lhe deva devolver? Tudo o que existe sob o céu é meu. Eu não o pouparei, ainda que suas palavras sejam poderosas e dispostas para a súplica". Na verdade, estas ideias podem ser justificadas como de um homem ingênuo e, visto que não se esquivam às pessoas instruídas, podem, junto às pessoas ignorantes, apresentar, em primeiro lugar, aparência de inocência. -- O que se segue a respeito da condição das almas não pode ser absolutamente justificado. Com efeito, ele diz: "Ouço dizerem que se levantaram problemas a respeito da alma. A propósito disto, cabe a vós considerar, sobre este assunto, se se deve acolher ou rejeitar a queixa. Se, pois, me perguntam a minha opinião, eu confesso que, sobre este problema, li diversas posições, no maior número possível de autores. Li alguns autores que diziam que, juntamente com o corpo, a alma também é espalhada por intermédio da semente humana e isto, com os argumentos com que eles podiam, eles o confirmavam. Entre os latinos, eu penso que esta seja a opinião de Tertuliano ou Lactâncio, e talvez também de alguns outros. Uns afirmam que Deus, uma vez formados os corpos no útero, faz cada dia as almas e as infunde nos corpos. Outros afirmam terem elas sido feitas já desde muito tempo, isto é, quando então Deus criou tudo a partir do nada e a partir de então Deus regula o nascimento das almas no corpo segundo o seu próprio julgamento. Tal é a opinião de Orígenes e de alguns outros gregos. De minha parte, embora tenha lido cada uma destas teorias, sendo Deus testemunha disto, eu afirmo que, até o presente, não detenho nada de seguro ou preciso sobre esse problema, mas eu deixo a Deus o conhecer o que este problema seja na verdade e se para alguém este se dignar a revelá-lo. Por mim, não nego, porém, ter lido também cada uma destas teorias e confesso que até aqui continuo ignorando-as, salvo este ponto que a Igreja transmite claramente, o qual diz que Deus é o criador das almas e dos corpos". -- Antes que discuta sobre o conteúdo, admirarei as palavras de nosso Teofrasto: "Ouço dizerem que se levantaram problemas a respeito da alma. A propósito disto, cabe a vós considerar, sobre este assunto, se se deve acolher ou rejeitar a queixa." Se foram levantadas questões a respeito da condição da alma em Roma, que pesar ou queixa é esta que deixa ao julgamento dos bispos determinar se deve ser admitido? A menos que, por acaso, "problema" ou "queixa" venham a significar, em seu julgamento, a mesma coisa e que ele tenha descoberto uma figura deste gênero nos comentários de Capro! Ele continua: "Li alguns autores que diziam que, juntamente com o corpo, a alma também é espalhada por intermédio da semente humana e isto, com os argumentos que eles podiam, eles o confirmavam". Eu te pergunto: que atrevimento é este no uso das figuras? E esta desordem no emprego dos modos e tempos? "Li alguns autores que dizem... eles o confirmavam com os argumentos que eles podiam". E no que segue: "Outros sustentam que Deus, uma vez os corpos formados no útero, criaria as almas cotidianamente e aí as infundiria. Segundo outros, elas teriam sido feitas, já há muito tempo, isto é, no tempo em que Deus tudo criou a partir do nada, agora regularia que elas nascessem no corpo segundo seu julgamento". Eis então a belíssima ordem: "Outros, diz ele, sustentam isso ou aquilo. Outros sustentam que elas foram feitas há muito tempo, isto é, no tempo em que... agora regularia que elas nascessem no corpo segundo seu julgamento". Ele fala tão afetada e confusamente que eu me canso mais ao censurar do que ele ao escrever. No final, ele acrescentou: "De minha parte, ainda que eu tenha lido cada uma destas teorias..." e enquanto seu pensamento ficava em suspense, ele acrescentou, como se adiantasse algo de novo: "eu não nego, porém, ter lido cada uma destas teorias e confesso a ignorância em que permaneço". -- Ó almas desventuradas que, por tão grandes golpes de lança de imperfeições, são feridas. Eu não penso - segundo o erro de Orígenes - que as almas, tendo precipitado do céu sobre a terra e revestido corpos grosseiros, tenham sofrido tanto quanto agora que, de ambas as partes, estão golpeadas por palavras e ideias, sem mencionar a expressão malsoante que diz que a alma é propagada por intermédio da semente humana. Sei que não é costumeiro repreender entre os cristãos os defeitos de estilo, mas eu quis, com poucos exemplos, mostrar de qual irreflexão é ensinar o que desconheças, escrever o que ignores, de modo que nos ponhamos em busca de uma tal sagacidade também sobre o fundo. Ele envia uma carta, isto é, um bastão vigorosíssimo do qual pode armar-se o bispo da cidade de Roma. E na questão mesma, pela qual os cães ladram, diz que não sabe aquilo que se investiga. Se ele ignora a qual propósito uma calúnia é desencadeada contra si, que necessidade há de enviar uma apologia que não contenha a sua defesa, mas a confissão de sua ignorância? Isto é não adormentar as suspeitas entre os homens, mas encadeá-las. Ele cita três pontos de vista sobre a condição das almas e conclui no final: "Eu não nego, diz, ter lido cada uma destas teorias e confesso que continuo ignorando". Talvez tu o julgarias um Arcesilau ou Carnéades, que afirma que tudo é incerto, embora ele os ultrapasse em precaução. Eles que não suportavam a hostilidade de todos os filósofos porque estes privavam de vida a vida, descobriram o verossímil para temperar pelo provável sua ignorância da realidade das coisas. Este se diz estar na incerteza, e dos três pontos de vista, ele não sabe absolutamente qual seja o verdadeiro. Se havia de responder isto, que razão o impeliu que fizesse testemunha de sua ignorância a tão eminente pontífice? Seguramente é esta lassidão que tornou impossível sua vinda a Roma, ele que estava esgotado por uma viagem de trinta anos. E quantas outras questões desconhecemos e não procuramos, porém, testemunhas de nossa incompetência! A propósito do Pai, do Filho e do Espírito Santo, do nascimento do Senhor Salvador, sobre o qual exclama Isaías: "Quem narrará sua geração?", ele fala com audácia e reivindica, para o seu conhecimento, o mistério ignorado por todos dos séculos passados. E isto apenas ignora: aquilo que, se ignorado aos olhos de todos, provoca escândalo. Ele sabe como uma virgem gerou a Deus e não sabe como ele próprio tenha nascido. Ele reconhece que Deus seja o criador das almas e dos corpos: "Seja que as almas tenham existido antes dos corpos, seja que elas nasçam com o começo dos corpos, seja que elas sejam enviadas uma vez que os corpos tenham tomado forma e figura no ventre, em todas as coisas nós reconhecemos que Deus é-lhes autor". Nem vem ao caso, no momento, saber se Deus ou um outro as tenha feito, mas qual das três posições que ele propôs é a verdadeira: ele diz que não sabe. Toma cuidado para que não te acusem logo de confessar tua ignorância dos três por não seres obrigado a condenar um deles, e assim poupar a Tertuliano e Lactâncio para não degolar Orígenes com eles. Tanto quanto minha memória me vale, e salvo engano de minha parte, ignoro ter lido que Lactâncio diz que a alma seria semeada com o corpo. Pelo menos tu que escreves tê-lo lido, diz em qual livro tens lido para que não pareça que tu calunias a Lactâncio depois da sua morte, como fizeste a mim durante meu sono. Mas nisto avanças ainda cambaleante e precavido. Tu dizes, com efeito: "Eu considero que, entre os latinos, tal é a posição de Tertuliano e Lactâncio, e talvez também de alguns outros". Tu não te contentas em ter dúvidas sobre o estado das almas, mas mesmo no que diz respeito às opiniões dos autores, tu "achas". Entretanto, isto tem alguma importância! De fato, com relação às almas, ignoras abertamente e confessas a falta de conhecimento. Sobre os autores, porém, assim tu dizes saber ao ponto de "achar", preferencialmente a afirmar algo sobre eles. É só a respeito de Orígenes que não cais em embaraço. Efetivamente, tu dizes: "Assim pensa Orígenes". E eu te indagarei: pensa bem ou mal? Tu dizes: eu não sei. Por que tentas, portanto, instruir-me, despachando-me correspondências e numerosíssimos emissários para que eu saiba o que ignoras? E, para que, por acaso, eu não vá crer em tua incompetência, e que não estime que tu fazes sabiamente silêncio sobre o que sabes, tu juras "tomando Deus por testemunha" que, até o presente, "algo de certo e preciso sobre esta questão não tens" e tu "deixas a Deus o conhecimento do que ele é na verdade, assim como aquele a quem ele se dignar revelá-lo". No decorrer de tantos séculos, ninguém te parece ter sido digno de ter recebido as revelações do Senhor sobre esta questão? Nem um patriarca, nem um profeta, nem um apóstolo, nem um mártir? Nem a ti, também, quando tu te detinhas nas prisões e exílios, os mistérios desta espécie foram revelados? O Senhor disse nos Evangelhos: "Pai, revelei o teu nome aos homens". Aquele que revelou o Pai, calou-se sobre o estado das almas? E te admiras que, contra ti, se arrojem os escândalos dos irmãos, quando então juras ignorar o que as Igrejas de Cristo reconhecem que sabem. -- Depois da exposição da sua fé, ou antes a confissão da sua ignorância, ele passa a um outro ponto e esforça-se por justificar por qual razão tenha vertido para o latim os livros Perì Archôn. E eis textualmente o que ele escreve: "Em verdade, porque ouço também que mesmo a tradução latina de certos textos de Orígenes do grego para o latim a pedido dos irmãos deu lugar a discussão, eu penso que todos entendem que apenas o ciúme provocou essas acusações. Se, com efeito, existe algo que desagrade no autor, por que distorcê-lo contra o tradutor? Assim, o teor do texto grego, pediram-me que, em latim, o apresentasse tal qual. Aos sentidos gregos eu me contentei em dar as palavras latinas. Portanto, se há nessas ideias algum mérito, este não é meu; se há alguma culpa, igualmente não é minha". Ele diz: "Eu ouço também que isso deu lugar a uma discussão". Com quanta prudência ele chama de "discussão" a acusação feita a ele! "A tradução latina de certos textos de Orígenes que eu fiz a partir do grego a pedido dos irmãos..." Quais são aqueles "certos" textos? Não têm nome? Tu guardas silêncio. Os livros dos acusadores vão falar. "Eu creio, ele diz, que todos entendem que só o ciúme provocou estas acusações". Qual ciúme? Por acaso invejam a tua eloquência, ou então fizeste aquilo de que nenhum homem nunca foi capaz? Eia, pois, eu também traduzi muita coisa de Orígenes, e exceto tu, não há ninguém que me inveje ou calunie. "Se, com efeito, ele diz, se há algo que desagrade no autor, por que voltar seu desagrado ao tradutor? Pediram-me que apresentasse tal qual em latim o teor do texto grego. Eu me contentei em dar aos sentidos gregos palavras latinas. Portanto, se há nessas ideias algum mérito, este não é meu; se há alguma culpa, igualmente não é minha." E tu te admiras que os homens tenham má impressão de ti, quando fazes declarações de blasfêmias manifestas. "Se há algo que desagrade no autor..." A todos desagradam aquelas coisas que foram ditas naqueles livros e tu és o único a duvidar e te lamentas que isto que louvaste no prefácio da tua tradução se dirija contra o tradutor. Pediram-te que traduzisses para o latim tal como era expresso em grego. Oxalá tivesses feito aquilo que finges ter-te sido pedido! Tu não te sujeitarias a nenhuma inveja. Se tu tivesses observado a fidelidade da tradução, eu não teria tido a obrigação de arruinar uma falsa tradução pela verdadeira. Tu tens consciência daquilo que acrescentaste, daquilo que suprimiste, daquilo que modificaste como te pareceu bom em um e outro sentido e, depois disso, tu ousas dizer que não é a ti, mas ao autor que se devem imputar as boas e más coisas. E oprimido pela hostilidade, tu moderas ainda tuas palavras e falas como se andasses com passos contados sobre pontas de espigas: "Que haja nestas ideias algum mérito... ou que haja alguma culpa..." Tu não ousas defendê-los; entretanto, tu não queres condená-los. Escolhe das duas opções a que queres, a escolha te é dada: se a tua tradução é boa, louva; se é má, condena. Mas ele se esquiva e acrescenta um outro artifício. Ele diz, com efeito: "Ainda mais, acrescentei mais isso, como eu o assinalei em meu prefaciozinho, que, na medida do possível, eu cortei um bom número de passagens, aquelas que, porém, caíam sob minha suspeita, porque elas não pareciam ter sido ditas pelo próprio Orígenes, mas interpoladas por outros, e isso porque eu tinha lido uma formulação católica dos mesmos assuntos em outras passagens do mesmo autor". Admirável eloquência e com variação de flores áticas: "Ainda mais" e "acrescentei mais, que caíam sob minha suspeita"! E ele ousou transmitir a Roma estas monstruosidades verbais! Talvez acredites que sua língua, travada e atada com nós inextricáveis, com muito custo possa fazer sair um som humano. Mas que eu volte ao assunto. Quem te deu esta licença para cortares muitas passagens da tradução? Haviam-te pedido que traduzisses o grego para o latim, não que o corrigisses; que apresentasses os pareceres de um outro, não que redigisses os teus próprios. Tu reconheces que não fizeste o que te pediram, cortando várias passagens. E oxalá tivesses cortado as passagens viciosas e não tivesses colocado tuas inúmeras passagens na defesa das más passagens. Destes exemplos, eu tomarei um, de modo que, a partir deste, sejam também conhecidos os demais. No primeiro livro do Perì Archôn em que Orígenes, com língua sacrílega, proferiu a blasfêmia de que o Filho não vê o Pai, tu também expões as razões, como se o próprio escritor em pessoa as expusesse; e tu traduzes o Comentário de Dídimo, em que ele tenta por vãos esforços defender o erro de outrem, que Orígenes, na verdade, teria falado bem. Mas nós, homens simples e domesticados de Ênio, não podemos compreender nem a sabedoria de Orígenes, nem a tua, que o traduziste. O teu prefácio, ao qual fazes menção e no qual me cobres de admiráveis elogios, te faz réu de péssima tradução. Tu dizes, com efeito, que do grego cortaste muitas passagens, ainda que guardes silêncio sobre o que acrescentaste. As passagens que cortaste eram boas ou más? Más, com certeza. As passagens que conservaste eram boas ou más? Boas, com certeza, e, com efeito, não podias traduzir as más. Portanto, cortaste as más e deixaste as boas? Ninguém tem dúvida disso. Ora, as passagens traduzidas revelam-se quase todas más. Por conseguinte, o que quer que eu mostre de ruim na tradução a ti será imputado que o traduziste como bom. É como se fosse um censor iníquo diante dos culpados de um mesmo crime, despedirias a uns do Senado como réus, e a outros manterias na cúria. Mas tu dizes: eu não podia mudar tudo. Eu acreditei que devia me contentar de suprimir o que eu julgava serem acréscimos dos hereges. Muito bem. Se tu suprimiste aquilo que acreditavas ter sido acrescentado pelos hereges, então aquilo que deixaste é, pois, daquele que traduzias. Se é daquele que traduziste, responde se é bom ou mau. Tu não podias traduzir o que é ruim, pois suprimiste uma vez por todos os acréscimos dos hereges. A menos que, por acaso, tenha-te sido necessário suprimir as más passagens dos hereges e traduzir para o latim os erros integrais de Orígenes. Diz, pois, por que traduziste as más passagens de Orígenes para o latim: foi para denunciar o fautor do mal, ou foi para louvá-lo? Se o denuncias, por que o louvas no prefácio? Se o louvas, tu és reconhecido herege. Resta que avançaste estes textos como bons. Mas estes bons textos revelam-se maus. Por conseguinte, tanto o autor quanto o tradutor cairão sob a única e mesma acusação, e este adágio se cumprirá: "Tu vias um ladrão e corrias com ele e punhas teu quinhão com os adúlteros". Não é necessário que, por meio de arrazoado, um assunto evidente se faça duvidoso. Dando sequência, que ele diga de onde lhe veio a suspeita de que tais passagens tinham sido acrescentadas pelos hereges; é que ele diz: "Eu tinha lido uma formulação católica dos mesmos assuntos em outras passagens do mesmo autor". -- Vejamos o que é o primeiro ponto, que por ordem tenha vindo ao segundo. Eu constato, entre os múltiplos erros de Orígenes, estas principais heresias: que o Filho de Deus seria uma criatura; o Espírito Santo, um ministro de Deus. Mundos inumeráveis se sucederiam na eternidade dos séculos, os anjos se transformariam em almas humanas. A alma do Salvador teria existido antes que nascesse de Maria e seria ela que, "ainda que fosse de condição divina, não reteve ciosamente a classe que a igualava a Deus, mas se aniquilou tomando a condição de servo"; a ressurreição de nossos corpos haveria de acontecer sem que tivessem os mesmos membros, visto que, cessando as funções dos membros, para nada estes nos seriam dados. Os próprios corpos, tênues e espirituais, esvaecer-se-iam e dissipar-se-iam em um sopro sutil para reduzir-se a nada. E quando da restauração universal, quando o perdão soberano tiver vindo, então os querubins e os serafins, tronos, principados, dominações, virtudes, potestades, arcanjos, anjos, diabo, demônios, as almas de todos os homens, tanto de cristãos como de judeus e gentios, teriam uma única situação e estatura. E quando tiverem alcançado a igualdade de condição e de nível, e que o exército novo do povo de retorno do exílio do mundo tiver apresentado criaturas racionais libertadas de todas as impurezas dos corpos, então de novo, com um novo começo, um outro mundo e outros corpos que revestiriam as almas caídas do céu surgiriam, de modo que nos seria necessário temer que nós agora, que somos homens, nasçamos mulheres depois, e aquela que hoje é virgem, então talvez seja uma prostituta. Essas heresias nos livros de Orígenes eu exponho; indica tu em qual das suas obras tu tenhas lido o contrário. -- Não quero que digas: "Aquilo de que tinha lido sobre os mesmos assuntos numa formulação católica em outras passagens do mesmo autor". Para que não me remetas aos seis mil livros de Orígenes que tu acusas ao venerável papa Epifânio de ter lido. Mas designa as passagens precisas. Não me basta isso ainda, a não ser que tenhas citado textualmente as afirmativas em questão. Orígenes não é um imbecil e eu sei disso. Ele não pode contradizer-se. Desde então, deste cálculo chega-se ao resultado seguinte: que não é dos hereges aquilo que suprimiste, mas de Orígenes, do qual traduziste as más passagens que julgaste boas, a ti devem ser imputadas tanto as boas quanto as más passagens dele, cujos escritos em teu prólogo tiveram tua aprovação. -- Na mesma apologia segue: "Quanto a mim, eu não sou nem o defensor, nem o advogado, nem o primeiro tradutor de Orígenes. Outros antes de mim tinham realizado esta mesma tarefa. Eu também a realizei por último, a pedido dos irmãos. Se se ordena que não se faça, a ordem costuma ser cumprida no futuro. Se aqueles que a realizaram antes da ordem recebem culpa, que a culpabilidade seja atribuída àqueles que começaram". Enfim, ele vomitou o que queria, e o abscesso de toda a sua alma arrojou o ódio em nossa acusação. Quando ele traduz os livros do Perì Archôn, ele diz que me segue; quando ele é acusado de tê-lo feito, ele cita meu exemplo. Tanto em segurança quanto em perigo, ele não pode viver sem mim. Que ele ouça, pois, o que ele finge ignorar. Ninguém te censura por haver traduzido Orígenes - de outro modo, Hilário e Ambrósio cairão sob esta acusação - mas por haver apoiado com o elogio de teu prefácio as heresias que traduziste. Eu próprio que tu incriminas, eu traduzi setenta homilias de Orígenes e alguns de seus tomos, de sorte que, traduzindo as boas passagens, eu retirava as más e que, para refutar tua tradução, eu mostrava abertamente, no Perì Archôn, o que o leitor devia evitar. Tu queres traduzir Orígenes para o latim? Tu tens muitas homilias de Orígenes e tomos nos quais o sentido moral é tratado e são explicadas as passagens obscuras das Escrituras. Traduz aquelas, dá-as àqueles que te pedem. Por que teu primeiro trabalho começa pela má reputação? Por que, no momento de traduzir as heresias, tu as fazes preceder, para defendê-las, do pretenso livro de um mártir e repisas aos ouvidos romanos aquilo que, traduzido, aterrorizou o mundo todo? Ou, em todo caso, se é para acusá-lo de heresia que traduzes Orígenes, nada mudes no texto grego, e atesta no prefácio aquilo mesmo que o nosso papa Anastásio exprimiu muito sabiamente na epístola que ele escreve contra ti ao bispo João, absolvendo-me por havê-lo feito e culpando a ti que não quiseste fazê-lo. E para que não negues talvez também, eu anexei um exemplar da carta, de modo que, se não queres ouvir o irmão que te adverte, tu ouças um bispo que te condena. Segunda parte: Refutação do tratado de Rufino sobre a adulteração dos livros de Orígenes -- Tu dizes que não és o defensor, nem o advogado de Orígenes. Já vou citar-te agora o teu livro, do qual falas naquele famoso prefaciozinho de tua notável obra, com os termos seguintes: "A razão desta divergência, nós te fizemos conhecê-la mais completamente na apologia escrita por Pânfilo em seus livros, acrescentando um breve libelo em que, por provas a meu ver evidentes, nós mostramos que hereges e pessoas mal-intencionadas tinham falsificado os livros de Orígenes em numerosas passagens e principalmente nestas que me exiges agora que eu traduza, isto é, o Perì Archôn". A defesa de Orígenes por Eusébio não te havia bastado ou, pelo menos, como tu queres, a de Pânfilo, a não ser que tu acrescentasses, como se fosses mais inteligente e mais sábio, aquilo que consideravas que eles tinham tratado insuficientemente. Eu levaria muito tempo se eu quisesse introduzir teu livro todo na obra que aí está e, tendo sido apresentados os parágrafos, responder ponto por ponto, assinalando as incorreções, as afirmações mentirosas, a própria falta de encadeamento de palavras no texto. É por isso que, fugindo ao tédio da discussão filandrosa e compactando as palavras em articulações, responderei apenas com relação ao conteúdo. Logo que saía do porto deu com o navio a pique. Tratando, com efeito, da Apologia do mártir Pânfilo - que demonstramos ser de Eusébio, chefe dos arianos - da qual ele havia dito: "Na medida de nossas possibilidades, ou das exigências do empreendimento, nós a organizamos pela língua latina", ele avançou isso: "Eis aquilo que quero de que sejas avisado, Macário, homem de desejos: que saibas que esta regra de fé, em todo caso, exposta por nós acima segundo seus livros, é tal que se deve abraçar e guardar. Porque se mostra evidente que, em todos estes pontos, há um sentido católico". Embora ele tenha feito muitas supressões no livro de Eusébio e tenha-se esforçado a modificar no bom sentido aquilo que diz respeito ao Filho e ao Espírito Santo, encontramos aí muitas pedras de escândalo e blasfêmias absolutamente manifestas que ele não poderá renegar, visto que ele as proclama católicas. Eusébio ou, como queres, Pânfilo diz no mesmo volume que o Filho é ministro do Pai, que o Espírito Santo não é da mesma substância do Pai e do Filho; que as almas humanas caíram do céu e se transformaram, de anjos, nisto que nós somos; que na restauração universal, anjos, demônios e homens serão iguais; e muitas outras impiedades e abominações que seria até um crime reproduzir. O que fará o advogado de Orígenes e o tradutor de Pânfilo? Se há tanta blasfêmia naquilo que ele corrigiu, quantos sacrilégios estão contidos naquilo que ele pretende ter sido falsificado pelos hereges! Para justificar sua opinião, ele constrói a hipótese de que "um homem que não é nem um idiota nem um louco" não pôde fazer afirmações contraditórias entre si. E para que não pensemos talvez que Orígenes tenha escrito variadas coisas em tempos diversos e que ele tenha publicado posições contrárias segundo as épocas, ele acrescentou: Que fazemos quando, às vezes, nas mesmas passagens e, por assim dizer, de um capítulo a outro, um ponto de vista contraditório acha-se intercalado? Por acaso, na mesma obra do mesmo livro e, às vezes, como dissemos, justamente de um capítulo a outro, pôde Orígenes estar esquecido de si, por exemplo, ele que dissera acima que não se acha em nenhuma parte em toda a Escritura em que se dissesse que o Espírito Santo tenha sido feito ou criado, ele acrescentaria que o Espírito Santo foi feito entre as outras criaturas? Ou então novamente aquele que apontou o Pai e o Filho como de uma só substância, que em grego se diz consubstancial, desde os capítulos seguintes poderia dizer que o Espírito Santo é de uma outra substância e que foi criado, aquele de quem ele havia proclamado pouco antes que o Espírito Santo havia nascido da mesma natureza de Deus Pai? -- São suas próprias palavras, ele não pode negá-lo. Não quero que tu digas: "por exemplo, ele que tinha dito mais acima...", mas cita precisamente o livro em que, escrevendo que o Espírito Santo e o Filho são consubstanciais ao Pai, logo a seguir ele teria sustentado que eles são criaturas. Não sabes tu que eu tenho tudo de Orígenes, que eu o li em sua maior parte? "Ao povo o ouropel! Eu, de minha parte, conheço-te por dentro e até sob a pele." O sapientíssimo Eusébio - eu disse sapientíssimo, não católico, para que não trames para mim uma calúnia com tua maneira habitual e, também nisso - não faz no decorrer dos seis volumes nada mais que manifestar que Orígenes partilha sua fé, isto é, a perfídia ariana. Ele dá muitos exemplos e o verifica constantemente. Em qual sonho do cárcere alexandrino foi-te revelado que inventasses a falsificação das passagens que ele, Eusébio, declara autênticas? Mas talvez este, enquanto ariano, forçou em um sentido favorável a seus erros os acréscimos dos hereges, para que não o considerassem o único a contrapor à Igreja seu sentimento errôneo. O que responderás tu por Dídimo que, pelo menos no que diz respeito à Trindade, é católico, e cujo livro sobre o Espírito Santo nós também traduzimos para a língua latina? Certamente ele não pode concordar com aquilo que os hereges acrescentaram nas obras de Orígenes. E nos próprios livros do Perì Archôn, que tu traduziste, ele compôs breves comentários, não para negar que o que aí se acha escrito tenha sido escrito por Orígenes, mas que nós, homens simples, não podemos entender as coisas que aí são ditas, e ele tenta persuadir-nos em qual sentido estas devem ser tomadas em boa parte - pelo menos no que diz respeito ao Filho e ao Espírito Santo. Aliás, quanto às outras teses, tanto Eusébio quanto Dídimo muito abertamente partilham as posições de Orígenes e aquilo que todas as Igrejas reprovam, eles defendem que foi formulado pia e catolicamente. -- Vejamos, porém, por quais argumentos ele se esforça para provar que os escritos de Orígenes foram corrompidos pelos hereges. Clemente, ele disse, discípulo dos apóstolos, que foi, depois dos apóstolos, bispo e mártir da Igreja romana, publicou livros que têm por título Anagnorismós, isto é, Reconhecimento, nos quais, enquanto bom número dentre eles expõem em nome do apóstolo Pedro uma doutrina tida por verdadeiramente apostólica, insere-se em alguns a crença de Eunômio, de tal modo que nada mais se creia que o próprio Eunômio faça suas discussões, assegurando que o Filho de Deus foi criado a partir de nenhum ser existente. Depois de outras considerações que seria prolongado descrever, ele diz: "O que, pergunto eu, deve-se pensar disso? Que um homem apostólico tenha escrito heresias? Ou deve-se acreditar antes isso, que homens perversos, para defender suas opiniões, sob o nome de santos varões, tanto quanto seja mais fácil de se acreditar, inseriram coisas que não se deve acreditar que eles tenham pensado ou escrito?" Ele escreve também em seus livros que Clemente, presbítero da Igreja de Alexandria, homem católico, diz, algumas vezes, que o Filho de Deus foi criado, e Dionísio, bispo da cidade de Alexandria, homem cultíssimo, que discute em quatro volumes contra Sabélio, cai na crença ariana. E sob estes exemplos, aquilo faz com que se ateste que os membros da Igreja e os católicos não tiveram opinião errônea, mas que os hereges corromperam seus escritos, e que se conclua, ao fim, dizendo: "A propósito de Orígenes também, no qual igualmente se encontra certa divergência, como naqueles dos quais falamos acima, isto não bastaria para pensar o que se pensa sobre os católicos já previamente examinados ou que se entende para os varões, nem de semelhante causa basta semelhante justificativa". Se se admite que tudo que se encontra nos livros de todos tenha sido corrompido por outros, nada será daqueles dos quais se ostenta por nomes, mas será atribuído àqueles por quem se diz ter sido falsificado, ainda que também daqueles dos quais incertos são os nomes. E disso resultará que, enquanto tudo é de todos, nada é de ninguém. Graças à confusão que este sistema de defesa mantém, nem Marcião, nem Mani, nem Ário, nem Eunômio poderão ser acusados, porque tudo o que nós censurarmos que por eles tenha sido sacrilegamente dito, os discípulos responderão que assim não foi publicado por seus mestres, mas que foi violado por seus inimigos. Desta maneira, mesmo este livro do qual tu és o próprio autor não será teu, mas talvez meu, e o meu livro, no qual eu respondo a ti, sob acusação, não será meu, se tu criticas nele alguma coisa, mas será teu, por quem ele é criticado. Enquanto tudo reportas aos hereges, o que atribuirás aos homens da Igreja aos quais nada deixas de próprio? E como, dirás tu, em seus livros, existem algumas passagens corrompidas? Se eu responder que desconheço as razões das falsificações, eu não vou logo julgar os autores heréticos. Pode acontecer ou que se tenham simplesmente enganado, ou que tenham escrito com outro sentido, ou, como copistas incompetentes, seus escritos tenham-se paulatinamente corrompido, ou, pelo menos, antes que Ário não nascesse em Alexandria, como o demônio do meio-dia, que tenham falado certas coisas inocentemente e com menos prudência, e que não pudessem esquivar a calúnia de indivíduos pervertidos. Contra Orígenes são lançadas acusações e tu não o defendes, tu acusas outros e não refutas a acusação, mas buscas uma multidão de culpados. Se te fosse dito: quais companheiros Orígenes tem na heresia? Tu terias razão de adiantar estes fatos. Agora perguntam a ti se estas coisas que se encontram escritas nos livros de Orígenes são boas ou más. Tu manténs o silêncio e, em vez destas, falas outras coisas: Clemente diz isso, Dionísio é repreendido neste erro, o bispo Atanásio assim defende o erro de Dionísio, os escritos dos apóstolos foram semelhantemente distorcidos. Do mesmo modo, outros te impingem a acusação de heresia, e tu calas por ti e confessas por mim. Eu não acuso a ninguém, estando contente por haver respondido apenas por mim. Não sou o que denuncias, se tu és aquilo de que te acusam, tu mesmo deves vê-lo. Nem a minha absolvição nem minha acusação te trarão a prova de tua inocência ou de tua culpabilidade da acusação. -- Depois de haver tratado primeiramente a falsificação infligida aos apóstolos pelos hereges, aos dois, a Clemente e a Dionísio, ele chega a Orígenes e fala nestes termos: "Nós provamos esta falsificação pelos escritos e pelas vozes daquele que disso se queixa e deplora-a. O que o mesmo aturou, na verdade, então quando estava vivendo na carne, em plena consciência e lucidez, quanto às alterações de seus livros e discursos ou de suas versões adulteradas, é-nos ensinado evidentemente pela epístola deste próprio que escreve a alguns de seus caros amigos em Alexandria". Ele acrescenta logo um exemplar da carta e aquele que imputa aos hereges a falsidade dos escritos de Orígenes, esse começa ele próprio com a falsidade, não traduzindo assim tal qual está contido em grego, nem deixa ouvir em latim o que Orígenes declara em sua carta. Todas as vezes que Orígenes, ao longo de toda a carta, dilacera Demétrio, pontífice da cidade de Alexandria, e ataca os bispos e clérigos do mundo inteiro, e ele diz ter sido em vão excomungado das Igrejas, e não querer replicar as maledicências, de modo que não pareça ser evidentemente maledicente o homem que em tanto tenha sido cauteloso a ponto de não ousar maldizer nem sequer o diabo, o que deu ocasião a Cândido, adepto da tese valentiniana, de lhe imputar caluniosamente que o diabo tem uma natureza tal que ela deve ser salva. Ora, tendo sido dissimulado o argumento da epístola, este inventa em favor de Orígenes aquilo que ele não diz. É por esta razão que eu traduzi uma parte da carta deste, tomando um pouquinho das considerações acima, e a estas juntei aquelas que foram traduzidas fraudulentas e abreviadamente para que o leitor reconheça em qual deliberação ele guardou silêncio sobre o que precedia. Orígenes, pois, que discutia contra os sacerdotes da Igreja, geralmente, pelos quais tinha sido julgado indigno da comunhão da Igreja, avançou as seguintes palavras: "Que necessidade há de falar sobre as linguagens dos profetas, pelas quais pastores, anciãos, sacerdotes e príncipes do povo sejam, com muita frequência, ameaçados e acusados? Vós podeis sem nós escolhê-las da Sagrada Escritura e ver com muita clareza que talvez seja o nosso tempo de que se fala: 'Não queirais crer nos amigos nem espereis em vossos chefes'; e agora se cumpre o oráculo: 'Os dirigentes de meu povo não me conheceram. São filhos estúpidos e sem inteligência. A inteligência, eles a têm para fazer o mal; mas não souberam agir bem'. Deles devemos nos compadecer mais do que devemos odiá-los e orar por eles mais do que maldizê-los. Nós fomos criados para bendizer, e não para maldizer. Daí que também Miguel, quando se debatia contra o diabo pelo corpo de Moisés, não ousou lançar uma sentença blasfematória nem mesmo contra um ser tão perverso, mas disse: 'Que o Senhor te domine'. Nós lemos igualmente em Zacarias algo de semelhante: 'Que o Senhor te repreenda, Satanás, que o Senhor te repreenda, ele que elegeu Jerusalém'. Nós também desejamos que sejam repreendidos pelo Senhor aqueles que não querem com humildade ser repreendidos pelo próximo. Quando Miguel diz: 'Que o Senhor te repreenda, Satanás!' e Zacarias de modo semelhante, se o Senhor repreende ou não repreende o diabo, a ele cabe decidir; e se repreende, ele saberá como ele repreenderá". E depois de muitas considerações que seria muito longo transcrever, ele acrescenta: "De nossa parte, nós sentimos que serão rejeitados do Reino dos Céus não só aqueles que cometeram pecados graves, por exemplo, os fornicadores, os adúlteros, aqueles que se deitam com homens e os ladrões, mas também aqueles que cometeram faltas menores, segundo o que está escrito: 'Nem os bêbados, nem os maledicentes possuirão o reino de Deus', e tanto na bondade quanto na severidade de Deus, há uma medida. Assim nós nos esforçamos para em tudo agir com discernimento, no ato de beber do vinho e na moderação das palavras, para que a ninguém ousemos maldizer. Assim, embora nos guardemos, por temor de Deus, de proferir maledicências contra quem quer que seja, lembrando-nos daquela sentença: 'Ele não ousou trazer uma sentença blasfematória', que se diz de Miguel contra o diabo em outra passagem: 'As dominações, certamente, eles rejeitam, as glórias, eles as blasfemam', alguns daqueles que se comprazem a inventar assuntos de conflito imputam a blasfêmia a nós e a nosso ensinamento. Sobre esse assunto, cabe a eles ver como eles ouvem aquele versículo: 'Nem os bêbados nem os maledicentes possuirão o Reino de Deus', ainda que eles digam que o pai da maldade e da perdição daqueles que são rejeitados do Reino de Deus possa ser salvo, o que, nem mesmo alguém tomado de loucura poderia dizer" e o restante que ele traduziu da mesma epístola. Em lugar da passagem sobre a qual nós traduzimos ao fim palavras de Orígenes: "Assim, apesar de evitarmos, por temor de Deus, proferir maledicências contra alguém etc.", ele, de sua parte, tendo astuciosamente suprimido a primeira parte da qual depende a sequência, assim se pôs a traduzir a carta como se esse fosse o começo do pensamento. E ele disse: "Alguns daqueles que se comprazem em incriminar seus próximos imputam a nós e à nossa doutrina o crime de blasfêmia que de nós nunca ouviram. A esse respeito, cabe a eles ver, eles que não querem observar aquele mandamento segundo o qual os maledicentes não possuirão o Reino de Deus, e que dizem que eu defendo que o pai da maldade e da perdição daqueles que são rejeitados do Reino de Deus, isto é, o diabo, deve ser salvo, o que, mesmo com a mente atrapalhada e em delírio manifesto, ninguém poderia declarar". -- Confrontai as palavras de Orígenes que eu traduzi literalmente acima com aquelas que por ele não foram vertidas, mas invertidas, e vós percebereis quanta dissonância têm entre si, não apenas de palavras, mas também de sentidos. Eu vos suplico que não vos seja incômoda uma tradução mais longa. Se traduzimos tudo, é para estabelecer em qual intuito ele guardou silêncio sobre o que precedia. Os gregos possuem um diálogo de Orígenes e de Cândido, defensor da heresia valentiniana, no qual confesso que assisti ao espetáculo de dois gladiadores lutando entre si com olhos vendados. Cândido diz que o Filho é oriundo da substância do Pai, errando pelo fato de defender que é uma "emissão", isto é, probolén. Ao contrário, Orígenes concorda com Ário e Eunômio, para negar que ele tenha sido emitido ou que tenha nascido, para que Deus não seja dividido em partes, mas diz que ele é uma criatura elevada e eminentíssima, que provém da vontade do Pai, como outras criaturas também. Eles retornam novamente à segunda questão. Cândido defende que o diabo é de péssima natureza e que nunca esta possa ser salva. Contra isso, Orígenes responde com acerto que o diabo não é de natureza perecível, mas que se arruinou por vontade própria e pode ser salvo. Isto Cândido distorce caluniosamente, como se Orígenes tivesse afirmado que a natureza do diabo devesse ser salva. A crítica injustificada do primeiro, o outro a refuta. E entendemos que é apenas neste diálogo que Orígenes denuncia a falsidade herética, e não em outros livros a respeito dos quais nunca houve questionamento. Aliás, se tudo o que há de herético não é de Orígenes, mas dos hereges - quase todos os seus tomos, porém, estão cheios destes erros, - nada será de Orígenes, mas daqueles de quem ignoramos os nomes. Não lhe basta caluniar os gregos e antigos a respeito dos quais o recuo dos tempos e o distanciamento das regiões lhe dão permissão de dizer todas as mentiras que quiser. Ele vem aos latinos e cita primeiro o confessor Hilário sob a alegação de que, após o sínodo de Rímini, seu livro teria sido falsificado pelos hereges e que, por esta razão, como lhe punham uma dificuldade na assembleia dos bispos, ele teria ordenado que trouxessem de sua casa um livro que, sem que ele soubesse, encerrado em seus cofres, era tido como herético. Como o livro tinha sido produzido e por todos julgado herético, o autor do livro, excomungado, teria deixado a reunião do concílio. Eis o sonho que este caro amigo narra, e se considera ser dono de tal autoridade que ninguém ousa contradizer a ele que inventa essas coisas contra o confessor. Responde, eu peço: O sínodo pelo qual foi excomungado, em qual cidade aconteceu? Diga o nome dos bispos, diga os sufrágios expressos, os votos contrários e favoráveis. Faz-nos saber quais foram os cônsules naquele ano, qual imperador mandou congregar este sínodo, se só havia bispos da Gália, ou também da Itália e da Espanha, e, pelo menos, por qual razão o Sínodo foi reunido. Nada disso tu mencionas, mas, para defender Orígenes, tu acusas um homem de uma eloquência insigne, que foi a trombeta da língua latina contra os arianos, de ter sido excomungado por um sínodo. Mas é preciso tolerar de qualquer modo a calúnia contra um confessor. Ele passa ao ilustre mártir Cipriano e declara que o livro de Tertuliano intitulado Da Trindade é lido e relido sob o nome deste em Constantinopla, pelos hereges do partido macedoniano. Neste agravo, há duas mentiras, porque o livro não é de Tertuliano, também não é atribuído a Cipriano, mas é de Novaciano, está posto em seu nome, e demonstra a elocução do autor pela particularidade do estilo. -- Eu penso que é também supérfluo refutar sandices manifestas, enquanto me é recitada minha historieta - evidentemente uma lira para um asno! - que eu sou visado sob o nome de um certo amigo de Dâmaso, bispo da cidade de Roma, a quem este teria confiado a redação das cartas eclesiásticas, e que se descrevem as maquinações dos apolinaristas, que, tendo recebido para lê-lo o livro de Atanásio em que se encontra a expressão "dominicus homo", tê-la-iam alterado, restabelecendo sobre um borrão o que eles teriam raspado, para dar a crer, claro, que não tinha sido falsificado por eles, mas que tinha sido acrescentado por mim. Eu te peço, amigo caríssimo, que, nos tratados eclesiásticos, onde se põe em questão a verdade dos dogmas, e onde se pede com insistência a autoridade dos antigos a respeito da salvação das nossas almas, abandones este gênero de divagações e não tomes histórias de almoços e jantares por prova da verdade. Pode acontecer que, mesmo que tenhas ouvido de mim algo verdadeiro, alguém que não esteja a par da coisa diga que é uma invenção de tua parte e, ao modo do mimo de Filistião, de um Lêntulo ou de um Marulo, um artifício forjado em uma linguagem refinada. -- Até onde não chegaria a temeridade, uma vez desenfreada! Depois da excomunhão de Hilário, depois do livro herético falsamente atribuído a Cipriano, depois do borrão acompanhado de uma correção por cima por parte de Atanásio, enquanto eu cochilava, ele estoura finalmente contra o papa Epifânio, exala o sofrimento de seu peito em sua Apologia por Orígenes, porque Epifânio, na carta que ele tinha escrito ao bispo João, o denuncia como herege e se consola com as seguintes palavras: "É bem necessário descobrir neste lugar a verdade escondida. Porque é impossível a qualquer um dos homens fazer uso de tão iníquo juízo que não aprecie identicamente uma causa idêntica. Mas os instigadores da difamação de Orígenes, sendo aqueles que têm costume de manter discussões prolongadas na Igreja, ou mesmo escrever livros, que se inspiram em Orígenes, ou para falar ou para escrever, temendo que muitos deles não se deem conta de seus plágios, os quais, em todo caso não pareceriam de nenhum modo condenáveis, se estas pessoas não fossem ingratas em relação a seu mestre, eles dissuadem da leitura de Orígenes todas as pessoas mais simples. Finalmente, um dentre eles que imagina ter a necessidade, em todas as nações e em todas as línguas, de falar mal de Orígenes, assim como de evangelizar, confessou diante de uma multidão considerável de irmãos que ele tinha lido seis mil livros de Orígenes. Se, de todo modo, como ele costuma dizer, ele os lia com o objetivo de conhecer as teorias viciosas de Orígenes, ele teria podido contentar-se com dez livros para conhecê-las, ou, em todo caso, vinte, ou no máximo trinta. Mas ler seis mil livros não é querer conhecê-los, mas é consagrar quase toda a sua existência a seus ensinamentos e a seu estudo. Como então este deve ser ouvido meritoriamente, quando ele culpa aqueles que, por causa de sua documentação, fizeram algumas raras leituras de Orígenes salvaguardando a regra de fé em toda fidelidade? -- Quem são estes "que costumam manter prolongadas discussões na Igreja" e "escrever livros, aqueles que se inspiram em Orígenes para falar e para escrever", que, enquanto não querem que "sejam reconhecidos os plágios" como seus e "são ingratos em relação ao mestre", assim "aterrorizam os mais simples com a leitura de Orígenes"? Tu deverias falar por nomes e assinalar precisamente as pessoas. Assim, os veneráveis bispos Anastásio, Teófilo, Venério, Cromácio e todo o sínodo dos católicos tanto do Oriente quanto do Ocidente que, por uma sentença unânime testemunhando sua unanimidade de espírito, denunciam-no aos povos como herege devem ser condenados como plagiários de seus livros, e, quando nas Igrejas pregam, não são os mistérios das Escrituras, mas os plágios de Orígenes que eles evocam? Não te basta a detração passiva contra todos, a não ser que apontes a lança de teu estilo contra o venerável e insigne sacerdote da Igreja? Quem é aquele "que imagina que tem a necessidade de falar mal de Orígenes, assim como de evangelizar através de todas as nações e através de todas as línguas", que confessou ter lido seis mil livros de Orígenes, diante de uma multidão considerável de irmãos a ouvir? Tu também, tu te achavas lá, no meio desta multidão e ajuntamento de irmãos, visto que ele se queixa em sua carta que tu avançaste teses sacrílegas em favor da heresia de Orígenes. Deve-se fazer-lhe o agravo de saber o grego, o sírio, o hebraico, o copta e em parte o latim? Portanto, os apóstolos também e os homens apostólicos, que falavam línguas, caem sob este agravo; e tu, bilíngue, tu vais rir de mim que sou trilíngue? Dos seis mil livros, porém, que dizes que por ele foram lidos, quem crerá que tu dizes a verdade, ou que ele tenha podido mentir? Se, pois, Orígenes tivesse escrito seis mil livros, podia acontecer que, homem erudito e formado desde a infância nas letras sagradas, por curiosidade e ciência, ele fizesse leituras em outros domínios. Mas o que o primeiro não escreveu, como este pôde lê-lo? Conta a lista de seus livros que, no terceiro volume de Eusébio, no qual escreve a vida de Pânfilo, não estão contidas não digo seis mil, mas não acharás a terça parte. Nós temos a epístola do supracitado pontífice, na qual ele responde a esta tua calúnia, enquanto estavas no Oriente, e ele refuta uma mentira flagrante com a fronte soberana da verdade. -- Depois destas e de tantas coisas, ousas dizer em tua apologia que tu "não és o defensor de Orígenes nem seu advogado", por cuja defesa Pânfilo e Eusébio te pareceram ter dito pouco. Tentarei, em outra ocasião, responder, se o mestre desta vida me dá o tempo, a seus volumes. No momento, que me baste ter apenas ido ao encontro das afirmações tuas e ter instruído este leitor prudente de que eu vi este livro, que circulava sob o nome de Pânfilo, primeiramente escrito em tua obra, e eu não me preocupava com o que se dissesse de um herege, eu tinha sempre considerado que Pânfilo e Eusébio tinham feito obra diferente; em seguida, porém, levantada a questão, eu quis responder a seus escritos e, por este motivo, eu li o que cada um pensava de Orígenes e compreendi claramente que o primeiro dos seis volumes de Eusébio era aquele mesmo que tu publicaste sob o nome de Pânfilo, tanto em grego quanto em latim, limitando a modificar as ideias relativas ao Filho e ao Espírito Santo que traziam exposta uma blasfêmia flagrante. Assim, também, há dez anos, como Destro, meu amigo, que administrou a prefeitura do pretório, me pedira que lhe compusesse um catálogo dos autores da nossa religião, eu citei, entre outros que disso trataram, este livro publicado por Pânfilo, crendo-o tal qual o havíeis apresentado, tu e teus discípulos. Mas como o próprio Eusébio diz que Pânfilo nada escreveu senão curtas cartas a seus amigos, e que o primeiro livro dos seis volumes de Eusébio encerra o mesmo conteúdo e nos mesmos termos que o que inventaste de colocar sob o nome de Pânfilo, é claro que, se quiseste espalhar este livro, era para introduzir uma heresia sob o patrocínio de um mártir. E como, precisamente também neste livro que fazes crer que seja de Pânfilo, tu desfiguraste muitas passagens que se encontram de uma forma em grego e de outra em latim, tu não deves imputar uma fraude tua a um erro meu. Eu acreditei, com efeito, que o livro tinha por autor aquele que o seu título ostentava. Tal como o Perì Archôn, também muitas outras obras de Orígenes e vários autores gregos: ou não os li antes ou então eis-me agora forçado a lê-los, desde que foi suscitada a questão da heresia, para saber o que eu devo evitar e o que eu devo aprovar. É porque eu traduzi, em minha juventude, para aqueles que me pediam, as únicas homilias que ele dirigia ao povo e que não continham tão grandes escândalos, sem impedir a ninguém de partir do que recebe aprovação para fazer boa acolhida ao que é manifestamente herético. Em todo caso - para abreviar uma longa exposição - como eu mostro que eu recebi o livro que transcreveram do teu códice, assim faz-nos tu saber de quem tu deténs o exemplar, para que aquele que não tiver podido apresentar um outro autor do livro, é este que tomaremos como culpado de impostura. "O homem bom, do bom tesouro de seu coração tira o que é bom", e é da doçura dos frutos que se conhece a árvore de generosa semente. Terceira parte: Justificação das traduções bíblicas de Jerônimo -- Meu irmão Eusébio escreve-me que ele encontrou, junto aos bispos da África que tinham vindo à corte para tratar de assuntos das Igrejas, uma carta escrita como se fosse em meu nome, e na qual eu fazia penitência e atestava que eu tinha sido em minha juventude induzido por hebreus a traduzir em latim os volumes hebraicos e, nisso, não há nenhuma verdade. Esta novidade me deixou estupefato. E visto que toda palavra é estabelecida na boca de duas e três testemunhas, e que não há crédito para uma única testemunha, nem que a testemunha fosse Catão, os escritos de muitos irmãos enviados de Roma me informaram este fato, indagando se era mesmo isso e indicando com lágrimas aquele por quem a mesma carta foi propagada publicamente. Quem ousou fazer isto, que outra coisa não ousaria fazer? Felizmente a maldade não tem forças proporcionais às suas tentativas! Pereceria a inocência, se a sagacidade estivesse sempre ligada à perversidade e se tudo o que a calúnia deseja prevalecesse. Por mais hábil que ele seja para falar, ele não pôde reproduzir meu estilo, qualquer que ele seja, nem meus torneios de frase, mas, através de seus próprios artifícios e da máscara de um outro de que ele hipocritamente se revestira, ele mostrou quem ele era. Assim, pois, ele, que tinha forjado uma carta em meu nome em que eu exprimia meu pesar de ter cometido o erro de traduzir os volumes hebraicos, diz-se que ele me reprova de ter traduzido as Santas Escrituras para condenar os Setenta: desde então, quer sejam falsos quer verdadeiros os textos que eu traduzi, eu permaneceria alvo de acusação, enquanto confesso que me enganei na publicação de uma nova obra, ou então a versão moderna é uma condenação da velha. Eu me admiro que ele tenha tratado de homicida e adúltero e sacrílego e parricida e todo tipo de torpezas que o pensamento secreto de uma mente pode revolver em seu interior. Eu devo agradecer-lhe que, sendo tão grande a floresta dos agravos, ele tenha lançado em meu rosto o único agravo de erro ou falsidade. Por acaso, eu falei algo contra a edição dos Setenta, que, há vários anos, com o maior cuidado corrigida, eu ofereci aos estudiosos de minha língua, a qual todos os dias na assembleia dos irmãos eu explico, sobre cujos salmos eu medito assiduamente pela recitação cantada. Eu seria tão estúpido de querer esquecer na velhice o que aprendi na infância? Todos os meus tratados foram entrelaçados de citações dos Setenta. Os comentários sobre os doze profetas explicam ao mesmo tempo minha própria versão e a dos Setenta. Ó labores humanos sempre incertos! Ó gostos dos mortais que têm fins às vezes opostos! Justamente quando eu acreditava ser reconhecido por meus compatriotas latinos e encorajar os ânimos dos nossos a aprender a versão que os gregos, mesmo depois de tão grandes tradutores, não repudiam a tradução latina, é aí que denunciam minha culpa e que eu engulo a comida com o estômago em náuseas! Porventura há algo que seja seguro no homem, se a inocência é criminosa? Durante o sono do paterfamilias, o homem inimigo semeou o joio sobre o trigo. O javali que veio da floresta aniquilou a vinha e a fera solitária devorou-a. Quanto a mim, eu me calo e a carta que não é minha fala contra mim. Eu ignoro minha falta e eu confesso esta falta no mundo inteiro! "Ai de mim, minha mãe, para que me geraste, para ser um homem submetido ao julgamento e à critica de toda a terra?" -- Todos os meus curtos prefácios aos livros do Antigo Testamento, dos quais eu acrescentei adiante exemplares, são testemunhos deste fato, e é supérfluo dar outra redação àquilo que neles foi dito. Eu começarei, pois, pelo Gênesis, cujo prólogo é este: "Do meu caro Desidério recebi as tão desejadas cartas, ele que obteve por sorte, como por certo presságio de coisas futuras, o mesmo nome que Daniel, ele me solicita que eu dê aos ouvidos dos nossos compatriotas o Pentateuco traduzido para a língua latina a partir do idioma hebraico. Obra certamente perigosa, sujeita aos latidos de meus detratores, que afirmam que eu forjo, para enodoar a tradução dos Setenta, textos novos em lugar dos antigos; eles apreciam o talento como o vinho, quando então eu não cessei pessoalmente de atestar que eu oferecia o que eu podia como porção viril para a tenda de Deus, e que a pobreza de um não estragava os recursos dos outros. O que me levou a ter ousadia foi o zelo de Orígenes que integrou à versão antiga a tradução de Teodocião, pontuando toda a sua obra com asterisco e óbelo, isto é, uma estrela e uma flecha, ou enquanto ele esclarece as passagens que antes faltavam, ou corta e trespassa todas aquelas que eram supérfluas; e é sobretudo a autoridade dos evangelistas e apóstolos, nos quais lemos muitas citações do Velho Testamento, que nossos manuscritos não contêm, como estes versículos: "Do Egito eu chamei meu filho"; "Porque será chamado Nazareno", e: "Eles verão aquele que eles transpassaram"; "Rios de água viva manarão de seu interior", e: "O que o olho não viu, o que o ouvido não ouviu e que não subiu ao coração do homem, eis o que Deus preparou para aqueles que o amam", e muitas outras passagens que buscam a obra própria. Interroguemos, pois, nossos manuscritos onde esses versículos se acham escritos e, quando eles não tiverem podido no-lo dizer, citemos a partir dos livros hebraicos. A primeira citação se acha em Oseias, a segunda em Isaías, a terceira em Zacarias, a quarta nos Provérbios, a quinta igualmente em Isaías. Muitos são aqueles que, ignorando isso, vão atrás das extravagâncias dos apócrifos e preferem aos livros autênticos as ninharias ibéricas. Não cabe a mim expor as causas deste erro. Os judeus dizem que se agiu por medida de prudência, de modo que Ptolomeu, que cultuava a um só deus, não surpreendesse mesmo junto aos hebreus uma dupla divindade, os quais ele tinha em muito alta estima porque pareciam cair no dogma de Platão. Com efeito, onde quer que a Escritura ateste algo sagrado sobre o Pai, o Filho e o Espírito Santo, ou eles traduziram diferentemente ou então eles guardaram um silêncio absoluto, de modo a satisfazer ao rei e não divulgar o segredo da fé. E não sei qual foi o primeiro autor que, com sua mentira, ergueu as setenta celas de Alexandria, nas quais eles redigiram separadamente textos idênticos, quando Aristeu, guarda-costas do mesmo Ptolomeu e, depois de muito tempo, José, nada disso eles relataram, mas escrevem que, reunidos em uma mesma residência real, eles conferenciaram, mas não profetizaram. Uma coisa é ser profeta, outra coisa é ser tradutor: em um caso, o Espírito prediz o que há de vir e, no outro caso, a erudição ea riqueza do vocabulário traduz aquilo que se entende. A menos que, por acaso, se deva considerar que Cícero tenha traduzido Econômico de Xenofonte, o Protágoras de Platão e o Pro-Ctesifonte de Demóstenes ao sopro retórico da inspiração; ou então o Espírito Santo compôs para os mesmos livros atestações diferentes por intermédio dos Setenta e dos apóstolos, de modo que o que aqueles mantiveram em silêncio, estes mentiram dizendo que estava escrito. Então o que dizer? Nós condenamos os antigos? De modo algum; mas nosso trabalho sucede aos estudos de nossos predecessores na casa do Senhor, segundo nossas possibilidades. Eles fizeram uma tradução anterior ao advento de Cristo; e o que eles ignoravam eles exprimiram com sentenças indecisas. O que nós escrevemos depois de sua paixão e ressurreição não é tanto profecia quanto é história. As coisas ouvidas são narradas de um modo, e as coisas vistas, de outro. Aquilo que melhor entendemos também exprimimos melhor. Escuta, pois, rival, dá-me ouvidos, maledicente; eu não condeno, eu não critico o s Setenta, mas a eles todos eu prefiro resolutamente os apóstolos. E o Cristo que retine os meus ouvidos pela boca daqueles que eu leio que se acham situados antes dos profetas, entre os carismas espirituais, dentre os quais os tradutores ocupam quase o último lugar. Por que te torturas de ciúme? Por que suscitas contra mim os corações dos ignorantes? Em toda parte em que eu pareço errar na tradução, interroga os hebreus, consulta os mestres de diversas cidades: o que eles têm sobre o Cristo, teus manuscritos não o têm. A menos que eles tenham estabelecido as atestações contra eles e que os exemplares latinos sejam mais corretos que os gregos e que os gregos o sejam mais que os hebreus. -- Do mesmo modo, nos livros de Samuel e dos Reis, que denominamos os quatro livros dos Reis, depois do catálogo da Divina Escritura, eis as observações que eu fiz: "Visto que assim elas se apresentam, eu suplico a ti, leitor, que não penses que o meu trabalho seja uma crítica aos antigos. Para o tabernáculo de Deus, cada um oferece o que pode: uns oferecem ouro e prata e pedras preciosas, outros linho puro, púrpura, escarlate e jacinto. Para nós, está muito bom se tivermos oferecido peles e pelos de cabras. Porém, o apóstolo julga mais necessários nossos presentes mais desprezíveis. Por esta razão, toda essa beleza do tabernáculo, cujos diversos aspectos distinguem a Igreja presente e futura, é recoberto de peles e pelos de cabra. São os materiais mais vis que detêm o ardor do sol e os danos das chuvas". Vê o orgulho de que estou cheio junto aos Setenta, ao ponto de proclamar que eles ofereceram na tenda de Cristo ouro, pedras preciosas e púrpura, e eu, peles e pelos de cabras. -- Eu citarei mais um testemunho, para que tu não vás dizer que é sob a pressão das circunstâncias que eu fui obrigado a mudar de opinião. Na ocasião do Livro das Crônicas, isto é, os Paralipômenos, que se chamam em hebraico os "Dabre Iamim", eis o prefácio de que me vali, para o santo papa Cromácio: "Se a edição dos Setenta tradutores permanecesse inalterada e tal qual foi por eles traduzida para o grego, é inutilmente que tu, meu caro Cromácio, o mais santo e o mais sábio dos bispos, tu me levarias a traduzir os volumes hebraicos para a língua latina. Com efeito, este texto que havia sido assimilado pelos ouvidos dos homens e fortalecera a fé da Igreja nascente, era justo que fosse aprovado também com o nosso silêncio. Mas agora que circulam diversos modelos de tradução que variam por regiões, e que esta versão autêntica e primitiva tenha sido corrompida e maculada, tu pensas que seja nossa decisão ou julgar a partir dos vários textos qual é o verdadeiro, ou fazer uma obra nova a partir da antiga e, apesar da zombaria dos judeus, furar o olho à gralha. Alexandria eo Egito recomendam a autoridade de Hesíquio para a sua edição dos Setenta. De Constantinopla até Antioquia têm vigência os modelos estabelecidos pelo mártir Luciano. As províncias intermediárias leem os manuscritos palestinos, os quais têm sido objeto de trabalho cuidadoso de Orígenes e foram divulgados por Eusébio e Pânfilo. E o mundo inteiro disputa entre si por esta divergência em três partes. Em todo caso, Orígenes não se contentou em associar os exemplares das quatro versões, transcrevendo palavra por palavra, uma diante da outra, para que um texto apenas em desacordo fosse logo denunciado por outras que entre si estivessem em acordo; mas - o que é mais audacioso - ele integrou a versão de Teodocião à dos Setenta, apontando com asteriscos as que faltavam e com vírgulas as que pareciam ter sido introduzidas a título de glosas. Se, pois, foi permitido a outros o não se aterem ao texto que tinham uma vez recebido e, se, depois das setenta celas - histórias que são lançadas ao público sem autor, - eles abriram cada um a sua cela, e lê-se nas Igrejas o que os Setenta ignoraram, porque os meus compatriotas latinos não me receberiam, eu que, sem atingir a antiga versão, estabeleci uma nova versão de modo que eu garantisse por meu trabalho a autoridade dos Hebreus e - o que é maior que isso - a dos apóstolos? Eu escrevi há pouco tempo um livro 'Sobre a melhor maneira de traduzir', mostrando aí as seguintes passagens do Evangelho: 'Do Egito chamei meu filho' e 'Porque ele será chamado Nazareno'; 'Eles verão aquele que eles traspassaram', e este texto do apóstolo: 'O que o olho não viu, o que o ouvido não ouviu e que não subiu até o coração do homem, eis o que o Senhor preparou para aqueles que o amam', e outras passagens semelhantes a estas se encontram nos livros dos hebreus. Certamente, os apóstolos e os evangelistas conheciam os Setenta tradutores. Mas de onde vem que eles citam esses textos que não se acham nos Setenta? O Cristo, nosso Deus, autor de dois testamentos, declara no Evangelho segundo São João: 'Aquele que crê em mim, ele diz, conforme diz a Escritura, de seu interior fluirão rios de água viva'. Com toda a certeza está escrito aquilo que o Salvador testemunha que foi escrito. Onde está escrito? A edição dos Setenta não tem este texto, e a Igreja ignora os apócrifos. Deve-se, pois, voltar aos hebreus, segundo os quais fala o Senhor e os discípulos antecipam os exemplos." Eu o digo, salvo o respeito devido aos velhos, e apenas respondo aos meus detratores que, com dente canino, me roem, em público dizem mal de mim, pelos cantos me leem, ao mesmo tempo acusadores e defensores, porque eles em outros reprovam o que em mim aprovam, como se a virtude e o vício não tivessem nada de objetivo, mas que mudasse com o autor. De resto, eu me lembro de ter outrora comunicado aos nossos a versão dos Setenta corrigida a partir do grego e não se deve tomar-me por inimigo daqueles que eu sempre explico na assembleia de meus irmãos. E se eu traduzi agora os "Dabre Iamim", isto é, as "palavras dos dias", é para pôr em ordem o emaranhado das cesuras e a selva dos nomes, confundidos pelo erro dos copistas, e os barbarismos cometidos na interpretação, pela clareza que podem trazer os membros de frase. É para mim mesmo e para os meus, ao modo de Ismênio, que eu canto, se os outros fazem ouvidos surdos. -- No volume de Esdras também eu sustentei palavras semelhantes em meu prefácio e depois de múltiplas considerações, eu acrescentei isto: "A conclusão que eu vou tirar é perfeitamente justificada. Eu publiquei um texto que o grego não comporta, ou que ele comporta sob uma forma que é diferente daquela que eu traduzi. Por que se dilacera o tradutor? Que se interroguem os hebreus e, tomando-os a eles próprios por autores, que se conceda ou que se tire todo crédito à minha tradução. De resto, é outra coisa, como se diz, se, com olhos fechados querem falar mal de mim, e que eles não imitam o zelo e a boa disposição dos gregos que, depois dos Setenta tradutores, e que, já estando a resplandecer o Evangelho de Cristo, leem atentamente os judeus e os ebionitas, tradutores da antiga Lei, a saber: Áquila, Símaco e Teodocião e que, através do trabalho de Orígenes, fizeram, nas Hexaplas, homenagem às Igrejas. Quanto mais os latinos deveriam ser gratos ao ver a Grécia exultante tomar-lhe emprestado alguma coisa! Primeiramente, com efeito, é de grandes despesas e de infinita dificuldade poder ter todos os exemplares. Em seguida, aqueles que as tiverem tido, mas que ignoram o hebraico, se perderão muito, ignorando qual entre tantos autores terá tido a expressão mais verídica. E o que aconteceu a um homem de grande inteligência, ao ponto de ter, às vezes, abandonado o sentido da Escritura para seguir o erro de um certo tradutor. Nós, porém, que temos, pelo menos, um modesto conhecimento do hebraico - e o latim, de toda maneira, não nos falta, nós podemos, ao mesmo tempo, fazer sobre os outros um julgamento e expor em nossa língua o que nós compreendemos". -- Eu passarei ao livro de Jó, o qual, depois da edição dos Setenta tradutores, a qual Orígenes pontuou com asteriscos e óbelos, há vários anos vertido para o latim, retraduzi-o diretamente do hebraico, eis o que eu disse: "Sou forçado a responder, por cada livro da Divina Escritura, às calúnias dos meus adversários, que acusam a minha tradução de ser uma crítica dos Setenta, como se, entre os gregos Áquila, Símaco e Teodocião, não tivessem igualmente adotado um método de tradução, seja literal, seja buscando reproduzir o sentido ou ainda construindo uma síntese equilibrada dos dois procedimentos e que Orígenes não tivesse pontuado todos os volumes do Velho Testamento com óbelos e asteriscos, sinais que ele introduziu na antiga versão, seja que ele os acrescentou, seja que ele os tenha tomado de Teodocião, provando que o que foi acrescentado preenchia uma lacuna. Que meus detratores aprendam a receber em totalidade aquilo que por partes tomaram, e a limpar a minha tradução com seus asteriscos. Não pode acontecer que, com efeito, eles não reconheçam que aqueles que eles constatam que omitiram várias coisas não sejam os mesmos a ter errado em certos pontos, especialmente em Jó, ao qual, se subtrairdes o que foi acrescentado sob os asteriscos, uma parte muito grande será cortada, e isto pelo menos entre os gregos. Além do mais, entre os latinos, antes dessa tradução que ultimamente traduzimos sob asteriscos e óbelos, o texto conta com setecentos ou oitocentos versos, se bem que o livro encurtado, mutilado e corroído exponha a sua fealdade àqueles que o leem em público". E depois de muitos pontos que eu salto em meu esforço para ser breve, aqui está o que eu acrescentei no fim: "Por isso ouçam meus cães que, se penei neste volume, não foi para repreender a antiga tradução, mas para manifestar mais claramente, pela nossa tradução, aqueles pontos que, nela, ou são obscuros ou omissos, ou ainda alterações devidas à falta dos copistas, nós que, em parte, aprendemos o hebraico e, na língua latina, fomos exercitados desde o berço, entre gramáticos, retóricos e filósofos. Pois, se entre os gregos, depois da edição dos Setenta, estando já resplandecente o Evangelho de Cristo, o judeu Áquila, os heréticos judaizantes Símaco e Teodocião foram adotados, os quais ocultaram por uma tradução enganadora muitos mistérios do Salvador, e entretanto as versões estão contidas nas Hexaplas junto às Igrejas e lá são explicadas por homens de Igreja: quanto mais eu, cristão de pais cristãos e carregando à minha fronte o estandarte da cruz, que me esforcei por restituir as omissões, corrigir as alterações e revelar os mistérios da Igreja em uma linguagem pura e ortodoxa, não devo ser reprovado por leitores desdenhosos ou mal-intencionados!" -- Quanto ao Saltério que Roma adotou há pouco, pelo menos na versão muito correta estabelecida por nossos cuidados segundo os Setenta, eu os muni de um prefácio, retraduzindo-o do hebraico, e eis o que eu disse em uma parte do prólogo: "Assim, pois, discutindo com um hebreu, tu avançaste certas citações dos Salmos em favor do Senhor Salvador, e ele, querendo brincar contigo, quase a cada frase afirmava que não havia no hebraico o que tu tiravas da edição dos Setenta; para objetar-lhe, com muito zelo, solicitaste que eu traduzisse uma nova edição em língua latina, depois de Áquila, Símaco e Teodocião. Tu dizias, com efeito, que a variedade dos tradutores te perturbava muito e, pelo amor que tu me tens, tu te contentavas com a minha tradução e o meu julgamento. E por isso que, impelido por ti, a quem não posso recusar o impossível, eu me entreguei novamente aos latidos de meus detratores; eu preferi que tu pusesses em questão antes as minhas capacidades que a minha boa vontade na amizade. Certamente direi resolutamente, e citarei muitas testemunhas em favor de minha obra, que, pelo menos conscientemente, não mudei nada à verdade hebraica. Se, pois, a minha edição estiver em desacordo com as antigas, interroga qualquer hebreu, e verás com evidência que sou dilacerado em vão pelos rivais, os quais preferem parecer desprezar as obras eminentes que aprendê-las: pessoas profundamente perversas! De fato, eles que sempre buscam prazeres novos e à sua gula os mares vizinhos não bastam, por que não se contentam com um sabor antigo senão pelo estudo das Escrituras? Eu não digo isto para dilacerar os meus predecessores ou porque eu penso que devem ser malditos aqueles cuja versão, com todo cuidado corrigida, eu entreguei outrora às pessoas que falam minha língua, mas uma coisa é ler os salmos nas assembleias daqueles que creem em Cristo, outra coisa responder aos judeus que nos caluniam em cada palavra". -- Quando eu traduzia também os livros de Salomão, dos quais eu tinha dado outrora em latim uma versão conforme os Setenta e que eu os dedicava aos santos bispos Cromácio e Heliodoro, com um acréscimo de óbelos e asteriscos, a partir do hebraico, eis o que acrescentei no fim do meu prefácio: "Se há alguém a quem agrade mais a versão dos Setenta tradutores, ele a tem corrigida outrora por nós. Na verdade, nós não fabricamos coisas novas para destruir as antigas". -- Passarei igualmente a Isaías e introduzirei a parte de seu prólogo que fala da tradução dos Setenta. "Aquele de quem eu dizia que era mais evangelista que profeta, visto que ele tinha desenvolvido de um modo límpido a totalidade dos mistérios do Cristo e da Igreja que se acreditaria que em vez de profetizar sobre o futuro, ele compunha a história do passado", eu acrescentei também isto: "Donde eu suponho que naquele momento os Setenta não quiseram revelar aos pagãos os mistérios de sua fé, para não dar aos cães o que é santo, nem pérolas aos porcos. Estes mistérios, vós constatareis pela leitura desta versão que eles as dissimularam. E eu não ignoro quanto trabalho seja necessário para compreender os profetas, nem que alguém possa julgar sua tradução à condição de compreender antes o que leu, e que nós estamos expostos às mordidas de vários que, sob o estímulo da inveja, desprezam o que não são capazes de conseguir. É, pois, com consciência e com prudência que eu meto a mão no fogo; entretanto, eu dirijo esta súplica aos leitores desdenhosos: do mesmo modo que os gregos leem Áquila, Símaco e Teodocião, depois dos Setenta tradutores, seja para melhor compreendê-los confrontando com os Setenta, seja pelo interesse por sua doutrina, do mesmo modo que eles querem também consentir em ter, pelo menos, um tradutor a mais que os anteriores. Que eles leiam antes para desprezar depois, para não dar a crer que não é o discernimento, mas o ódio preconcebido que os faz condenar o que eles ignoram". -- A respeito de Daniel, porém, responderei brevemente que eu não neguei que ele fosse profeta, o qual reconheci logo no começo de meu prólogo que fosse profeta, mas eu quis mostrar o que diziam os hebreus e por quais argumentos eles se esforçavam por justificar seu ponto de vista, e eu informei ao leitor que as Igrejas de Cristo leem este profeta segundo Teodocião e não segundo os Setenta tradutores. Se eu disse neste livro que sua versão deles é bastante distanciada da verdade e reprovada por justa causa pelas Igrejas de Cristo, não sou eu que o disse que tenho culpa, mas aqueles que leem. Temos à disposição quatro edições, Áquila, Símaco, a dos Setenta e Teodocião. As Igrejas leem Daniel segundo Teodocião. Quanto a mim, em que eu pequei, se eu segui o julgamento das Igrejas? Quanto a reportar o que os hebreus costumam dizer para opor à história de Susana e o hino dos três meninos e as histórias de Bel e do dragão, que não se encontram no volume hebraico, aquele que me acusa disso prova que é um estúpido sicofanta. Não é, com efeito, o que eu próprio senti, mas aquilo que eles têm costume de nos dizer que eu desenvolvi. E se eu não refutei o ponto de vista deles no prólogo, para que eu não parecesse escrever um prefácio, mas um livro, eu penso que logo expus o motivo. Eu disse, com efeito: "disto não é o momento de discutir". Aliás, também pelo fato de eu ter sustentado que Porfírio disse muitas coisas contra esse profeta e invocado a "Metódio, Eusébio e Apolinário como testemunhas deste fato, os quais com muitos milhares de versos responderam à extravagância dele", ele poderá acusar-me de não ter escrito, no meu prefaciozinho, contra os livros de Porfírio. Aquele que se apega a ninharias deste tipo e não quer acolher a verdade da Escritura hebraica, que ele me ouça proclamá-lo com toda franqueza: ninguém o força a ler o que ele não quer. Eu, eu escrevi para aqueles que mo pediam, não para os desdenhosos; para aqueles que têm reconhecimento, não para os invejosos; para os aplicados, não para os que bocejam. Entretanto, eu me admiro de que maneira ele leia Teodocião, um herege e um judaizante, e que ele despreze a versão de um cristão, tão pecador que ele seja. -- Eu te rogo, amigo caríssimo, que a tal ponto és curioso que até meus sonhos conheces, e pões em acusação tudo o que eu escrevi durante tantos anos sem medo da calúnia vindoura, que respondas como podes desconhecer os prefácios daqueles livros que tu acusas, os quais têm, por uma espécie de adivinhação, refutado a calúnia futura, cumprindo o provérbio: primeiramente o antídoto, depois o veneno. Em que prejudica às Igrejas nossa tradução? E com grandes despesas, pelo que sei, que compraste as de Áquila, Símaco e Teodocião e os tradutores judaicos da quinta e sexta edição. Teu Orígenes e - para que não te queixes de que, por acaso, te tenham ferido com um elogio hipócrita - Orígenes nosso - eu digo "nosso" por causa da erudição do gênio, não por causa da verdade de suas opiniões - expõe e discute em todos os seus livros, depois dos Setenta tradutores, as traduções dos judeus. Eusébio e também Dídimo fazem o mesmo. Eu excetuo Apolinário, que, com uma aplicação louvável, sem dúvida, mas não segundo a ciência, tentou coser em uma só roupa peças retiradas das traduções de todos, e entretecer uma série da Escritura, não conforme uma regra de verdade, mas conforme o seu próprio julgamento. Os discípulos dos apóstolos se utilizam das Escrituras hebraicas. É evidente que os evangelistas e os apóstolos fizeram eles próprios o mesmo. O Senhor e Salvador, todas as vezes que faz menção ao Velho Testamento, cita exemplos dos volumes hebraicos, como esta passagem: "Aquele que crê em mim, como diz a Escritura, rios de água viva fluirão de seu ventre", e na própria cruz: "Eli, Eli, lema sabachtani", o que se traduz: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?", não como foi citado pelos Setenta: "Ó Deus, meu Deus, olha-me, por que me abandonaste?", e muitas passagens a estas similares. E se dizemos isto, não é que estigmatizamos os Setenta tradutores, mas é o Cristo e os apóstolos que têm mais autoridade, onde quer que os Setenta não estejam em desacordo com o hebraico, aí os apóstolos tomaram exemplos de sua tradução; onde há divergência de fato, eles puseram em grego o que haviam aprendido junto aos hebreus. Da mesma forma, pois, quanto a mim, eu mostro numerosos textos do Novo Testamento citados a partir dos Velhos Livros que não se acham nos Setenta, e eu mostro que eles se acham escritos em hebraico, assim que o meu acusador mostre alguma coisa que esteja escrita no Novo Testamento, segundo a tradução dos Setenta tradutores que o hebraico não contém, e a contenda então chega ao fim. -- De tudo isso, resulta que tanto a versão dos Setenta tradutores, que foi firmada pela vetustez dos leitores, que é útil às Igrejas, porque as nações ouvem que o Cristo haverá de vir antes de sua vinda real, e outros tradutores não devem ser rejeitados, pois não traduziram seus próprios volumes, mas os volumes divinos, e que meu amigo deve acolher de um cristão e amigo seu aquilo que com grande custo ele apressou-se a copiar para si segundo os judeus. Eu ultrapassei os limites de uma carta e eu, que contra uma abominável heresia acabava de pegar o estilo, fui forçado a justificar-me, esperando os três volumes de meu amigo e, entretido com toda a mente pelo monte de seus agravos, salvo se é mais leve proteger-se de um inimigo declarado que enfrentar um inimigo escondido sob o nome de um amigo..

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Indaiatuba:

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