Uesc Curso De Medicina Veterinaria

New York State College of Veterinary Medicine - As Chamas do Amor de Jesus. Capítulo XXXII - Jesus, antes de morrer, dá-nos Maria por Mãe - "Tendo Jesus visto a sua Mãe, e ao pé dela o discípulo que amava, disse a sua Mãe: 'Mulher, eis ai o teu filho'; disse depois ao discípulo: 'Eis ai a tua Mãe'" (Lc 19,26-27). Chegava o momento em que Jesus resolvera dar o ultimo suspiro: este divino Salvador ia dar por nós as sua vida. Já nos havia legado as suas instruções, os seus exemplos, os seus méritos; já se entregava a nós para ser o alimento das nossas almas; nada mais faltava, ao que parece, e Jesus podia expirar com a convicção de que por nós esgotara todos os tesouros da sua ternura. Mas o amante coração deste bom Mestre compreende que nos não deixará ainda sem mãe. Ó doce Jesus! Vós sabíeis, vós, tão doce e tão terno, sabíeis o que é uma mãe; sabíeis o quanto é doce repousar sobre ela o cuidado de quanto nos diz respeito; sabíeis que precioso tesouro é uma terna mãe, e quisestes deixar-nos uma. Eis como se passou: a santa Virgem e São João estavam ao pé da cruz: nosso Senhor lançou os olhos sobre eles e diz a sua santa Mãe: "Mulher, eis ai o teu filho"; diz depois a São João: "Eis ai a tua Mãe". Ora não é somente a São João que dirigiu estas palavras: é a todos os cristãos, é a vós que ledes estas linhas, a mim que as escrevo, que são dirigidas estas palavras, e que nos diz apresentando-nos Maria: "Eis ai a vossa Mãe." Que dita para nós termos tal mãe! "Maria é Mãe de Deus; Maria é ao mesmo tempo minha Mãe", de mim, pobre pecador. Oh! Que confiança! Não devo ter nela! ela é onipotente junto a seu Filho; uma só de suas orações é, de alguma sorte, Uma ordem para Jesus, que não lhe recusa nada. Ela é minha Mãe! Ama-me, quer a minha salvação! Oh! Torno a repetir, que confiança não devo depositar nela. "Maria é a nossa Mãe! Maria é a nossa Mãe!" Repitamos incessantemente estas tão doces, tão consoladoras palavras: "Maria é nossa Mãe!" Que felicidade para os que vivem sob a proteção de uma mãe tão terna e tão poderosa! Quem ousará vir arrancar do seio de Maria os filhos que nele procuram um asilo contra o furor dos seus inimigos? Que paixão, que tentação tão furiosa os poderá vencer, se na proteção de uma tal mãe põe a sua confiança? Ó mãe amabilíssima! Mãe compassiva, sejais sempre bendita; igualmente seja bendito Deus que a vós nos deu por mãe! A santa Virgem revelou a Santa Brigida que, assim como uma mãe, se visse o seu filho prestes a ser vitima de um ferro inimigo, exporia a sua vida para o salvar; assim, disse ela, obro e sempre obrarei para com os meus filhos, bem que pecadores, todas as vezes que recorrem à minha misericórdia. Assim, não duvidemos, em todos os combates com o inferno, sempre sairemos vencedores, se recorrermos a Maria, nossa Mãe, dizendo-lhe do fundo do coração com a Igreja: Sub tuim præsidium confugimus, sancta Dei Genitrix. Oh! Quantas vitórias não têm sido ganhas sobre o inferno, por meio desta curta mas eficaz suplica! Uma grande serva de Deus, sóror Maria do Crucifixo, beneditina, não recitava outra para por em fugida o demônio. Regozijai-vos, pois, ó vós que sois filhos de Maria: sabeis que ela aceita por seus filhos todos os que querem sê-lo. Regozijai-vos, e enchei-vos de confiança; quem ama a doce Maria, e confia em sua proteção, deve reanimar-se e dizer: "Que temes, ó minha alma? O processo de tua eterna salvação não pode deixar de ter um feliz resultado, a sentença está nas mãos de Jesus teu irmão, e de Maria tua mãe." Este pensamento oferecendo-se ao espírito de Santo Anselmo, o fazia exultar de alegria: "Ó feliz confiança", exclamava, "ó refúgio seguro! A mãe de Deus é minha mãe! Com que certeza não devemos esperar, pois que a salvação depende do melhor dos irmãos e da mais terna das mães!" Os pequeninos têm sempre a boca na mãe; ao menor perigo que o£ ameaça, ao mais leve susto, levantam logo a voz; e gritam: "Minha mãe! Minha mãe!" Ai! Doce e terna Maria! É o que vós quereis também de nós; quereis que como meninos, vos chamemos sempre nos perigos, sempre recorramos a vós. É isso, pois, ó! Que doravante proponho fazer; vinde em meu socorro. Maria é a nossa luz, o nosso facho, a nossa estrela, a nossa guia no tempestuoso mar deste mundo. "Ó homem, exclama São Bernardo, queres escapar a um triste naufrágio? Volta os olhos a Maria, fixa a vista nesta estrela benéfica, invoca a Maria em todos os perigos, em todos os revezes; nas mais criticas circunstâncias da vida, pensa em Maria, invoca a Maria. Em tua boca esteja sempre o seu nome, nunca saia do teu coração. Seguindo-a não te perderás; suplicando-a, não cairás no desespero. Se te sustem, não cairás; se te protege, nada tens a temer; se te é favorável, chegarás ao porto da salvação." Ó doce Maria! Minha terna mãe, quero sempre recorrer a vós, sempre amar-vos, sempre invocar o vosso santo nome. Ah! Minha boa mãe! Minha amável senhora! para gloria do vosso nome, vinde ao encontro da minha alma quando sair deste mundo, e dignai-vos recebe-la em vossos braços. Vinde consola-la então com a vossa doce presença; sede para ela a escada e o caminho do paraíso. Obtende-me a graça do perdão e da felicidade eterna. "Maria é nossa mãe!" Meu Deus! Que encantos tem este nome de Mãe! Como é doce! Quanto tocante! Basta prenunciá-lo para o coração se dilatar. Oh! Sim, Maria é nossa mãe, gerou-nos a todos sobre o Calvário ao pé da cruz, quando, na amargura do seu coração, ofereceu ao Padre eterno a vida do seu bem amado Filho, para a nossa Salvação; sim, ela é nossa mãe, não pela carne, mas pelo amor que nos tem. E que mãe ama os seus olhos como Maria nos ama? Quem poderia explicar a veemência da sua ternura para conosco, pobres miseráveis? O amor que aos seus filhos todas as mães tem não passa de uma sombra à vista do que tem Maria a um só de nós. Ela só ama-nos mais do que todos os anjos e santos juntos, e isto apesar dos nossos pecados e frouxidões em seu serviço. Nem os maiores pecadores são excluídos do seu amor; está sempre pronta a socorrê-los. Visto como Maria nos ama com uma tão viva ternura, ficaremos insensíveis ao seu amor? Não, certamente; longe, longe de nós a ingratidão! "Amor pois a Maria, amor à nossa mãe, mas amor imortal!" "Amor para sempre! porque sempre somos miseráveis e Maria sempre compassiva." "Amor para sempre! porque sempre somos fracos, sempre expostos aos assaltos do inferno e do mundo, e Maria sempre forte por Aquele que venceu o inferno e o mundo, sempre o nosso sustentáculo." "Amor para sempre! porque Maria será sempre amável, e apesar da nossa indignidade, nunca cessará de nos cingir da sua maternal solicitude." "Façamos melhor ainda; afim que Maria nos abrase de um verdadeiro e ardente amor de Jesus, todos à porfia confiemos à sua ternura a guarda dos nossos corações; e, confiando que esta mãe incomparável os adornará como convém para o amor do celeste Esposo, cada um de nós se tenha por feliz de poder dizer na vida e na morte: 'O meu coração não é meu, o meu coração é de Maria'" (Mês de Maria, pelo senhor Abbade Guillou). Ó Jesus! Ó melhor de todos os meus amigos! Que poderei fazer para dignamente vos agradecer a bondade com que quisestes dar-nos Maria por Mãe? E vós, ó Maria! como reconhecerei tantos distintivos da ternura que me heis prodigalizado? Ah! amar-vos-ei a um e outro de todo o meu coração. Mas ai! Que é o amor de uma pobre e misera criatura tal como eu? É digno de se vos apresentar? Não, Sem duvida; todavia, ó Jesus e Maria! cheio de confiança em vossa compassiva misericórdia, que a ninguém rejeita, amar-vos-ei de todo o meu coração. Sim, sim, amar-vos-ei, ó Jesus! fazei descer o vosso amor à minha alma, inebriai-a desse amor puro; concedei-me a graça de não sair desta vida senão quando houver feito de vós o meu único desejo e for-me impossível amar outra coisa fora de vós. Fazei até, ó Deus meu! que esta palavra "amar", não a pronuncie a minha boca senão para vós só, pois que exceto vós, tudo fenece, perece tudo, é tudo um nada. Ah! Puríssima Maria, doce Maria! fazei que doravante o vosso nome seja a alma da minha vida. Apressai-vos a me socorrer todas as vezes que vos invocar. Ó Jesus! Ó Maria! Meus amores! Vivam sempre os vossos doces nomes em mim e em todos os corações. Ah! Eu vos suplico, quando me achar no artigo de morte, no momento em que minha alma tiver de sair desta vida, concedei-me por vossos méritos a graça de consagrar os meus últimos acentos a repetir: "Eu vos amo, Jesus e Maria! Jesus e Maria, dou-vos o meu coração e a minha alma." Assim seja. RESOLUÇÕES PRÁTICAS Devoções a Maria A devoção a Maria, meu caro Teótimo, é a devoção dos santos. Como todos os livros dela faliam, contentar-me-ei com te indicar as práticas de devoção para esta boa Mãe, que são as mais simples e úteis. I - O Rosário Sê-lhe fiel, não se passe um só dia sem dizeres, pelo menos, duas dezenas. Quando te deitares, passa as contas em volta do pescoço e pede a Maria que te tome sobe sua proteção. II - A Ave-Maria Todos os dias, de manhã e à noite dize de joelhos três Ave-Marias; juntando a cada uma: Por vossa pura e Imaculada Conceição, ó Maria, purificai o meu corpo e santificai a minha alma. Pede em seguida a Maria a sua bênção maternal, e coloca-te debaixo de sua especial proteção no dia ou na noite que segue. Quando ouvires soar horas, ao sair ou entrar em casa, antes ou depois de cada uma de tuas ações, recita a Ave-Maria. Ao despertar de manhã, ao fechar os olhos para dormir, a cada tentação, em cada perigo, em qualquer movimento de impaciência, etc., dize a Ave-Maria. Meu caro Teótimo, pratica esta devoção e verás que utilidade tirarás. III - O Angelus Faze por nunca te escapar o recita-lo de manhã, ao meio dia e à noite, ao toque do sino; não permitas que o respeito humano te o impeça. Mas, basta recita-lo uma só vez no dia para ganhar a indulgência plenária no fim do mês. IV - As Novenas A mais agradável devoção à Santa Virgem é a imitação das suas virtudes. Propõe-te pois em cada novena imitar uma de suas virtudes, a mais adaptada ao mistério. Assim na festa da Conceição, a pureza de intenção; na da, Natividade, o renovamento do espírito, expelindo a tibieza; na Apresentação, o desprendimento da coisa a que estás mais apegado; na Anunciação, a humildade e amor do desprezo; na Visitação, a caridade para com o próximo, dando esmolas ou ao menos orando pelos pecadores; na Purificação, a obediência aos superiores; na Assunção, o desapego e a preparação para a morte, procurando viver como se cada dia fora o ultimo da tua vida. Deste modo produzirão em ti as novenas grandes resultados e felizes frutos de santidade. V - O Jejum Todos os sábados jejua em honra de Maria, se te o permite o confessor; senão faze algum ato de mortificação. VI - O Escapulário Traze com respeito o escapulário ou a medalha da Imaculada Conceição. VII - Recorra à Maria Toma o habito de recorrer a miúdo à Santa Virgem, e pronunciar com amor o seu santo nome. "Jesus e Maria! Jesus e Maria!" Tanto poder têm estas palavras que põem em fugida o inferno logo que se pronunciam com fé e confiança (Vede a obra de Santo Afonso de Ligório intitulada As Glorias de Maria; nela depararás um grande numero de outras práticas de devoção em honra da Santa Virgem). Convém notar, meu caro Teótimo, que as praticas que te propus não são preceitos que te obriguem debaixo de pecado; são simples conselhos que te dou para que mais facilmente possas honrar a Maria e merecer por este meio a sua santa proteção. Tão pouco te digo que te sobrecarregues de todas estas práticas de devoção; contento-me com t'as pôr diante dos olhos; a ti compete com prudência escolher as que mais úteis te forem. Mas uma coisa te recomendo e é que te faças inscrever em alguma congregação ou confraria de Santa Virgem, e cumprir exatamente todos os seus exercícios. Por isso obterás muitas graças preciosas, muitos pecados evitarás; pois, no sentir de Santo Afonso de Ligório, há, regularmente falando, mais pecados numa pessoa que não segue os exercícios duma congregação, do que em vinte que a frequentam. Recomendo-te também a devoção do Rosário Vivo, porque produz abundantes frutos de salvação por toda a parte onde se estabelece. Meu caro Teótimo, ama a Maria, ama-a sempre como um menino ama a sua mãe; não te poupes a nada para lhe ser agradável; tem sempre confiança em sua bondade e misericórdia, que ela te obterá o perdão dos teus pecados. Ama a Maria, que ela te porá ao abrigo de todos os perigos que nesta terra de exílio corres. Ama a Maria, e ela pedirá para ti a seu Filho todas as graças de que tens necessidade. Ama a Maria, e no momento da tua morte ela te virá consolar nas tuas penas e sustentar-te contra os perigosos assaltos dos inimigos da tua salvação. Ama a Maria, e ela um dia te abrirá as portas do céu. ORAÇÃO A MARIA, NOSSA MÃE Ó Maria! Mãe Santíssima! Como é possível que tendo uma mãe tão santa, seja tão perverso? Tendo uma mãe sempre abrasada do amor de Deus, ame só as criaturas? Tendo uma mãe tão rica de virtudes seja tão pobre? Ó minha amabilíssima Mãe! É verdade que não mereço ser vosso filho; indigno me tornou de tal prerrogativa o meu mau procedimento. Só vos peço a graça de me aceitardes por servo vosso; e para ser admitido no numero dos mais vis que vós tendes, pronto estou a renunciar a todos os reinos da terra. Com ser servo vosso me contento; mas não me proibais o poder chamar-vos minha Mãe. Este nome me consola, me enternece, me lembra a obrigação que tenho de vos amar; este nome me anima a pôr confiança em vós. Quando mais me espantam os meus pecados e justiça divina, fortifica-me o pensamento de que sois a minha Mãe. Permiti-me que vos diga: ó minha Mãe! ó minha dulcíssima Mãe! É assim que vos chamo, assim é que sempre vos chamarei. Depois de Deus, sois vós a minha esperança, o meu refugio, o meu amor neste vale de lágrimas. Espero, pois, morrer entregando, nesse supremo momento, minha alma nas vossas mãos, dizendo-vos: Minha Mãe, ó Maria! minha boa Mãe! vinde em meu socorro; tende compaixão de mim. Amo-vos, ó minha Mãe! e quisera possuir um coração que vos amasse por todos os desgraçados que não vos amam. Se riquezas tivera, todas, empregaria em vos honrar; se vassalos, todos faria servos de Maria; por vós, por vossa gloria, sacrificaria enfim minha vida, se necessário fora. Amo-vos pois, ó minha Mãe! mas temo ao mesmo tempo não vos amar, pois ouço dizer que o amor faz o amante semelhante à pessoa amada. Ver-me pois tão pouco semelhante a vós, é sinal bem evidente de que vos não amo; vós tão pura, eu tão manchado! Vós tão humilde, eu tão soberbo! Vós tão santa, eu tão pecador! Mas a vós toca, ó Maria, dar remédio a isto! Se é que me amais, tornai-me semelhante a vós. Tendes o poder de mudar os corações, tomai o meu, e guardai-o. Fazei ver ao mundo o quanto podeis a favor dos que vos amam, tornai-me santo; tornai-me digno do vosso Filho. Assim seja (Santo Afonso de Ligório, Glorias de Maria). Capítulo XXXIII - Jesus é desamparado de Deus seu Pai - "Deus meu, Deus meu, porque me abandonastes?" (Mc 15,34). Profundas trevas cobriam milagrosamente a face da terra; toda a natureza, à vista do seu Deus moribundo, estava na consternação e pasmo... E Jesus há três horas guardava um profundo silencio. De súbito exclama com uma voz forte: "Deus meu! Deus meu! Porque me desamparastes?" Ó meu Jesus! Que cruéis não deviam ser as vossas dores, que de alguma sorte vos forçaram a vós, tão doce, tão resignado, tão paciente, vos lastimardes ao vosso Pai! - Meu filho, nestas palavras não é uma queixa que proferi, é uma lição que te dei. Quis deixar-te entender quanto padeci, para adquirir o teu amor, e para te merecer a graça de vires um dia reinar comigo no céu. Excessivas eram as dores que em meu coração sofria, nem um movimento na cruz podia fazer que elas se não me aumentassem desmesuradamente; mas todas essas dores que eram em comparação das de que minha alma estava repleta? Ai! Via-me abandonado dos meus discípulos, coberto injurias por minhas próprias criaturas, saciado de opróbrios por esses mesmos que acumulara de bens; divisava através dos séculos tantos cristãos que calcariam aos pés os méritos da minha paixão; tu mesmo, filho meu, tu também estavas presente ao meu espírito. Ah! Se tu souberas quantas lágrimas me fizestes então derramar destes olhos! Se souberas quantos suspiros me arrancaste de coração! Eu estava-te a ver cometer tal e tal pecado; via-te resistindo ás aspirações da minha ternura, prostituindo ao amor das criaturas esse coração que eu te dera para mim, esse coração cuja posse tão caro comprara, via-te viver longe de mim, sem pensar em mim, e precipitares-te nos eternos abismos do inferno; via-te, e chorei! via-te, e os meus sofrimentos se dobraram! - Ó meu Jesus, não poder eu apagar do numero dos dias da minha vida os que passei a ofender-vos de um modo tão indigno! Ai! Meu Deus! Isto é impossível; será sempre verdade o dizer-se que me revoltei audaciosamente contra vós; sempre será verdade dizer-se que contribui em grande parte para os sofrimentos da vossa paixão, e que mereci o inferno! Ainda assim, ó meu Salvador! Tenho confiança em vossa misericórdia, à qual de há muito me abandonei. Espero que me perdoastes esses pecados que de todo o meu coração detesto; espero que tantos tormentos por mim sofridos não serão perdidos por mim. - Meu filho, ainda não contei até ao fim tudo o que por teu amor sofri. Como tinha resolvido esgotar até à fez o cálice da amargura, consenti num tormento que pôs o cumulo a todos os outros. Meu Pai celeste abandonou-me... Ah! Meu caro filho! Sofrer as mais cruciantes dores, é nada em certo modo, quando o céu sustem a fraqueza por consolações interiores, mas sofrer, e sofrer sem consolação, no mais completo abandono é um martírio que não tem nome. Foi para te fazer conhecer este martírio, a que me submeti, que exclamei: "Meu Deus! Meu Deus! porque me abandonastes?" Algumas vezes acontecerá que por sabias razões, eu te dê a experimentar uma ligeiríssima porção das penas do meu abandono; nestes momentos, somente sentirás no meu serviço desgostos e securas, imaginar-te-ás que tens tudo perdido, que estás condenado, que Deus te abandonou, e retirou a sua mão. Então, meu filho, então é que te é preciso imitar o meu exemplo, e dizer ao Senhor com calma e amor: "Meu Deus! Meu Deus! Porque me abandonastes?" Então é que te é necessário resignares-te humildemente a tudo o que aprouver a Deus dispor de ti. Sabe que nunca avanças mais seguramente nem mais depressa no caminho da perfeição, que quando crês tudo perdido; sabe que nunca estou tão perto de ti como quando tu me julgas muito longe; sabe ainda que nunca me farás sacrifício mais agradável do que abandonando-te sem reserva, em tais circunstâncias, à minha Providencia, renunciando a toda consolação sensível no meu serviço e não querendo absolutamente senão o que eu quiser. Deixa ao meu amor o cuidado de te distribuir as consolações e as cruzes, e conserva sempre em teu coração a lembrança da interior desolação em que quis morrer por teu amor. Dela tirarás uma grande força para suportar as tuas penas, e poderás dizer-me com uma resignação mais perfeita: "Meu Deus, faça-se a vossa vontade e não a minha." - Um tormento há, ó meu Jesus! Ao qual muitas vezes me custa muito a submeter-me; tormento cruel, medonho, espantoso e capaz de me fazer morrer. Bem que nada ignorais de tudo quanto em meu coração se passa, dir-vos-ei sempre qual a causa deste tormento: é o não saber se estou na vossa graça, e não ter a certeza de estarem meus pecados perdoados, e se sou agradável aos vossos olhos. O pensamento de poder um dia ser réprobo, de me ser necessário por toda uma eternidade detestar-vos e aborrecer-vos a vós, meu Deus e meu tudo! o pensamento da minha condenação tem para mim um não sei que de tão medonho que me sinto desfalecer quando se apresenta ao meu espírito e medito seriamente. Ó meu bom Mestre! Meu terno pai! Perdoai o meu arrojo se vos dirijo uma tal súplica; mas não poderíeis vós livrar-me desta ansiedade tão punível? Ser-me-ia tão doce estar certo que vos amo e que me amais! - O teu pedido é bem pouco sábio; não tardarás a convencer-te disso. Escuta. Uma dama romana escreveu um dia a um dos meus ministros (Era São Gregório, o Grande, papa. A pessoa que lhe escrevia era Gregoria, dama d'honor da imperatriz) a pedir-lhe que obtivesse para ela por meio de revelação o mesmo favor que acabas de me pedir; como tu, queria ela estar segura do perdão dos seus pecados. Mas vê a resposta que lhe deu o pontífice a quem ela se dirigiu: "Pedis-me uma coisa difícil e inútil ao mesmo tempo; difícil porque sou indigno de ter revelações; inútil porque nunca deveis estar sem inquietação de vossos pecados até ao fim da vida, isto é, até ao tempo em que já não possais chorar. Sempre deveis tremer por sua causa, deveis sem cessar expia-los por vossas lágrimas. Paulo tinha sido elevado até ao terceiro céu; aprendera segredos que a boca do homem não pode revelar e contudo dizia tremendo: Castigo o meu corpo e o reduzo à escravidão, com temor de que depois de ter pregado aos outros, não vá eu mesmo ser réprobo. Paulo treme, e vós não quereis tremer! Não esqueça a minha dulcíssima filha, que a segurança é a mãe da negligencia. Ser-vos-ia portanto prejudicial ter nesta vida uma segurança que vos fizesse negligenciar o cuidado de velar sobre vós; porque está escrito: Bem-aventurado o homem que está sempre em temor; e noutra parte: Servi a Deus com um santo temor. Assim é necessário que durante os poucos dias que nesta terra tendes de passar, nunca vossa alma esteja isenta de temor" Por essa resposta, vês tu, meu caro filho, quão útil te é o ficares nesta duvida e incerteza a respeito do perdão de teu pecados. Se tivesses inteira segurança que eu estava contigo por minha graça, serias muito menos solicito em me buscar, terias menos desejo de me agradar, evitarias, menos as ocasiões de me ofender, e até acabarias talvez por abandonar o meu serviço. Sê pois daqui para diante paciente e submisso à minha vontade, faze o bem, sê fiel a todos os teus deveres, e esperas; em minhas mãos está a tua recompensa; eu não te a roubarei. - Senhor, é preciso pois sofrer e viver convosco na cruz e nas tribulações? Pois bem! Consinto por vosso amor. Justo é que eu sofra alguma coisa por vós que tanto sofrestes por mim. Não mereço de modo algum que me consoleis e me visiteis; e com toda a justiça obrais comigo quando me deixais pobre e desolado. A mim nada mais me é devido que a vara e o castigo, porque tantas vezes então gravemente vos ofendi. Feri, feri, ó Deus meu! Em vossas mãos estou, e me inclino à vara que me corrige; porque mais vale ser castigada neste mundo que no outro. Vós bem sabeis o que é útil ao meu adiantamento, e o quanto serve a tribulação para consumir a ferrugem dos vícios. Feri pois, Deus meu, se é vossa vontade, privai-me de toda a consolação neste mundo, mas não permitais que tenha a desgraça de ser separado de vós. Não mais quero procurar viver no meio dos meus gostos; abraço pelo contrario todas as penas e desolações que vos aprouver enviar-me. Nenhuma consolação mereço eu, que tantas vezes, ofendendo-vos, mereci o inferno; basta-me araar-vos-e viver na vossa graça. Abandonem-me muito embora todos os homens! consinto; mas vós, ó meu Deus! eu vos suplico, não me abandoneis. Ai! Como poderia eu viver longe de vós e sem vos amar? Amo-vos, ó Jesus meu! Morto por mim no abandono! Amo-vos, ó meu único bem, minha única esperança, meu único amor! Amo-vos, e quero amar-vos tanto quanto é possível a uma criatura amar-vos. Aceitai, ó meu Jesus! Este desejo do meu coração, e deferi-o. Assim seja. RESOLUÇÕES PRÁTICAS Da Coragem na Desolação Interior Examina, meu caro Teótimo, como te conduzes nas tuas penas interiores, e confronta o teu modo de proceder com as lições que Jesus acaba de te dar, já por seu exemplo, já por suas palavras. Ora faze justiça a ti mesmo: não é certo que quando te acontece seres privado das consolações divinas, tu para logo abandonas os exercícios de piedade, ou antes cumpre-los sim, mas com negligencia e como por demais? Quantas vezes te não tem acontecido seguires a Jesus Cristo só muito de longe e como a custo, só porque não recebeste as consolações sensíveis que ele concede sobretudo aos que começam a servi-lo afim de os ajudar e lhes dar animo? Humilha-te da tua frouxidão e toma a resolução de servir doravante a Jesus de um modo invariável. No meio de tuas interiores desolações pensa neste bom Salvador morrendo sobre a cruz no mais horrendo abandono, e este pensamento te alentará: sim, consolar-te-á, e tu até hás de experimentar alegria em poder unir os teus sofrimentos aos de Jesus. Coragem, meu caro Teótimo! Serve a Deus nas securas, nos desgostos, nos abandonos, nos desprezos, nos sofrimentos, nas humilhações; coragem! E levanta os olhos ao céu; lá te aguarda uma coroa toda resplandecente de gloria! Coragem! todas essas penas passam já, as delicias do céu são eternas! Coragem! Jesus conta todos os teus suspiros e nem um há de ficar sem recompensa. Coragem! coragem! Ó meu Deus! Que feliz serás tu um dia quando vires que o tempo vai para ti a terminar e que vais deixar esta terra de exílio! que feliz serás ao pensar que durante dez, vinte, trinta anos, te acostumaste a ser fiel no serviço de Jesus, apesar das penas, das tribulações, das securas, dos desgostos que experimentaste! Que feliz serás ao sentir que os teus trabalhos e combates vão cessar, e que a hora da recompensa está enfim a bater! oh! que feliz serás! A morte para o mundano e pecador tão aterradora, para ti será toda cheia de encantos, vê-la-ás aproximar-se sem pavor, sem turbação, com resignação, paz e alegria, virá ferir-te com um certo respeito, e apresentar-te-á a Jesus Cristo. Então este bom Mestre te receberá com bondade e te dirá: "Meu filho, tu na terra trabalhaste muito por meu amor, e contudo sempre foste resignado, sempre fiel ao meu serviço; vem, que eu quero abraçar-te e pôr sobre a tua cabeça uma coroa de gloria; vem, o meu paraíso e todas as suas delicias são teus por toda a eternidade"! Ó meu caro Teótimo! Que doce acolhimento será um dia o teu, será um dia o meu! sim, sim, esperemo-lo da doce e infinita misericórdia do nosso Deus. Coragem pois, e sempre coragem! Capítulo XXXIV - Da sede de Jesus sobre a Cruz - "Tenho sede" (Jo 19,29). Avizinhava-se o nosso divino Salvador do seu ultimo momento; breve estava a cumprir a obra da nossa redenção, morrendo por nós na cruz, quando sentindo-se interiormente abrasado dos ardores de uma sede violenta causados pelas dores extremas que sofria há vinte horas, exclamou: "Tenho sede." Pois como! Senhor, então a sede causa-vos mais dores que a cruz? Uma arranca-vos suspiros, da outra nem sequer falais. Que sede pois é essa que tanto vos atormenta! Ah! Bem vos entendo; é o ardente desejo que tendes da minha salvação, do meu adiantamento espiritual. Dizeis-me com todo o afeto: "Meu filho, tenho sede do teu amor; vem, vem aliviar-me." Ó Jesus meu! E que resposta tenho eu dado até agora a este terno convite, a esta doce solicitação? Ai! Imito os judeus que para vos apagar a sede tiveram a crueldade de vos apresentar fel e vinagre. Em vez de amar-vos de todo o meu coração, sacio-vos talvez indignos prazeres. Pelo menos, ó meu Deus! divido entre vós e a criatura um coração que vós quereis possuir todo, todo; recuso-vos os leves sacrifícios que me pedis, passo uma vida cômoda e imortificada. Ó meu Deus! Perdão vos peço do passado e vos conjuro a que me ajudeis para o futuro. Assim como o veado suspira pelas fontes das aguas, assim a minha alma suspira por vós, ó meu Deus! A minha alma está ardendo de sede de Deus, de Deus vivo: ah! quando irá ela aparecer diante dele! Ó meu Jesus! Ó fonte de vida! Quando virá o momento em que ela possa extinguir a sede que a devora, e refrescar-se nas deliciosas aguas da vossa sabedoria? Ó Deus, ó meu Deus, em vós estou vigilante desde o raiar da aurora; de vós tem sede a minha alma, de quantas maneiras a minha carne se consome de vós, nesta terra inculta, árida e deserta: ah! Quando lá no céu verei eu o vosso poder e a vossa gloria! Vossa misericórdia é mais doce que a mesma vida; e assim meus lábios não cessarão de fazer ouvir os vossos louvores. Em toda a minha vida vos bendirei: e invocando o vosso nome, elevarei as minhas mãos. Como de banha e gordura seja de vossas bênçãos a minha alma repleta, e romperão meus lábios em cânticos de jubilo. Ó meu Deus! De vós me lembrarei em meu leito, e em vossas maravilhas meditarei à meia noite. Ah! É que a minha alma vai unida após de vós, e sem vós não pode viver. Senhor Jesus, tenho sede; vós sois a fonte da vida, dignai-vos apagar-m'a. Tenho sede, tenho sede do vosso amor; tenho uma paixão violenta de ver-vos e possuir-vos; quando me fareis a graça de saciar os meus desejos? Ah! Quando virá esse belo dia em que vós me direis com uma voz cheia de ternura e bondade: "Meu filho, entra na alegria do teu Senhor", e toma posse do seu reino eterno; goza agora duma felicidade incorruptível. Aqui não mais tristeza, não mais penas, não mais trabalhos; aqui são enxugadas as lágrimas e satisfeitos plenamente os desejos... Ai! De vós, meu doce Jesus, quereis que eu ainda fique nesta terra de exílio, quereis que eu mereça o eterno repouso por mortificações, cruzes, trabalhos contínuos. De muito boa vontade; mas dignai-vos, ó Deus meu! Atender à minha súplica. Minha alma por vós suspira, de vós será sequiosa, de vós enlanguesce: tende piedade dela. Só vós a podeis saciar; sim, meu Deus! Só vós, só vós. Riquezas, honras, prazeres, mundanas satisfações, nada de tudo isto é capaz de extinguir esta sede que a devora, só vós. Ah! Dai-me o vosso amor, que eu então ficarei plenamente satisfeito. Ame-vos eu de todo o meu coração, de todas as minhas forças, mais que a mim mesmo, que nada mais terei que desejar. Dai-me o vosso amor, ó meu Jesus! Eu vo-lo suplico; mas dai-me um amor tão puro, tão vivo, tão ardente, que a minha maior felicidade, a minha mais doce consolação neste mundo seja por vós trabalhar, por vós todo me consumir. Sim, Deus meu, este é o mais sincero desejo do meu coração: "Por vós viver, por vós sofrer, por vós morrer". Assim seja. RESOLUÇÕES PRÁTICAS Exame de Consciência Tu bem acabas de vê-lo, meu caro Teótimo, Jesus por tua salvação, por teu adiantamento espiritual teve um ardentíssimo desejo. Bem justo é, me parece, que te esforces por em ti excitares um desejo semelhante, e faças tudo para o conseguir. Ora, diz um sábio religioso, o Padre Rodrigues da companhia de Jesus, um dos principais e mais eficazes meios que temos para o nosso adiantamento espiritual, é o exame de consciência. "Passei, diz o Sábio, pelo campo do preguiçoso e pela vinha do homem insensato: tudo ali estava cheio de urtigas, tudo coberto de espinhos, e o muro de pedra estava caído." Tal é a consciência dos que não examinam; é uma vinha deixada ao abandono e por falta de cultura está toda coberta de silvas e espinhos. Ai! A nossa natureza corrompida é uma terra má; de si mesma só dá erva; é preciso andar sempre de foice na mão para cortar ou arrancar, e isto mesmo é o que fazemos pelo exame. O exame é que corta o vicio pelo pé, é que arranca as más inclinações, apenas elas começam a rebentar, é que impede os maus hábitos de lançarem raiz. Duas sortes há de exames: exame geral e exame particular. De ambos passo a dar-te a prática. I - Exame Particular Consiste em nos examinarmos todos os dias sobre uma virtude que nos propusemos adquirir; ou antes sobre um vicio de que nos queremos emendar, afim de saber se sim ou não havemos progredido. Suponho, por exemplo, que assentei com o confessor trabalhar por adquirir a humildade: eis o regime que devo seguir. De manhã farei o firme propósito de nada dizer, nada fazer, que possa, ainda muito de longe, nutrir o meu orgulho, e pedirei ao Senhor que abençoe esta minha resolução. Ao meio dia examinarei a consciência para saber quantas vezes faltei à minha resolução, escreverei então o numero de minhas faltas, humilhar-me-ei, tomarei novas resoluções de obrar melhor o resto do dia, e recomendar-me-ei a nosso Senhor. À noite farei o mesmo exame, e escreverei o numero das faltas desde o ultimo exame. Escrevendo assim o numero das quedas de cada dia, poderei ao cabo de certo tempo comparar dia por dia, semana por semana, mês por mês, e saber de modo positivo se sim ou não avanço na aquisição da humildade. No exame desta virtude me deterei enquanto sentir que me é ainda difícil sofrer uma humilhação, uma repreensão, um desprezo, ou qualquer outra coisa semelhante, e não arriarei bandeira, embora devesse trabalhar muitos anos enquanto não tiver alcançado o meu fim. Vais talvez objetar que enquanto empregastes todos os esforços na aquisição da humildade, desprezas a das outras virtudes. Não, meu caro Teótimo. não será assim; pois entre as virtudes há tão estreito laço, que o aplicar-se resolutamente e de uma maneira especial ao conseguimento de uma só, é trabalhar por adquiri-las todas. Não desprezes pois a prática deste exame particular que em breve reconhecerás suas preciosas vantagens. II - Exame Geral Consiste em nos examinarmos todas as noites das faltas que pelo dia adiante hajamos cometido, e excitarmo-nos ante tudo à contrição e bom propósito. Nunca deixes este exame geral não menos que o particular; o que eu muito te recomendo é que não vás cair na falta daqueles que creem haver feito tudo, quando investigaram com toda a miudeza os seus pecados, sem se darem ao trabalho de pedir deles perdão a Deus, e trabalhar por não mais recaírem. E no entanto esta é que é a parte essencial do exame, aquela a que mais te deves aplicar. Permite-me, meu caro Teótimo, que te dê um modelo de exame de consciência. Advertirás sem custo que não pretendi entrar nele em todas as particularidades de faltas por pensamentos, palavras, ações, omissões, a que todos os dias estamos expostos; meu fim é indicar-te simplesmente o caminho que tens a seguir; o resto tu o farás. MODELO DE EXAME DE CONSCIÊNCIA Pai Nosso... Ave Maria... - Qual foi hoje o meu primeiro pensamento?... Ai! Não foi para Deus; ocupei-me do prazer que teria em fazer aquela coisa, em ver aquela pessoa... Daí, oração cheia de distrações e fastio; dai, oração remissa e muito mal feita... dissipação todo o dia e muitas outras faltas de todo o gênero... Ó meu Deus! Assim é como eu vos sirvo! Sempre ponho o mundo, as criaturas, a mim mesmo antes de vós. Perdão, perdão, Senhor! Amanhã, eu vo-lo prometo, não há de ser assim; com o socorro da vossa graça, apenas eu desperte, hei de velar mais sobre mim, e meu primeiro pensamento há de ser para vós... - Fiz hoje a minha oração?... Sim... Meu Deus, agradeço-vos esta graça... Não... Ah! é como eu sou! sempre a prometer-vos, e nunca cumpro a minha palavra: meu Deus, tende piedade da minha fraqueza, e esquecei as minhas infidelidades continuas. Arrependo-me sinceramente desta em particular, e para a reparar prometo-vos amanhã antes de sair do quarto fazer a minha meditação... - Que resoluções tomei esta manhã?... Pensei eu nelas durante o dia? Fui-lhes fiel?... Sim... (atos de agradecimento...) Não... (humildade, contrição e bons propósitos...) (Do mesmo modo te examina sobre a assistência à santa missa, sobre a santa comunhão, sobre as confissões). - Nos comeres não procurei eu contentar a sensualidade? Pratiquei da mortificação? etc... Meu Deus, meu Deus, quanto eu me envergonho por vos ofender, então mesmo quando vós me estais a acumular de benefícios!... Quantos pobres que vos servem com muito mais fervor do que eu, a quem vós não dais mais que um negro pedaço de pão para matar a sua fome devorante? E não obstante eles vos bendizem, e comem com reconhecimento este pão... A minha mesa todos os dias se cobre de numerosos e saborosos manjares; talvez nada falte ao meu apetite, e eu só muito contra vontade me resolvo a dar-vos graças por tantos dons!... e faço-o com tanta frieza!... Ó meu Deus! Ó meu Pai! Ainda esta vez tende piedade da miséria de vosso filho... Amanhã privar-me-ei por vosso amor e para me punir, se sem ostentação o poder fazer, de tal ou tal comida, de que eu gosto muito... - Em minhas conversas nada tenho a exprobrar-me? Aqui uma leve mentira, uma pequena maledicência, uma chufa, uma critica, um pouco talvez por ciúme... Ali uma palavra de vaidade, uma palavra cheia de azedume, de impaciência, de amor próprio... Falei de mim mesmo em tal circunstância sem necessidade... Em tal obra abri demasiado a minha alma, Deus me o exprobrou... Falei um pouco áspero àquele criado; e que ganhei eu com isso?... Se eu me tivera calado em tal circunstância, ou se tivesse falado com calma e doçura, Deus não teria sido ofendido... etc., etc (Atos de contrição e bom propósito). Quantas impaciências, pequenos agastamentos com meus criados, meus filhos e pessoas da minha convivência! Ó meu Deus! Ó meu Deus!... E a comungar tantas vezes! Ah! Com a vossa graça hei de emendar-me deveras!... E os deveres do meu estado?... E a fidelidade ao meu regulamento?... E os meus exercícios de piedade?... (Passa uma rápida vista a tudo isto, julga-te com a mais rigorosa severidade, toma a resolução de melhor fazer tal ou tal ação em particular...) etc., etc. Termina por fazer um ato geral de contrição, e adormece na paz do Senhor. - Este exame não deve durar mais de cinco ou de seis minutos. Capítulo XXXV - Da sexta palavra que Jesus pronunciou na cruz - "Jesus havendo tomado vinagre, disse: Tudo está consumado" (Jo 19,30). O nosso Jesus, chegado que foi o momento de exalar o ultimo suspiro, disse em voz moribunda: "Tudo está consumado." Ao pronunciar esta palavra, Jesus repassou em seu pensamento todo o curso da sua vida, viu todas as fadigas que padecera, a pobreza, as dores, as ignomínias que sofrera, e as oferecera todas de novo a seu Pai pela salvação do mundo. Depois, tornando a nós disse: Consumatum est, como se dissera: Homens, tudo está consumado, tudo está cumprido: está acabada a obra da vossa redenção, satisfeita a justiça divina, aberto o paraíso; e eis o vosso tempo, o tempo dos que amam. É tempo enfim, ó homens! Que penseis em amar-me. Amai-me, pois, amai-me, porque nada mais posso fazer para ser amado de vós. Vede o que eu fiz para adquirir o vosso amor; por vós passei uma vida cheia de toda a sorte de tribulações; no fim dos meus dias, antes de morrer, consenti que me esgotassem de sangue, me escarrassem no rosto, me despedaçassem o corpo, me coroassem de espinhos, me fizessem sofrer as dores da agonia neste madeiro em que me vedes. Que resta a fazer? Uma só coisa: morrer por vosso amor; muito bem, quero morrer: vem, ó morte, dou-te licença; tira-me a vida para a salvação das minhas ovelhas. E vós, ovelhas minhas, amai-me, amai-me, porque não está em meu poder fazer mais para me fazer amar. Tudo está consumado, diz o piedoso Taulero, tudo o que exigia a justiça, tudo o que pedia caridade, tudo o que podia recender amor! Meu querido Jesus, ah! Se também eu pudesse dizer morrendo: "Senhor, tudo está consumado; fiz tudo o que me tínheis mandado, levei a minha cruz com paciência, esforcei-me por vos agradar em tudo"!... Ah! Meu Deus! Se eu devesse morrer agora, mui descontente de mim mesmo morreria, pois nada de tudo isto poderia dizer com verdade. Mas hei de eu então viver sempre assim ingrato para convosco? Oh! Não! De todo o meu coração vos peço, concedei-me a graça de vos agradar durante os anos que me restam de vida, afim que, quando vier a morte, possa dizer-vos que ao menos desde hoje cumpri vossa santa vontade. Se no passado vos ofendi, a vossa morte é toda a minha segurança: para o futuro não mais quero trair-vos. Mas de vós é que eu espero minha perseverança; por vossos méritos, ó Jesus meu! Vo-la peço e a espero. Assim seja. RESOLUÇÕES PRÁTICAS Pedir constantemente a Perseverança Final A perseverança é, meu caro Teótimo, a graça das graças, e só a ela é que é concedida a coroa da imortalidade. É uma graça que tu não podes merecer, mas que Deus está pronto a dar-te, se tu lha pedires. Toma pois o habito, a partir de hoje, de muitas vezes a pedir ao nosso bom Salvador, pela intercessão de Maria; certo de que, se não cessares de a pedir, ela te há de ser concedida; a promessa de Jesus Cristo é formal. Petite, et accipietis. Mas não te contentes com simples orações, junta-lhes santas obras e uma boa vida, de outro modo seria tentar a Deus. Um cristão frouxo que vive na tibieza, que nenhum escrúpulo faz das faltas leves, merece ser ouvido quando pede a perseverança? Torno a repetir, vive, meu coro Teótimo, urna vida santa e fervorosa, e depois espera com humilde confiança esta graça da perseverança final; Jesus, com toda a certeza, não t'a há de recusar. Evita as ocasiões do pecado, aproxima-te frequentemente dos sacramentos da Penitencia e da Eucaristia, visita ao nosso Senhor oculto em nosso tabernáculos, sê fiel em cumprir exatamente todos os deveres do teu estado, leva a tua cruz com paciência: e o resto Deus o fará. Não te detenhas nesses pensamentos desoladores de que talvez um dia serás condenado, de que talvez bem cedo poderás abandonar o serviço do Senhor, etc., tais pensamentos o mais que podem fazer é comprimir-te o coração; de bem não têm nada. Confiança em Deus, não cesso de te repetir, pois isto é o que de nós quer este bom Pai. Ama-nos mais do que nós nos podemos amar a nós mesmos; em paz repousemos pois no seu amor. Em Maria deposita também grande confiança, e pede-lhe muitas vezes este dom de perseverança, que ela por sua poderosa intercessão não deixará de t'o alcançar. Capítulo XXXVI - Nosso Senhor recomenda sua alma a seu Pai - "Pai, nas tuas mãos encomendo o meu espírito" (Jo 23,16). Tudo quanto nosso Senhor disse ou fez em sua vida mortal, tudo disse e fez não só para nos testemunhar o seu amor, mas ainda para instruir-nos. Assim nem uma só palavra pronunciou, que, bem meditada, não sirva para conduzir-nos a uma maior perfeição. Detenhamo-nos pois a considerar as que acaba de dirigir ao seu Pai celeste: "Meu Pai, lhe diz, em vossas mãos encomendo o meu espírito." É como se dissera: Meu Pai, a vós me abandono sem reserva. Cumpri sobre a terra tudo o que de mim exigíeis, e só morrer é o que me resta; mas se todavia quereis ainda que a minha alma permaneça no corpo para mais sofrer, à vossa vontade me abandono; se quereis que passe desta à outra vida para entrar na gloria e receber a recompensa dos meus trabalhos, à vossa santa vontade igualmente me abandono; eis-me aqui pronto a fazer tudo o que vos aprouver dispor de mim. Oh! Que belo exemplo de abandono a Deus e de completa resignação à sua vontade! Oh! Que admirável preparação para a morte! "Meu Deus! quero viver se esta é a vossa vontade, disposto estou a morrer se assim o preferis!" Senhor Jesus, fazei-me a graça de pronunciar do fundo do meu coração estas belas palavras antes de dar o meu ultimo suspiro: "Meu Pai, em vossas mãos encomendo o meu espírito." Fazei-me a graça de expirar dizendo com o mais vivo ardor: "Jesus e Maria, eu vos amo! Jesus e Maria, eu vos amo!" Que felizes seriamos, exclama São Francisco de Sales, se, quando nos consagramos ao serviço de Deus, começássemos por depositar o nosso espírito de uma maneira absoluta e sem reserva nas mãos de sua divina bondade! pois todo o atraso do nosso adiantamento só provém da falta de abandono. E no entanto é bem verdade que, se queremos progredir na perfeição, devemos começar, continuar e acabar a vida espiritual pela prática desta virtude, à imitação de nosso Senhor, que sempre a praticou de um modo tão admirável e tão perfeito. Alguns cristãos se acham que, ao entrarem no serviço de Deus, bem lhe dizem: "Senhor, em vossas mãos encomendo o meu espírito; mas com a condição de que vós sempre me haveis de dar consolações e não sofrimentos, e do que me dareis também superiores segundo a minha inclinação, e de que nada contrariará a minha vontade!" Ai! Que fazeis! não vedes que isso não é pôr o espírito nas mãos de Deus, como fez nosso Senhor? Não sabeis que dessas reservas que nós fazemos é que de ordinário nascem todas as nossas perturbações, todas as nossas inquietações e outras semelhantes imperfeições? Pois de não acontecerem as coisas como nós esperávamos e como nós prometíamos, é que proveem as mais das vezes as desolações que tanto atormentam nossa pobre alma. E tudo isto donde nasce senão de nos lançarmos com indiferença nas mãos de Deus? Oh! Que felizes que nós seriamos se fielmente praticássemos esta virtude! Sem duvida que por ela chegaríamos à altíssima perfeição de uma Santa Catarina de Sena, deu ma Santa Angela de Foligno e de muitas outras santas almas que por esta indiferença e total abandono de si mesmo eram como umas bolas de cera nas mãos de nosso Senhor e de seus superiores, recebendo todas as impressões que lhes quisesses dar! Sejamos, pois, assim, e digamos com nosso bom Mestre em todas as coisas e em todas as ocorrências: "Meu Deus, em vossas mãos encomendo absolutamente e sem reserva o meu espírito": In manus tuas commundo spiritum meum. Quereis que eu esteja nas securas ou consolações? Que eu seja contrariado ou sinta repugnâncias e dificuldades? Que eu seja amado ou não? Que eu obedeça em coisas grandes ou pequenas, fáceis ou difíceis? "Em vossas mãos encomendo o meu espírito." Quereis que eu me empregue em obras da vida ativa ou contemplativa? "Em vossas mãos encomendo o meu espírito." Aqueles, pois, que estão empregados em ações da vida ativa e não desejem deixa-las para se darem à vida contemplativa, e os que contemplam não abandonem a contemplação, até que Deus o ordene. Se é tempo de falar, falemos, se de silencio, não falemos. Se assim obrarmos, à hora da nossa morte, poderemos muito bem, a exemplo de nosso Senhor, dizer: "Meu Deus, tudo está consumado." Consumatum est. Tudo o que era da vossa divina vontade eu cumpri nos acontecimentos que me sucederam vindos da vossa providencia. Que me resta, pois, agora fazer, senão depositar em vossas mãos o meu espírito, no fim e declinar da vida, como vo-lo encomendei desde o começo? (São Francisco de Sales, sermão sobre a Paixão). Sim, Deus meu, em vossas mãos encomendo o meu espírito, o meu coração, a minha alma, tudo o que sou e tudo o que possuo, para que de tudo disponhais a vosso bel prazer. Que me humilhem ou me exaltem, que me desprezem ou me estimem, que me esqueçam ou pensem em mim, que eu esteja na tristeza ou na agonia, tudo isto me é indiferente, Senhor, uma vez que eu faça a vossa vontade, e vos ame. Ó Jesus! Eu vos amo, e à vossa misericórdia me abandono pelo tempo e pela eternidade. Sim, sim, abandono-me, pobre pecador que eu sou, abandono-me à vossa misericórdia por todo o tempo e por toda a eternidade. Assim seja. RESOLUÇÕES PRÁTICAS Abandono total de nós mesmos ao Amor do nosso Deus Muitas vezes hás de ter visto, meu caro Teótimo, um menino ao colo da mãe; admiraste por certo o abandono com que ele ali desfruta tão doce repouso. Qualquer perigo que corra está sempre tranquilo, e o seu dormir não é perturbado; se alguém o desperta e o ameaça, passa os bracinhos em volta do pescoço da mãe, mete-lhe a cabeça no seio e ei-lo ai muito seguro. Ah! Pois se ele sabe que está com sua mãe e que ela o ama tanto, tanto, que sempre o defenderá de todos os perigos! Pois bem! Meu caro Teótimo, eis a imagem do que tu deves ser para com Jesus. Nunca mãe alguma teve tanto amor ao seu filho único, quanto este doce Salvador te consagra. Em seus braços vai, pois, lançar-te com toda a confiança, em seu compassivo coração deposita teus pecados, tuas misérias, e tuas imperfeições, estreita-te ainda mais e mais com ele quando o demônio faz todos os esforços para te arrancar; no meio das tentações, dize-lhe: "Meu bom mestre, tende piedade de mim, porque eu sofro violência." Acostuma-te a ver em lodos os acontecimentos da vida a mão de Deus poderoso que os dirige, e dize sempre a ti mesmo: "Se nem um só cabelo cai da minha cabeça sem a permissão do meu Deus, com quanta mais forte razão tal e tal coisa não me acontece sem que ele assim o queira! Sou seu filho; ele ama-me, ele é sábio; faça, pois, como melhor lhe agradar. A ele me abandono de novo e sem reserva, porque estou persuadido de que nada tenho a temer enquanto estiver à sombra de suas asas." Oh! Quantos cristãos se poupariam muitas penas e muitos tormentos, e não se tornariam culpáveis de tantos pecados se quizessem, em todos os sucessos, usar esta linguagem! Tu, meu caro Teótimo, dize com Jesus durante a vida e na hora da morte: "Meu Deus, em vossas mãos encomendo o meu espírito." No tempo da tentação e penas interiores, não digas como outrora: "O Senhor abandonou-me, o meu Deus desapareceu-me"; mas põe diante dos olhos estas palavras que nosso bom e misericordioso Salvador te dirige: "Acaso pode uma mãe esquecer-se do seu menino de peito? pode não ter compaixão do filho das suas entranhas? E quando ela se esquece, eu de ti nunca me esqueceria. Trago-te gravado em minhas mãos, meus olhos velam incessantemente por tua alma." Aconteça, pois, o que acontecer, meu caro Teótimo, confia sempre em Jesus. Estás nas securas e nas trevas interiores: confia em Jesus, chega-te a ele, que ele te dará a unção e as luzes da sua graça. Estás oprimido de mil tentações? Confia em Jesus, que ele não há de permitir que tu sejas tentado além das tuas forças: ele te sustentará, e tu gozarás os frutos da vitória. Os demônios, o mundo e a came assaltam-te por todos os lados? Confia em Jesus e para logo "mil inimigos cairão à tua esquerda, e dez mil à tua direita. Já to hei dito e não cessarei de t'o dizer, confia em Jesus. Lança em seu divino coração todas as tuas inquietações; porque ele tem cuidado de ti e te ama". Nunca, nunca ninguém, depois de haver esperado nele, foi confundido. Ah! Meu caro Teótimo, repete incessantemente da boca e do coração estas e semelhantes palavras: Viva Jesus! Ele é o meu pai e o meu melhor amigo; bem que conheça todas as minhas misérias, ama-me e quer a minha felicidade eterna. Viva, viva pois o meu Jesus! Quero também ama-lo sempre e confiar em sua misericórdia. Capítulo XXXVII - Jesus expira - "E baixando a cabeça, entregou o espírito" (Jo 19,30). Nosso Senhor já tinha perdido quase todo o sangue: estava todo abatido pelos tormentos que sofrera. O peito ía-se-lhe comprimindo, e a respiração tornando-se difícil; e como não estava deitado no leito, mas suspenso no ar pelos cravos que rasgavam os pés e as mãos, não tinha momento de repouso, e suas dores eram imensamente superiores ás que ordinariamente os homens sofrem em sua agonia: porque em nós a ponta da dor embotando-se ás aproximações da morte, cessamos de sentir, à medida que vamos perdendo o conhecimento; mas o nosso doce Salvador teve sempre o juízo perfeito até ao ultimo suspiro, e não cessou de sofrer senão quando deixou de viver (Os sofrimentos de Jesus, tomo 4). Alguns momentos antes de entregar a alma, sua cabeça se inclinou, os olhos começaram a eclipsar-se, e os lábios a ficarem frios e lívidos. Pouco depois, tornou a levantar a cabeça e os olhos ao céu, soltou um grande brado, e deixando segunda vez cair a cabeça sobre o peito, expirou!... Alma minha, aproxima-te da cruz; olha o teu Jesus e teu Deus; acaba de expirar por amor de ti! Recolhe-te, pois, e medita, recolhe-te e chora... Senhor Jesus, depois de vos ver expirar na cruz por meu amor, parece-me poder esperar de vós todas as graças necessárias à minha salvação, parece-me poder calcar aos pés esses temores da eterna condenação que ás vezes o demônio me lança no espírito. Ó Jesus! Como ó terrível só o pensar que um dia poderei ser separado de vós para todo o sempre! Como é tão triste sorte do pobre pecador que vos ofendeu, e não sabe se vós houvestes dele misericórdia! Ver o inferno entreaberto diante de si, e não saber se devo esperar a vossa bondade ou temer a vossa justiça! - Meu filho, querido filho, porque é que me falas assim? Em que mereci eu ser olhado por ti como um senhor duro e severo? Vês-me morrer por teu amor, não ousas confiar na minha ternura! Ofendeste-me, sim, eu bem sei; mas tu não conheces ainda o meu coração? Ignoras ainda com que facilidade ele perdoa ao pecador arrependido? Ah! Filho, eu te conjuro, lança-te com mais abandono nos braços da minha misericórdia. - Sim, Senhor, compreendo que nunca estarei em paz senão confiando da vossa misericórdia o cuidado da minha eterna salvação; fazei-me, pois, a graça de sempre repelir para longe de mim esse temor servil que vos represente a meus olhos como um Deus pronto a punir as menores ofensas; quando vós tão somente sois um Pai cheio de toda a ternura para com vossos filhos e de compaixão para com as suas misericórdias... Mas, ó meu Deus! ó bom Jesus! Seja-me permitido derramar todo o meu coração no vosso. Muitas vezes experimento no vosso serviço momentos de trevas interiores muito penosas; então a minha alma perturba-se; parece-me que já vos não amo, que vos tenho sido infiel, que cometi alguma falta mortal, e sou tentado a abandonar-me à melancolia, a crer-me condenado, a deixar o vosso serviço. Nestas circunstâncias, pois, que devo fazer? - Meu filho, lança os olhos sobre a minha cruz e começa por fazer um bom ato de resignação à minha vontade; depois esforça-te por te excitar à confiança no meu amor. Pois que! Filho, acreditavas então tu que, a querer-te eu condenar, ia assim morrer sobre uma cruz, no meio de tantos tormentos? Não temas nada, meu caro filho, não temos nada: eu te amo, eu te amo tanto quanto a um Deus é possível amar-te. O permitir eu essas perturbações, essas trevas da tua alma, tudo é para teu bem: não temas nada, porque eu velo por ti como pela menina dos meus olhos. Oh! Se tu souberas quanto eu amo a uma alma fiel que, apesar das suas misérias e imperfeições, não se deixa levar à turbação, e me diz incessantemente: "Meu bom Mestre, em vós confio e não serei confundido"! Se souberas de que graças preciosas a enriqueço, que esforços não farias para também tu te fundares solidamente nesta amorosa confiança na minha bondade! - Ó bom Jesus! vós bem conheceis o fundo do meu coração, sabeis o quanto eu vos amo e quão ardentemente desejo ir ver-vos no céu; como é, pois, que eu temo tanto a morte e receio vosso juízo? - O meu juízo é muito para temer, por certo, mas é para os pecadores endurecidos e impenitentes; mas é doce e cheio de misericórdia para os que me amam. Quero portanto que, todas as vezes que o pensamento do juízo se apresente a teu espírito, faças logo um ato de abandono da tua sorte eterna à minha bondade paternal: este sinal de confiança da tua parte ser-me-á a mim muito agradável, e a ti de muitíssima utilidade, porque nunca ninguém esperou em mim e foi confundido. Quanto ao temor da morte, esse é um temor natural; eu também o senti porque era homem, e porque de mais a mais queria merecer-te a graça da resignação. Em ti é também produzido por esse apego que conservas ainda ás criaturas; trabalha por te desprender de tudo, que a morte te parecerá uma coisa muito de apetecer. Desprende-te das tuas riquezas, dos teus pequenos gozos dos teus amigos, da tua família, dos teus próprios filhos; confia do meu coração o cuidado de teus interesses, de todas as pessoas que te são caras, e poderás dizer então: "Senhor, vosso servo morrerá agora em paz, se é vossa vontade chama-lo a vós." - Senhor Jesus, vede o vosso pobre filho ao pé da cruz; laçai sobre mim um olhar de bondade e abençoai-me. Faço-vos o sacrifício da minha vida e pronto estou a morrer apenas apraza à vossa santa vontade. Se quereis deixar-me a vida ainda por algum tempo, sejais bendito; somente a graça me dai de a empregar em amar-vos e agradecer-vos. Se quereis que eu morra em breve, sejais igualmente bendito. Submeto-me à morte, por ser vontade vossa que eu morra. Quero morrer, afim que pelas agonias e dores da morte satisfaça à vossa divina justiça por todos os pecados, pelos quais mereci o inferno. Quero morrer, afim de deixar de ofender-vos e desagradar-vos nesta vida. Quero morrer, afim de vos provar o meu reconhecimento por todos os benefícios e por todas as bondades de que me acumulastes, apesar da minha indignidade. Quero morrer, para vos provar que mais amo a vossa vontade que a minha. Quero sobre tudo morrer para ir para o céu amar-vos de todas as minhas forças e por toda a eternidade, porque eu espero ir para essa mansão de bem-aventurança, onde estarei certo de amar-vos por toda a eternidade. Eu vos suplico, ó meu Salvador! Meu amor, meu único bem: suplico-vos pelas vossas chagas sacrossantas, pelas dores da vossa morte, fazei-me morrer na vossa graça e no vosso amor. Comprastes-me à custa do vosso sangue, não permitais que me perca, dulcíssimo Jesus; não permitais que de vós me separe. Quando a minha alma sair deste corpo, dignai-vos vós mesmo recebe-la das mãos de Maria, vossa e minha Mãe, e dignai-vos fazer-lhe um acolhimento cheio de bondade, dizendo-lhe: "Meu filho, todos os teus pecados te são perdoados e esquecidos; vem comigo para o meu paraíso, onde eu te amarei, e onde tu me amarás por toda a eternidade." Meu querido Redentor; ó vós que quisestes morrer por mim, e que, apesar dos meus pecados, me recebeis ainda na vossa graça! eu me estreito com a vossa cruz, e abraço vossos pés trespassados com cravos. Ai! Por quem sois, em nome do amor que me testemunhastes, uni-me por tal modo a vós que nada me possa apartar jamais de vós. Fazei que doravante me entretenha continuamente convosco; fazei que todos os meus pensamentos sejam para vós; fazei, numa palavra, que só a vós eleve todos os afetos do meu coração, que só a vós eu procure em todas as coisas. Oh! Concedei-me a graça de sempre viver na dor de vos ter ofendido; concedei-me a graça de sempre estar abrasado de amor por vós, que por meu amor destes a vida. Ó Jesus! Eu vos amo; eu vos amo, ó vós que me amais infinitamente! Eu vos amo, eu vos amo! Maria, pedi a Jesus por mim, e obtende-me que eu morra em sua santa graça. Assim seja. RESOLUÇÕES PRÁTICAS Preparação para Morte E! preciso morrer, meu caro Teótimo: Jesus morreu e a santa Virgem morreu, todos os santos morreram e tu também tens de morrer. Isto não digo eu na intenção de te aterrar, pois sei que o justo vive com paciência e morre deleitosamente; o eu falar-te assim é para poder dizer-te com Jesus Cristo: Estai preparados, porque não sabeis nem o dia nem a hora da vossa morte. Para o comum dos fieis, estar preparado é não ter a consciência maculada do pecado mortal. Mas para uma alma fiel que faz profissão de amor generosamente a Jesus, estar preparado é não ter a mínima afeição ao pecado venial, é não ter o menor apego a coisa alguma deste mundo de humano e desordenado, ou ao menos trabalhar por chegar a este ponto; é estar numa submissão perfeita à vontade de Deus para saúde, doença, vida ou morte. Responde agora, meu caro Teótimo, parece-te que estás preparado? Se a tua consciência responde: "Sim", bendiz ao Senhor, que te fez uma grande e preciosa graça; se ao contrario responde: "Não", já, já mãos à obra, porque ai! O Senhor pode vir "e virá" com efeito "no momento em que menos o pensares". Eis algumas práticas que muito te ajudarão a chegar a este fim: 1 - Sonda bem a consciência até os seus últimos esconderijos, e vê se ela não te faz alguma censura fundada; se te causa algumas pena?, confere-as singelamente com o teu confessor, nada lhe encubras, faze uma boa confissão, e depois deixa-te estar em paz, abandonando tudo o mais à misericórdia de Deus. 2 - Faze o teu testamento, se algum tens a fazer, renovando-o cada ano, caso te seja preciso. A teus negócios temporais põe tão boa ordem, que sempre estejas pronto a prestar contas exatas a quem tiver o direito de te as pedir. Deste modo, poupar-te-ás a muitas ansiedades, se a morte viesse ferir-te de repente, como feriu a tantos outros, que estavam mui longe de a esperar. 3 - Satisfaz a todas as dividas, se algumas tens, e repara o mal que tenhas podido fazer ao teu próximo em seus bens, etc. 4 - Vê a que coisas estás ainda preso, desapega delas generosamente o coração; a final sempre te há de ser precioso deixar essas riquezas, essas belas terras, essas belas casas, esses filhos, esses amigos; faze desde já o sacrifício, e grandes méritos alcançarás. 5 - Examina que coisas à hora dá morte desejaras ter feito, e fá-las sem mais demora; examina ao mesmo tempo quais as que querias não ter feito, e abstém-te. 6 - Pensa muitas vezes na morte: este pensamento a principio parece pavoroso; não tarda a tornar-se doce e consolador, além de servir singularmente para desprender-nos da terra. 7 - Faz amiúde atos de resignação com a morte, como o que acabas de ler no capítulo precedente; agradam a Deus, atraem-nos grandes graças, e familiarizar-nos com o pensamento de nossos últimos momentos. Capítulo XXXVIII - O nosso bom Salvador lastima-se da ingratidão dos pecadores e os convida a virem lançar-se em seus braços - "Agora, habitadores de Jerusalém e varões de Judá, sede vós os juízes entre mim e a minha vinha. Que mais podia eu fazer por ela, que lhe não tenha feito?" (Is 5,3-4). A quem fala assim Jesus? A quem dirige estas palavras? É a mim, pobre pecador, a mim é que ele fala; a mim é que ele diz com assento da mais viva ternura: "Meu filho, que mais posso eu fazer por ti?" Amar-me-ás tu agora de todo o teu coração? Acabarás de sacrificar-me de novo com teus pecados? Ah! Filho, meu caro filho! Depois de tantos sinais do meu amor, porque viveste tanto tempo longe de mim? Que mal te fiz? Em que te contristei? Responde-me. Meu Deus! Meu Deus! Nada tenho que responder. Sou culpável, e gemo sob o peso de meu pecados; cobrem de rubor a minha face; ó Jesus meu! perdoai a um pecador suplicante. Seu culpável; nenhuma desculpa tenho a alegar, mas choro... Filho, "que achaste tu em mim para me abandonar, e correres após a vaidade?". De que sorte de benefícios não te hei acumulado? Por teu amor me entreguei a uma morte dolorosa! por teu amor "suportei o opróbrio, e cobriu a ignomínia o meu rosto". Para te arrancar ás eternas chamas do inferno, "tornei-me pobre e necessitado de tudo; quis ser olhado como o ultimo dos homens; reduzi-me de alguma sorte ao nada". Fui coberto de chagas desde os pés até à cabeça; fui oprimido de dores, de humilhações, de ultrajes: e tudo isto, tudo isto sofri por ti, filho, porque tua alma é preciosa a meus olhos; por ti, porque queria salvar-te; por ti, porque te amo. Ó meu filho! E como correspondeste tu até ao presente a tanto amor? Fala? - Senhor, repito, nenhuma desculpa tenho que alegar; o que mais posso fazer é gemer, é lançar-me confiadamente nos braços da vossa misericórdia. - Depois de te eu haver tirado do nada para te dar a existência, tu não cessaste de ofender-me; muitas vezes por teus pecados me hás vergonhosamente desonrado. Eu gravara em tua alma o caráter da minha divindade, e tu te deste pressa em apagá-lo; nela depusera o selo da minha santidade, e tu o manchaste; enchera-te de graças, e tu as desprezaste! "É assim, pois, que tu testemunhas o teu reconhecimento ao Senhor? por ventura não sou eu o teu Pai, e teu Criador, o teu Salvador? Não tive eu sempre cuidado de ti como das meninas dos meus olhos?" E tu me abandonas, e tu me esqueces! Abandonas-me por um miserável prazer, para correr após honras vãs!... Ó meu filho, ora dize-me, possuías a felicidade, enquanto andavas infiel ao meu amor? Saboreavas aquela paz tão doce que inunda o coração dos que me servem com fervor? Ah! "Compreende, pois, de uma vez quão funesto e amargo te foi o teres abandonado o Senhor teu Deus", e volta a mim. Olha, eu estou a estender-te os braços; corre: eu serei o teu pai, e tu serás ainda o meu filho estremecido. - Meu Jesus, venceste, sim venceste; entre-vos as armas. Eu vo-lo prometo, não mais serei ingrato; mas por misericórdia, ó meu Deus, cessai de exprobrar-me as faltas da vida passada, e dignai-vos perdoar-nos. Quero delas fazer penitencia todos os dias da minha vida; quero amar-vos de todo o meu coração, mais que todas as criaturas, mais que a minha vida, mais que a mim mesmo. Não ter eu mil corações para todos os empregar em vos amar! Mas que digo! Provera ao céu que eu vos amasse com toda a extensão do que vós me destes! Ai! Mas ele é tão frio, tão duro, tão insensível! Contudo, ó meu Jesus! Assim mau como sou, parece-me que vos amo. Sim, ó Deus meu, eu vos amo; eu vos amo, não para que no céu me salveis, não para que me arranqueis ao inferno; não por esperança de alguma recompensa; mas ama-vos, só porque vós me amais; amo-vos só porque vós sois o meu Rei e meu Deus; amo-vos e amar-vos-ei sempre, só porque sois infinitamente digno do meu amor. Assim seja RESOLUÇÕES PRÁTICAS Pensar nas Misericórdias do Senhor para Conosco "Das misericórdias do Senhor eu me recordarei, cantarei cânticos de louvor por tudo o que ele faz por mim, por todos os bens de que encheu a minha alma, segundo a sua clemencia e segundo a multidão das suas misericórdias. Bendizei ao Senhor, ó minha alma! Bendiga ao seu santo nome tudo o que há dentro de ti; bendizei ao Senhor, ó minha alma! E não te esqueças dos seus benefícios." Estes devem ser, meu caro Teótimo, os sentimentos de todo o cristão para quem o reconhecimento não e um fardo. Mas ai! Onde estão essas almas verdadeiramente reconhecidas que sabem agradecer a Deus todas as graças de que as encheu? Onde estão? Ó céus! Nós coraríamos de nos mostrar ingratos para com os homens, e para com Deus nada se nos dá disso! O pedir-lhe graças todos os dias lhas pedimos a grandes brados, todos os dias as recebemos em abundância, mas agradecer-lhe, nem sequer nos passa pela imaginação dizer-lhe um: "Meu Deus, agradecido!" Que conduta! Ó meu caro Teótimo, nunca caias neste vicio da ingratidão para com nosso bom Mestre, pois este vicio só basta para estancar todas as fontes da graça, como nos adverte São Bernardo em vinte lugares das suas obras. Recorda-te ao contrario muitas vezes de todos os benefícios gerais e particulares que de Deus recebeste. Além das graças da criação, da redenção, da conservação, que graças assinaladas não te há ele feito! Tu o ofendeste, e este bom Pai não te tratou segundo tuas iniquidades; viu a tua desgraça, ficou enternecido e teve de ti piedade. Todas as tuas faltas ele te perdoou, curou-te de todas as chagas, arrancou-te do inferno, e, porque é cheio de ternura e clemencia, restituiu-te a veste da inocência. Tu arrastarás a tua pobre alma pelo lobo, tu a desonrarás e cobriras de indignas manchas; o demônio a calcava aos pés, e de dia para dia a enterrava mais e mais no mais imundo lamaçal; e eis que o teu Deus não teve por desprezo o ele mesmo vir tira-la; em seu sangue a purificou, encheu-a de mil graças preciosas, e a acumulou de penhores do seu amor. Ah! Que bem razão tens de exclamar com o Salmista: "Quem há como o Senhor nosso Deus? Ele levanta da terra ao desvalido, e tira da imundície ao pobre, para o fazer assentar com os príncipes, com os princípios do seu povo", isto é, com os anjos e santos. Compara o teu estado de outrora, quando vivias no pecado, com o em que Deus por sua misericórdia hoje te pôs; e, nos sentimentos do reconhecimento, dize a cada instante: "Que darei eu em retribuição ao Senhor, por tantos benefícios de que me encheu? Ah! Eu o bendirei a todo o momento, e seus louvores sempre estarão em minha boca, e toda a eternidade não será longa para eu exaltar as suas misericórdias. Ó doce Jesus! Não permitais que eu seja ingrato; não permitais que eu mereça a exprobração que outrora fizestes ao povo judeu: Vós esqueceste-vos dos meus benefícios, e não vos recordastes da multidão de minhas misericórdias." Capítulo XXXIX - Da sua plena vontade é que Jesus Cristo se ofereceu à morte por nosso amor - "Foi imolado porque quis" (Is 53,7). O verbo eterno, desde o primeiro instante de sua conceição, viu apresentar-lhe ante si todas as almas dos filhos de Adão; viu ao mesmo tempo apresentar-lhe o quadro terrível dos sofrimentos, à custa dos quais devia remi-los. Assim do primeiro instante de sua existência no tempo viu e conheceu perfeitamente Jesus Cristo as almas de todos os homens que lá desde o começo do mundo tinham povoado a terra, bem como as de todos os que deviam povoa-la até à consumação dos séculos. Viu e conheceu portanto também a minha, ele a viu coberta de pecados, envolta em densas trevas, falta de tudo. E esta vista, longe de o levar a repelir-me como um objeto de horror, comoveu as entranhas da sua misericórdia, e aceitou para logo todos os sofrimentos que mais tarde padeceu no curso da sua vida, e particularmente em sua morte. Nenhum interesse próprio tinha para assim obrar, nem para aceitar tantos sofrimentos; o amor, o amor por minha pobre alma, eis o seu mover; o amor fê-lo nascer num presépio, o amor fê-lo morrer numa cruz. Condenado estava eu ao inferno, e ele ofereceu-se por meu resgate; nascera no ódio de Deus, e ele ofereceu-se para destruir este ódio; nem sequer pensava em ama-lo; em minha funesta cegueira, só para ofendê-lo vivia, e ele foi o primeiro a amar-me, e se ofereceu para dar-me uma prova esplêndida do seu amor, e para me atrair a amá-lo. E seria eu insensível a tão excessiva ternura do meu Deus? Se o meu Jesus me ama tão ardentemente, poderei eu recusar-lhe uma justa compensação? Por certo que não. Que retribuirei eu, pois, a Jesus! Que lhe hei de eu oferecer em paga do que recebi dele? Ele por mim ofereceu a hóstia mais preciosa que possuía, ofereceu-se a si mesmo; convém também que por minha parte lhe ofereça o que de melhor tenho, todo o meu ser. Pois que! Um Deus dá-se todo a,mim, e eu ainda hei de hesitar em me dar todo a ele? Ah! Senhor! Dignai-vos aceitar a oferenda de mim mesmo. Dois óbulos só vos posso apresentar, o corpo e alma: concedei-me a graça de generosamente vo-los sacrificar; o sacrifício do corpo, pelas mortificações, sofrimentos, trabalhos e privações; o sacrifício da minha alma, pondo a vossos pés a minha vontade própria, os meus desejos de aparecer, o meu orgulho e tudo o que vos desagrada. Bem o sei, ó meu Deus! É difícil, é penoso, é duro à natureza tal sacrifício; mas ajudai-me vós que eu vo-lo farei todo, todo pleno e sem reserva alguma, e por toda a minha vida. Ó meu Jesus! Que por meu amor vos oferecestes aos sofrimentos e à morte, a vossos pés venho lançar-me e pedir-vos que me recebais todo como holocausto a vós imolado. Recebei a minha liberdade, memória, inteligência, vontade, tudo o que sou. Se alguma coisa possuo, de vós a tenho, a vós pois tudo entrego para que de tudo disponhais segundo vossa vontade. Somente concedei-me o vosso amor e a vossa graça e assas rico serei. Ó Deus meu! Que poderosos motivos não tenho eu para amar-vos de todo o meu coração? "Vós livrastes a minha alma para ela não perecer, vós lançastes para traz das costas todos os meus pecados", e os esquecestes. Assim, em lugar de me castigar pelas injurias que contra vós multipliquei, vós multiplicastes os favores e misericórdias, afim de poder ganhar-me um dia para o vosso amor. Ah! Esse dia, que tão ardentemente desejáveis, chegou ao fim; sim, chegou, porque parece-me que vos amo de toda a minha alma. Ah! Se eu vos não amasse a vós, a quem deveria amar? Ó Jesus meu! O primeiro pecado que devo chorar é o de tantos anos não vos ter servido nem amado; mas para o futuro quero fazer tudo o que poder para vos ser agradável. A vossa graça me inspira, eu sinto um grande desejo de só para vós viver e de me desprender de todas as coisas criadas; experimento ao mesmo tempo grande magoa por todas as penas que vos dei; estes são, ó meu Deus, favores que de vossa bondade me vem, e de que vos dou graças. Vossa obra acabai, e conservai-me fiel ao vosso amor. Ai! Conheceis bem a minha franqueza; fazei pois que doravante eu seja todo vosso, como vós tendes sido todo meu. Amo-vos, ó meu único bem! Amo-vos, ó meu único amor! Amo-vos, ó meu tesouro e meu tudo! Meu doce Jesus, compreendei-me bem: eu vos amo, eu vos amo! Ó doce, ó terna Maria! Vinde em socorro de vosso filho, e ensinai-me a amar ainda mais a Jesus. Assim seja. RESOLUÇÕES PRÁTICAS Do Espírito de Imolação de nós mesmos por Amor de Deus Ontem falava-te eu da ingratidão, e empenhava-te, meu caro Teótimo, a fugires deste vicio, a Deus e aos homens hediondo e horroroso. Podes hoje provar a nosso Senhor que sabes apreciar e reconhecer os seus benefícios, consentindo em fazer por sua gloria o que ele fez por teu amor. Afim de arrancar-te ao inferno e merecer-te o céu, este bom Mestre ofereceu-se como vitima a Deus seu Pai; faze tu outro tanto. Considera-te doravante vitima destinada a ser imolada segundo seu bel prazer. Persuade-te bem que não és mais teu, mas que todo pertences a Deus. Assim quando lhe aprouver enviar-te alguma cruz, alguma humilhação, alguma doença, deves submeter-te dizendo: "Vitima me constitui, pode imolar-me." Quando teus superiores te derem alguma ordem à qual sintas repugnância de submeter-te, quando sentires a revolta da própria vontade contra vontade dos que te governam, apressa-te a chamar em teu socorro este pensamento: "Não pertenço a mim, sou vitima do meu Deus, devo pois deixar-me imolar." Se murmúrios se elevam em tua alma, se sentes repugnância em assim sacrificar-te, se teu orgulho se rói e opõe alguma resistência, recorda-te então de Jesus, que a si mesmo se imolou por teu amor, que como inocente cordeiro se deixou sacrificar sem proferir uma só queixa. Quando enfim vires a morte próxima a ferir-te, levanta os olhos ao céu e dize: Deus meu, vitima vossa sou, vitima de amor; descarregai, descarregai o ultimo golpe, acabai meu sacrifício. Vosso quero ser por toda a eternidade afim de amar-vos, bendizer-vos, agradecer-vos todas as vossas bondades por mim, e gozar da vossa presença. Capítulo XL - Jesus Cristo por amor nosso fez-se maldição afim de subtrair-nos à eterna maldição que mereceríamos - "Deus enviou o seu próprio Filho revestido de carne semelhante à carne do pecado, e por causa do pecado condenou o pecado na carne" (Rm 8,3). Deus detesta soberanamente o pecado; onde quer que o divise, pune-o sem misericórdia; exigem-no sua justiça e santidade. Jesus Cristo, encarregado como estava por seu Pai celeste de remir-nos, revestiu-se de carne semelhante à carne do pecado que nós trazemos; e, bem que do pecado ele só tivesse a aparência, Deus não obstante votou-o à maldição: Factus pro nobis maledictum. Sim, nosso divino Salvador querendo subtrair-nos à maldição eterna que mereceríamos, consentia em ser ele mesmo votado à maldição, permitindo ser suspenso na cruz, como um culpado e malfeitor de todos execrado. Que amor! Ó meu Jesus! Meu doce Jesus! Vós que por vossa morte me livrastes da servidão do pecado original e dos pecados que depois do batismo cometi; mudai, eu vos suplico, mudai essas desgraçadas cadeias, que por tanto tempo me retiveram sob o império e escravidão de Lúcifer, em cadeias de ouro que a vós estreitamente unido me tenham pelos laços do vosso santo amor. Fazei, eu vos conjuro, fazei brilhar em mim o poder de vossa graça, tornando-me de miserável pecador que sou, um santo. Por causa dos meus pecados é que Jesus se fez maldição; é artigo de fé. Que ideia devo portanto fazer eu de um mal que só por este preço um Deus pode destruir? É que este é o maior e mais horrendo de todos os males. Oh! Quanto eu devo temê-lo! Com que cuidado evita-lo! que vigilância para ele não estabelecer seu reino em minha alma! Ai! Tempo houve em que este maldito pecado me tinha sob as suas leis; mas pela graça do batismo libertei-me de sua vergonhosa escravidão; minha alma foi lavada no sangue de Jesus, e este bom Mestre tornou-a pura e bela a seus olhos. Ó Deus meu! Não permitais que eu tenha ainda a desgraça de a manchar com novos pecados; por quem sois, tal não permitais. A vossa graça me restituíste, não permitais que eu seja tão desgraçado que segunda vez a perca. Que seria de mim sem ela! Ai! Não posso consentir em passar toda a eternidade no inferno sem poder amar-vos, não, Deus meu, em tal não posso consentir; é preciso que eu vos ame e no inferno não se vos ama! No inferno!... Longe do meu Deus!... Longe dos amigos do meu Deus!... Longe de Jesus Cristo e da santa Virgem!... Longe dessas belas almas que eu conheci e amei cá na terra!... Oh! Que desgraça! Senhor, Senhor, afastai para longe de mim. No inferno! Ó Jesus! E no entanto é bem verdade que de há muito eu deveria lá estar a arder! E no entanto é bem verdade que de há muito eu merecera lá ser esmagado debaixo do peso de vossa maldição eterna! Mas pela vossa misericórdia e pelo gloria de vossa tão dolorosa morte espero arder eternamente nas chamas do vosso amor e ser para sempre vosso. Desde já não quero que meu coração outra coisa ame senão só a vós, a vós, ó Deus meu! A vós eu amarei por vós mesmo; aos meus amigos, amá-lo-eis em vós: aos meus inimigos, amá-lo-eis por causa de vós. Ah! Reinai em toda a minha alma; fazei que ela só a vós obedeça, só a vós busque, só por vós suspire. Sai do meu coração, afeições terrenas que não lordes em Deus e por Deus; a vós, chama do divino amor, vinde a mim; vinde e tomai posse do meu coração; vinde e abrasai-me. Eu vos amo, ó meu Jesus! Amo-vos, ó digno de infinito amor! Ó vós que sois o único que me amais verdadeiramente! Ninguém conheço que me ame mais que vós; em reconhecimento me dou e me consagro todo, todo, a vós, meu tesouro e meu tudo. Assim seja. RESOLUÇÕES PRÁTICAS Da Castidade Seja-me permitido, meu caro Teótimo, entreter-te hoje com a mais bela e mais mimosa de todas as virtudes, com essa virtude que torna o homem semelhante ao mesmo Deus; com essa virtude em comparação da qual nada são todas as riquezas, nada todos os tesouros e dignidades; quero dizer a castidade. É virtude tão bela, que até seus mesmos inimigos não podem conter-se que a não admirem. Nosso Senhor sempre a prezou muitíssimo, e quanto mais pura e casta é uma alma, tanto ele mais se compraz em cumula-la de seus mais assinalados favores. Mas quanto mais preciosa é esta virtude, tanto mais difícil é de conservar. A carne e o demônio reúnem seus esforços para vo-la fazerem perder, e desta luta terrível não é fácil o sair-se vencedor. Não obstante, meu caro Teótimo, confiança em Deus; ele bem conhece a nossa fraqueza e o lodo de que somos formados, e não deixa seus filhos ao abandono no meio do perigo. A Jesus e Maria pede incessantemente a virtude da castidade, pois só do céu pode descer dom de tão grande valor, e demais sê fiel ao que vou dizer-te, afim de não caíres no poder de teus inimigos. I - Foge das Ocasiões Porque nos combates da carne a vitória é dos mais medrosos, isto é, dos que fogem das ocasiões. Se te expões a elas, cairás. Quantos desgraçados, dizia São Jerônimo já moribundo, caíram no lodo da impureza por causa da presunção com que se julgavam seguros da vitória! Por mais experiência que tu tenhas dá tua fidelidade passada, está sempre de pé atrás e nunca te julgues em segurança para o futuro. II - Vela sobre todos os Sentidos Nunca deixes aos teus olhos deterem-se sobre objetos perigosos; nunca pronuncies uma só palavra que ferir possa um ouvido casto, etc., etc. III - Foge da Ociosidade O Espírito Santo ensina-nos que ela conduz a grande numero dos pecados; e ela é que foi a causa de todos os crimes dos habitantes de Sodoma e Gomorra, ela faz ainda todos os dias uma aluvião de vitimas. Foge pois da ociosidade e faz que o demônio te ache sempre ocupado. Não esqueças que muitos, depois de no trabalho haverem sido santos, na ociosidade perderam-se miseravelmente; e que, por um demônio que tenta uma pessoa que trabalha, há cem que assaltam a quem está ocioso. Torno-te a repetir, foge da ociosidade. IV - Mortifica-te A mortificação é o sal que conserva todas as virtudes, mas a castidade sobre tudo, a qual sem ela não pode viver por muito tempo. Evita todos os excessos no beber e comer: porque boa mesa, abundância de iguarias, delicadeza de vinhos, são os maiores inimigos da castidade. Vinho puro ou nunca o temes, ou que seja em diminutíssima quantidade e muito raras vezes: porque quem com excesso toma vinho será certamente entregue ás tumultuosas paixões dos sentidos e só a muito custo poderá conservar a castidade. V - Sê humilde A humildade é a guarda da castidade, o orgulho é indicio de queda próxima. Sim, meu caro Teótimo, Deus muitas vezes pune os orgulhosos permitindo que eles caiam na torpeza de alguma impureza. Nunca por nunca tenhas muito boa opinião de ti mesmo, de teus talentos, de teus méritos com temor de atrair sobre ti a cólera de Deus; tem sempre presente a teu espírito esta lição de São Bernardo: "Só pela humildade se pode obter e conservar a castidade." VI - Ora muito No meio dos combates da carne contra o espírito, só Deus é que pode sustentar a nossa fraqueza e dar-nos a vitória. Assim pois, mal comeces a sentir os primeiros ataques do inimigo, apressa-te a recorrer a Jesus e dize-lhe: "Meu bom Mestre, vinde depressa em meu socorro, ou eu pereço." Fazei o sinal da cruz sobre o coração dizendo: "Meu Deus, morrer antes que consentir neste mau pensamento, neste mau desejo!" Dirige-te particularmente a Maria: pronuncia com respeito o seu santo nome; reza a Ave-Maria, aperta contra o coração alguma de suas imagens, ou escapulário se o tens, e repete incessantemente enquanto durar a tentação: "Minha doce e terna Mãe, eu vos suplico, não abandoneis vosso pobre filho. Ó Maria! Ó Maria! Vinde em meu socorro!" Depois da tentação, dize: "Ó Jesus e Maria! Doces objetos do meu amor, benditos sejais para sempre por me haverdes livrado desta tentação, e não me terdes abandonado à minha fraqueza. Não permitais jamais que eu caia na desgraça de ver-me separado de vós pelo pecado. Ó Jesus e Maria, amo-vos e amar-vos-ei sempre." Capítulo XLI - Quanto o amor que Jesus Cristo nos tem nos impõem a obrigação de O amarmos - "A caridade de Cristo nos constrange" (2Cor 5,14). Nada, diz São Francisco de Sales no "Tratado do amor de Deus", livro 8, capítulo 8, nada força tanto o coração do homem como o amor. Se um homem sabe que é amado de outro homem qualquer que seja, sente-se compelido a retribui-lhe amor por amor; se é um simples paisano que é amado de um grande senhor, muito mais é incitado; mas se é de um grande monarca que ele se vê amado, com quanto maior, força ainda se sente impelido? Saber pois que Jesus Cristo nos amou até morrer na cruz por nós não é ter os nossos corações sob uma prensa que lhes espreme fortemente o amor, com violência tanto mais veemente quanto é mais amável? Jesus ama-nos: Ah! E quem o poderia duvidar depois de tantos sinais que nos deu da sua ternura? Sim, ama-nos, e quer que nós o amemos. Para isso é que ele se fez homem, morreu na cruz, instituiu o Sacramento da Eucaristia. A nós se deu todo e sem a menor reserva. Se ele se encarna, diz um piedoso autor, e vem ao mundo, é por nós; se nasce num curral, se é deitado na palha de uma manjedoura, é por nós; se treme e chora, é por nós; se tem um corpo é afim de poder sofrer, de poder imolar-se por nós; se tem um coração, é para amar-nos; enfim, todos os movimentos de sua alma, todos os desejos do seu coração, todos os pensamentos do seu espírito são nossos e por nós. Sua vida é nossa; sua humanidade santa com todas as suas virtudes e todos os seus merecimentos, é nossa. Que digo? A sua mesma divindade com todas as suas perfeições, é nossa. Tudo nos deu no sacramento do seu amor, de modo tal que é impossível dar-nos mais; pois que pode ele dar maior e mais precioso do que ele mesmo? Sim, Jesus, incitado pelo amor imenso que nos tem, todo se deu a nós; por nós se consumiu: despendeu-se todo em nosso lucro, e é verdade o dizer-se que não há nada no mundo que seja tão perfeitamente, tão universalmente, tão unicamente nosso como Jesus Cristo. Ó Deus! E seria possível que o meu coração ficasse insensível a tanto amor? Seria possível que eu não amasse a quem tanto me tem amado? Não, não, não quero ser ingrato. Jesus me amou; pois bem! Amá-lo-ei também eu. Que há ai mais doce, mais justo, mais glorioso que amar a Jesus? Se este bom Mestre me proibisse o amá-lo, tal proibição parecer-me-ia insuportável, ser-me-ia impossível submeter-me. Não amar a Jesus! Ó Céu! Só o pensa-lo me aterra mais que todos os tormentos do inferno. Ó Deus meu! Antes morrer que deixar jamais de amar-vos! Ah! Consuma o fogo do vosso amor o meu coração todo; nada de mim mesmo fique em mim, mas tudo o que eu sou, tudo o que eu tenho, seja vosso para sempre. Ai! eu amei-vos tão tarde! bem justo é que eu repare, quanto possível for, o tempo que perdi longe de vós; bem justo é que eu vos ame hoje de todo o meu coração, a vós que sois o meu Deus e que tão ardente desejo tendes de ser de mim amado. Doce Jesus! Salvador da minha alma! único objeto dos meus desejos e do meu amor, socorrei ao vosso servo. A vós brado, a vós invoco do mais profundo do meu coração. Vinde a este pobre coração que vos quero dar todo, vinde estabelecer nele vossa morada, vinde derramar nele vosso santo amor. Fonte inexausta de amor, de doçura e bondade, amável e puro objeto de todos os meus desejos, haverá alguma coisa comparável á vossa divina beleza? O mel mais doce, o néctar mais delicioso chegam à vossa doçura? A neve e o leite mais puro aproximam-se da vossa pureza? Todos os tesouros do mundo, ouro prata, pedras preciosas, as mesmas honras e os mesmos prazeres, poder-me-iam tocar, depois que saboreei vossos encantos? Não, Deus meu, não, só vosso quero ser, só a vós quero pertencer para sempre; vosso filho quero ser por toda a eternidade! Ó Jesus! Sede-me sempre Jesus! Pois que Jesus Cristo se deu todo a nós, é de justiça que nós a ele nos dêmos todos sem reserva. Devesse isto custar-nos grandes trabalhos, penosos sacrifícios, não importa; sejamos todos de Deus, é justiça. Devesse custar-nos a perda dos nossos bens, do nosso repouso, da nossa honra, não importa: sejamos todos de Deus, é justiça. Devesse, enfim, custar-nos a perda de tudo o que no mundo temos de mais caro, da nossa própria vida; não importa, não importa: sejamos todos de Deus, é justiça. Mas que! É preciso estar a deliberar tanto para me resolver a dar a Deus amor por amor? Tão mau seria ser todo, todo, de Jesus! Ai! Que o maior, o mais medonho de todos os males, é o não ser dele. E esta foi, ó bom Jesus! No entanto a minha desgraça por muito tempo. Ah! Quantos anos passei eu longe de vós! Ai! Eu então andava cego, ignorava o que vós fizestes por meu amor. Meu Redentor, trazei-me sempre à memória os sofrimentos que padecestes para testemunhar-me a vossa ternura; fazei que sua recordação nunca se aparte do meu espírito, afim de poder compreender quanto me amastes. Se pelo passado levei a vida tão desregrada e tão culpável, é que eu, ó Jesus! Não considerei o amor que por mim tivestes. Eu bem sabia, contudo, o grande pesar que vos dava com meus pecados; mas ai! este conhecimento que tinha não me impedia de cometer muitas faltas. Pudesse eu hoje morrer de dor de as ter cometido! Ah! Eu de certo não tinha coragem de implorar o perdão, se não soubesse que vós morrestes para perdoar-me. Sim, vós morrestes na cruz, porque desejáveis o meu amor. E eu, ó Jesus! Eu desejo tão pouco o vosso! Fazei-me a graça de o desejar mais que a todos os bens deste mundo... Ó meu soberano e único tesouro! Amo-vos mais que a todas as coisas, amo-vos mais que a mim mesmo, amo-vos de toda a minha alma, e outro desejo não quero ter que amar-vos e ser de vós amado. Esquecei, ó Jesus meu! Esquecei as ofensas de que me tornei culpável para convosco, e amai-me ainda, apesar das minhas ingratidões; amai-me muito, para que eu possa também amar-vos muito. Vós sois o meu amor, sois a minha esperança; sabeis quão fraco sou; socorrei-me, pois, ó Jesus! Meu amor, socorrei-me. Fazei que eu na vida e na morte, e por toda a eternidade brade incessantemente: "Meu Deus! Meu Deus! Sois o meu amor e meu tudo! Sois o meu amor e meu tudo!" Devemos dar-nos todos a Deus sem reservar nada, sem exceptuar nada; pois, por mais que nós demos, sempre damos muito pouco, e tão pouco que nem se devia contar por nada. Trabalho, mortifico-me, levo a minha cruz, dou até a minha vida pelo amor de Deus; mas o que vem a ser a final tudo isto se comparo a grandeza de Deus com a minha baixeza? Que tão grande serviço pode prestar o nada ao Ser por excelência? Nada sou, e de mim mesmo nada posso; o que possuo, de Deus o tenho. Com que direito pois pretendo eu arrebatar-lhe o que lhe pertence? Pedindo-me todo o meu coração, não me pede mais que o que é seu; que grande mérito da minha parte se lh'o dou! Demais, tudo o que eu posso fazer por amor de Deus é tão miserável, tão imperfeito, que seria urra vergonha cortar-lhe ainda alguma parte, por mínima que fosse, sobre tudo se penso em tudo o que ele mesmo fez e ainda agora faz por mim. O quê! Jesus ama-me quanto possível lhe é amar-me, e eu não amarei da rainha parte, de todas as minhas forças, o Grande Deus! Afastai de mim tal ingratidão! Ah! Se eu muito não posso dar-vos em reconhecimento de todos os vossos benefícios, fazei que vos dê ao menos, sem reserva, o pouco que possuo. Senhor Jesus, que tão perfeitamente conheceis tudo o que há de mais oculto na terra e no Céu, vós bem sabeis que me sois infinitamente mais caro, infinitamente mais amável que o Céu, que a terra, e que tudo o que eles encerram. Sabeis que quero ser vosso, que me dei todo a vós e que nada para mim reservei. Meu coração não é já meu; fiz-vos sacrifício dele, a vós pertence; tornai-o digno de vós. Curai todas as suas misérias, e não permitais que nelas torne a cair. Ó Jesus! Fazei-me a graça de renovar o meu sacrifício todos os dias da minha vida, e de poder dizer por toda a eternidade: "Sou de Jesus! A Jesus pertenço! Sou escravo do seu amor". Sim, tomo por testemunha o Céu, a terra e os infernos, sou de Jesus, e mediante a sua graça, que eu espero e que me não há de faltar, serei sempre de Jesus, sempre servo de Jesus, sempre amigo de Jesus, sempre filho de Jesus! Assim seja. RESOLUÇÕES PRÁTICAS Da perfeita emenda de nós mesmos Hoje, meu caro Teótimo, entra seriamente em ti mesmo, e consulta a tua consciência a ver se ela te diz que verdadeiramente és todo de Deus. Examina o que fazes para agradar-lhe e como o fazes. Passa uma revista a todas as tuas ações, e vê se tens motivos para crer que Jesus está contente com elas. As tuas orações, com que respeito, com que atenção as fazes? És bem fiel em fazer a tua oração mental todos os dias? tuas intenções são sempre retas, puras e santas? És de uma grande exatidão para os deveres do teu estado? E a respeito da humildade e obediência que deves ao superior ou diretor como vais? Que guerra fazes ás tuas paixões, sobretudo à tua paixão dominante? Perseveras na prática do exame de consciência? Tens grande cuidado de fugir do mundo e seus prazeres? Não és negligente na preparação para os sacramentos da Penitencia e Eucaristia? Não levas mesmo a infidelidade até abandonar a comunhão frequente, com receio de estares por ela obrigado a vigilância mais estreita sobre ti mesmo? Ó meu caro Teótimo! Eis aqui em que meditar, e talvez tenhas bem motivo de te humilhar. Que faria se eu falasse de tantas mentiras leves, escárnios, palavras ociosas, e sobretudo murmurações de que a cada instante talvez te estás tornando culpável? Ah! Toma hoje a generosa resolução de te emendares, começa por corrigir tal e tal defeito, por exemplo, o de sempre estares a criticar os mais, de murmurar, etc. Pede a Nosso Senhor te ajude, e roga-lhe instantemente a graça de ser enfim todo dele, custe o que custar. Capítulo XLII - Elevação do coração a Jesus Cristo para o conjurar a nos atrair a si pelos encantos do seu amor - "Eu quando for levantado da terra atrairei tudo a mim" (Jo 12,32). São estas vossas palavras, ó meu divino Salvador! Vós as pronunciastes quando estáveis sobre a terra em vossa carne mortal. Dissestes-nos que quando estivésseis elevado sobre a cruz, atrairíeis a vós os corações de todos os homens; sois a verdade infalível, e eu não poderia duvidar do cumprimento das vossas palavras; permiti-me então que vos pergunte como é que o meu coração esteve por tantos anos longe de vós?... Ah! De vós não é que eu me devo queixar. Quantas vezes me não chamastes vós ao vosso amor, e eu recusei ouvir a vossa voz! Quantas vezes me não perdoastes as minhas ofensas! Quantas vezes me não advertiste pelos remorsos da consciência que vos não ofendesse! Eu, apesar de tantas graças, quantas vezes não voltei aos pecados! Ó Jesus meu! Não me precipiteis no inferno, como eu mereceria; porque ali ver-me-ei constrangido a amaldiçoar para sempre todas essas graças, que me haveis prodigalizado. Sim, todas essas graças, todas essas luzes interiores que me concedestes, todos esses ternos convites que me fizestes para dar-me a vós, essa paciência que tivestes em suportar-me, esse sangue derramado por salvar-me, tudo isso seria para mim tormento muito mais atroz e mais cruel que todos os demais tormentos do inferno. Bem o sinto, ó Deus meu! Vós me chamais ainda hoje com terno e ansioso amor como se eu nunca vos ofendera, e me dizeis: "Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração." Pois que assim o mandais, ó meu Senhor! Amo-vos de todo o meu coração: sim amo-vos, porque sois digno de amor infinito, amo-vos e o meu mais ardente desejo é amar-vos, assim como o meu maior temor é ser separado de vós e viver sem vosso amor. Por misericórdia, ó meu crucificado Jesus! não permitais que um só instante eu cesse de amar-vos. Recordai-me sempre a morte que por mim sofrestes, recordai-me todos os testemunhos do vosso amor, e fazei que sua recordação me inflame de mais em mais do desejo de amar-vos e consumir-me por vós, por vós que por mim vos fizestes vitima de amor! "Quando eu for elevado da terra atrairei tudo a mim." Senhor Jesus! Cumpri hoje, eu vos suplico, a vossa promessa e atraí-me todo a vós. Terno esposo de minha alma, puríssimo amor meu, ó meu Jesus! Rei de todas as criaturas, quem me livrará dos meus laços? "Quem me dará asas" para voar a vós e em vós repousar? Oh! quando estarei bem desprendido da terra para ver-vos, Senhor Deus meu, e saborear quanto sois doce? Quando estarei de tal modo absorvido em vós, tão inebriado do vosso amor, que nem me sinta a mim mesmo, e só de vós viva, nessa união inefável e acima dos sentidos que nem todos conhecem? Agora só gemer e levar com dor minha miséria; porque neste vale de lágrimas ocorrem muitos males que me perturbam, me afligem, e anuviam minha alma. Muitas vezes me fatigam e me impedem; apoderam-se de mim, envolvem-me, e, impedindo-me um acesso para junto a vós, privam-me desses deliciosos abraços de que sempre e sem obstáculo gozam os espíritos celestes. Toquem-vos os meus suspiros, e minha desolação nesta terra. "Ó Jesus, esplendor da eterna gloria!" Consolação da alma exilada! Minha boca está muda ante vós, e meu silencio vos fala. Até quando tardará em vir o meu Senhor? Venha a este pobre que é seu, e restitua-lhe a alegria; estenda a mão para levantar um miserável sepultado na angustia. Vinde, vinde! Porque todos os dias, todas as horas se passam na tristeza, porque só vós sois a minha alegria, e só vós podeis encher o vácuo do meu coração. Oprimido estou de misérias, e qual prisioneiro carregado de ferros, até que me reanimeis com a luz da vossa face, e me restituais a minha liberdade, e lanceis sobre mim um olhar de amor. Que outros busquem, em lugar de vós, tudo quanto eles quiserem; a mim nada me agrada, nada me agradará nunca senão vós só, ó Deus meu! Minha esperança! Minha eterna salvação! Oh! Atraí-me todo a vós cada vez mais. Minha alma suspira por vós. Ai! Pobre alma; ela saboreou os prazeres do mundo, e neles só amargura encontrou, a gloria e as honras fatigam-na sem a contentar; as riquezas deixam-na vazia e sempre inquieta; o mundo todo não pode satisfazê-la; ele deseja sempre alguma coisa maior e melhor. Vós só, Senhor Deus meu, podeis saciar todos os seus desejos: atraia-a pois a vós para sempre. Assim seja. RESOLUÇÕES PRÁTICAS Das Orações Jaculatórias Duas práticas há, mui conhecidas de todas as almas piedosas, e eu te convido, meu caro Teótimo, a que te familiarizes com elas; são: primeiro a comunhão espiritual de que te falarei no capítulo seguinte, e depois o habito de elevar amiúde o coração a Deus por aquilo que se chamam "orações jaculatórias". É coisa certa que poucas práticas contribuem tanto como estas duas para tornar uma alma unida a Deus e habitualmente recolhida. Começa por te acostumares a ver sempre a Deus presente diante de ti, e a entreteres-te familiarmente com ele como com o melhor amigo. Abre-lhe o coração, fala-lhe de todos os teus dissabores, de tuas alegrias, de teus temores. Para isto não tens necessidade de o ir procurar longe: ao pé de ti o tens sempre: se trabalhas, se andas, se estás sentado, ele nem um instante te deixa; se dormes, ele coloca-se a teu lado, assenta-se de alguma sorte em teu travesseiro, para melhor velar sobre ti. Dize-lhe muitas vezes: "Ó meu Deus! Amo-vos de todo o meu coração." Sabe aproveitar-te de tudo para elevar tua alma a esse bom Pai e te excitarás ao seu amor. Quando, por exemplo, se te oferece uma bela campina, um sitio agradável, dize: "Meu Deus, como vossas obras são belas!" Ou antes: "Senhor, as vossas obras têm tanta beleza; que deveis ser vós mesmo?!" À vista de um castelo, de um magnifico palácio, dize: "Ai! nestes palácios não é que ordinariamente se acha a verdadeira felicidade; essa só habita no coração dos que vos amam, ó meu Deus!" Ou então: "O que são estes palácios brilhantes de ouro e pedrarias em comparação do Céu? Ó meu Deus, dai-me o vosso paraíso." Quando diante de ti se falia de riquezas, glorias, honras, dize: "Ó Deus meu! Vós só me bastais; sois todo o meu bem e toda a minha gloria." Se vês um pobre pecador que ofende a Deus, dize: "Ó Jesus, tende piedade deste homem." Em seguida tornando a ti mesmo, dize: "Ai! Eu ainda faria pior, se me abandonásseis à minha fraqueza. Bendita seja a vossa misericórdia!" Quando acontece alguma desgraça, ou alguma coisa que te aflige, dize: "Meu doce Jesus, vinde tomar parte na minha dor e aliviar-me, vós bem vedes o quanto sofro." Assim também quando estás na alegria convida Nosso Senhor a vir partilhar contigo o teu contentamento. Exemplos destes poderia eu multiplica-los até ao infinito, mas se tu amas a Jesus não é preciso estar a sugerir-te o que lhe deves dizer: teu coração saberá inspirar-te. Mas é particularmente quando cometeste alguma falta que é preciso elevar o coração a Deus afim de evitar a perturbação e desassossego que só do inferno é que vem. Lança-te com toda a simplicidade aos pés de Jesus, confessa-lhe a tua falta com a mesma candura que um menino confessa à mãe a sua, e dize-lhe: "Eis, ó terno Mestre! Ó meu melhor amigo! Eis do que eu sou capaz: prometo-vos ser-vos fiel, e a cada instante vos ofendo. Ah! Perdoai-me ainda esta falta, porque eu me arrependo dela e vos amo, e vinde em meu socorro afim que doravante não vos cause outro desgosto." Depois desta curta oração conserva-te em paz corno se não houveras pecado. Se cem vezes deves repetir a mesma súplica, humilha-te, conforma-te e dize sempre: "Meu Jesus, apesar de minhas quedas continuas não quero cessar de amar-vos e de ter confiança em vós; sim, sim, meu Deus, eu vos amo." Capítulo XLIII - Jesus o bom pastor - "Eu sou o bom pastor: o bom pastor dá a própria vida pelas suas ovelhas" (Jo 10,11). Sim, sim, exclama Santo Agostinho, verdadeiramente Jesus é bom pastor: porque ama as suas ovelhas mais que a si mesmo, mais que seu repouso, mais que sua vida. Por elas desceu dos esplendores da sua gloria; por elas revestiu-se dos andrajos da nossa humanidade, e condenou-se a uma vida dura, laboriosa e cheia de sofrimentos; por elas esgotou todos os tesouros da sua ternura; por elas finalmente morreu sobre a cruz. Jesus é o bom pastor; todos os seus instantes, todos os seus suspiros, todos os seus trabalhos, toda a sua vida, todo ele mesmo, tudo isto foi consagrado ao bem das suas ovelhas. Era Deus; e, apesar do seu poder infinito, não pôde fazer mais para lhes testemunhar o seu amor. Jesus é o bom pastor: vede como suas entranhas se comovem de compaixão por todas essas pobres ovelhas da casa de Israel, errantes e desgarradas. Por amor delas ele não se dá descanso nem de dia nem de noite; percorre lugares, aldeias, cidades, desertos, à procura de algumas de suas ovelhas; ora, geme, pede a grandes brados tua salvação, e afinal dá a vida para lh'a obter. Vede-o sobre a cruz: está no momento de expirar no meio das mais atrocíssimas dores, e ainda então o seu amor arrebata ao demônio uma ovelha que este lobo infernal ia devorar: era o bom ladrão. Vede-o, descer uma outra vez do Céu para conduzir ao aprisco outra ovelha desgarrada: Era São Paulo. Que digo? Vede-o, vede este bom pastor ao lado de cada um de nós dizendo-nos incessantemente: "Filho, não fujas: vem, eu te estendo os braços; vem, eu te reconduzirei a pastos muito abundantes; vem, que eu te encherei de minha graça e amor." Jesus é o bom pastor: "Ele conhece as suas ovelhas, e suas ovelhas conhecem-no a ele." Oh! Que bom é viver ao pé deste bom pastor tão cheio de ternura por suas ovelhas! Oh! feliz da alma que o não deixa nem um instante: ela recebe da sua própria mão as mais doces carícias e as graças mais preciosas. Ora uma alma permanece constantemente junto a Jesus, pastor divino, quando se esforça por viver no mais profundo recolhimento, humildade e compunção. O recolhimento obtém-se pela oração e pela mais exata e escrupulosa fidelidade a todos os deveres; a humildade adquire-se pela recordação das nossas misérias e impotência para o bem, e sobretudo por humilhações voluntárias; enfim mantém-se em nossa alma a compunção pelo pensamento do amor de Deus para conosco e dos pecados cometidos contra ele. Jesus é o bom pastor: tem sempre os olhos sobre as ovelhas. Se alguma se desgarra, busca-a por todos os lugares, corre atrás dela com a mais viva solicitude, e não descansa enquanto a não acha e a torna a reconduzir ao aprisco. Ó bom Jesus! Posso eu clamar a todas as criaturas que vós sois o bom pastor, eu que de maneira tão inefável experimentei vossa misericordiosa ternura! Ai! "errei como uma pobre ovelha que corre à sua perdição"; caí de desvario em desvario, deixei-me ir após todos os desregrados desejos do meu coração; deixei o caminho da inocência pelo vicio; "cansei-me nas veredas da perdição". E no entanto vós, ó Jesus meu! Vós não me abandonáveis; eu me afastava de vós mais e mais, e vós nunca me perdíeis de vista; todos os meus passos e todos os meus movimentos eram novos princípios; eu entregava-me sem medida ás minhas paixões, e vós guardáveis profundo silencio. "Ó tortuosas vias"! Infeliz de mim que pude capacitar-me que, apartando-me do meu Deus, encontraria outra coisa melhor que ele! Ai! por infelicidade já tenho demasiada experiência das penas e angustias que atormentam o coração ingrato que busca repouso fora de vós, ó doce Jesus! Ah! Que anos passei sem vos amar! Que anos perdi no serviço do demônio, do mundo e dais paixões! Que anos tomei a peito calcar aos pés os sinais do vosso amor e ser rebelde ás vossas inspirações! E vós, ó Deus meu! Vós usáveis de paciência para comigo; as minhas misérias aumentavam e vós vos aproxima-veis insensivelmente de mim; a vossa doce mão se ia chegando, chegando, sem eu dar por ela, para tirar-me do lodo e purificar-me. Ó Jesus! bom pastor! Que ações de graças vos darei por tanto amor? Jesus é o bom pastor, ele ama as suas ovelhas a ponto de as nutrir do seu próprio corpo e do seu próprio sangue. Ah! Que pastor se sacrificou jamais assim por seu rebanho? Só Jesus era capaz de tal excesso de amor. Muitas mães recusam nutrir seus filhos e os dão a amamentar a estranhos; não assim o nosso bom Salvador; não contente com dar-nos sua vida e merecimentos, quer ser ainda nosso sustento. Senhor Jesus, como é possível que eu pudesse abandonar um Senhor tão terno e tão cheio de amor? Ah! Que felicidade a minha se, ovelha fiel, sempre me conservara junto a vós!... Mas, ai! O mal está feito, fui ingrato e me apartei do meu melhor amigo. Bom Jesus, tende de mim piedade; eis que eu volto a vós todo coberto ainda das chagas que recebi e todo confuso da minha fugida; eu vos suplico, não me rejeiteis. Recordai-vos, ó meu querido Salvador! Que sou uma dessas pobres ovelhas pelas quais destes a vida. Lançai ainda sobre mim um desses olharas de misericórdia que outrora lá do alto da Cruz deixastes cair sobre os pecadores, quando por minha salvação exalastes o ultimo suspiro. Sim, Jesus meu, concedei-me ainda um desses doces olhares; mudai-me, fazendo-me melhor e salvai-me. Pois que! Não sois vós aquele pastor cheio de amor, "que, tendo perdido uma de suas ovelhas, deixa as outras noventa e nove no deserto, para se ir após a que se perdeu, até que a ache; não sois vós que, depois de a achar, a pondes sobre os vossos ombros cheio de alegria, e chamais depois vossos amigos e vizinhos", isto é, os anjos santos, e lhes dizeis: "Regozijai-vos comigo, porque achei a minha ovelha que se havia perdido?" Sim, meu Jesus, sois vós mesmo, e eu sou essa pobre ovelha desgarrada. Eis-me a vossos pés, e espero que me tomeis em vossos braços, para me reconduzir ao aprisco. Oh! Jesus! Bom Jesus! Não priveis o Céu da alegria que ele sentirá vendo-vos voltar com um pobre pecador de que tereis feito um santo! Recebei-me ainda no numero de vossas ovelhas queridas. Ah! Se por minha falta ainda me não pudestes encontrar desde que com tanto amor andais em minha procura, recolhei-me agora que me venho lançar a vossos pés, e prendei-me estreitamente a vós, para que não mais volte à minha perda. É preciso que o vosso amor seja o laço que a vós me tenha vinculado; porque se vós me não retendes por esta doce cadeia, escapar-vos-ei de novo. Ah! Senhor, vós não é que tivestes a culpa de eu não ter estado sempre unido a vós pelo laço do vosso amor; eu, eu ingrato como era, é que me conservei sempre afastada de vós por minha fugida. Mas agora eu vos conjuro por esta infinita misericórdia que vos fez descer sobre a terra afim de me procurar, prender-me a vós, mas prender-me com um laço dúplice de amor, afim de que nem vós me percais mais a mim, nem eu a vós. Meu querido Redentor! Não quero mais separar-me de vós; renuncio a todos os bens e prazeres do mundo, e ofereço-me a sofrer toda a sorte de penas e todo o gênero de morte, contanto que viva e morra unido sempre a vós. Eu vos amo, amabilíssimo Jesus; amo-vos, ó meu bom pastor, que morrestes por vossa ovelha transviada! Oh! Ficai-o sabendo bem, esta ovelha agora ama-vos mais do que a si mesma e outra coisa não quer mais que amar-vos e consumir-se por vosso amor. Tende piedade dela, ó Jesus! Amai-a, e não permitais que doravante se afaste jamais de vós. Assim seja. RESOLUÇÕES PRÁTICAS Da Comunhão Espiritual No capítulo precedente prometi falar-te da comunhão espiritual; cumpro a minha palavra. Bom é que saibas, meu caro Teótimo, que segundo a doutrina do concilio de Trento, pode-se comungar de três modos: o primeiro, comunhão só sacramental; o segundo, só espiritual, e o terceiro, sacramental e espiritual. Não trato aqui da primeira, que é a que só fazem os que comungam em estado de pecado mortal, nem da terceira que é comum a todos os que recebem Jesus Cristo em estado de graça; mas unicamente da segunda que, segundo as formais palavras do mesmo concilio, "consiste num desejo ardente de se nutrir deste pão celeste, com uma fé viva que opera pela caridade e que nos torna participantes dos frutos e graças deste sacramento". Portanto, segundo esta doutrina, os que não receberem realmente a Eucaristia, recebem-na espiritualmente, formando ato de fé viva, caridade ardente, e desejo vivo de se unirem ao sumo bem: é assim que se põem no estado de participar dos frutos deste divino sacramento. Para te facilitares nesta prática tão vantajosa, pensa bem, meu caro Teótimo, no que vou dizer-te. Quando assistires à santa missa e o padre estiver para comungar (estando tu mesmo na mais modesta postura e no mais recolhimento), faze de todo o coração um ato de verdadeira contrição, e ferindo humildemente o peito, para mostrares que te confessas indigno de graça tão grande, faze todos os atos de amor, oferecimento, humildade e outros que costumas fazer quando te aproximas da sagrada mesa. Junta-lhes o mais vivo desejo de receber a Jesus Cristo que por nós quis velar-se sob as espécies sacramentais; e, para reanimar a devoção, imagina que a Santa Virgem ou qualquer de teus santos patronos, vem trazer-te a santa hóstia; afigura-te que a recebes realmente; e tendo Jesus estreitamente unido ao coração, repete por muitas vezes e por diferentes intervalos, em termos ditados pelo amor: "Vinde, Jesus meu, amor e vida da minha alma; vinde a este pobre coração, vinde e saciai os meus desejos; vinde e santificai a minha alma; vinde, ó dulcíssimo Jesus, vinde." Conserva-te depois em silêncio, e contempla o teu Deus dentro de ti mesmo; e, como se realmente comungarás, adora-o, agradece-lhe e faze todos os atos ordinários depois da comunhão. Ora, meu caro Teótimo, persuade-te bem que esta comunhão, tão negligenciada pelos cristãos dos nossos dias, é, não obstante, um verdadeiro tesouro, que enche a alma de uma infinidade de bens; e, segundo muitos autores, entre outros o Padre Rodrigues na "Prática da perfeição Cristã" (Tratado 7, Capítulo 15) ela é tão útil, que pode produzir as mesmas graças que a comunhão sacramental, e mesmo maiores ainda; porque, bem que a comunhão sacramental seja de sua natureza de um grande fruto, pois sendo um sacramento, opera por virtude própria, pode contudo muito bem uma alma desejosa da sua perfeição fazer uma comunhão espiritual com tanta humildade, amor e devoção, que mereça graça maior do que a alcançada por uma alma que comunga sacramentalmente, mas com menos fervor e preparação... Seria possível que tão grandes bens não fizessem impressão alguma sobre ti? Que escusa daqui por diante podes tu dar se também desprezas uma prática tão santa e tão útil? Toma a resolução de a fazer frequentemente, e nota que a comunhão espiritual tem a vantagem sobre a sacramental em que esta se pode fazer só uma vez ao dia, ao passo que aquela pode-se fazer não só a todas as missas que ouças, mas em todo o tempo do dia; de manhã, à tarde, de dia, de noite, na Igreja, em teu quarto, sem mesmo teres necessidade da licença do confessor. Numa palavra, quantas vezes fizeres o que acabo de indicar-te, tantas farás a comunhão espiritual, e enriquecerás a tua alma de graças, de méritos e de toda a sorte de bens. Quantas almas por esta prática voluntária, reiterada muitas vezes durante o dia, chegaram a uma grande santidade! (Extraído do "Manual de piedade para uso dos seminários"). Capítulo XLIV - Do amor de Deus e dos principais meios de o adquirir - "Amemos pois a Deus, porque Deus nos amou primeiro" (1Jo 4,19). Deus ama-nos: não o podemos duvidar depois de tudo o que ele fez por nós. Ama-nos com a mais viva ternura e como se fôramos necessários à sua felicidade: ama-nos, apesar das nossas ingratidões, apesar das nossas misérias; ama-nos e quer de nós ser amado. "Meu filho, diz ele a cada homem em particular, meu filho, tu a quem eu criei, a quem eu remi, a quem eu acumulei de benefícios, dá-me o teu coração; uma só coisa te peço: que me ames." Mas não contente com nos incitar a ama-lo pela multidão de seus benefícios, não contente com atrair-nos ao seu amor pelas mais doces expressões, Ele nos ordena expressamente: "Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças." Ó meu Deus! o que sou eu para vós, e em que sou digno para que me mandeis amar-vos? E não obstante vós mandais-mo: se não cumpro, vossa cólera inflama-se contra mim, e ameaçais-me com terríveis misérias, como se, ai! não fora uma já bem grande o não amar-vos! Feliz, mil vezes feliz a alma que pode com verdade dizer: Amo ao meu Deus, ele é meu e eu sou dele! Feliz, mil vezes feliz a alma que possui o tesouro do amor de Deus! Oh! Precioso tesouro, em comparação do qual são nada todos os tesouros de mil milhões de mundos! Quem o não possui faça todos os esforços por conquista-lo: e quem o possui ponha todos os seus cuidados em o conservar e aumentai. Eis aqui os meios mais úteis e mais próprios para chegar a estes dois fins tão desejáveis. 1 - Consiste o primeiro meio em nos desprendermos das afeições terrestres, porque em coração cheio da terra não pode encontrar lugar o amor de Deus. Se pois desejamos ter o coração cheio do amor divino, devemo-nos esforçai1 por desapega-lo de todos os objetos terrenos, porque quanto mais amamos as criaturas, tanto menos amamos o Criador. Imitemos o belo exemplo do apóstolo São Paulo que "por ganhar o amor de Jesus Cristo, desprezava como esterco todos os bens deste mundo". Peçamos ao Espírito Santo nos inflame do seu puro amor, porque então também nós desprezaremos como vaidade, esterco e lodo, as riquezas, as honras e as dignidades deste mundo, pelas quais a maior parte dos homens se perdem miseravelmente. Depois que um cristão recebeu em seu coração o precioso deposito do amor de Deus, nenhum caso faz mais do que o mundo estima. Para ele, o amor de Deus é tudo; e, segundo a linguagem da Escritura, "quando mesmo ele desse todas as riquezas de sua casa para adquiri-lo, despreza-las-ia como se nada houvera dado"; o preço do amor de Deus lhe parece infinitamente acima de todo o objeto criado! Ó Jesus, meu Salvador! ponde, eu vos suplico, em meu pobre coração um amor por vós tão puro, tão vivo, tão terno, que nada no mundo me possa agradar senão vós só. Fazei-me compreender que só estou na terra para amar-vos, e que nenhuma criatura deve possuir a mínima parte deste coração que só para vós criastes. Fazei-me compreender quanto sois amável, ó doce Jesus! que então amar-vos-ei de toda a minha alma; mais do que a mim mesmo, mais que a todo o mundo; amar-vos-ei a vós só e sem partilha; amar-vos-ei e trabalharei com ardor em vos fazer amar; amar-vos-ei desde agora e para todo o sempre. Um cristão que verdadeiramente ama a Deus faz todos os esforços para amar só a ele. Sabe que, segundo a expressão da Escritura, ele é um Deus cioso; que não pode sofrer, no coração que o ama, rival algum; que quer possuir esse coração todo; e aplica-se a arrancar de sua alma até as mínimas raízes de uma afeição que não seja de Deus e por Deus. - Mas, objetará talvez alguém, não pede Deus demasiado exigindo que uma alma nada mais ame que a ele, e só a ele? Não, responde São Boaventura; porque uma bondade, uma amabilidade infinitas, um Deus digno de amor infinito, pode com toda a justiça exigir que ele seja só e o único objeto de amor de um coração que somente foi criado para o amar; pode exigir ser ele unicamente amado deste coração, pois para obter este amor fez tudo por ele, e que, segundo a expressão de São Bernardo, sacrificou-se inteiramente por ele. Não, Deus meu, não, vós não exigis nada de mais pedindo-me o coração. Eu vo-lo dou sem reserva e para sempre; dignai-vos aceitar esta homenagem. Ai! Que eu não possa oferecer-vos senão um coração tão duro, tão insensível, tão carecido de tudo e tão miserável! Tornai-o digno de vós, pois que ele agora vos pertence; derramai nele algumas de vossas graças especiais, ou antes, vinde vós mesmo estabelecer nele vossa morada. Sim, meu doce Jesus! vinde, vinde: este pobre coração por vós espera; arde do desejo de vos ansiar e de vos amar só a vós; suspira por vossa doce presença: só quer o vosso amor, porque o amor das criaturas nunca o pode satisfazer. Ah! Por quem sois, vinde, vinde! Feliz a alma que chegou a tal grau de amor de Deus, que nenhum repouso pode achar em tudo o que não é Deus! Se ai queremos chegar, é preciso abstermo-nos de pôr nossa afeição nas criaturas, com receio de que elas não vão tirar a Deus parte do amor que ele quer todo para si. Ora bem que estas afeições sejam honestas, como o são as que temos a nossos parentes e amigos, é preciso pôr atenção no que diz São Filipe Neri: "Quanto amor concedemos à criatura, tanto tiramos a Deus." Quando pois alguma criatura quer entrar em nosso coração para dele tomar posse, devemos recusar-lhe absolutamente a entrada; para o que voltemo-nos para Jesus Cristo e digamos-lhe: "Meu Jesus, vós só me bastais; quero amar só a vós, ó meu Deus! Só vós sereis o único Senhor do meu coração, o meu único amor." Oh! Que felicidade, quando chegarmos a desprender-nos de toda a criatura! Peçamos ao Senhor que nos faça o dom do seu puro amor, porque, segundo a expressão de São Francisco de Sales, o puro amor de Deus consome em nós tudo o que não é Deus, e muda todas as coisas nele. Peçamos-lhe que purifique o nosso coração de todo o afeto desregrado ás criaturas, afim que possamos voar ao seu seio e ali repousar. Oh! Quantas almas ricas em virtudes e graças, que por não terem força e coragem para renunciar a tal ou tal afeiçãozinha desregrada, não podem chegar à união divina; quando bastar-lhe-ia um generoso rasgo, para romper o fio que as retém e prende à terra! Adquiririam por este modo tesouros infinitos de graça preciosas, porque então Deus se comunicaria interiormente a elas. Ai! Eu mesmo talvez serei do numero dessas almas infelizes. Ó meu Deus! "Quem me dará asas como à pomba". Quem me dará um coração puro e inteiramente desimpedido de toda a afeição terrena, "e eu voarei ao vosso sejo, e nele tomarei doce e pacifico repouso?". Meu Jesus, ajudai-me a me desembaraçar de tudo; eu o quero, eu o desejo. Ah! Vinde em meu socorro. Sim, eu prefiro-vos a tudo, à saúde, ás riquezas, ás dignidades, ás honras, aos louvores, ás ciências, ás consolações e até ás graças e benefícios que de vós possa receber, prefiro-vos a tudo o que não sois vós, ó meu Deus! Tudo o que me possais dar não me basta, se vos não dais a vós mesmo, ó Deus do meu coração! a vós só quero, e a nada mais. Esclarecei-me, para que eu saiba o que quereis que eu arranque do coração, e dai-me a força de executar o vosso desejo, porque quero obedecer-vos em tudo. Vinde, ó Jesus meu! vinde à minha pobre alma; vinde tomar dela inteira posse para o tempo e para a eternidade. 2 - O segundo meio para chegar ao perfeito amor de Deus, é o conformar-se em tudo com a sua divina vontade. O perfeito amor de Deus não pode querer senão o que Deus quer. Muitos dizem de boca que estão totalmente resignados com a vontade do Senhor; mas, quando lhe sobrevém alguma contrariedade, alguma enfermidade penosa, não podem conservar-se em paz. Assim não obram as almas verdadeiramente submissas; estas dizem: "Isto apraz, ou isto aprouve ao objeto do meu amor", e logo ficam em paz. É que estas almas bem sabem que tudo quanto no mundo sucede, tudo é mandado ou permitido por Deus. Assim, qualquer coisa que aconteça, abaixam humildemente a cabeça e vivem contentes com tudo o que apraz ao Senhor enviar-lhes. "Se Deus me colocasse no fundo do inferno, dizia Santa Catarina de Gênova, eu não deixaria de dizer: Aqui estou bem; basta achar-me aqui por vontade de Deus, o qual me ama mais que todos os homens, e sabe tudo o que é melhor para mim." Mui em seguro está, quem repousa nos braços da sua divina bondade. Santa Catarina ensina-nos que "Tudo o que deve fazer quem se exercita na oração, é conformar-se com a vontade de Deus, na qual consiste toda a perfeição. Para isso devemos repetir sempre a prece de David: Pois que quereis que eu me salve, Senhor, ensinai-me a fazer sempre a vossa santa vontade." O mais perfeito ato de amor que possa fazer uma alma, é o que São Paulo fez no momento da sua conversão, quando disse: "Senhor, que quereis de mim? Eu estou pronto a fazê-lo." Este ato tem mais valor do que mil jejuns e mil austeridades. Fazer a vontade de Deus, este deve ser o alvo de todas as nossas obras, de todos os nossos desejos, de todas as as nossas orações. Supliquemos pois à nossa divina Mãe, aos nossos santos patronos, aos nossos santos anjos da guarda, que nos obtenham a graça de cumprirmos sempre a vontade de Deus, e quando nos acontecerem coisas contrarias ás nossas inclinações e ao nosso amor próprio, aproveitemos ocasião tão bela de amontoar tesouros de méritos por um ato de resignação, e tomemos o santo habito de repetir estas palavras que Jesus mesmo nos ensinou com o seu exemplo: "Senhor, pois que esta é a vossa vontade, esta será também a minha." Digamos também com o santo homem Jó: "Deus o quis; seja bendito o seu santo nome." Assegura o venerável mestre Ávila que um só - Deus seja bendito - na adversidade, vale mais que mil ações de graças na prosperidade. É aqui lugar de repetir o que acima disse, que bem seguro está quem repousa nas mãos da bondade de Deus, porque então se verifica esta palavra do Espírito Santo: "Nada pode perturbar ou conquistar o homem justo; qualquer coisa que lhe sobrevenha, acha-o sempre em paz." 3 - O terceiro meio para obter o amor de Deus é a oração mental (Veja a Prática da oração mental numa pequena obra intitulada: "Piedosos sentimentos de uma alma que quer ser toda de Jesus Cristo", pelo Padre D Pinard). As verdades eternas não se percebem com os olhos da carne, como as coisas visíveis deste mundo; só pelo pensamento e reflexão se alcançam: de modo que se nos não demoramos por algum tempo em considera-las todas e especialmente as que dizem respeito à obrigação que temos de amar a Deus, pois ele o merece por todos os benefícios de que nos acumulou e pelo amor que nos há tido, bem difícil é que nossa alma se desligue de toda a afeição ás criaturas, e ponha o seu amor só em Deus. Na oração, o Senhor faz conhecer a vaidade das coisas deste mundo e o preço dos bens celestes; na oração, inflama os corações que não resistem ás suas inspirações, e lhes comunica abundantes e preciosas graças. Muitas almas queixam-se de que quando fazem oração não acham nela a Deus; é que elas a fazem com um coração cheio de coisas da terra. "Desprendei o coração das criaturas, diz Santa Thereza, procurai a Deus e encontrá-lo-eis." Sim, encontrá-lo-eis: "Porque Deus é cheio de bondade para os que o buscam." Para achar a Deus na oração é preciso pois que a alma se despoje da afeição ás coisas terrenas, e então Deus falar-lhe-á ao coração. "Eu a conduzirei à solidão, diz o Senhor, e ali falarei ao seu coração." Não é da solidão exterior que aqui se trata; utilíssima é, mas não basta: é preciso ainda a solidão do coração, que consiste no desprendimento das criaturas e na calma das paixões. O Senhor disse um dia a Santa Thereza: "Eu falaria de boa vontade a muitas almas; mas tal ruído faz o mundo em seu coração, que minha voz não se pode lá fazer ouvir." Ah! Quando uma alma desimpedida se põe em oração, como Deus lhe falia claramente e lhe faz conhecer o amor que tem por ela! E então a alma, diz um autor, a alma, ardendo de um santo amor, já não falia; mas seu silencio é tão expressivo! O silêncio do amor diz mais a Deus que toda a eloquência humana: os suspiros fazem conhecer tudo o que se passa no interior desta alma; então ela não se satisfaz de repetir: "O meu amado é meu, e eu sou dele." Verdade é que muitas vezes almas ainda as mais santas e desimpedidas só experimentam tédio na oração, mas é Deus que as quer provar; a estas almas pois digo eu: Não desalenteis por causa das securas que na oração sentis, e não imagineis que por ser cheia de distrações foi inútil. Quando sobrevém estas distrações repeli-as com toda a paz; ponde-vos depois docemente e sem turbação na presença de Deus e dizei-lhe incessantemente: "Meu Deus, tende piedade de mim! meu Deus, tende piedade de mim! Senhor, não mereço vossas consolações. Ai! Eu mereci tantas vezes o inferno e vossa maldição eterna!... Meu Jesus, dai-me o vosso amor"!... O sagrado dom da oração, diz São Francisco de Sales nas suas cartas, está sempre disposto na mão direita do Salvador; apenas tu estejas vazio de ti mesmo, isto é, do amor do teu corpo e da tua própria vontade, quando fores bem humilde, ele derramá-lo-á em teu coração. Tem a paciência de ir devagarinho, até que tenhas pernas para correr, ou antes asas para voar. Deus encherá teu vazo de seu balsamo, quando o vir vazio dos perfumes do mundo. Não fazes nada na oração, me dizes tu. Mas que mais querias tu fazer que o que fazes, que é apresentar e representar a Deus tua miséria? O mais belo discurso que os mendicantes nos possam fazer é expor a nossos olhos suas ulceras, e necessidades. Mas ás vezes nem isso mesmo fazes, como tu me dizes; mas estás para ali como um fantasma, uma estátua. Pois muito bem! Isso já não é pouco. Nos palácios dos príncipes e reis põem-se lá estátuas que somente servem de recrear a vista do principie. Contenta-te com servir também de estátua na presença de Deus; ele animá-lo-á quando lhe aprouver. Às vezes está-se realmente na oração como uma verdadeira estátua; parece que não se pode nem pensar, nem falar, nem refletir, nem orar. Que fazer pois? Abandonar este piedoso exercício? Certamente que não. Crer que, nossa oração não é agradável a Deus? Ainda menos. É preciso permanecermos simplesmente onde Deus nos pôs; quer que sejamos estátuas diante dele, acha nisto a sua gloria, porque havemos de querer o contrário? Se uma estátua que se tivesse colocado em um nicho, no meio de uma sala, tive-se fala, e se lhe perguntasse: - Por que estás tu ai? - Porque, diria ela, o estatuário, meu Senhor, me pôs aqui. - Por que te não moves? - Porque ele quer que eu permaneça imóvel. - De que serves tu ai? Que proveito tiras de estares assim? - Não é por meu serviço que eu aqui estou; é para servir ao meu senhor e obedecer à sua vontade. - Mas tu não o vês? - Não, dizia ela, mas vê-me ele, a mim, e gosta que eu esteja onde me pôs. - Mas não querias ter movimento para ir mais para perto dele? - Não, só se ele me mandasse. - Não desejas então nada? - Não, porque estou onde me colocou o meu senhor, e o seu gosto é o único contentamento do meu coração. Meu Deus, que boa oração e que boa maneira de nos conservarmos na vossa presença, o termo-nos unido à vossa vontade e bel prazer! Tenho para mim que Santa Maria Madalena era uma estátua em seu nicho, quando, sem dizer palavra, sem se mover, sem talvez para ele olhar, escutava o que nosso Senhor lhe dizia, assentada a seus pés; quando ele cessava de falar, cessava ela de escutar; mas sempre estava lá. Um menino que está sobre o seio de sua mãe adormecido está verdadeiramente em seu bom e apetecido lugar, bem que ela não lhe diga palavra, nem ele a ela. Nunca abandoneis pois o santo exercício da oração mental e vocal. Ai! Nós estamos desprovidos de tudo: mas, se oramos, tornamo-nos ricos, porque Deus prometeu ouvir a quem lhe pede. Ele disse-nos: "Pedi e recebereis." Que maior prova de amizade pode dar um amigo ao outro que dizer-lhe: "Pede o que quiseres e eu dar-te-ei?" Pois bem, esta é a linguagem que o Senhor usa para com cada um de nós. Deus é o Senhor de tudo quanto existe, e promete dar quanto se lhe pede. Se pois estamos pobres, a culpa é nossa; é que nós não lhe pedimos as graças de que precisamos. Assim é verdade dizer-se que a oração mental é moralmente necessária a todos, porque sem a oração, embaraçados como estamos com os cuidados do mundo, pouco pensamos em nossa alma; ao passo que quando nos pomos em oração, apercebemos nossas necessidades, pedimos graças e as alcançamos. A vida dos santos foi uma vida de oração; todas as graças que contribuíram para fazê-los santos, alcançaram pela oração. Se pois queremos salvar-nos, e fazer-nos santos, devemos conservar-nos sempre ás portas da divina misericórdia, para pedir e implorar tudo quanto necessitamos. Temos falta de humildade, peçamos-lh'a e seremos humildes; ternos falta de paciência nas tribulações, peçamo-la, e seremos pacientes; desejamos o amor de Deus, peçamo-lo, e obtê-lo-emos. Petite, et dabitur vobis: pedi e dar-se-vos-á: é promessa do nosso Salvador, e ele será fiel. Este bom Mestre para dar-nos maior confiança na oração assegura-nos que, quaisquer graças que peçamos em seu nome, seja por seu amor, seja por seus merecimentos, seu Pai no-las concederá todas. Diz ainda noutro lugar: "Tudo o que me pedirdes a mim mesmo, em meu nome e por meus merecimentos, fá-lo-ei." Que mais queremos que uma tal promessa? Acostumemo-nos pois a orar incessantemente, acostumemo-nos, mesmo no meio das nossas ocupações, a elevar a todo instante nossos corações para Deus, por ardentes orações jaculatórias;, peçamos-lhe muitas vezes o perdão dos nossos pecados, a graça da perseverança final, e acima de tudo o seu santo amor. Digamos-lhe pois a cada hora do dia e da noite: Deus meus et omnia! Meu Deus! Só a vós quero e a nada mais. Senhor, a vós me dou todo; e, se me não sei dar a vós como devo, tomai-me vós mesmo. Oh! A quem amarei eu, pois, se não vos amo, a vós, que morrestes por mim? Thahe me post te. Meu Salvador! Tirai-me do lodaçal dos meus pecados e atrair-me a vós. Prendei-me, Senhor, estreitíssimamente com as cadeias do vosso amor, para que nunca vos abandone. Quero ser todo vosso, Senhor; ouvistes? quero ser todo vosso, concedei-me esta graça, eu vô-lo conjuro. Que outra coisa quero eu senão a vós? Pois que me chamastes ao vosso amor, dai-me a força de vos ser agradável como desejais. E a quem quero eu amar senão a vós, ó meu Deus! que sois a bondade infinita, digno de amor infinito! Vós me inspirastes o desejo de ser vosso, completai vossa obra. Que outra coisa posso eu desejar neste mundo senão a vós mesmo que sois o meu soberano bem. 4 - O quarto meio para adquirir o amor divino, é meditar na paixão de nosso Senhor Jesus Cristo. É certo que se Jesus Cristo é tão pouco amado no mundo, é isto efeito da negligência e ingratidão dos homens, que não querem, ao menos de tempos a tempos, refletir sobre tudo o que ele por nós sofreu, e no amor com que sofreu. Parece-me uma loucura, exclama São Gregório, que um Deus tenha querido morrer para nos salvar a nós, a nós pobres escravos; e no entanto é de fé que Deus o fez, e que quis derramar todo o seu sangue para nos purificar dos nossos pecados. Ó meu Deus! Exclama São Boaventura, e vós amais-me tanto, que parece terdes-vos odiado a vós mesmo! Não só quisestes morrer na cruz, no meio das mais atrocíssimas dores, mas levastes vosso amor até serdes vós mesmo minha nutrição na santa comunhão; não contente com esta prova de amor, quereis ainda ficar conosco sob as espécies eucarísticas até à consumação dos séculos, para serdes nosso refúgio e consolação nas misérias destas vida. Ó Jesus! Sim, repito, vós amais-nos tanto que parece terdes-vos aborrecido a vós mesmo. Digo ainda mais com Santo Tomás, "vós abaixastes-vos conosco, como se fôreis nosso escravo e cada um de nós fora vosso Deus". Ó Jesus! Que grande que é vosso amor! Meditemos; meditemos o mistério da paixão do nosso bom Mestre, e para logo sentiremos a nossa alma inflamar-se de amor por ele. Ó céu! O que não fazem os homens por amor de uma miserável criatura quando a tomem em sua afeição? E a um Deus de bondade e beleza infinitas, a um Deus que por nossa felicidade fez tudo, não o amaremos? Lancemos os olhos sobre o nosso crucifixo, contemplemos o nosso Jesus que nos estende os braços, e ousemos recusar-lhe ainda a nosso amor! Ó meu Jesus crucificado! Tende piedade de mim! tende piedade de mim! abrandai a dureza do meu coração, e convertei meus olhos em duas fontes de lágrimas, afim que chore incessantemente vossas excessivas dores e os meus pecados que foram sua causa. Jesus! Jesus! Tende piedade de mim e inebriai-me do vosso puro amor. Diz São Boaventura que nada há mais próprio para santificar uma alma que a meditação da paixão de Jesus Cristo; e assim dá-nos ele o conselho de a meditarmos todos os dias, se queremos fazer progresso no amor de Deus. Santo Agostinho assegura-nos também que uma só lágrima que se derrame pela lembrança da paixão é mais agradável a Deus e mais meritória para uma alma, que jejuns e macerações continuas. Por esta razão é que os santos se ocuparam sempre da meditação nos sofrimentos de Jesus Cristo. Pela meditação contínua da paixão é que São Francisco de Assis se converteu em serafim. Um dia em que ele derramava lágrimas em abundância, perguntou-lhe alguém porque chorava daquele modo! "Ai! Meu irmão, respondeu, choro os sofrimentos e ignomínias do meu Salvador, e o que mais que tudo me aflige, é o ver que os homens por quem 'ele tanto padeceu, nem sequer nisto pensam." Ao pronunciar estas palavras, suas lágrimas aumentavam de sorte que o que havia interrogado não se pôde conter que não chorasse também. O balido de um cordeirinho ou qualquer outro objeto que lhe lembrasse a paixão bastava a este santo para lhe fazer derramar lágrimas. Um dia que estava doente, um dos que lhe assistiam lhe aconselhou que fizesse ler algum livro de piedade. "O meu livro, respondeu ele, é Jesus crucificado." Que este seja também o nosso, e em breve teremos aprendido nele a amar a Deus de todas as nossas forças. O! alma minha! ama ao teu Deus amarrado, encadeado como vil escravo, ao teu Deus escarnecido, esbofeteado, flagelado e crucificado para tua salvação. Sim, meu doce Salvador! Amo-vos, quero amar-vos para todo o sempre. Recordai-me a todo o instante o que sofrestes por mim, afim que jamais me esqueça de amar-vos. Laços sagrados que encadeastes o meu Divino Mestre, espinhos que coroastes sua adorável cabeça, feri-me de amor por Jesus; cravos venerandos que trespassastes os pés e mãos do meu Salvador, cravai-me afim que eu viva e morra unido a Jesus; sangue precioso, inebriai-me do amor de Jesus; Jesus morto por meu amor, fazei que eu morra a todas as afeições terrenas afim de não mais viver senão para vós. Assim seja. RESOLUÇÕES PRÁTICAS Portar-se em tudo com o nosso Deus como um menino se dá com o melhor dos pais, com toda a Simplicidade e Confiança Meu caro Teótimo, dá-te a consciência o consolador testemunho de que amas a Deus de toda a tua alma e mais que a todo o mundo? Ah! Meu Padre, ama-lo tanto como Ele merece, sinto que não o amo; mas parece-me que o meu ardente desejo é ama-lo sempre mais e mais. Quanto mais o amo, mais ama-lo quero; quanto mais aprendo a conhece-lo, mais vejo quanto ele merece todo o meu amor. - És feliz, meu caro Teótimo, e tua sorte é verdadeiramente digna de inveja; pois agrada a Deus aquele a quem Deus agrada, e é sinal de o amarmos e desejarmos ama-lo. - Meu padre, não podeis imaginar quanto fiquei consolado com a vossa resposta; se é tão doce o pensar que somos agradáveis a Deus! Mas peço me queirais dizer o que devo fazer para testemunhar a este bom Pai todo o amor de que o meu coração está abrasado para com ele. Por sua misericórdia, sou já fiel a todos os seus mandamentos e aos de sua Igreja; aproximo-me frequentemente dos sacramentos da Penitencia e da Eucaristia; sou exato no cumprimento de todos os deveres do meu estado; por nada do mundo quereria cometer, com pleno consentimento, um só pecado venial, e trabalho por desprender o coração de todas as coisas criadas. Que pensais, meu Padre, deva eu fazer para lhe agradar mais? - Só uma coisa, meu caro Teótimo: teres confiança filial e sem limites em sua bondade e misericórdia, abandonares-te sem reserva á sua divina vontade. Jesus, nosso Mestre, quer que nos hajamos com ele como o nosso melhor amigo, nas doenças, nas desolações interiores, nas consolações e sucessos, nos escrúpulos; quer que lhe recomendemos tudo o que nos diz respeito e tudo o tocante ás pessoas que amamos; quer que lhe façamos parte dos nossos temores e esperanças, e tudo isto com a mais perfeita simplicidade. Sê pois fiel daqui em diante em abandonar-te com confiança ao amor e misericórdia do nosso bom mestre. I - Nas Doenças Quando estás doente, quando sofres alguma enfermidade, aproxima-te de Jesus e dize-lhe: "Terno amigo do meu coração, vede quanto eu sofro, e apressai-vos a me socorrer. Submeto-me à vossa boa vontade; quereis que esta doença me dure muito tempo, também eu quero; quereis que me passe, quero também o mesmo. Fazei a vossa vontade, ó meu Deus; pronto estou para tudo. Ofereço-vos os meus sofrimentos, e peço-vos paciência e resignação." Imagina que nosso Senhor em pessoa vem visitar-te, que se assenta junto ao teu leito, e que assim te falia: "Meu filho, eis-me aqui para te fazer companhia e trazer-te graças: tu sofres muito, pois não sofres? - Oh! sim, muito, meu Deus. - Serás contente de te veres livre deste mal? - Sim, por certo, Senhor; mas eu só quero o que vós quiserdes. - Por esta doença que te enviei, honras-me e me dás gloria; expias tais e tais pecados da vida passada; adquires tais e tais méritos; todavia, se desejas ser curado, é só falares, e eu te curarei. - Não, não, meu doce Jesus! Cumpra-se a vossa vontade e não a minha. A vós me abandono: sabeis muito melhor do que eu o que me convém." II - Nas Desolações Interiores Certos dias há em que as almas, ainda as mais santas, caem num estado tal de secura, desgostos; trevas, desolações, que quase são tentadas a crer que Deus as abandonou; muitas vezes mesmo este estado dura por muito tempo, segundo Deus julga útil à alma que quer purificar. Então sente-se uma alma atormentada por mil tentações de orgulho, cólera, impureza, desesperação; parece-lhe que está sem amor de Deus, sem esperança, sem fé; tudo parece perdido. Que hás de tu fazer, meu caro Teótimo, quando te achares exposto a semelhante desolação? Apressa-te a recorrer a Jesus: "Meu Deus, meu Deus, dirás, então onde estais? porque me abandonastes? Porque vos ocultastes a mim? Vós bem sabeis que vos amo, que todo o meu desejo é amar-vos mais e mais; Ah! Por piedade, tende misericórdia de mim. Em vossos braços me lancei com confiança, não me abandoneis, vos suplico, ó meu Deus." Depois de assim teres derramado o coração no Coração de Jesus, conserva-te em paz, e dize sempre, apesar de teus desgostos e securas: "Meu bom Mestre e meu melhor amigo, seja feita a vossa vontade." Quanto ao mais, deves esperar com paciência o momento em que Deus haja por bem dar-te a unção da sua graça. Se este momento tarda muito a vir, não te perturbes com isso, espera sempre, "Deus não abandona o justo a eternas desolações". Se alguma vez se oculta, é para nosso bem. Passeava uma boa mãe com seu filhinho de terna idade ainda; levava-o pela mão com medo que ele caísse, e tomava-o nos braços quando encontrava passagem difícil. Senão quando o menino lá divisou uma flor, deixa logo a mão que regia seus passos, corre à flor, apanha-a e volta para junto da mãe. Mas ai! Ele não vê ninguém; bem olha de todas as partes, ninguém aparece; chama a grandes brados, ninguém responde. Pobre menino! Pôs-se a chorar e a soluçar. Nisto aparece-lhe a mãe; ela havia-se ocultado para ver o que faria seu filhinho quando se visse só. Toma-o entre seus braços, aperta-o contra o coração, cobre-o de ternos beijos e consola-o dizendo: "Agora, meu filho, vejo quanto me amas." Assim é que Deus obra, meu caro Teótimo, com as almas que mais ama. Oculta-se-lhes por algum tempo, afim de provar seu amor e ter ocasião de as acumular de graças preciosas. Não te inquietes com estes abandonos interiores, é grande sinal que Deus te ama, pois deste modo é que ele tratou Jesus Cristo e todos os seus eleitos. Para tomarem animo põe amiúde diante dos olhos a conduta de Santa Catarina de Gênova no meio de suas penas interiores. Tão grandes eram estas ás vezes, que lhe parecia nada mais ter que esperar, e que estava inteiramente abandonado de Deus. Pois bem, apesar de tudo isto, era fiel como nunca a todos os exercidos de piedade; por mais enfado que neles experimentava, não omitia nenhum, e não encurtava a mínima parte. No mais forte de suas desolações, exclamava: "Quanto eu sou feliz em estar num estado tão deplorável! que meu coração esteja no meio de angustias, estou contente, uma vez que Jesus seja glorificado! Ó Jesus, meu amor! Se os meus sofrimentos interiores podem ganhar-vos o mínimo grau de gloria, dignai-vos deixar-mos por toda a eternidade." E falando assim, tinha tão vivo sentimento de suas penas, que se punha a chorar amargamente. Sofrendo com esta resignação e amor é que ela chegou a um eminentíssimo grau de santidade e perfeição. Uma coisa mais, meu caro Teótimo, não deves omitir, quando estás na desolação interior, é repetir muitas vezes estas palavras que são um perfeito ato de amor: "Meu doce Jesus! Por mais desgostos que eu agora experimente em vosso serviço, por mais penas que sinta, nem por isso vos amo menos de todo o meu coração; regozijo-me de saber que vós lá no céu gozais de pura e inalterável felicidade: a vós toda a alegria, a mim a dor." III - Nas Consolações e Sucessos Quando teus negócios te correm bem, e disso te sentes contente; quando recebes consolações espirituais, e toda a tua alma está inundada de gozo, não deixes de partilhar tua alegria com Jesus. Pois se tu lhe pedes que tome parte em tuas aflições, quando as tens, se tu o conjuras a que te venha consolar, não é bem justo que também o convides a tomar parte em tudo o que te dá alegria? Dize-lhe pois: "Ó Jesus, a vós é que eu devo esta boa nova, o bom êxito deste negocio; bendita seja para sempre a vossa misericórdia. A vossos pés venho depositar a alegria que sinto, para dela vos fazer homenagem. Aceitai a minha oferta e abençoai-me. Sou vosso filho, e amo-vos de toda a minha alma." IV - Nos Escrúpulos Se te acontece ter escrúpulos sobre tuas confissões, sobre tuas comunhões; se estás em perplexidade por saberes se sim ou não consentistes em tal ou tal tentação; se temes ter perdido a graça de Deus por alguma falta secreta que hajas cometido sem disso te aperceberes, ou por alguma omissão grave dos deveres do teu estado, não te abandones ao desespero. Nosso Senhor pede-te em testemunho do teu amor por ele, que exponhas com toda a simplicidade as tuas duvidas, temores, escrúpulos ao diretor da tua consciência, e lhe obedeças em tudo como a ele mesmo; porque não confiar no diretor, é não confiar em Deus, e recusar obedecer-lhe, é recusar obedecer a Deus. - Mas, meu padre, vais-me talvez tu dizer, temo não me haver explicado bem com ele e não ter sido compreendido. - Meu caro Teótimo, tem confiança em Jesus e obedece ao teu confessor. "Nunca, diz São Francisco de Sales, homem verdadeiramente obediente se perdeu." Medita com atenção estas palavras de São Filipe Neri: "Se queres fazer progressos na virtude e no amor de Jesus, abandona-te à conduta de um confessor piedoso e esclarecido, e obedece-lhe como ao próprio Deus. Obrando deste modo, podes estar seguro que não hás de dar contas a Deus de tuas ações." - Mas, se meu confessor se enganasse? - Não te enganavas tu obedecendo-lhe, responde o Padre Olivares; e São Filipe Neri ajunta: "Tem confiança em teu confessor, porque o Senhor não permitirá que ele se engane." Uma pessoa atormentada de escrúpulos foi ter um dia com São Bernardo, e confessou-lhe que não ousava aproximar-se da santa mesa. - "Vai, filho, vai comungar, lhe diz o santo, eu respondo por tudo." Foi ingenuamente e sem replicar nada; e sua obediência foi bem recompensada, porquanto os escrúpulos desapareceram. - Ó meu padre! Me dizes tu, se eu tivesse São Bernardo por diretor, parece-me que também obedeceria facilmente; porque ele ao menos era o homem mais hábil e mais santo do seu século. - "Enganas-te tu que assim falias, responde o piedoso Gerson; tu estás em erro; pois não destes a confiança ao confessor por ser ele um sábio, mas sim por fazer as vezes de Deus. Por consequência, obedece-lhe não como a um homem, mas como ao mesmo Deus." - Então devo obedecer-lhe sempre? - Sim, sempre que te não mande uma coisa evidentemente má: é doutrina de São Bernardo, Santo Inácio, São Boaventura e dos doutores. - Mas, meu padre, tenho meus receios sobre as confissões e comunhões passadas; tenho-os manifestado muitas vezes ao confessor, e ele nem quer que eu lhe fale nisso. - Obedece-lhe simplesmente, e abandona-te à misericórdia de Jesus. - Ainda por estes dois pontos consinto; mas ele nem sequer deixa que me confesse de todos os pensamentos que me passam pela mente, a menos que eu lhe não possa jurar logo e com certeza que consenti; devo também obedecer-lhe? - Sim, com toda a certeza; e diz São João da Cruz, no "Tratado dos espinhos", que haveria muito orgulho em o hão fazer. - Pois que assim é, obedecerei, por mais repugnâncias interiores que sinta. Mas acreditais, meu padre, que Jesus não será ofendido? - Ofendido! Será mas é honrado por tua simplicidade e obediência, e ficará muito contente contigo por esse sinal de amor para com ele e de confiança no seu ministro. - Permiti-me ainda, meu padre, que vos abra inteiramente o coração. Muitas vezes me acontece estar em transes mortais, por me parecer que consenti em algum pecado grave, posto que eu não saiba dizer bem quando e como. Então torno-me triste, porque me parece que mereci ser abandonado de Deus, e me tornei objeto da sua ira. - Que estás tu a dizer, meu caro Teótimo? Tu, objeto da ira de Deus! Ora responde-me: consentirias tu em fazer neste momento um pecado mortal e a perder assim a graça de Deus? - Oh! Nunca, meu padre! Morrer antes! Nem mesmo me quereria tornar culpável de um pecado venial voluntária e refletido. - Amas então muito ao nosso divino Salvador? - Sim, muito, a minha maior felicidade neste 'mundo é trabalhar para lhe provar o meu amor. - Muito bem, Teótimo, tranquiliza-te, porque o mesmo Deus disse: "Eu amo os que me amam." Quanto ao temor qua algumas vezes sentes de ter consentido em algum pecado grave, atende ao que vou dizer-te: O pecado mortal é mostro tão horrível, que lhe não é possível entrar e estabelecer-se numa alma, sem que esta alma o perceba. Por isso é que todos os Teólogos ensinam que, quando uma alma temente a Deus está na duvida de ter perdido a graça divina, é certo que a não perdeu, porque ninguém perde a graça sem ter disso pleno conhecimento (Vide Teologia Moral de Santo Afonso de Ligório). Assim, meu caro Teótimo, enquanto tu não te puderes dar um testemunho certo de que cometeste pecado mortal, enquanto não fizeres mais que estar num termo vago e sem fundamento de ter perdido a Deus, podes estar seguro que o possuis ainda, e que a sua graça está em teu coração. - Porque é pois que nestes momentos de escrúpulos e temor, estou sem confiança em Deus e sem amor? Porque se acha o coração seco e frio? - A confiança e o amor não consistem no sentimento, mas sim residem na vontade. Desde que tu queres ter confiança em Deus e ama-lo, é certo que o amas e que tens nele confiança. Repete pois incessantemente: "Meu Deus, eu vos amo! Meu Deus, quero ter sempre confiança em vossa misericórdia. Ó Jesus, eu espero em vós, mesmo contra toda a esperança. Quando mesmo eu me visse metade no inferno, esperava ainda em vós, ó Jesus! Meu bom Mestre, dai-me uma perfeita resignação com a vossa santa vontade, e uma confiança sem limites em vossa misericórdia." V - Jesus quer que lhe falemos com amoroso abandono de tudo o que nos concerne, bem como de tudo o que diz respeito aos que amamos Tens sem duvida, meu caro Teótimo, um amigo que tu amas em Deus e por Deus, um amigo verdadeiramente digno deste nome; por mais raros que tais amigos sejam, tu tens um, não é assim? Pois muito bem, vê qual é a conduta que tens para com ele, e saberás como deverás haver-te com Jesus, que, afinal de tudo, sempre te ama mais que ninguém. - Mas, meu padre, parece-me que eu faltada ao; respeito soberano que lhe é devido, se em minhas relações com ele pusesse a mesma simplicidade e o mesmo abandono que uso para com o meu amigo. Para este, eu nada tenho oculto, falo-lhe com o coração nas mãos; entro com ele nas miudezas ás vezes as mais minuciosas das minhas alegrias, dos meu temores, das minhas esperanças. Há mil nadazitos de que com os mais eu não ousaria falar, e com ele comunico-lhe tudo alegremente; pois parece-me não lhe poder provar melhor minha amizade que falando-lhe com esta confiança. Muitas vezes mesmo, não tendo nada que dizer-lhe, gosto de estar ao pé dele, porque sinto que sua presença me faz bem, me consola, e que sempre tiro algum proveito para meu adiantamento na virtude. Acreditais, pois, meu padre, que eu devo proceder assim com o meu divino Mestre? - Sim, seguramente, meu caro Teótimo. Não temas nada; fala-lhe de tudo o que te diz respeito quantas vezes precisares, que nunca o fatigarás. Ali! se tu amas, terás sempre alguma coisa que dizer-lhe; Ele é tão bom, que se compraz em que nós tratemos com ele como de igual para igual, e fica contente quando vê que lhe comunicamos os negócios ainda os mais minuciosos e comuns. Persuade-te bem, meu caro Teótimo, Jesus ama-te, e tem de ti tanto cuidado como se verdadeiramente não tivesse que pensar senão em ti. Tão atento está aos teus interesses, que dir-se-ia que a sua providencia só se ocupa em socorrer-te, sua onipotência em proteger-te; sua misericórdia e bondade em ter compaixão de ti, em te fazer bem, e em ganhar, por todos os meios, tua confiança e teu amor. Descobre-lhe pois com liberdade todo o teu interior, e pede-lhe te sirva de guia para executares perfeitamente sua santa vontade. Recomenda-lhe o cuidado da tua salvação e dize-lhe: "Meu Jesus, tende piedade de mim: a vós me abandono pelo tempo e pela eternidade." Pede-lhe pela perseverança dos justos. "Senhor Jesus, não abandoneis vossos servos no meio dos perigos que eles correm: derramai sobre eles as mais abundantes graças, e concedei-lhes a vida eterna." Pede-lhe pela conversão dos pecadores. - Meu Deus! Quantos desgraçados que todos os dias se condenam! Quantos que resistem às inspirações da graça, às lágrimas, aos conselhos, às suplicas dos confessores, e que vivem no estado do pecado! Quantos que, neste momento, jazendo no leito da morte, não tendo mais que uma hora talvez para comparecerem perante o soberano Juiz, não a querem aproveitar! Pede, pede por eles, Teótimo, e tu obterás a sua conversão, pede por eles: porque uma prece humilde, confiada, perseverante, faz muitas vezes mais para a conversão de uma alma, que um grande numero de instruções. Pede pois. Pede-lhe pela Igreja. Conjura-o que lhe conceda sempre padres santos, padres segundo o seu coração, padres cheios de zelo pela sua gloria. Meu caro Teótimo, tem a caridade de orar algumas vezes por mim: eu não serei ingrato. Pede-lhe pela conversão dos infiéis e dos hereges. Que objeto de dor e amargas lágrimas para uma alma que ama a Jesus, a vista de tantos milhões de homens que não o conhecem, ou o conhecem mal! Meu Deus! nunca mais tereis piedade de vossas pobres criaturas! Ó meu caro Teótimo! Supliquemos a Jesus, nosso Salvador, que lance um olhar de misericórdia sobre tantas almas que comprou tão caro. Peçamos por esses padres zelosos que expõem a própria vida, afim de levarem ás extremidades da terra as luzes da fé; peçamos, e seus trabalhos, vivificados por nossas orações, produzirão frutos abundantes de salvação; peçamos e arrancaremos ao inferno uma multidão de almas que estão em perigo de nele se precipitarem. Peçamos em particular por aqueles de nossos irmãos que tiveram a desgraça de se separarem da Igreja católica, ah! Peçamos por eles muitas vezes e com fervor, e nossas preces lhes obterão a graça de não mais resistirem à voz de Deus, que lhes clama que voltem ao seio da verdadeira Igreja; peçamos por eles, e nossas preces apressarão o dia de sua perfeita volta à unidade; peçamos por eles, e consolaremos o coração do bom Jesus, que quer que todos os homens se salvem. Pede a Jesus por todas as almas que te são caras; melhor prova da tua afeição não lhes podes dar. Pede-lhe enfim pelas almas do Purgatório. São suas esposas queridas; ele verá com grande satisfação que tu trabalhas para alivia-las em suas penas. Peçamos sempre, e tomemos por divisa: Oração, confiança e amor. Capítulo XLV - Que doce e amável é o jugo do Senhor! Só levando-o podemos ser felizes - "Vinde a mim todos que andais em trabalho e vos achais carregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e achareis descanso para as vossas almas, porque o meu jugo é suave, e o meu peso leve" (Mt 11,28-30). Os homens buscam naturalmente a felicidade; para a conquistarem sacrificam muitas vezes o repouso e a saúde, expõem até a vida aos maiores perigos; mas quantos a acham? Ai! Ainda se com todos os seus esforços alguns chegassem a consegui-la! Donde procede isto? É que eles a procuram onde ela não existe; querem ser felizes, mas procurar a felicidade onde ela reside não querem. Querem achá-la nas riquezas, nos prazeres dos sentidos, nas honras, na ciência; mas cedo ou tarde se convencem que tudo isto não lhes pode de modo algum contentar o coração. Vede este homem: toda a vida trabalhou por adquirir riquezas; no meio de tantos trabalhos, tantas fadigas, tantas vigílias um só pensamento o sustentava, o pensamento da felicidade. Agora que ele nada no seio da abundância, que vive no meio dos seus tesouros, que tudo parece sorrir-lhe, agora por certo é feliz. Ai! Reconhece que suas riquezas estão abaixo de si, e que não é para elas que foi feito; sente que, longe de lhe darem a felicidade, só lhe dão inquietações e cuidados; não lhe falta nada, e está devorado de desejos sempre renascentes; queria repouso, e ei-lo em incessante movimento por causa destas mesmas riquezas. Pobre infeliz! Tantas fadigas para adquirir seus tesouros, para agora só os possuir com temor, e os perder com dor! O voluptuoso engolfa-se em suas hediondas paixões; nada recusa a seus imundos apetites; busca nos prazeres dos sentidos a felicidade por que suspira. Decepção cruel! Onde esperava colher rosas, só acha duros espinhos. Sua paixão pede-lhe sem descanso pasto; e ele, infeliz! Dá-lh'o e bem sente que nada a pode fartar! Sente que sempre lhe brada: Mais, mais. A felicidade não se acha, pois, nos prazeres dos sentidos?... Ouço a voz do voluptuoso que responde: Não, não: neles pretendi eu encontrá-la, neles a procurei eu, e vi que esses falsos prazeres duram um só instante, ao passo que os remorsos que o seguem são eternos. O ambicioso moveu céu e terra para chegar às honras: encontrou-as; está satisfeito. Todo o mundo exalta a sua felicidade, inveja a sua sorte. Só ele é desgraçado; quisera uma coisa que lhe lisonjeasse o orgulho e saciasse ao mesmo tempo o coração, e reconhece, mas, ai! Tarde de mais, que se iludiu e que só agarrou vão fumo. O sábio todos os dias ajunta conhecimentos novos aos que já possuía; todos os dias aprende, todos os dias descobre verdades novas. E com tudo isto é feliz? Ai! Seu coração fica muitas vezes vazio, e ele acaba por compreender que toda a ciência é nada, e que é impotente para o tornar verdadeiramente feliz. Ó meu Deus! Onde está, pois, a felicidade? Onde irei eu procurá-la neste mundo? Nos palácios dos reis e dos grandes? Mas eles são a morada de inquietadores cuidados e de angustias tanto mais amargas quanto se encobrem sob a capa da alegria. Nas casas dos ricos? Mas lá eu só vejo lágrimas. Na tenta do pecador? Só lá descubro o cruel remorso. Onde encontrarei, pois, ó meu Deus! Essa felicidade sem a qual não posso passar? Onde poderei depor este peso de misérias que me oprime? Ah! Ouço a vossa resposta, ó doce Jesus! "Vinde a mim, dizeis-me, e eu vos aliviarei." Sim, Jesus meu, só vós podeis dar-me a calma, a paz, a felicidade que eu desejo e sem a qual me não é possível viver. Debalde a pedirei às riquezas, às honras, aos prazeres, a qualquer criatura que seja, nunca chegarei a consegui-la. Sempre meu coração estará doente, sempre estará inquieto, sempre estará descontente. Sois vós que assim o permitis, ó meu Deus! Porquanto este coração, havendo só para vós sido criado, sempre está inquieto, enquanto não é todo vosso; todo outro objeto que não vós pode ocupá-lo, mas sacia-lo e faze-lo feliz, não pode. Tomai sobre vós o meu jugo. Ó míseros filhos de Adão! Este é o único meio que tendes de chegar à verdadeira felicidade. Deixai de uma vez vossas paixões, calcai aos pés o vil respeito humano, vício de almas covardes e sem energia, desprezai o jugo de um mundo desprezível, e tomai sobre vós o jugo de Jesus Cristo... Que esta palavra jugo não aterre; o jugo que o Senhor impõe não se assemelha em nada ao jugo do demônio e do mundo; é um jugo cheio de doçura, é um jugo extremamente leve. Ó feliz! Mil e mil vezes feliz quem leva este santo jugo! Feliz quem ama a Jesus! Compreendo o que há de suave em seu serviço, e de inefável em seu amor. O grande São Paulo assim que sentira a doçura do jugo do Senhor, logo brada: "Estou certo que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as virtudes, nem as coisas presentes, nem as futuras, nem a violência, nem a altura, nem a profundidade, nem outra criatura alguma poderá apartar-me do amor de Deus em Jesus Cristo nosso Senhor." No meio das fadigas, dos trabalhos, das privações contínuas e dos perigos do seu apostolado, gozava de felicidade tão grande, que escrevia aos fiéis de Corinto estas notáveis palavras: "Estou cheio de consolação, exubero de gozo no meio de todas as minhas tribulações." Quando é que um homem embebido nos prazeres do mundo pôde dizer outro tanto? Quando é que ele disse do seio mesmo dos seus maiores prazeres: "Sou feliz?" Nunca, nunca. Ao contrário, a triste experiência de todos os dias lhe há por muitas vezes arrancado um testemunho que, em sua boca, é de grande peso, e com o rei Salomão ele diz: "Em tudo eu só descubro o vácuo e a dor; tudo neste mundo é só vaidade e ilusão." Exortavam São Policarpo a abandonar o serviço de Jesus Cristo, e ameaçavam-no com a morte, se não obedecia. "Que! Respondeu ele cheio de indignação, há oitenta e seis anos que o sirvo, ele me torna feliz acumulando-me de toda a sorte da graça, e vós quereis que eu o abandone? Não, não, antes morrer!" Santo Agostinho, antes de sua conversão, passara uma vida toda sensual, passara grande número de anos no esquecimento de Deus e desregramento das paixões. Chamado enfim à virtude, e transportado de jubilo santo por haver sido libertado de suas cadeias, assim prorrompia em reconhecimentos: Rompestes, ó meu Deus! Rompestes os meus laços! Que o meu coração e a minha língua vos louvem eternamente por me haverdes feito receber o jugo tão amável e tão leve peso da vossa lei! Quão suave se me fez subitamente o privar-me desses gozos vãos, dessas ninharias vis! Mas que minha alma antes tanto receava perder, já inundada de gozo as deixava. Era que vós mesmo a expelíeis do meu coração, doçura verdadeira e soberana, vós as expelíeis, e entraveis em seu lugar, suavidade superior a todos os prazeres, incógnita, porém, à carne e ao sangue!... Então estava o meu espírito livre desses mordazes cuidados que dilaceram aos que correm após as honras, os bens, e prazeres dos sentidos, e todas as minhas delicias eram dirigir-me a vós, minha glória, minha riqueza, meu Salvador, meu Senhor e meu Deus... Quão tarde comecei a amar-vos, dizia muitas vezes, ó beleza tão antiga e tão nova! Quão tarde comecei! Mas finalmente fizestes chegar até mim vosso odor celeste; e desde esse momento suspiro por vós. Fizestes-me gostar vossas inefáveis doçuras, e elas me deram por vós uma fome e sede que me devoram. Ó meu Jesus! Não é amar-vos bem, amar convosco alguma coisa que se não ame por vós. Ó amor cujo fogo arde sempre e nunca se extingue! Ó caridade! Que sois o meu Deus, abrasai-me. São Francisco Xavier achava tanta felicidade no serviço de Jesus, que muitas vezes, não podendo mais conter a alegria interior que o inundava, clamava: "Senhor, Senhor, basta, não posso suportar mais!" Podia multiplicar estes exemplos até ao infinito; limito-me porém a estes quatro que tomei, como ao acaso, nos anais dos santos. Quem ama a Deus bem me compreende e sabe quanto é doce servi-lo. Oh! Sim, digo-o, repito-o, e possam todos os homens ouvir a minha voz: feliz, mil e mil vezes feliz quem ama e serve a Jesus, nosso bom Mestre! Uma profunda paz será seu quinhão: Pax multa diligentibus legem tuam. Gozará neste mundo de uma felicidade que Jesus só pode dar; gozará da serenidade tão doce de uma consciência pura; seu coração será inundado de prazeres, de consolações inefáveis; sofrerá com santa resignação os males desta vida e verá aproximar-se a morte sem perturbação e sem temor, pois sua alma estará sem manchas e sem remorsos. Pax multa diligentibus legem tuam! Sim, meu Jesus, Pax multa diligentibus legem tuam! A paz é quinhão de quem vos ama; fora de vós não se pode achar esta paz. Que outros busquem por sua herança os prazeres, as honras, as riquezas; eu, ó Jesus, eu escolho-vos a vós pelo Deus do meu coração. Vós sois a minha herança, a minha felicidade, o meu tesouro, a minha vida, o meu tudo; vós só me bastais. Bem o sinto; não posso viver sem a calma e a paz que uma boa consciência dá; não posso viver sem Jesus. É preciso, pois, custe ele o que custar, que eu seja deste bom Mestre. Que felicidade, quando eu já não tiver nada que exprobar-me! que felicidade, quando, levantando os olhos ao céu, poder dizer comigo mesmo: Aquele belo céu em que brilham com tanto fulgor cem milhões de estrelas, é o palácio da meu pai, do meu melhor amigo, do meu Deus. Ele me ama, e eu o amo também. Que felicidade! almas mundanas e eternas, vós não a compreendeis, mas purificai o coração, e para logo compreendereis o quanto é grande. Meu doce Salvador! Dignai-vos admitir-me em o número de vossos fiéis servos e de vossos filhos queridos! Longe estou eu, bem o sei, de merecer tal favor; os inumeráveis pecados da minha vida passada me torna indigno, e sei demasiado quão justa é a vossa indignação. Ai! Filho ingrato e desnaturado, abandonei-vos vergonhosamente para me pôr ao serviço do vosso mais cruel inimigo! "Ó meu pai! Já não sou digno de ser chamado vosso filho", mas não obstante quero sempre esperar em vossa bondade. Eis-me aqui a vossos pés todo enternecido à vista da vossa misericórdia, e confuso de vos haver faltado ao respeito abandonando-vos; dignai-vos restabelecer-me em vossa boa graça, e inflamai-me do vosso santo amor para que não mais vos deixe. Ó meu Jesus! Não poder eu amar-vos tanto como vós mereceis! Ah! Ao menos, amo-vos de todo o coração, mais que a todas as coisas, mais que a mim mesmo, e desejo o vosso paraíso para nele poder amar-vos eternamente, sem temor de vos perder. "O que há para mim no céu, e que desejo eu sobre a terra, senão a vós, ó Deus do meu coração, e minha partilha por toda eternidade"? Ó Jesus! Vós sois o meu único tesouro, o meu único amor; vós só me bastais. Ó Maria! Minha esperança depois de Jesus, por vossas preces atrair-me todo a Deus, e obtende-me a perseverança final. Assim seja. RESOLUÇÕES PRÁTICAS Não tardar em nos darmos todos a Deus Eis-nos chegados brevemente, meu caro Teótimo, ao termo da nossa carreira; empenhei-me em te fazer compreender o melhor que pude, toda a extensão do amor de Jesus por ti; esforcei-me por te levar ao reconhecimento para com ele, e trabalhei por excitar em teu coração todos os sentimentos de confiança filial que este bom Senhor deseja ver no coração dos que o servem. Atingi eu o meu fim? Podes agora responder-me: "Amo ao meu Deus de todo o meu coração, e tenho em sua misericórdia uma confiança que nada m'a pode arrebatar?" Ah! Espero que assim seja! Espero que Jesus terá abençoado os meus fracos esforços, e que a tua alma se terá deixado enlear dos encantos do seu divino amor. Vive, pois, feliz e em paz, e estreita-te mais e mais ao nosso bom e eterno Mestre, até que a morte venha buscar-te e conduzir-te a seus pés, para receberes a coroa imortal de gloria e recompensa que prometeu aos seus fieis servos. Mas de onde me vem esta tristeza súbita que se apodera da minha alma? Ai! Meu caro Teótimo, descobrir-te-ei com simplicidade o que se passa dentro do meu coração. Parece-me ver entre os que se deram ao trabalho de ler esta obra, parece-me ver um pobre cristão que não quererá aproveitar, e que embora esteja convencido da necessidade em que está de trabalhar na sua salvação e de pagar a Jesus amor por amor, dirá todavia do fundo do seu coração: "Amanhã, amanhã; amanhã hei de converter-me; amanhã deixarei de ser ingrato e começarei a amar a Jesus." Quem quer que sejas que assim falias, eu te suplico, não endureças o coração, e volta a Deus que te chama; vai nisso a tua felicidade neste mundo e no outro. Ora confessa a verdade: não é certo que vivendo assim longe do teu Deus, arrastas uma vida miserável? Não é certo que tua alma se assemelha a um mar cujas ondas estão continuamente agitadas? Não é certo que o remorso vem incessantemente perturbar teus falsos prazeres? Responde, responde. Em vão procuras iludir-te; em vão trabalhas por persuadir-te que és feliz: em ti mesmo trazes dois testemunhos que tu não logras enganar, dois testemunhos, a cujos olhares e exprobrações contínuas não podes fugir - Deus e a consciência. Vai para onde quiseres; para o céu, para o inferno, para o centro da terra, oculta-te nas mais espessas trevas: sempre estarás em presença destes dois testemunhos, sempre eles te repetirão: "A vida é curta, a morte está perto, e os baratros do inferno abrir-se-ão debaixo de teus pés"; sempre no meio de tuas faltas, de teus prazeres, eles te bradarão: "Desgraçado, para isto é que viestes ao mundo? Assim é que trabalhas na tua salvação?" - Verdade é, me respondes, que estes dois testemunhos seguem-me por toda a parte; mas acostumei-me ás suas exprobrações, que quase me não fazem já impressão alguma na alma; vivo em paz. - Tu vives em paz! E nutres não obstante o pecado em teu coração! E não amas a Deus! Ah! mal, mal haja a tua paz! É mil vezes mais horrenda que a tempestade. - Mas afinal, eu não vejo que me tenha acontecido lá muito grande mal por haver pecado e não ter servido ao Senhor; meus negócios correm bem, as riquezas aumentam-se-me, as honras chovem sobre a minha cabeça; que melhor me iria se eu servisse a Deus? Ó insensato, pois tu não sabes que toda essa felicidade de que te vanglorias é como um fosso profundo no qual bem depressa vais cair? Não sabes que Deus alarga de algum modo as rédeas ao pecador para em seguida as apertar? Ah! A sua alegria é como a do peixe que devora com gosto o anzol que o vai agarrar; tua felicidade durará pouco, e cedo deixarás a outros tuas riquezas e honras. Não sabes que nunca Deus está mais irritado contra o pecador do que quando permite que prospere no meio das suas iniquidades? Ah! Meu irmão, eu te conjuro, compreende melhor os teus verdadeiros interesses, e procura primeiro que tudo o reino de Deus e a sua justiça. Ai! Se tu semeais na iniquidade não tardarás a colher males. "À hora da morte esvaecer-se-ão todas as tuas esperanças; serão como a lanugem que pelo vento é levada, e como a espuma tênue que desaparece no meio das ondas agitadas, e como o fumo que se dissipa nos ares, e enfim como as impressões que deixam na memória do viajante os objetos que ele só vê de passagem. No momento em que menos o pensares, perecerás a um assopro de Deus, e serás consumido pelo turbilhão da sua cólera." - Mas tudo isso não passa talvez de vãs ameaças! - Vãs ameaças! Escuta a resposta que te dá o Espírito Santo, no livro de Job: "Desde que o homem está posto sobre a terra sempre se notou que o triunfo do mau dura pouco, e que sua alegria é de um momento. Eu vão eleva a cabeça orgulhosa até ao céu, perecerá e será rejeitado como vil esterco. Todos os que o viam em sua gloria perguntarão: Onde está? Como sonho que voa não será achado, desaparecerá como visão noturna. Seus filhos morrerão na miséria, e suas próprias mãos lhe retribuirão o mal que fez." - Eu de boa vontade me converteria; mas temo a critica do mundo. - Deixa lá falar mundo e faze tu o teu dever. Pois que! Quando toca a ganhar alguma miserável soma de dinheiro, a chegar a algum posto mais elevado, a obter algum emprego mais lucrativo, trabalhas abertamente e com ousadia, importando-te pouco o que os mais possam pensar ou dizer de ti, e quando é preciso ganhar o céu, então nada ousas fazer com receio de desagradar a tal ou tal pessoa, a tal ou tal amigo! Quando é preciso mostrares-te cristão, tornas-te escravo dos outros! Ó baixeza! Ó covardia! Cora de vergonha, indigno cristão, cora de vergonha! Tens coragem e energia para tudo, exceto para servir ao teu Deus! Falia! Quando estiveres condenado por agradar aos homens, irão eles arrancar-te dos abismos do inferno? Rir-se-ão da tua fraqueza, e te desprezarão. - Que ei de eu então fazer? - Que hás de fazer? Calcar aos pés o respeito humano; mostrar-te à face do céu e da terra quem és, isto é, cristão, verdadeiramente digno de tão glorioso titulo; cumprir exatamente todos os deveres que ele te impõe. - Mas falarão de mim! - Sim, e dirão de ti que tens coragem, dirão que tens uma grande alma, e, por um que censure a tua conduta, haverá cem que a proporão por modelo. E a final, que o mundo diga o que quiser, não é menos verdade que tu pertences a Jesus Cristo; e que te deves dar todo a ele. Acaso será Jesus um Senhor do qual será vergonhoso ser servo? é desonroso o confessar-se seu discípulo? - Mas a confissão horroriza-me. - Ah! É que tu não a conheces. Não sabes que inefáveis consolações ela derrama numa alma cruciada do remorso; não sabes que doce paz ela derrama num coração que nunca experimentara seus encantos; não sabes que feliz mudança opera em todos os pobres pecadores que a ela recorrem. Meu caro irmão, acredita no que te digo. Sou ministro do Deus da verdade, e nenhum interesse tenho em estar a enganar-te; desejo pelo contrario a tua felicidade tanto como a minha. Pois olha, posso asseverar-te que nada no mundo há comparável à felicidade que experimenta uma alma sinceramente convertida para Deus, quando depois de ter descoberto todas as chagas, ouve de sua boca estas palavras: "Vem em paz, da parte de Deus te declaro que todas as tuas faltas te estão perdoadas, tudo está esquecido. Vai e não peques mais." Sei que custa algumas vezes descobrir todas as misérias a um outro homem. Mas deve uma vergonha passageira ser posta em comparação com os felizes frutos que ela produz? Não vale mais humilhar-nos alguns instantes aos pés de um nosso semelhante, e obter deste modo o perdão das nossas faltas, do que esperar que Deus se encarregue de humilhar-nos? Ah! Se não queres abater-te pela humilde confissão das tuas culpas, o mesmo Deus saberá abater-te pelo peso do seu braço. E poderás tu sustentar o peso dessa mão onipotente que te esmagará? Poderás evitar seus terríveis golpes? Sabe-o bem: quanto esta mão é doce e suave para levantar o homem que se humilha a si mesmo, tanto é forte e pesada para abater o soberbo. Vai, meu caro irmão, vai lançar-te aos pés de um padre de Jesus Cristo, mostra-lhe todas as chagas da tua alma; e Deus as limpará; descobre-lhe todas as tuas iniquidades, e Deus as curará. Coragem! Faze algum esforço, o resto Deus o fará. Vai ter com Jesus e Maria; conjura-os a que venham em teu socorro, e aprende a gostar por ti mesmo quão doce é servir ao Senhor. Coragem! A vida é curta, foge como um sonho, e depressa a morte te virá ferir. Oh! Como estarás consolado em teus últimos momentos de haveres feito uma boa confissão enquanto andavas ainda de saúde! como serás feliz de ter posto em ordem a consciência! Dá-te pois, ao Senhor, não amanhã, mas hoje, mas já; custe o que custar, entrega-te a ele como filho, para depois lhe não pertenceres como escravo. Entrega-te a ele, serve-o facilmente, e ama-o até o teu suspiro: o céu será a tua recompensa. Ah! Meu Deus! Quantos infelizes pecadores a quem se disse cem vezes, enquanto viviam: "Convertei-vos, e fazei uma boa confissão", e que à força de sempre diferirem para amanhã, foram surpreendidos pela morte! Onde estão agora? Ai! No inferno a deplorar sua desgraçada sorte, a maldizer sua covardia, e estão lá para sempre! Ó meu irmão! Aprende do seu exemplo a ser sábio e a não diferir a tua conversão. Se hoje te custa a romper por este laço perigoso, a destruir este hábito criminoso, a vencer o respeito humano, a fazer uma boa confissão, amanhã muito mais te custará. Volta, pois, a Deus sem mais tardar. Lança-te nos braços de Jesus: ele é a bondade e a misericórdia mesma, ele nunca repeliu o pecador arrependido. Feliz quem o busca mais feliz quem o achou! Mil vezes mais feliz quem o ama! Goza de uma felicidade que nenhuma língua humana pode exprimir. Capítulo XLVI - O Paraíso - "O olho não viu, nem o ouvido ouviu, nem jamais veio ao coração do homem o que Deus tem preparado para aqueles que o amam" (1Cor 2,9). O paraíso! O paraíso!... Ah! Deus meu! Ao só pensar nesta bela mansão, minha alma se inunda de consolações, meu coração desfalece de alegria e de amor, e meus olhos se convertem em duas fontes de lágrimas. Ao pensar no paraíso compreendo que não há proporção entre as penas desta vida e a recompensa que na outra nos está preparada. Ao pensar no paraíso, os sofrimentos tornam-se-me delicias, as humilhações e desprezos revestem-se-me de encantos, e as mais pesadas cruzes me parecem fazer-se leves. Ó paraíso! Qual é o homem que nos ensinará o que tu és?... David exclama: Coisas gloriosas se nos tem dito de ti, cidade de Deus! Oh! Quão amáveis são teus tabernáculos! E nada mais diz. São Paulo é arrebatado até ao terceiro Céu, este vai sem dúvida fazer-nos um quadro magnífico do que viu. Mas não. O que eu vi, diz numa de suas epistolas, não pode pintar-se, língua nenhuma do mundo pode explicar a beleza do paraíso, nem as delicias que nele se gozam. Tudo o que eu posso dizer é que "nem os olhos viram, nem os ouvidos ouviram, nem jamais o coração do homem concebeu o que Deus preparou para os que o amam". Assim falia o grande apostolo. E depois disto não sou eu bem temerário em ousar pôr-me a pintar as belezas e delicias do Céu? Não é isto parecer-se com um menino criado nas florestas selvagens, que querendo dar uma ideia da magnificência dos palácios dos nossos reis, os comparasse com a miserável cabana onde nasceu?... Sim, meu Deus, reconheço minha temeridade e toda a minha impotência; contudo sempre falarei. Um infeliz exilado acha sempre prazer em falar da sua pátria, embora ele saiba que tudo quanto d'ela diz está longe de chegar à realidade. Falarei pois. Oh! Que doce mansão é a celeste Jerusalém! Seus muros são construídos das pedras mais preciosas, suas portas refulgem com o brilho das pérolas mais finas, suas ruas e praças são calçadas de ouro mais puro, seus jardins, esmaltados de flores, oferecem o mais risonho espetáculo. Ali continuamente retumbam palavras de alegria, ali incessantemente se entoam cânticos de jubilo, ali se renovam sem interrupção brados de regozijo, ali se fazem sempre ouvir os concertos dos espíritos Bem-aventurados. Ali o balsamo e os perfumes derramam os mais doces odores, ali reina uma paz, um repousou que excede a todo o sentimento, uma calma acima de toda a imaginação, uma claridade eterna, uma união formada por um só e mesmo espirito que anima tudo, uma firme segurança, uma eternidade segura, uma tranquilidade perpetua, uma agradável felicidade, doçura inefável, um delicioso encanto; ali os justos brilharão como o sol no reino do seu pai. Oh! Que dita assistir aos coros dos anjos e estar para sempre em sociedade com os apóstolos e mártires, com os confessores e as virgens e sobre tudo com a gloriosa Virgem Maria, Mãe de Deus! Que felicidade ver-se para sempre exemplo de tenor, de tristeza, de aflições, de penas, de dissabores, de trabalho, de embaraço, de desgostos; numa palavra, de toda a indigência! Mas que abundancia de consolações! Que multidão de delicias, que excessos de alegria! Que vasta extensão, e que abismo de prazer ver a gloria inefável da Trindade, desse ser imenso que não se pode compreender, dessa luz doce e arrebatadora que nunca se poderá amar assaz; ver na Sião o Deus dos deuses, o Senhor dos senhores, vê-lo não num espelho nem em enigma, mas face a face, ver enfim a humanidade santa de Jesus Cristo em seu estado de gloria! Se cá na terra sentimos tanto enlevo ao considerar a grandeza, a diversidade, as resoluções, a brilhante claridade dos astros, a deslumbrante alvorada da lua, o resplendor e raios do sol, a luz derramada nos ares, ao ver a variedade das aves, das flores, das paisagens, das cores; ao escutar o som harmonioso de belas vozes e a doce consonância dos instrumentos; ao aspirar o odor das flores e dos perfumes; ao nutrirmo-nos de delicioso? Manjares, se tudo isto deleita a nossa alma e a penetra de alegria, qual não será a torrente de deleites de que será inebriada esta alma, quando poder ver, escutar, sentir, gostar, possuir plenamente Aquele que é a beleza e a bondade mesma, o principio d'onde emana tudo o que há de belo e bom no universo, o manancial fecundo de todas as perfeições, do qual tudo o mais não passa de um fraco arroio? Ah! Compreendo o que é o estado de um homem ressuscitado, quando entra na sua bem-aventurada eternidade. É como a primavera, quando, sucedendo aos rigores do inverno, vem renovar a natureza, adornar o céu e a terra, encher de regozijo todos os corações. Mas que digo? É maior a diferença entre estas duas coisas do que entre as espessas trevas da mais cerrada noite e resplendor do sol do meio dia. Quão deliciosa é pois essa morada da celeste Jerusalém, em que tudo o que pode deleitar se encontra, e d'onde tudo o que poderia molestar está banido! Quanto é deliciosa, pois nela tem-se a felicidade de louvar o Todo Poderoso por todos os séculos dos séculos. Ó bem-aventurada mansão toda resplandecente de gloria! Quanto amo a tua beleza! Como te amo, querida morada da gloria do meu Senhor e meu Deus! Meu coração te deseja com ardor, e por ti suspira sem cessar. Santa Jerusalém, estancia toda deslumbrante de luz, minha maior felicidade é pensar em ti; por ti desfaleço de amor, porque só tu podes deixar-me ver o meu Deus face a face e tal qual é. Não poder eu hoje mesmo entrar no recinto de teus muros, para ai amar o meu doce Salvador quanto eu possa! Quando verei acabar-se esta peregrinação tão triste que já tem durado de mais? Quando me verei livre deste exilio que me retém num tal afastamento do meu Senhor e meu Deus? Ó Jesus! Tanto tempo errei longe de vós qual ovelha desgarrada; mas vós tivestes de mim compaixão, e me reconduzistes ao vosso aprisco. Eu vos suplico, em nome da vossa misericórdia, tende piedade da minha miséria e minhas lágrimas, e dai-me o vosso paraíso afim que vos ame como vós mereceis. Ai! Eu quero amar-vos muito, muito, e morro de dor por vos ter amado tão pouco e tão mal. Tem paciência, alma minha. A voz do nosso Jesus se faz ouvir; disse que o nosso exilio não durará sempre, e que nossa peregrinação terá um termo. Soframos pois com coragem todas as misérias na vida; sejamos sempre fieis a todos os nossos deveres; exercitemo-nos a todo o instante na pratica das virtudes, e levemos corajosamente a nossa cruz até ao termo da nossa carreira: lá está a nossa recompensa. E que recompensa! Lá está o nosso bom Jesus com uma coroa de gloria: que doce acolhimento nos não fará ele? Portas do céu, abri-vos! Deixai-me ver por alguns instantes o que se passa no recinto de Sião. Quero ser testemunha da entrada triunfante de uma alma fiel, quero assistir á sua coroação. Abri-vos, portas do céu! Eis chega uma alma pura e revestida da veste da inocência; ela traz algumas gloriosas cicatrizes, testemunhos de sua coragem nos combates: ela vem ornada de pedras preciosas, merecimentos que adquiriu na terra pelos sofrimentos, pela resignação com a vontade de Deus, e pela felicidade a todos os seus deveres. Os pecados que cometeu e que tão generosamente reparou pela penitencia, esses mesmos contribuem ainda para realçar a sua beleza. Adianta-se conduzido por seu anjo da guarda. "Entra, lhe diz este, alma querida do soberano Senhor: este é o lugar do teu repouso eterno." Ó Deus! Qual não é a comoção desta alma ao ver-se na bem-aventurada pátria pela qual ela tanto suspirava! E que olhares ela lança sobre todos os objetos que a extasiam! que riquezas! Que resplendores! que magnificência! Os anjos e santos vêm ao seu encontro e lhe dizem: "Bem-vinda sejais." Para logo ela se vê cercada de seus pais, de seus amigos, de seus conhecidos, que a felicitam da sua felicidade; ela reconhece um pai, uma irmã, um marido, que a precederam nesta feliz cidade; ela reconhece os santos patronos que lhe prodigalizaram os seus socorros enquanto estava ainda na terra; reconhece os santos e santas por quem teve especial devoção; reconheço-os, e experimenta tal alegria que língua nenhuma humana o poderia exprimir. E ela lá vai atravessando esta inumerável multidão de Bem-aventurados, acompanhada sempre do seu anjo da guarda, que a conduz á Santíssima Virgem. Ah! Quem poderia dizer a surpresa, a alegria, a ternura que esta pobre alma experimenta ao ver pela primeira vez a augusta Mãe de Deus, a doce Maria, a quem ela tanto amava na terra, a quem ela tantas vezes chamava a sua Mãe, a sua patrona, a sua amável Senhora? Quem poderia dizer os transportes do seu reconhecimento, quando ouve Maria fazer-lhe a enumeração de todas as graças que lhe obteve? Ela lança-se aos seus pés e com transporte os beija. Mas a Santa Virgem levanta-a, estreita-a ternamente contra o coração e a apresenta a Jesus... Jesus está assentado sobre um trono brilhante de glória. Apenas apercebe a recém-chegada, lhe diz com o acento da mais arrebatadora bondade: "Levanta-te, apressa-te, amada minha, cuja beleza me encanta; vem depressa. O inverno passou, as molestas chuvas deram lugar a agradáveis rocios, as flores começam a aparecer; a estação de podar chegou, já nos campos se ouve a rola, já as figueiras brotam seus botões e suas tolhas, já a vida está florida e começa a espalhar seu agradável aroma; apressa-te pois, ó minha querida, a tua beleza me fascina! Ó minha cara pomba! Tu saíste ao fim desses velhos pardieiros onde fazias tua morada. Mostra-te a meus olhos, e que eu ouça a tua voz; a tua voz me é doce, a tua face me encanta. Vem pois mais uma vez, pomba minha sem macula, tu que eu escolhi por minha esposa querida; vem, no teu coração estabeleça eu o meu trono: vem gozar da felicidade suprema que te prometi; vem depois de tantos perigos, tantas penas, tantos trabalhos, vem partilhar com meus anjos as delicias do Senhor teu Deus; vem vê-lo enfim sem véu, e ama-lo por toda a eternidade." Então Jesus a abraça, abençoa-a, põe-lhe na cabeça uma coroa brilhante, e a assenta sobre o trono que lhe preparou. Os anjos e santos aplaudem ao seu triunfo, e clamam: "Assim será coroado todo o homem que até á morte for fiel a Jesus! Benção, e gloria, e sabedoria, e ações de graça, e honra, e virtude e fortaleza a nosso Deus pelos séculos dos séculos." Amem. Vãos triunfos da terra, falsas honras, fementida gloria deste lugar d'exilio, desaparecei, desaparecei. Nunca, nunca vós sereis objeto de meus desejos, assim o espero da misericórdia do meu Jesus: nunca vós ocupareis o menor lugar no meu coração. Desaparecei: vós para mim vos convertestes em fardo depois que eu entrevi a gloria solida, verdadeira, eterna, que no céu me está reservada. Desaparecei: vossos encantos são falazes, são misturados de amargura vossos prazeres. Eu só quero o céu, porém lá estarei com o meu Jesus, lá amarei ao meu Jesus, lá serei coroado pelo meu Jesus. Oh! Que bom não será estar no paraíso ao pé de Jesus e Maria! Ali o coração está plenamente satisfeito; todos os meus desejos estão repletos. Ali, não mais uma lágrima, não mais uma dor, não mais tristeza, não mais aflições; ali não mais doenças, não mais receios da morte. Deus mesmo enxugará as lágrimas dos seus eleitos. Ali viverei na sociedade dos anjos e santos. Ó céu! Se cá na terra é tão doce conversar de Deus com alguns verdadeiros amigos, se é tão doce falar da esperança de um dia o amar eternamente no paraíso, se é doce comunicar-se mutuamente as alegrias que no serviço de Jesus se experimentam e animar-se a ama-lo sempre mais, que será vê-lo no meio dessa gloriosa sociedade de santos, conversar familiarmente com cada um deles, falar de Deus em presença do mesmo Deus, recordar-se dos perigos passados, das graças que recebemos, e dizer uns aos outros: Somos felizes para sempre! Se é tão doce tornar a ver uma mãe depois de um ano da ausência, que será torná-la a ver sem temor de jamais nos separarmos dela! Se é tão doce na terra partilhar as penas de um amigo, o que será partilhar seus prazeres no paraíso? Ah! Brilhante sociedade dos santos, quando serei eu admitido em teu seio! Ali verei o meu Deus tal qual é. Há nada que possa comparar-se a esta felicidade! Ó meu Deus! Fazei-me compreender o que vós sois, e eu compreenderei que felicidade se experimenta contemplando a vossa bondade. Vi as mais mimosas flores, contemplei-as em toda a gala de seus atavios; admirei a delicadeza de seu tecido e a variedade das suas cores; cheio de admiração me disse a mim mesmo: Belas são as folhas da primavera!... mas, ó meu Deus! É isto a vossa beleza? Bela é a terra que por morada nos foi dada. Seus prados estão esmaltados de flores, suas montanhas estão cobertas de verdes pâmpanos caindo em festões, seus outeiros estão carregados de vinhas e seus caminhos estão orlados de odoríferas plantas. Árvores de todas as espécies a ornam e com seus frutos a enriquecem; rios saídos de seu seio levam a toda a parte a fertilidade e a abundancia. Sim, bela é a terra que habitamos!... mas, ó meu Deus! É isto a vossa beleza? Bela é uma floresta com suas copadas arvores e com suas frescas sombras. Tudo ali é calma, tudo ali é paz: somente ali se ouvem, ou os gorjeios das aves ou o murmúrio do regato que cai em cascata da montanha, ou o leve sussurro das folhas pelos zéfiros agitadas. Bela é uma floresta com sua doce solidão!... mas, ó meu Deus! É isto a vossa beleza? Bela é uma fértil campina, ou a mão da primavera ali estenda um verde tapete de mil flores nascentes esmaltadas, ou o estio lhe doure as espigas, ou o inverno a envolva num véu de deslumbrante alvura, e a geada prendendo-se ás arvores as mude noutros tantos penachos que majestosamente se elevam até ao céu!... mas, ó meu Deus! É isto a vossa beleza? Belo é o vasto mar, sob qualquer aspecto que se nos ofereça. Ora suas ondas estão calmas, e rolam suaves umas sobre outras: então é um espelho que reflete o doce azul do firmamento. Ora elas se irritam e com furor se arremessam até ás nuvens; os raios do sol penetram e divertem-se nestas vagas amontoadas, e dir-se-iam montanhas de fogo que vem quebrar-se contra os rochedos da praia. Oh! Belo é o vasto mar!... mas, ó meu Deus! É isto a vossa beleza? Bela é a aurora, quando ela aparece a anunciar-nos a chegada do astro do dia, quando ela orna o oriente das mais vivas e mais riscas cores, e quando ela no-lo mostra todo em fogo. Bela é a aurora surgindo!... mas, ó meu Deus, é isto a vossa beleza? Bela é a luz do sol, que cada dia se lança qual gigante em sua carreira, e vai publicar em todo o universo a gloria do seu Senhor!... mas, ó meu Deus! É isto a vossa beleza? Bela é a tarde de estio; de um lado o sol ocultando seus últimos raios sob nuvens de franjas de ouro e de azul; do outro a lua elevar-se majestosa no horizonte: e em toda a extensão da abobada celeste miríades de estrelas resplandecentes! Que espetáculo! Quantas vezes enterneceu a minha alma até a fazer derramar abundantes lágrimas! Quantas vezes arrancou do meu coração esta exclamação do Profeta: Senhor, quanto as vossas obras são belas!... mas ainda uma vez, ó meu Deus! É isto a vossa beleza? Não, não: vossa beleza é toda espiritual, e nada neste mundo pode dar dela justa ideia. Ah! Meu Deus! Se vossas obras são tão belas, tão admiráveis, tão arrebatadoras, o que não deveis ser vós mesmo? Se há tanta alegria pura em contemplar as maravilhas da natureza, em que somente pusestes a sombra da vossa magnificência e perfeições, que será ver-vos face a face?... Detenho-me: minha pena não pode descrever a felicidade de vos ver e de vos amar. Ó bem-aventurada mansão da celeste cidade! dia luminoso da eternidade, que nunca a noite obscurece e que a verdade soberana perpetuamente ilumina com seus raios: dia imutável de alegria e repouso que nenhuma vicissitude perturba, quando luzirás tu para mim? quando virá o fim de meus males? Quando serei livre de minhas misérias? Ó bom Jesus! Quando me será dado ver-vos, contemplar a gloria do vosso reino? quando estarei eu convosco no "reino que vós preparastes de toda a eternidade para os vossos eleitos?" - Estou ao desamparo, pobre, exilado em terra inimiga, onde há contínua guerra e grandes infortúnios. Consolai o meu exilio; adoçai a angustia do meu coração, porque ele por vós suspira com todo o ardor de seus desejos. Tudo o que o mundo aqui me oferece para me consolar, me é pesado. Ó Jesus! Eu só a vós quero; dai-me o vosso paraíso, afim que nele possa amar-vos perfeitamente e por toda a eternidade; dai-o a meus parentes e amigos; dai-o a tantas pobres almas que o inferno está a ponto de devorar; e todos vos louvaremos, todos nós vos bem-diremos, todos nós vos amaremos por todos os séculos dos séculos. Assim seja. RESOLUÇÕES PRÁTICAS Animar-nos ao Serviço de Deus pelo Pensamento do Céu Que te direi eu agora, meu caro Teótimo, senão que deves trabalhar com coragem por merecer o céu? Nosso Senhor nos advertiu que o céu não é para os frouxos, e que é preciso fazermos violência a nós mesmos para o obter. Aproveita-te deste aviso. Desce até ao fundo do teu coração e vê se nele encontras algum pecado mortal. - Não, pela misericórdia de Deus. Muito bem! Estás no caminho do paraíso: continua a marchar por ele e não te esqueças que só será coroado aquele que legitimamente tiver combatido até ao fim. Sofre com paciência e resignação as penas, as privações, os desgostos, os revezes desta vida corruptível; resiste às sugestões do inimigo da tua salvação; trabalha por te fazer humilde, paciente, mortificado: todos os teus sofrimentos passarão depressa, mas a gloria que há de ser a tua recompensa, essa será eterna. Ah! Meu caro Teótimo, em qualquer circunstancia difícil que te encontres, olha para o céu e ficarás fortificado. Se o demônio te atormenta, te arma ciladas, olha para o céu, e ele será vencido. Se o mundo procura ganhar-te ostentando diante de ti seus encantos e prazeres enganosos, olha para o céu, e ele não poderá fazer-te mal. Coragem! Tu não hás de estar muito tempo aqui em baixo no trabalho nem sempre carregado de dores. Espera um pouco, e veras em breve o fim dos teus males: porque tudo o que passa com o tempo é pouca coisa e não dura nada. Escreve, lê, conta os louvores de Deus; guarda silencio, ora, sofre corajosamente: a vida eterna é digna de todos estes combates e de mais ainda. Desprende-te de todas as coisas deste mundo, desprende-te de ti mesmo e repete incessantemente: "Meu Jesus venha a nós o vosso reino." Adeus, meu caro Teótimo, adeus: mas não para sempre. Ainda que eu gema de há muito tempo sob o peso das minhas numerosas misérias, tenho confiança na misericórdia do meu Jesus, espero da sua bondade o céu que ele nos mereceu. Lá é que há de ser o nosso encontro, lá é que nos havemos de ver. Entretanto ora por mim, recomenda-me alguma vez por caridade ao nosso divino Senhor, afim que ele me abençoe e me dê a eterna recompensa de que sou tão pouco digno. Adeus até que estejamos no paraíso aos pés de Jesus e Maria, ocupados em cantar sua misericórdia e seu amor; adeus. Apêndice. Prática para a Santa Comunhão Para fazer uma fervorosa comunhão três coisas se requerem, a saber: preparação remota, preparação próxima e ação de graças. I - A Preparação Remota Consiste: 1 - Na isenção de pecado mortal, sem o que seria a comunhão um horrível sacrilégio. Prove-se cada um a si mesmo em antes de se aproximar da santa mesa, mas isto sem turbação e escrúpulos. Não esqueças que, se por um impossível, se achasse em tua consciência um pecado mortal sem que o soubesses, não cometerias sacrilégio algum recebendo a Santa Eucaristia, mas que o sacramento produziria na tua alma a graça santificante. - Mas, meu padre, tremo todas as vezes que comungo, porque temo não estar em estado de graça, e não ter recebido o perdão dos meus pecados. - Meu caro Teótimo, escuta esta resposta do sábio e piedoso Gerson, e segue os sábios conselhos que te vai dar: "Quando um cristão, diz, resolveu receber a santa Eucaristia, e cai na perturbação e temor por imaginar que não fez uma confissão bem feita, deve olhar este temor como uma tentação do demônio que desejara privá-lo do grande bem da comunhão, e seguiu este meio. Deve, pois, pensar que quando mesmo se aplicasse cem anos a tornar-se digno de receber Jesus Cristo não poderia aproximar-se devidamente, sem um especial socorro de Deus; mas lembre-se que Deus pode conceder-lhe esta graça agora tão bem como depois de cem anos. De mais, considere que ninguém na presente vida, pode, sem uma particular revelação, conhecer com perfeita certeza se está em estado de graça; mas que há uma certeza humana e moral que é necessária, e que basta na matéria que tratamos. Para a ter, deves-te recolher, examinar a consciência e fazer o que a descrição e os que nos conduzem nos ordenam. Quando depois deste exame, nenhum pecado mortal reconhecemos, podemos comungar sem temor de cometer algum novo pecado. Se ainda depois nos sobrevieram ás vezes duvidas ligeiras, como por vezes acontece, desprezemo-las e passemos por cima." 2 - A preparação remota consiste na isenção, não de todas as faltas veniais, visto a nossa extrema fragilidade, mas da afeição ás faltas veniais; o que não é possível alcançar-se sem a prática habitual da oração e sem a fugida do mundo, tanto quanto o decoro do nosso estado o permite. Os pecados veniais, não apagam em nós, verdade é, o fogo da caridade, nem da graça e amizade de Deus nos privam; mas afrouxam o fervor da devoção, e privam-nos dessa abundância de graças que fruem os que com grande pureza da alma se aproximam da sagrada mesa. 3 - Consiste também esta preparação remota num ardente desejo de receber a Jesus Cristo, visto como este alimento só aos que têm fome é proveitoso. Deus quer ser desejado, mas principalmente dos que comungam. 4 - Está também na pureza de intenção. Cautela, meu caro Teótimo, nunca vás comungar por amor próprio, por vaidade ou respeito humano: Ai! O orgulho em tudo se insinua. Deus não permita que tu sejas dessas pessoas que querem comungar mui frequentemente, não tanto para se tornarem melhores, mais recolhidas, mais mortificadas, mas para parecer que têm mais piedade do que a que realmente tem! Seja sempre pura, sempre reta a tua intenção; tenha sempre por fim a gloria de Deus, a tua própria salvação, a extirpação de algum vício, o fortalecimento na prática de tal ou tal virtude, o livramento de tal ou tal tentação, se é do bom grado de nosso Senhor, ou enfim a petição de alguma outra graça para ti, tua família, teus filhos, teus conhecidos, etc., o livramento das almas do purgatório. Há ainda uma outra sorte de preparação remota; consiste ela nas seguintes práticas: Alguns dias antes de comungar, e o mais tardar na véspera, faze as tuas orações e preces com vistas de obter as graças necessárias para bem comungar; junta a isto mais algumas boas obras, alguma esmola, alguma mortificação, etc. Empenha-te por te conservares no maior recolhimento, pensando amiúde na felicidade que terás de receber o teu Deus. Neste santo pensamento adormece, e seja o primeiro quando despertares. Dize então: Que belo dia! brevemente vem Jesus tomar posse do meu coração! Ó meu bom Mestre! vinde, vinde tomar posse do coração desta vossa pobre criatura... etc. II - A Preparação Próxima Consiste esta em recitar do fundo do coração os diferentes atos antes da comunhão. Encontrarás os modelos depois desta instrução; mas como é ºde temer que à força de os repetir não acabes de cair na rotina, vou, segundo Luiz de Granada e o Padre Afonso Rodrigues, indicar-te a maneira de os tirares de ti mesmo. Dizem os santos e mestres da vida espiritual que para da santa comunhão se recolherem abundantes frutos é preciso aproximarmo-nos dela: I - Com muita humildade e respeito; II - Com muito amor e confiança; III - Com muito ardor e desejo de comer deste pão celeste. 1. É precioso aproximarmo-nos deste adorável Sacramento com um extremo Respeito e Humildade Para em teu coração excitares este sentimento, podes primeiro representar-te a suprema grandeza e majestade infinita do Deus que está realmente na Eucaristia: considerar que é Aquele que criou o céu e a terra por um só ato da sua vontade, e que por um só ato da sua mesma vontade os pode aniquilar; e pensa enfim que os anjos tremem de respeito diante dEle, e que ao menor sinal que dá, abalam-se e tremem de terror as colunas do céu. Depois do que deves voltar os olhos sobre si mesmo, para considerar a tua miséria e baixeza. Ora entrarás nos sentimentos do publicano do Evangelho, que não ousava aproximar-se do altar nem levantar os olhos ao céu, mas que, conservando-se a um canto do templo, feria seu peito, dizendo: "Senhor, tende piedade de mim que sou um pecador." Ora servir-te-ás das palavras do filho pródigo: "Senhor, pequei contra o céu e contra vós; não mereço ser chamado vosso filho; recebei-me somente como um dos servos da vossa casa." Outras vezes repete amiúde as palavras de Santa Izabel à Virgem: E de onde me vem esta graça, de onde me vem este excesso de felicidade, que o Senhor dos anjos e toda a glória do céu venha a mim?... Ó meu Pai! Ó meu Pastor! Meu Senhor, meu Deus, e meu tudo! Não! Não Vos contentastes com me haver criado à Vossa imagem e remido com o Vosso sangue; mas ainda quereis por um incomparável prodígio de amor vir fazer em mim morada, transformar-me em Vós, e fazer-Vos uma e mesma coisa comigo, como se de mim dependêsseis e não eu de Vós!... De onde me vem esta felicidade, ó meu Deus? É de meus méritos, ou antes tirais algum proveito de estar comigo? Não, certamente: é um efeito só da Vossa bondade e misericórdia, que faz com que Vós estejais mais contente de estar comigo do que eu de estar conVosco. Eu não Vos desejo, senão porque sou um miserável e tenho necessidade do Vosso socorro; e Vós, Vós quereis-me por misericórdia, etc., etc. Ser-te-ia utilíssimo, caro Teótimo, fazer uma grande reflexão sobre as palavras de que se serve a Igreja para o tempo da comunhão e que são tiradas do Evangelho: "Senhor, não sou digno que entreis em minha morada; mas dizei uma só palavra e a minha alma ficará sã". Senhor, não sou digno de Vos receber; mas aproximo-me de Vós afim que me torneis digno. Senhor, sou fraco e doente e aproximo-me de Vós afim de ser curado e fortificado por Vós, etc. 2. Devemos aproximar-nos deste Sacramento com muito Amor e Confiança Ah! Meu Deus! A quem amaremos nós, se não amamos a Jesus no momento em que se dá todo a nós? Para em ti excitares tão apetecíveis desejos de amor e confiança pensa em tudo o que este bom Pastor de nossas almas fez desde o presépio de Belém até ao Calvário; segue-O passo a passo em todos os mistérios da sua vida, e imagina que a cada ação que faz lança sobre ti um olhar cheio de bondade e misericórdia e te diz: "Meu filho, por teu amor é que Eu faço isto; para ganhar teu coração é que eu sofro tantos opróbrios, que estou encerrado no Sacramento dos altares... Podias com razão recusar-me o coração?" Que lhe responderás? 3. A terceira coisa que Deus pede de ti neste augusto Sacramento, é que te aproximes dEle com um Grande Desejo Este pai, diz Santo Agostinho, quer ser comido com uma grande fome do homem interior; e assim como as coisas que se comem com o apetite de ordinário fazem bem ao corpo, assim este pão celeste fará um maravilhoso bem a tua alma, se ela o comer com uma grande fome, com uma impaciência extrema de a Deus se unir, e com ardente desejo de obter dele graças particulares. Diligência, pois, Teótimo, fazer com que em ti nasça esta fome tão necessária para tirar proveito do sacramento e para isto considera de uma parte a tua extrema miséria e pobreza e a última necessidade em que te achas de que Jesus te venha enriquecer de suas graças; por outra, os admiráveis efeitos que produz este sacramento na alma bem disposta e que certamente também há de produzir em ti, se lhe não opuseres obstáculo. És fraco? Tornar-te-á forte e cheio de coragem. Serves a Deus com uma certa tibieza? Dar-te-á um ardente fervor. A tua alma está acabrunhada sob o peso da cruz? Tornar-te-á leve e fácil de suportar... etc., etc. Que razões para excitar em ti este vivo desejo da Santa Comunhão! Pede a nosso Senhor que te dê este desejo, e não permita que nunca neste ato se intrometa nada de humano e indigno dele. O desejo que tiveres de comungar será a medida das graças que receberás comungando. Abre o teu coração, diz Jesus Cristo, e eu o encherei; dilata-o, porque receberás à proporção que o abrires. Assim, Teótimo, se queres receber a Jesus Cristo e a abundância de suas graças, têm-lhe um ardente desejo. A medida das graças que pela santa Eucaristia tens de receber, de ti depende. Quando se não sente desejo algum de comungar, é um sinal de morte, ao menos de uma profunda letargia. Com que ardor, com que perseverança não deves pois, pedir a Deus para a santa comunhão essa sede espiritual que tantas almas fiéis hão tido! Ah! Não sejas do número desses frouxos e indignos cristãos que olham como uma bagatela o serem privados da felicidade de receber a Jesus Cristo no Sacramento do seu Amor, ou que o recebem com uma sorte de desgosto e repugnância. Ai! Não sentem fome alguma da santa comunhão; aproximam-se dela com indiferença e como que por costume: e deste modo não tiram dela lucro algum. Meu caro Teótimo, seja ardente o teu desejo de receber a Jesus Cristo, seja a tua mais predileta satisfação o preenchê-lo aproximando-te frequentemente do sagrado banquete, e seja a tua maior dor o ver-te privado da dita de receber a Jesus Cristo pela santa comunhão. Quando em ti não sentires esta devoção fervente, esses desejos ardentes que era mister, e bem racionável tivesses para receber tão grande Senhor, não creias tudo perdido. Eis uma prática que te poderá ser utilíssima. Exercita-te a desejar esta devoção e estes desejos, e por isto suprirás ao que te falta: porque Deus, que vê o coração, receberá a tua boa vontade, segundo estas palavras do profeta: O Senhor ouviu os desejos dos pobres; o teu ouvido, Senhor, ouviu a preparação do coração. Refere Luiz do Blois que nosso Senhor ensinou, ele mesmo, esta devoção e preparação a Santa Mectilde, e que lhe disse: "Quando tens de receber o meu corpo e o meu sangue, deseja, para glória do meu nome, ter todo o fervor e todo o zelo que o mais inflamado coração jamais teve, e então poderás aproximar-te de mim confiadamente e com preparação; porque eu atenderei ao fervor que desejavas ter e tê-lo-ei no mesmo preço que se realmente o tiveras." De Santa Gertrudes conta coisa semelhante. Um dia que ela ia receber o Santíssimo Sacramento, c que estava numa ansiedade extrema por não estar para isso preparada, pediu à santa Virgem e a todos os santos que oferecessem por ela a Deus tudo o que jamais fizeram de mais meritório para se prepararem a recebê-lo, e então o Senhor, aparecendo-lhe, lhe diz: "Agora é que tu pareces aos olhos dos cidadãos do céu preparada como desejavas. De sorte que é uma mui excelente maneira de nos dispormos para a santa comunhão, o desejarmos aproximar-nos dela com o fervor com que o desejavam os grandes santos, e pedir a Deus que haja por bem suprir pelos méritos do seu Filho as disposições que nos faltam." III - Ação de graças Nada há mais importante que a ação de graças depois da comunhão. É o melhor momento para de nosso Senhor obtermos tudo o que temos necessidade. Empenha-te pois, caro Teótimo, em bem a fazer, para o que, depois de haveres recebido a Santa Hóstia, retira-te ao teu lugar, toma uma postura que indique o teu respeito profundo, fecha os olhos e esquece todas as criaturas para não pensar senão nAquele que em teu coração possuis. Multiplica então os atos de amor, de contrição, de ação de graças e de firme propósito de ser todo de Deus; dá-lhe cem e cem vezes o teu coração, conjura-o que to aceite, que te faça melhor, que te tire tudo o que Lhe desagradar. Imagina que como Maria Madalena estás de joelhos aos pés de Jesus, que Ele te fala e te pede tal ou tal sacrifício; por tua parte fala-Lhe também com toda a confiança, expõe-Lhe as tuas necessidades e misérias; mostra-Lhe as chagas da tua alma; dize-Lhe com uma simplicidade de menino tudo o que dentro em ti se passa de bem ou mal e pede-Lhe o Seu socorro, graça, amor, fervor, a perseverança final, e o perdão dos pecados, etc., etc. Pede-Lhe também a conversão dos pecadores, o livramento das pobres almas do purgatório, pede pelo teu marido, teus filhos, etc., etc. Uma outra maneira excelente de fazer a ação de graças é oferecer a Deus depois da comunhão, o sacrifício de um defeito ou imperfeição. Aqui to vou brevemente expor o modo de o fazeres. Depois de haveres feito todos os atos de amor, petição, etc., de que acabo de te falar, volta sobre ti mesmo e vê que faltas são as que mais vezes cometes, as imperfeições a que estás mais sujeito; procura sacrificar alguma a Deus em cada comunhão, e oferece-lha em ação de graças. Não estou a deter-te com mais minudências sobre esta matéria; porque facílimo te será suprir a tudo o que aqui não digo para não ser muito longo. Aliás, por ti mesmo vês quão útil seja esta sorte de ação de graças, e que lucro poderás tirar em pouco tempo de tuas comunhões, se, todas as vezes que tiveres a dita de a fazer, tiveres o cuidado de te mortificar em alguma coisa e de te corrigir já de uma falta, já de outra. Da Comunhão Frequente Aqui naturalmente se apresenta uma questão. De onde vem, dir-me-ás, que tendo a ventura de tantas vezes receber a Santa Eucaristia, não reconheço tornar-me melhor? De onde nasce o eu não fazer, ao que me parece, progresso algum na virtude e fico sempre a mesmo? Temo fazer comunhões tíbias; temo comungar vezes de mais, etc. 1 - De primeiro respondo que, quando comungues com permissão do confessor e por obediência, deves estar tranquilo sobre o numero das tuas comunhões; se preciso fora diminuir este numero a ele competiria fazê-lo, como juiz que é do teu progresso na virtude. Digo em seguida com o Padre Rodrigues que se o frequente uso da comunhão nem sempre opera em nós o fruto quo era de esperar operasse, provém isto de falta nossa. É que algumas vezes não nos preparamos como é mister, e nos aproximamos do altar quase só por costume e como que por demais. Comunga-se porque os mais também comungam e se está no costume de comungar; não se pensa em antes no que se vai fazer, ou não se põe nisso assas atenção, e é isto o que faz com que tiremos tão pouco fruto. 2 - Também nasce muitas vezes o mal de nos deixarmos ir voluntariamente aos pecados veniais, porque duas sortes há de pecados veniais; uns, em que inadvertidamente e por negligencia caímos, outros que cometemos voluntariamente e de propósito deliberado. Os pecados de advertência nenhum impedimento trazem à graça do sacramento; mas os veniais voluntários são-lhe um grandíssimo obstáculo. 3 - Digo que muitas vezes pode acontecer não sentirmos em nós os efeitos admiráveis da santa comunhão sem que nisso haja falta da nossa parte e sem que deixemos de colher o seu fruto em nossa alma. Aqui é o mesmo que na oração, sobre a qual muitos fazem semelhante questão; porquanto, posto que não sintamos as doçuras e consolações que desejáramos e que muitas vezes podem ser sentidas, isso não impede que sempre venhamos a tirar dela um grande fruto. Um doente nenhum gosto acha ao alimento que toma; contudo este não deixa de o sustentar e fazer-lhe bem. Estas doçuras e consolações sensíveis são graças que Deus dá como lhe apraz; e quando dela priva os seus servos, é para os provar, para os humilhar e por este modo tirar outras vantagens e outros bens, cujo conhecimento só lhe toca. 4 - Respondo enfim que também deve ser por lucro contado não somente o fazer progresso, mas ainda o não cair nem recuar. Não são menos de estimar os remédios que impedem as doenças que os que fortificam a saúde; e note-se bem isto porque é um grande motivo de consolação para os que não experimentam tão sensivelmente o fruto que deste divino sacramento auferem. Ordinariamente se vê que os que dele com frequência se aproximam vivem no temor de Deus, e passam anos inteiros, alguns toda a sua vida sem caírem em pecado mortal. É este dos efeitos do Santíssimo Sacramento, impedir que caiamos em pecado mortal... De sorte que, embora recebendo-o não sintamos esse fervor de devoção nem essas inefáveis doçuras que talvez outrora experimentamos, e em seguida em vez desse ardor e prontidão que alguns têm para o bem, nós só encontremos securas e tibieza, nem por isso deixamos de tirar o nosso fruto. Se, com comungar frequentemente, caímos em algumas faltas, em muito maiores cairemos se da comunhão nos apartamos, etc., etc. Dir-me-ás tu agora: Então as almas imperfeitas podem comungar frequentemente? Eis, Teótimo, a resposta que te dá um autor tão piedoso como o sábio, o Padre Vaubert, da Companhia de Jesus. Duas sortes de cristãos imperfeitos cumpre distinguir; querem os primeiros deixar-se estar em suas imperfeições, anseiam os segundos sair delas. Ouso dizer que aqueles se expõem a ser punidos da sua frouxidão; porque, segundo Taulero, o desejo de agradar a Deus, e no sentir de São Francisco de Sales, o desejo de o amar, de virem a ser melhores, de tender eficazmente à perfeição deve ser o principal motivo de todas as nossas comunhões. E para que é recorrer ao medico quando se não quer ser curado? Mas os que sinceramente querem sair das suas imperfeições e que por isso fazem tudo o que está em seu poder, nunca poderiam comungar vezes demais, com tanto que todas as vezes vão com as disposições atuais de que são capazes, e que requer estes sacramentos. A razão é evidente, porque, segundo os Padres da Igreja, tantas vezes se pode comungar, quantas a comunhão nos pode ser útil. Toma todos os dias, nos dizem, o que todos os dias te pode ser útil. Ora um cristão que está em estado de graça e se prepara segundo as suas posses, sem que este frequente uso da Eucaristia em nada diminua o respeito e a devoção com que dele se deve aproximar; um cristão, digo, deste caráter tira proveito da comunhão e é de todos o mais infalível meio para chegar à perfeição a que supomos aspirar. Deve pois comungar amiúde, e ainda todos os dias se seu confessor o permite. Escuta sobre este ponto São Francisco de Sales: "Se te perguntarem os mundanos porque tantas vezes andas a comungar dize-lhe que duas sortes de pessoas devem comungar frequentemente: os perfeitos porque estando bem dispostos grande mal fariam em não se aproximarem do manancial e fonte da perfeição: e os imperfeitos afim de justamente aspirarem à perfeição; os fortes para que não venham a enfraquecer, os fracos para se tornarem fortes; os doentes para que sejam curados, os sãos para não caírem doentes; e tu como imperfeito, fraco e doente, tu tens necessidade de comungar muitas vezes, com a tua perfeição, a tua força e o teu médico. Dize-lhes que os que não têm muitos negócios mundanos a tratar devem comungar muitos vezes, pois têm comodidade para o fazer: que os que estão cheios de trabalhos mundanos também devem, porque disso têm necessidade, que para quem mais trabalha mais sólidas e frequentes devem ser as comidas. Dize-lhes que recebes o Santíssimo Sacramento para aprender a bem o receberes, porque nunca se chega a fazer uma coisa sem a exercitar muitas vezes. Comunga muitas vezes, Filotéia, e as mais vezes que poderes, com consentimento do teu pai espiritual; e acredita-me, de inverno as lebres tornam-se brancas em nossas montanhas, à força de só verem e comerem neve, e à força de adorar e comer a beleza, a bondade e a pureza mesma neste divino sacramento, tornar-te-ás toda bela, toda boa, e toda pura." Poder-se-á dizer nada mais consolador para as almas ainda imperfeitas, mas que têm um grande desejo da sua perfeição? Poder-se-á dizer nada mais estimulante para as excitar a comungar muitas vezes com uma humilde confiança? Mas, afinal, neste ponto devem sempre seguir o conselho de um sábio diretor, como este grande santo expressamente o diz e como o ordenou o Papa Inocêncio 1.

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Poços de Caldas:

Andrew Cunningham, Wayne: Roberts Wesleyan College, Chili, near Rochester. Conselheiro Lafaiete: The New School for Jazz and Contemporary Music; 2016.

Gina Maddox, Oneida. Bragança: College of Mount Saint Vincent; 2018.

Terri Allison, 66th Street, West zip 10069. Ananindeua: Baruch College; 2017.

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