Dinamica Para Apresentacao De Alunos No Primeiro Dia De Aula

Columbia Graduate School of Arts and Sciences - Contra as Heresias - Santo Irineu Denúncia e refutação da falsa gnose SEGUNDO LIVRO TEORIAS GNÓSTICAS E SUA REFUTAÇÃO PREFÁCIO - 1º. No primeiro livro, anterior a este, denunciando uma gnose de nome falso, demonstramos-te, caríssimo, que é tudo mentira o que foi encontrado, de muitas e contraditórias maneiras, pelos discípulos de Valentim. Expusemos também as doutrinas dos que os precederam, como se contradizem entre si e muito mais com a verdade. Também te apresentamos, com toda diligência, a doutrina de um deles, Marcos, o mago, e também a sua conduta. E diligentemente referimos o que selecionou da Escritura e a tentativa de adaptá-la à sua invenção; lembramos minuciosamente como se esforçam e ousam confirmar a verdade por meio dos números e das vinte e quatro letras do alfabeto. Como, segundo eles, a criação foi feita à imagem do Pleroma invisível e o que pensam e ensinam sobre o Demiurgo. Expusemos a doutrina de um dos seus pais, Simão, o mago, da Samaria, e de todos os que se seguiram, e também a de toda a multidão dos gnósticos que se originaram dele. Evidenciamos as diferenças entre eles, as doutrinas, as emissões e todas as heresias que proferiram, suas doutrinas ímpias e irreligiosas que todos estes heréticos derivados de Simão introduziram neste mundo. Demos a conhecer a sua redenção, a iniciação dos perfeitos, as suas fórmulas mágicas e os mistérios. Demonstramos que um só é o Deus criador que não é fruto de degradação e que não há nada nem acima dele nem depois dele. - 2º. Neste livro trataremos, conforme o tempo no-lo permitir, somente do que é útil para nós e refutaremos os pontos mais importantes do conjunto da sua doutrina. Por isso, visto que se trata de descobrir e refutar a sua teoria, intitulamos assim esta obra: com efeito é preciso, pela denúncia aberta das suas sizígias, refutar as sizígias ocultas e destruir este Abismo, trazendo provas de que nunca existiu nem existe. O DUALISMO DEUS-CRIADOR Único Deus Pleroma criador -- É conveniente começar pelo primeiro e mais importante argumento, isto é, do Deus-Demiurgo que fez o céu e a terra e tudo o que eles contêm (Cf Êx 20,11; Sl 145,6; At 4,24; 14,15, Ireneu procura evidenciar que Deus não é outro ser diferente do Criador . Só ele é quem fez todas as coisas: ele, o único e mesmo Deus), que, injuriando, chamam fruto de degradação, para demonstrar que nada há acima nem depois dele, que foi ele a criar todas as coisas, não movido por algo ou por ninguém, mas de sua própria e espontânea vontade, por ser o único Deus, o único Senhor, o único Criador, o único Pai, o único a conter tudo e a dar a existência a tudo. -- Como poderia haver acima dele outro Pleroma, ou Princípio, ou Potência, ou outro deus, se Deus, o Pleroma universal, deve absolutamente conter todas as coisas e não ser contido por ninguém? Se existir alguma coisa fora dele já não é Pleroma de tudo nem contém tudo, porque falta a ele ou ao Deus que está acima de tudo, o que dizem estar fora dele. Aquele a quem falta ou foi tirada alguma coisa não é o Pleroma de tudo. Deverá ter princípio, meio e fim em relação aos que lhe estão fora. Se há um fim nas coisas inferiores, deve haver um princípio nas superiores; e ao mesmo tempo deve acontecer necessariamente com as outras partes: será contido, determinado e incluído pelo que está fora dele; porque o fim inferior necessariamente circunscreve e circunda o que acaba nele. Aquele que para eles é o Pai de tudo e que chamam Protoente, Pro-toprincípio, com o Pleroma deles e o Deus bom de Marcião, será criado, limitado e circundado externamente por outro Princípio que será necessariamente maior do que ele, porque o continente é maior do que o conteúdo. O que é maior é também mais firme e mais senhor, e o que é maior, mais firme e mais senhor é Deus. -- Com efeito, se, conforme eles dizem, existe algo externo ao Pleroma em que desceu a Potência superior afastada, este algo necessariamente contém o que é externo ao Pleroma e o próprio Pleroma, de outra forma não se pode falar de algo que esteja fora. Se algo se encontra fora do Pleroma, o Pleroma estará dentro de algo que está fora e por isso mesmo estará contido aí. Se, por acaso, dizem que o Pleroma e o que está fora dele estão imensamente afastados um do outro, então supõem terceira realidade que separa imensamente o Pleroma do que está fora dele. Esta terceira realidade delimitaria e conteria a ambos e seria maior do que o Pleroma e do que está fora dele, visto que contém os dois dentro de si. Então nunca se acabaria de falar do que contém e do que está contido. Se, com efeito, esta terceira realidade tem princípio no alto e fim embaixo é necessário também definir os lados: estes e as coisas que estão acima ou embaixo terão um princípio em relação a outras coisas e assim nunca se acaba. Assim se dá com a sua elucubração sobre o Deus único, e por quererem saber sempre mais caem no vazio e se afastam do verdadeiro Deus. -- O mesmo argumento vale para os seguidores de Marcião. Os seus dois deuses serão contidos e circunscritos pelo imenso espaço que separa a ambos. Desta forma deve-se pensar em numerosos deuses separados entre si por distâncias imensas e um começaria onde outros acabam. E o motivo de que se servem para ensinar que acima do Criador do céu e da terra existe um Pleroma ou um Deus, este mesmo pode ser invocado por quem quiser afirmar que acima deste Pleroma existe outro Pleroma e acima deste último mais outro e acima do Abismo outro Abismo e pelos lados o mesmo. Procedendo assim ao infinito será necessário pensar sempre em outros pleromas e outros abismos e procurar, sem parar, sempre outros além dos precedentes. Então não se poderá dizer com certeza que as coisas, segundo nós, inferiores não sejam até superiores e as que eles julgam superiores não sejam inferiores ou superiores. O nosso pensamento não teria estabilidade ou certeza, mas seria obrigado a perseguir mundos sem fim e deuses sem número. -- Se fosse assim, cada deus se deveria contentar com sua esfera de ação e não se meter indiscretamente na dos outros: do contrário seria injusto e avarento e deixaria de ser o que Deus é. E cada criatura glorificaria o próprio criador contentando-se com ele, sem reconhecer outro, do contrário, seria justamente condenado por todos como apóstata e severamente punido. É necessário admitir ou um só que tudo contém e criou todas as coisas abaixo dele como quis, ou muitos e indeterminados deuses e criadores, começando um onde outro acaba, e então será preciso reconhecer que externamente é contido por um maior e é reduzido à sua competência e que nenhum deles é deus de todas as coisas. Assim cada um deles será filho porque possuiria uma parte mínima em relação a todos os outros e nenhum poderia ser chamado onipotente e esta concepção levaria inelutavelmente à impiedade. Os anjos não são criadores -- Erram os que dizem que o mundo foi criado pelos anjos ou por algum outro criador, independentemente da vontade do Pai que está acima de todas as coisas. Erram primeiramente ao dizer que os anjos criaram uma obra tão grande e bela independentemente da vontade do Deus supremo, como se os anjos fossem mais poderosos do que Deus e, depois, porque supõem um deus negligente e inferior que não cuida se o que acontece abaixo dele é feito mal ou bem, para impedir e eliminar o mal e aprovar e louvar o bem. Ora, se isto não se diz de homem cuidadoso, tanto menos se deve dizer de Deus. -- Que nos digam então: estas coisas foram criadas no âmbito do seu domínio ou fora dele? Se dizem, fora, enfrentam todos os inconvenientes de que já falamos e o Deus primeiro estará incluído em outro fora dele e deixará necessariamente de ser o supremo. Se dizem, dentro, é inútil afirmar que o mundo foi criado sem que o soubesse e no seu âmbito pelos anjos que também lhe estão submetidos ou que foi por outro qualquer, como se não enxergasse o que acontece abaixo dele nem o que os anjos haviam de fazer. -- Se, porém, não foi fora da sua vontade, mas sabendo e querendo, como pensam alguns, então a causa desta criação já não são os anjos ou um criador do mundo, mas a vontade de Deus. Se ele fez o criador e os anjos, foi também a causa da criação que eles fizeram e evidentemente se deverá dizer que ele fez o mundo por ter disposto as causas da sua criação. Se dizem que os anjos ou o criador foram criados por longa sucessão que tem sua origem no Pai primeiro, como afirma Basílides, então a causa das coisas criadas recai sobre aquele que foi o iniciador da série, assim como o sucesso da guerra é atribuído ao rei que dispôs as causas da vitória, e a fundação de cidade, ou a criação de obra àquele que pôs as causas que levaram à atuação das coisas que foram feitas depois. Por isso não dizemos que o machado racha a lenha ou que a serra corta, mas justamente que é o homem quem racha ou serra, porque fez o machado e a serra com esta finalidade e, antes disso, as peças para fazer o machado e a serra. Por isso, em conformidade com seus argumentos, se deve dizer que o Pai de todos é o Criador deste mundo e não os anjos, nem qualquer outro criador diferente dele que foi o iniciador da série e que pôs a causa primeira desta criação. -- Talvez esta argumentação possa convencer os que não conhecem a Deus e o comparam a homens falhos, incapazes de fazer alguma coisa diretamente sem a ajuda de muitos instrumentos. Mas não pode ser aceito por quem sabe que Deus, sem precisar de nada ou de ninguém, criou e fez todas as coisas pelo Verbo. Com efeito, ele não precisou da ajuda dos anjos para a criação, nem de qualquer potência inferior que desconhecia o Pai, nem de algum rebotalho ou alguma ignorância, para que fosse criado o homem, que era destinado a conhecê-lo. Ele próprio, depois de predeterminar todos os seres em si mesmo, de forma inefável e incompreensível para nós, fê-los como quis, dando-lhes harmonia, ordem e início. Adaptou a cada um a substância própria da sua natureza: aos espirituais deu a natureza espiritual e invisível; aos supracelestes, a celeste; aos anjos, a angélica; aos animais, a animal; aos aquáticos, a aquática; aos terrestres, a terrestre. Tudo o que foi feito ele o fez por intermédio do Verbo infatigável. -- Com efeito, pertence à soberana independência de Deus não precisar de nenhum instrumento para criar as coisas: o seu Verbo é idôneo e suficiente para criar todas, como diz João, o discípulo do Senhor: "Todas as coisas foram feitas por meio dele e nada foi feito sem ele" (Jo 1,3). Em "todas as coisas" está compreendido também este mundo, que foi feito pelo Verbo de Deus, como atesta o livro do Gênesis, o qual diz que Deus fez por meio do Verbo o mundo e o que ele encerra (Cf Gn 1,3 6 9 11 14 20 24 26). Da mesma forma diz Davi: "Porque ele falou e foram feitos, ele mandou e foram criados" (Sl 32,9; 148,5). Em quem havemos de acreditar mais, a respeito da criação do mundo, nestes heréticos de que falamos, que vão palavreando coisas tão tolas e incoerentes, ou nos discípulos do Senhor e em Moisés, profeta e servo fiel de Deus? (Cf Nm 12,7; Hb 3,5). Aquele que, primeiro, contou a origem do mundo dizendo: "No princípio Deus criou o céu e a terra" (Gn 1,1) e depois todo o resto, e não os deuses, nem os anjos. -- O apóstolo Paulo diz que este Deus é o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, com estas palavras: "Único é Deus, o Pai, que está acima de todos, causa de tudo e em cada um de nós" (Ef 4,6). Já demonstramos que há um só Deus e ainda o demonstraremos pelas próprias palavras dos apóstolos e do Senhor. Não será grande falta de bom senso deixar de lado as palavras dos profetas, do Senhor e dos apóstolos para escutar as loucuras destes heréticos? Não são criadores, -- nem um segundo Deus -- Absurdo é o seu Abismo, o seu Pleroma e o Deus de Marcião. Com efeito se, como dizem, há fora deles algo de subjacente que chamam vazio e trevas, este vazio aparece maior do que o seu Pleroma. Também é absurdo dizer que ele contém tudo o que lhe é inferior e que outro fez a criação. Porque, necessariamente, devem admitir um lugar vazio ou informe no interior do Pleroma pneumático no qual foi criado o universo. Ora, este vazio informe foi deixado de propósito porque o Protopai sabia o que fazer com ele, ou então não sabia. Se não sabia, ele não é o Deus onisciente. E nem eles poderiam dizer o motivo por que deixou aquele lugar vazio por tanto tempo. Se sabia tudo antecedentemente e já vira no seu espírito a criação que se devia cumprir naquele lugar, é ele quem a fez depois de a ter prevista em si. -- Cessem, portanto, de dizer que o mundo foi feito por outro: de fato, no mesmo instante em que teve a idéia foi feito o que tinha pensado, visto não ser possível que um tenha a idéia e outro execute o que o primeiro pensou. Ora, segundo estes heréticos, Deus concebeu na sua mente ou um mundo eterno ou um temporal, mas os dois casos são absurdos. Se pensasse num mundo eterno, pneumático e invisível, seria feito exatamente assim. Se, porém, o fez como é, é porque o fez como o tinha pensado; vale dizer: ele o quis diante de si como o pensara, compósito, mutável e transitório. Portanto, se é como o Pai o pensou em si, o mundo é obra digna do Pai. Dizer que a idéia, a concepção e a criação deste mundo, assim como é e que é conforme à idéia que dele teve o Pai de todas as coisas, é produto da ignorância ou da degradação, é proferir enorme blasfêmia. Segundo eles, o Pai de todos, na concepção da sua mente, geraria no seu peito produtos de ignorância e frutos de degradação, por que as coisas foram feitas conforme as pensou. Defeitos no Ser supremo. Trevas e vazio -- Deve-se procurar a causa desta economia de Deus, mas nem por isso se deve atribuir a outro a criação do mundo. Deve-se dizer que todas as coisas foram preparadas antes por Deus para serem feitas como de fato o foram, mas nem por isso se devem inventar as trevas e o vazio. Ainda assim, de onde vem este vazio? Se foi emitido por aquele que, segundo eles, é o Pai e o emissor de todas as coisas, então tem a mesma dignidade e é parente dos outros Éões, e talvez seja até mais velho do que eles. Se foi emitido pelo mesmo Pai, é semelhante ao que o emitiu e àqueles com os quais foi emitido. Há, portanto, necessidade absoluta de que o Abismo e o Silêncio deles sejam semelhantes ao vazio, e por isso vazios, e que os Éões restantes, por serem irmãos do va zio, tenham também a substância do vazio. Se, porém, não foi produzido, ele nasceu de si mesmo, foi gerado de si mesmo e é igual, no tempo, àquele que para eles é o Abismo e o Pai de todas as coisas. Assim o vazio é da mesma natureza, digno da mesma honra que tem, segun-do eles, o Pai de todas as coisas. Portanto, é necessário que o vazio tenha sido produzido por alguém ou por si mesmo produzido e de si nascido. Mas se vazio é o produzido, vazio é o produtor, vazio é Valentim, vazios os seus sectários. Mas se não foi produzido e existe por si mesmo, então o seu vazio é igual, parente e com o mesmo valor que o Pai, de que fala Valentim; é bem mais respeitável, anterior e digno de honra do que todos os outros Éões do próprio Ptolomeu, de Heráclio e de quantos pensam como ele. -- Se surge neles alguma dúvida por causa destes argumentos e reconhecem que o Pai de tudo contém todas as coisas, que fora do Pleroma não há nada, caso contrário o Pai é limitado e circunscrito por alguém maior do que ele; se falam de "fora" ou de "dentro" o fazem conforme o conhecimento ou a ignorância, sem indicar distância local. Se as coisas que sabemos terem sido feitas, foram feitas pelo Demiurgo ou pelos anjos, e estão contidas por uma Grandeza imensa no Pleroma ou no âmbito do Pai, como o centro no círculo ou uma mancha no vestido, então podemos perguntar quem é este Abismo que tolera uma mancha em seu seio e deixa que outro qualquer construa ou produza no seu domínio sem o seu consentimento. Isto acarretaria um inconveniente para o Pleroma inteiro porque podia, desde o início, eliminar a degradação e as emissões por ele iniciadas e não permitir que a criação fosse feita na ignorância, na paixão ou na degradação. Aquele que em seguida corrige a degradação e purifica a mancha poderia não ter permitido, desde o começo, que se produzisse tal mancha no seu domínio. Porém, se permitiu que, no início, as coisas fossem feitas assim porque não podia ser diferente, então sempre devem ser assim. O que não pode ser remediado no princípio como o poderá ser depois? Ou ainda, como podem afirmar que os homens são chamados à perfeição quando as causas que produziram os homens, o Demiurgo ou os anjos, são fruto de degradação? E se, pela sua misericórdia, nos últimos tempos teve piedade dos homens e lhes concedeu a perfeição, deveria ter compaixão primeiro dos que fizeram os homens e conceder-lhes a perfeição. Deste modo também os homens se beneficiariam da sua misericórdia e seriam criados perfeitos por criadores perfeitos. Se teve compaixão da sua obra muito mais a deveria ter tido com eles e não os deveria ter deixado cair em cegueira tão grande. -- Cairia também a sua doutrina da sombra e do vazio nos quais, dizem, foi produzida a nova criação se ela fosse feita no âmbito do Pai. Com efeito, se pensam que a luz paterna pode encher e iluminar todas as coisas que estão dentro dele, como poderia haver vazio e trevas nas coisas contidas no Pleroma e na Luz paterna? Eles deveriam indicar dentro do Pleroma ou no Protopai um lugar não iluminado e ocupado por algo em que os anjos ou o Demiurgo fizeram o que quiseram. E não é lugar pequeno aquele em que foi produzida criação tão grande e extensa. Por isso devem imaginar dentro do Pleroma ou dentro de seu Pai um lugar vazio, informe e tenebroso onde foram criadas as coisas criadas. Então seu lume paterno terá o defeito de não saber iluminar e encher o que está em seu domínio. E mais, chamando estas coisas de produto da degradação e fruto do erro, introduzem o erro e a degradação no Pleroma e no seio do Pai. Ignorância e dependência -- Contra os que dizem que este mundo foi criado fora do Pleroma, isto é, do domínio do Deus bom, aplica-se o que dissemos pouco acima: eles estão fechados com o seu Pai por aquele que está fora do Pleroma, no qual eles também terminam fatalmente. Os que, porém, dizem que este mundo foi criado por outros, mas dentro dos confins delimitados pelo Pai, incorrem nos absurdos e nas inconveniências que acabamos de apontar. Eles são obrigados a admitir que tudo o que está dentro do Pai é luminoso, cheio, operoso ou então a acusar a luz paterna de incapacidade de iluminar todas as coisas, ou ainda a admitir que não só uma parte, mas todo o seu Pleroma é vazio, informe e tenebroso. E as outras coisas desta criação que são desprezadas como temporais e terrenas não o podem ser por estar dentro do Pleroma e no seio do Pai ou então este desprezo atinge todo o Pleroma. E a causa da ignorância encontra-se no seu Cristo. Conforme afirmam, quando formou a natureza da Mãe deles, a expulsou do Pleroma, isto é, separou-a da gnose. Portanto, quem a separou da gnose também causou a ignorância nela. Como poderia ele, que deu a gnose aos outros Éões anteriores a si, ser a causa da ignorância para a sua Mãe, mantendo-a afastada da gnose quando a expulsou do Pleroma? -- Mais ainda: se se está dentro ou fora do Pleroma por causa da gnose ou da ignorância, como alguns dizem estar na gnose quem está dentro do que conhece, devem admitir que o próprio Salvador, que chamam Tudo, esteve na ignorância. De fato, dizem que quando saiu do Pleroma ele formou a sua Mãe; ora, se chamam de ignorância de tudo o que está fora e o Salvador saiu do Pleroma para formar a Mãe dele, encontrou-se fora da gnose de todas as coisas e por isso mesmo na ignorân cia. Como lhe pode conferir a gnose estando fora da gnose? Dizem que nós também, por estar fora da gnose, estamos fora do Pleroma. E ainda: se o Salvador saiu do Pleroma à procura da ovelha desgarrada (Cf Lc 15,4-6) e o Pleroma identifica-se com a gnose, ele ficou fora da gnose, isto é, na ignorância. Por isso, ou se deve entender "fora do Pleroma" em sentido local, e então recai-se em todas as dificuldades apontadas acima, ou entender por gnose o que está dentro e por ignorância o que está fora, o Salvador deles e, muito antes, o Cristo se encontraram na ignorância por terem saído do Pleroma, isto é, da gnose, para formar a sua Mãe. -- Isto vale também contra todos os que de qualquer forma dizem que o mundo foi feito pelos anjos ou por outro qualquer que não o verdadeiro Deus. Com efeito, a crítica que fazem ao Demiurgo acerca das coisas criadas, materiais e temporárias, recai sobre o Pai, porque foi justamente no seio do Pleroma, com consciente anuência do Pai, que foram criadas as coisas destinadas a logo desaparecer. É que a causa desta criação não é o Demiurgo, ainda que ele acredite ser, mas aquele que permite e aprova que sejam produzidos, nos seus domínios, produtos da degradação e obras do erro, coisas temporárias entre as eternas, corruptíveis entre as incorruptíveis, erradas entre as verdadeiras. Se, porém, estas coisas foram feitas sem assentimento e aprovação do Pai de tudo, quem as fez num domínio que não era o seu e sem o assentimento do Pai de tudo é mais poderoso, forte e soberano do que ele. E se for, como dizem alguns, que o Pai lho permitiu sem consentir: ou podia impedir, mas lho permitiu impelido por alguma necessidade ou então não podia. Se não podia, é fraco e incapaz, e se podia, é enganador, hipócrita e escravo da necessidade, porque, mesmo sendo contrário, o permitiu como quem consente. E depois de ter deixado no princípio que o erro aparecesse e se consolidasse, em seguida procura destruí-lo, quando muitos já pereceram por causa da degradação. -- Mas não é conveniente dizer que Deus, que está acima de todas as coisas e é livre e independente, seja escravo da necessidade e haja alguma coisa por ele permitida e não aprovada; do contrário, torna-se a necessidade maior e mais soberana do que Deus, que é o mais poderoso e anterior a tudo. Ele, desde o início, deveria eliminar as causas da necessidade e não tornar-se dependente dela, concedendo algo que não lhe convinha. Seria bem melhor, mais lógico, mais divino eliminar desde o princípio a origem desta necessidade do que depois, como que arrependido, esforçar-se por suprimir os graves efeitos dela. Se o Pai de todas as coisas é escravo da necessidade, fica submetido ao destino e deve suportar, contra a vontade, o que acontece; está incapacitado de fazer alguma coisa que não seja exigida pela necessidade ou pelo destino; fica semelhante ao Júpiter homérico que, constrangido pela necessidade, diz: "Eu te entreguei Tróia de minha livre vontade, mas não de boa vontade" (Cf Homero, Ilíada 4,43). É neste dilema que se encontra o seu Abismo, escravo da necessidade e do destino. Desconhecimento de Deus pelo Criador -- Como podiam os anjos ou o Criador do mundo ignorar o primeiro Deus se estavam nos domínios dele, eram criaturas suas e estavam contidos nele? Podia ser invisível pela sua majestade, mas nunca desconhecido pela sua providência. Ainda que estivesse bem longe deles, como dizem, pela degradação, contudo sendo o seu domínio estendido a todos, deviam conhecer o seu senhor e saber que quem os criou é o dono de todas as coisas. Pois, a sua natureza invisível é tão poderosa que comunica a todos finíssima intuição e sensibilidade da sua majestade altíssima e onipotente (Cf Rm 1,20). E ainda, que ninguém conheça o Pai senão o Filho, nem o Filho senão o Pai e aqueles aos quais o Filho o revelou (Mt 11,27; Lc 10,22), contudo todos o conhecem porque a razão inerente às inteligências as move e lhes revela que existe um único Deus, Senhor de todas as coisas. -- Por isso, todas as coisas estão sujeitas ao Nome do Altíssimo e do Onipotente, e, pela sua invocação, mesmo antes da vinda de nosso Senhor, os homens eram libertos dos espíritos malignos, de todos os demônios e toda apostasia. Não que os espíritos terrestres ou os demônios o tenham visto, mas porque sabem que é o Deus que está acima de todas as coisas (Cf Rm 9,5), que ao nome dele eles tremiam (Cf Tg 2,19) como tremem todas as criaturas, Principados, Potências e toda Virtude que está abaixo dele. Os súditos do império romano, mesmo sem nunca terem visto o imperador e estando consideravelmente separados dele por terras e mares, conheceriam, em razão do império, quem detinha a autoridade máxima; e os anjos que estão acima de nós, ou o que chamam de Criador, não conheceriam o Onipotente quando, à sua convocação, até os animais irracionais tremem e fogem? Até sem tê-lo visto, todas as coisas estão sujeitas ao nome de nosso Senhor (Fl 2,10; 1Cor 15,27), ao nome de quem fez e criou todas as coisas, porque ele e não outro criou o mundo. Por isso, os judeus até hoje expulsam os demônios neste nome, porque todas as coisas têm medo da invocação daquele que as fez. -- Se não quiserem dizer que os anjos são menos racionais do que os animais irracionais, terão que admitir ser necessário que os anjos, mesmo sem terem visto o Deus que está acima de todas as coisas (Cf Rm 9,5), tenham reconhecido o seu poder e a sua soberania. Na verdade, seria ridículo dizer que anjos, que estão na terra, conhecem o Deus que está acima de todas as coisas sem o terem visto e negar conhecer o que anjos conhecem estando tão em baixo, àquele que, segundo eles, criou os anjos e o mundo, e está no mais alto, acima dos céus. A não ser que queiram dizer que o seu Abismo está debaixo da terra, no Tártaro, e por isso o puderam conhecer antes de os anjos que moravam nas alturas. Chegam a tal ponto de insanidade mental que chamam de louco ao Demiurgo, mas, na realidade, é deles que se deve ter compaixão, quando na sua imensa loucura dizem que não conhecem a Mãe, nem a sua semente, nem o Pleroma dos Éões, nem o Protopai, nem o que seriam as coisas que criaram. Estas coisas seriam imagens daquelas que estão dentro do Pleroma, produzidas secretamente pelo Salvador em honra dos Éões superiores. O mundo inferior, cópia e sombra do superior -- Sem que o Demiurgo soubesse absolutamente nada, o Salvador - afirmam eles - honrou o Pleroma na criação quando produziu por meio da Mãe imagens e semelhanças das realidades do alto. Já demonstramos, porém, ser impossível existir fora do Pleroma algo com o qual fossem feitas as imagens do que está dentro do Pleroma e também ser impossível que alguém que não o primeiro Deus criasse este mundo. Contudo, se pode ser difícil refutá-los com os argumentos e convencê-los do erro, diremos, contra eles, que se estas coisas foram criadas pelo Salvador, em honra das realidades superiores e à imagem delas, deveriam existir para sempre, para honrar para sempre o que se queria honrar. Se, porém, são transitórias, o que vale uma honra de tão pouca duração daquilo que há pouco não existia e dentro em breve já não existirá? Podeis então acusar o Salvador de ter antes procurado uma glória fugaz para si do que para os que estão acima. Que honra podem prestar as coisas temporárias às eternas, as transitórias às permanentes, as corruptíveis às incorruptíveis? Até aos homens, que são efêmeros, não agradam honras que cedo desaparecem, mas agradam as que duram o mais possível. Pode-se até dizer que as coisas destruídas, quando acabam de ser feitas, foram criadas mais para a desonra daquele que se queria honrar e ultraja-se o eterno com uma imagem corrompida e estragada. Se a Mãe deles não tivesse chorado e se mostrado alegre e não tivesse caído em angústias, o Salvador não teria a possibilidade de honrar o Pleroma, porque esta extrema angústia não possuiria substância própria para honrar o Protopai. -- Quão vazia é a honra que logo desaparece para não mais voltar! Haverá um tempo em que se julgará que esta honra absolutamente não existiu e então serão desonrados os que estão acima e será necessário outra Mãe que dê à luz no choro e na angústia em honra do Pleroma. Que imagem inverossímil e ao mesmo tempo blasfema! Quereis dizer que o Criador do mundo produziu uma imagem do Unigênito que seria também Nous do Pai de todas as coisas, e que esta imagem ignoraria a si mesma, a criação, a Mãe e tudo o que foi e é criado por ela? Não enrubesceis de vós mesmos, atribuindo a ignorância até ao Unigênito? Se as coisas deste mundo foram criadas pelo Salvador à imagem das coisas do alto e ignorava isso tudo aquele que foi criado à imagem do Unigênito, necessariamente há de haver uma ignorância, segundo um modo pneumático, naquele que foi criado semelhante e naquele outro que ignorava ser ignorante. Gerados ambos de modo espiritual, não plasmados, nem compostos, é impossível que tenham conservado a semelhança nalgumas coisas e perdido noutras, visto que foram produzidos à imagem da geração do alto. Se não for semelhante, a culpa é do Salvador que, como artista incapaz, produziu uma imagem diferente. Tampouco podem dizer que aquele que chamam de Tudo não tinha o poder de fazer emissões. Por isso, segundo dizem, se a imagem é dessemelhante, o artista não presta e a culpa é do Salvador. E se for semelhante, encontra-se a ignorância no Nous do Protopai, isto é, no Unigênito que teria ignorado a si mesmo como Nous do Pai, teria ignorado o Pai e as coisas criadas por ele. Se, porém, conhece tudo isto, necessariamente há de conhecer o que é semelhante ao que foi criado à sua imagem pelo Salvador. E assim fica reduzida a nada, pelos seus próprios argumentos, a sua maior blasfêmia. -- De outro modo, como podem criaturas tão variadas, numerosas e até inumeráveis ser imagem dos trinta Éões que estão no Pleroma, cujos nomes reproduzimos no primeiro livro, assim como eles os nomeiam? Não somente a variedade de todas as criaturas, mas sequer uma parte das coisas celestes, terrestres ou aquáticas poderia comparar-se com a pequenez do seu Pleroma. São eles a dizer que os Éões são trinta; mas então como é que em cada região, antes lembrada, se contam não trinta e sim muitos milhares de espécies de seres, como qualquer poderia mostrar? Como podem criaturas tão numerosas, compostas de elementos contrários, que se opõem e destroem entre si, ser imagem e semelhança dos trinta Éões do Pleroma que, como dizem, são iguais, semelhantes e sem nenhuma diferença? Se umas são imagens das outras e se, como dizem, por natureza há homens bons e homens maus, é necessário admitir estas diferenças nos Éões e dizer que alguns deles foram feitos bons por natureza e outros maus, para que a sua teoria das imagens corresponda aos Éões. Ainda: como no mundo há seres mansos e outros ferozes, seres inofensivos e outros violentos e destruidores, alguns terrestres, outros aquáticos, outros voláteis, outros celestes, assim os Éões devem ter as mesmas qualidades, se aqueles são imagens destes. E devem dizer de qual dos Éões é imagem aquele fogo eterno que o Pai preparou para o diabo e os seus anjos, porque ele também pertence às coisas criadas. -- E se disserem que estas coisas são imagens da Entímese do Éon que experimentou a paixão, ofendem primeiramente sua Mãe, tornando-a iniciadora de imagens corruptíveis e más e, ademais, como podem ser imagens da única e idêntica substância estas muita coisas, diversas e contrárias por natureza? Poderão dizer que no Pleroma os anjos são muitos e que a multiplicidade das coisas é a imagem deles, mas nem mesmo assim têm razão. Com efeito, devem antes demonstrar que as diferenças entre os anjos e o Pleroma têm propriedades contrárias como são contrárias entre si, na sua natureza, as imagens tiradas deles. Ainda, sendo multidão inumerável os anjos em volta do Criador, como dizem todos os profetas: dezenas de milhares de milhões estão junto a ele e muitos milhares de milhões servem-no (Cf Dn 7,10) e, segundo eles, os anjos do Pleroma têm por imagens os anjos do Criador, a criação continua, na íntegra, imagem do Pleroma, porque os trinta Éões não correspondem à multiforme variedade da criação. -- Ainda mais: se estas coisas foram feitas à imagem deles, eles foram feitos à imagem do quê? Se o Criador do mundo não as fez de sua cabeça, mas como artesão sem capacidade ou como aprendiz qualquer as copiou de outros arquétipos, de onde o Abismo deles tirou a idéia da primeira disposição das coisas que fez? Logicamente, deve ter recebido o modelo de outro que estava acima dele, e este de outro; assim se vai ao infinito na série das imagens e dos deuses se não se admitir um Artífice ou um Deus que sozinho criou todas as coisas. Admite-se que os homens inventam algo de útil para a vida, então por que não se concede que Deus, o criador do mundo, tenha tido a idéia das coisas criadas e a originalidade da sua ordem? -- Como são estas coisas imagens deles se são tão diferentes e sem alguma relação com eles? Com efeito, coisas contrárias podem ser nocivas àquelas de que são contrárias e de forma alguma serão a imagem, como a água e o fogo, a luz e as trevas, e muitas outras nunca serão imagem uma das outras. Assim, as coisas corruptíveis, terrenas, compostas, transitórias, não podem ser imagem das que, como dizem eles, são realidades pneumáticas, a não ser que admitam que estas também sejam compostas, limitadas, corpóreas e não espirituais, sem forma, ricas e intocáveis. É necessário que tenham aparência e contornos para serem imagens verdadeiras e, neste caso, está excluído serem espirituais. Se, porém, disserem que são espirituais, indefinidas e incompreensíveis, como podem coisas com forma e limitadas ser imagem das indefinidas e incompreensíveis? -- Se disserem que são imagem não por causa da figura ou da forma, e sim pelo número e a ordem de emissão, então deve-se logo afirmar que não são imagem e semelhança dos Éões do alto: se não têm a figura nem a forma deles, como lhes podem ser imagem? Ademais, experimentem fazer coincidir o número das emissões dos Éões do alto com o dos seres criados. Por enquanto, ao estabelecer trinta Éões e ao afirmar que a grande multiplicidade das coisas criadas são imagens dos trinta, certamente merecem que os qualifiquemos de insensatos. Nosso mundo, sombra do superior -- Se as coisas deste mundo são sombra e imagem do alto, como ousam dizer alguns deles, é necessário que admitam também que eles são corpos. Com efeito, são os corpos situados no alto que fazem sombra, porque os espirituais não podem fazer sombra a ninguém. Mas admitamos, o que é impossível, que haja uma sombra das coisas espirituais e luminosas na qual teria descido, como dizem, a sua Mãe. Neste caso, visto que aquelas coisas são eternas, é eterna também a sombra que produzem e, as coisas daqui não passam, mas perduram tanto quanto as realidades das quais elas são as sombras. Se, porém, essas são transitórias, também devem ser transitórias as de que são a sombra; mas se as coisas do alto perduram, também perdura a sua sombra. -- Se querem falar de sombra não em sentido literal, mas no sentido de que as coisas daqui estão muito afastadas daquelas, então atribuem à Luz do Pai a fraqueza e a incapacidade de atingi-las, por não conseguir encher o vazio e fazer desaparecer as trevas, ainda que ninguém lho impeça. Segundo eles, a Luz do Pai se transformaria em trevas e desapareceria, apagando-se no vazio, por não poder encher o vazio. Então o seu Abismo não é mais o Pleroma, porque não encheu o vazio e não iluminou as trevas ou devem deixar de lado a sombra e o vazio, visto que a Luz do Pai enche todas as coisas. -- Assim, pois, não pode haver nada fora do primeiro Pai, isto é, do Deus que está acima de todas as coisas ou Pleroma, nada em que, como dizem, teria descido a Entímese do Éon apaixonado, se não se quiser que o próprio Pleroma, ou primeiro Deus, seja limitado, definido ou contido por algo fora dele. Tampouco pode haver o vazio ou a sombra, porque o Pai não é alguém a quem venha a faltar a luz ou que ela acabe no vazio. É irracional e ímpio imaginar um lugar em que acabe aquele que é, segundo eles, o primeiro Pai e princípio, Pai de todos e também do Pleroma. Por outro lado, não se pode dizer que outro qualquer tenha produzido toda esta criação no seio do Pai, com ou sem o assentimento dele, pelos motivos vistos acima. Seria irreverência e, ao mesmo tempo, loucura, sustentar que uma criação tão imponente foi feita pelos anjos ou por alguma emissão que ignorava o verdadeiro Deus, justamente quando estava nos domínios dele. Nem é possível que as coisas terrenas e materiais tenham sido criadas dentro do Pleroma, que é todo espiritual, e tampouco que as coisas numerosas e contrárias da criação sejam imagens dos que, como dizem eles, são poucos, iguais na natureza e formam unidade. Manifestou-se errado tudo o que dizem da sombra e do vazio e também foi mostrado vazio o seu raciocínio e inconsistente a sua teoria e, por isso mesmo, vazios os que lhes prestam atenção e prestes a cair no abismo da perdição. Testemunho universal em favor do Deus criador -- É evidente que Deus é o criador do mundo também para os que o negam de muitas maneiras, chamando-o Criador ou anjo, para não falar que as Escrituras todas o proclamam, e o Senhor ensina que este Deus é o Pai que está nos céus (Cf Mt 5,16 45; 6,1 9) e não outro, como demonstraremos ao longo do discurso. Por enquanto, basta-nos assinalar o testemunho dos que nos contradizem, que concorda com o consenso de todos os homens, a começar pelos antigos, que receberam do primeiro homem a tradição, guardaram-na e cantaram hinos ao Deus único, criador do céu e da terra e, em seguida, pelos outros que vieram depois deles, aos quais os profetas de Deus relembram continuamente esta verdade, e pelos pagãos que a aprenderam da própria criação. Ela mostra quem a criou, a obra aponta o seu autor, o mundo revela quem o pôs em ordem. E a Igreja dispersa pelo mundo inteiro recebeu dos apóstolos esta tradição. -- Portanto, consta e é testemunhada por todos a existência de Deus assim como não consta e não é testemunhado o Pai que é, sem dúvida, uma invenção deles. Foi Simão, o mago, o primeiro a declarar que ele era o Deus que está acima de todas as coisas e que o mundo foi criado pelos seus anjos; e, depois dele, os seus seguidores, como já dissemos no primeiro livro, propalaram a doutrina, com afirmações ímpias e blasfematórias contra o Criador; e os discípulos destes tornaram piores do que os pagãos os que os escutam. Os pagãos "servem às criaturas antes que ao Criador" (Rm 1,25) e aos que não são Deus (Gl 4,8), mas atribuem o mais alto grau de divindade ao Deus criador do universo. Enquanto estes chamam o Criador de fruto da degradação, de psíquico e desconhecedor da Potência que está acima dele e, quando diz: "Eu sou Deus e, afora eu, não há outro Deus" (Is 46,9), tacham-no de mentiroso. São eles os verdadeiros mentirosos que lançam a ele toda a sua perversidade, e imaginando, segundo a sua doutrina, um ser que não existe acima daquele que é (Cf Êx 3,14), eles também são blasfemadores do Deus que é, e os inventores de um Deus que não é, para a sua própria condenação. E eles que se dizem perfeitos e possuidores da gnose de todas as coisas, na realidade são piores do que os pagãos e, nos seus pensamentos, mais blasfemos, porque se dirigem contra o seu Criador. Ironia sobre a atividade criadora de Acamot -- É, portanto, completamente irracional abandonar o verdadeiro Deus, testemunhado por todos, para procurar acima dele um deus que não existe e que nunca ninguém anunciou. Que nunca foi dito nada dele, eles mesmos o confirmam e se apresentam um deus que nunca antes foi procurado, é evidente que o fazem aplicando arbitrariamente a um deus inventado por eles parábolas que precisam de explicação para serem entendidas. Pelo fato de quererem explicar passagens difíceis das Escrituras, não porque se refiram a outro Deus, mas aos seus planos, produziram para si outro deus, como já dissemos, trançando redes com areia, e de uma questão pequena fizeram surgir outra de maior importância. Não se dirime uma questão propondo a solução de outra, e pessoas de bom senso não usam de obscuridades para clarear obscuridades, nem de enigmas para resolver enigmas, mas estas coisas são resolvidas a partir do que é manifesto, adequado e claro. -- Estes, porém, ao quererem explicar as Escrituras e as parábolas, introduzem outra questão mais ampla e ímpia, isto é, se acima do Deus criador do mundo há outro deus. Assim não resolvem a questão, nem o poderiam, se introduzem numa pequena questão outra considerável, dando um nó que não se pode desatar. De fato, para mostrar que sabem por que o Senhor foi receber o batismo da verdade justamente aos trinta anos, sem o saber, desprezam sacrilegamente o próprio Deus criador que o enviou para a salvação dos homens. E para que se pense que são capazes de explicar a origem da substância material, ao invés de acreditar que Deus criou do nada (Cf 2Mc 7,28) todas as coisas e as fez existir como quis (Cf Sb 1,14), servindo-se da sua vontade e poder como substância, ajuntaram discursos vazios, demonstrando claramente a sua incredulidade. Assim, não prestando fé nas coisas reais caíram no irreal. -- Quando dizem que das lágrimas de Acamot se originou a substância úmida, do riso a luminosa, da tristeza a sólida e do medo a móvel, enchem-se de orgulho por tão alta sabedoria, como podem evitar a troça e o ridículo? Os que não acreditam que Deus, poderoso e rico de todas as coisas, criou a matéria porque não conhecem o poder da substância espiritual e divina, vêm depois a dizer que foi a sua Mãe, que chamam Mulher de mulher, a produzir toda a matéria da criação, quando submetida às paixões de que falamos antes. Eles querem saber onde o Criador foi buscar a matéria da criação, mas não se perguntam onde a sua Mãe, que chamam de Entímese e ímpeto do Éon desgarrado, encontrou tantas lágrimas e tanto suor e tristeza para produção tão grande de matéria. -- Atribuir a substância das coisas criadas ao poder e à vontade do Deus de todas as coisas seria crível, aceitável e coerente. Aqui é possível dizer com propriedade: "as coisas impossíveis aos homens são possíveis a Deus" (Lc 18,27), porque os homens não podem fazer nada com nada, mas somente com matéria preexistente. Deus, porém, é superior ao homem porque cria a matéria da sua criação, que antes não existia. Dizer, ao contrário, que a matéria foi produzida pela Entímese do Éon desgarrado, separado por grande distância dela, e que as paixões e a disposição da Entímese saídas dela se tornaram matéria é algo de inacreditável, fátuo, impossível e absurdo. -- Eles não crêem que este Deus que está acima de todas as coisas criou pelo Verbo, no seu domínio, as várias e diversas coisas, como quis, por ser o Criador de tudo, o supremo arquiteto e o maior dos reis; mas acreditam que os anjos ou alguma Potência separada de Deus, que não conheciam, tenham feito este universo. Assim, não acreditando na verdade e revolvendo-se na mentira, perderam o pão da verdadeira vida, e caíram no vazio e no abismo de sombra, semelhantes ao cão de Esopo que se lançava sobre a sombra de quem lhe dava o pão, perdendo a comida. Pelas próprias palavras do Senhor é fácil demonstrar que ele admite um só Pai (Cf Mt 11,25), criador do mundo, modelador do homem, anunciado pela Lei e os profetas; que o Senhor não conhecia nenhum outro e que o Pai é o Deus que está acima de todas as coisas; que mostra e comunica a todos os justos, por meio dele, a filiação adotiva, em relação ao Pai, que é a vida eterna (Cf Jo 17,2-3). -- Mas como gostam de criticar e de confundir o que está claro, apresentando-nos uma infinidade de parábolas e questões, houvemos por bem questioná-los, por nossa vez, em primeiro lugar sobre as suas doutrinas, para mostrar as suas invenções inverossímeis, acabar com seu descaramento e depois citar as palavras do Senhor para que não se limitem a propor questões, mas incapazes de responder sensatamente às perguntas que lhes são feitas e vendo desfeitas as suas argumentações, voltem à verdade, humilhem-se, renunciem às suas fantasias multiformes, obtenham o perdão de Deus das suas blasfêmias contra ele e se salvem. Ou então, se perseverarem no orgulho que se instalou nas suas almas, ao menos mudem a sua argumentação. A Triacôntada e suas proliferações -- Primeiramente, no que se refere a Triacôntada, por causa da qual dizem que o Senhor foi receber o batismo aos trinta anos (Cf Lc 3,23), diremos que ruirá completa e espetacularmente de duas maneiras, por defeito e por excesso. Eliminada esta, ficará clara a refutação de toda a sua argumentação (Ireneu objetiva, doravante até o número 19, evidenciar o quanto são ridículas as teogonias pagãs e absurdas as teorias dos Éões). Por defeito É assim que peca por defeito. Primeiramente porque incluem o Protopai entre os outros Éões. O Pai de todos não pode ser incluído entre o resto dos Éões, ele que não foi emitido entre as coisas emitidas, ele que é inato entre os nascidos, ele que não pode ser contido e é incompreensível entre aquilo que ele contém, ele que é sem forma entre os que foram formados. Por ser superior aos outros não pode ser incluído entre eles e menos ainda pode ser colocado ao lado de um Éon passível e caído no erro aquele que é impassível e incapaz de erro. No livro anterior expusemos como eles contam a Triacôntada começando pelo Abismo para chegar à Sofia, que chamam Éon desviado, e reproduzimos os nomes que dão aos Éões. Ora, se subtraírmos o Pai, já não há trinta emissões de Éões, e sim vinte e nove. -- Em segundo lugar, chamando a primeira emissão de Enóia ou Silêncio e dizendo que dela foram emitidos o Nous e a Verdade eles erram duplamente. De fato, é impossível entender o pensamento ou o silêncio de alguém separado dele e emitidos fora dele, tendo consistência própria. Se, porém, dizem que não foi emitida por fora, mas ficou unida ao Protopai porque a incluem entre os Éões, que não lhe estão unidos, e por isso não lhe conhecem a grandeza. Se ela lhe está unida, consideremos isso também, é necessário que desta sizígia unida, inseparável, único ser, seja feita uma emissão igualmente inseparável e unida, igual a quem a emitiu. Sendo assim, tanto o Nous e a Verdade como o Abismo e o Silêncio serão a mesma coisa, sempre aderentes entre si, sem se poder entender um sem a outra. Assim como a água não é separada da umidade, o fogo do calor e a pedra da dureza, porque são coisas inseparáveis, que sempre existem juntas, assim também o Abismo deve ser unido à Enóia como o Nous à Verdade. Por sua vez, o Logos e a Zoé, emitidos por seres tão unidos, deverão estar unidos e ser uma coisa só. Do mesmo modo também o Homem e a Igreja e toda a emissão dos outros Éões, feita aos pares, devem estar unidos e existir sempre um com o outro. Segundo eles, o Éon feminino deve estar com o masculino para ser o complemento deste. -- Estando assim as coisas e sendo estas as suas afirmações, é ousadia impudente ensinar que o Éon mais novo da Duodécada, aquele que chamam Sofia, sentiu a paixão sem se unir ao cônjuge, que chamam Teleto, e sem ele gerou um fruto a que dão o nome de Mulher de mulher. Chegaram a tal ponto de loucura que expuseram, da maneira mais evidente, duas teorias contrárias sobre o mesmo assunto: se o Abismo é unido ao Silêncio, o Nous à Verdade, o Logos à Vida e assim a seguir, como podia Sofia, sem amplexo conjugal, sentir a paixão e procriar? Se ela a provou sem ele, necessariamente os outros casais devem experimentar também a defecção e a separação mútuas. Mas isso é impossível, como dissemos acima. É impossível, portanto, que Sofia provasse paixão sem Teleto. Por isso cai de novo o seu argumento: da paixão que provou sem amplexo conjugal, como dizem, é que inventaram toda a composição do seu drama. -- Se admitirem despudoradamente que também as outras sizígias estão separadas e distintas entre si, para que não seja invalidado o seu vanilóquio por causa da última sizígia, então começam por sustentar uma coisa impossível, isto é, como separar o Protopai da sua Enóia, ou o Nous da Verdade, ou o Logos de Zoé e assim a seguir os outros todos. Por outro lado, como podem afirmar que caminham para a unidade e que todos são uma coisa só, se as sizígias dentro do Pleroma não conservam a unidade e estão distantes umas das outras e não obstante sentem a paixão e geram sem o amplexo do outro, como galinhas sem galo? -- Por fim, cai também a Ogdôada primitiva e fundamental, porque se encontrariam, estranhamente, no mesmo Pleroma o Abismo e o Silêncio, o Nous e a Verdade, o Logos e a Zoé, o Homem e a Igreja. É impossível haver o Silêncio quando está presente o Logos ou o Logos quando está presente o Silêncio, porque se eliminam mutuamente, como a luz e as trevas nunca estarão no mesmo lugar. Se houver luz não haverá trevas: ao aparecer a luz desaparecem as trevas. Assim, onde está o Silêncio não pode estar o Logos e onde está Logos não pode estar o Silêncio. Se disserem que se trata do Logos interior, também o Silêncio será interior, e será excluído pelo Logos interior. Mas que não seja interior é indicado pelo próprio sistema de emissões. -- Não digam, portanto, que a primeira e principal Ogdôada inclui o Logos e o Silêncio e exclui ou o Logos ou o Silêncio: desfaz-se assim a primeira e principal Ogdôada. Com efeito, se dizem que as sizígias formam unidade, perde valor toda a sua argumentação: se estão unidas, como a Sofia pode gerar sem cônjuge um fruto de degradação? Se, ao contrário, dizem que cada um dos Éões possui sua própria substância na emissão, como podem estar juntos o Silêncio e o Logos? Assim a Triacôntada peca por defeito. Por excesso -- A Triacôntada também se lhes desfaz por excesso, desta forma. Dizem que o Unigênito emitiu, como os outros Éões, o Limite, ao qual dão vários nomes como já dissemos no livro anterior. Para alguns foi o Unigênito a emitir o Limite, para outros foi o Protopai que o emitiu à sua semelhança. Mais: pelo Unigênito foram emitidos Cristo e o Espírito Santo, que não são contados no Pleroma, como também não está incluído o Salvador, a quem chamam o Tudo. Ora, até um cego pode perceber que não há somente trinta emissões, de acordo com o seu sistema, e sim trinta mais quatro, pois contam o próprio Protopai no Pleroma e os Éões emitidos, sucessivamente, um a partir do outro. Por que estes não estão incluídos entre os que estavam no Pleroma e foram emitidos da mesma forma? Qual é a boa razão que têm para não incluir entre os outros Éões o Cristo, que por vontade do Pai dizem ser emitido pelo Unigênito, nem o Espírito Santo, nem o Limite, que também chamam Salvador, nem o próprio Salvador, vindo para socorrer e formar-lhes a Mãe? Serão estes inferiores àqueles e por isso indignos do nome e da pertença aos Éões? Ou porque são melhores ou diferentes? Mas como lhes seriam inferiores eles que foram emitidos para formar e corrigir os outros? E como podem ser superiores à primeira e principal Tétrada da qual foram emitidos? Com efeito ela está incluída no número supradito. Portanto, estes também devem estar incluídos no Pleroma dos Éões ou então deve-se tirar a honra de tal nome àqueles Éões. -- Desfeita, portanto, a Triacôntada, como demonstramos, por defeito e por excesso - porque se tal número aumenta ou diminui, muda seu valor nos dois casos, o que se deve dizer quando isto se dá simultaneamente? - é absurda a história da Ogdôada e da Duodécada e a sua regra não se sustenta, por ter perdido o seu fundamento e ter desmoronado no Abismo, isto é, no nada. Procurem, portanto, outras razões que mostrem por que o Senhor foi ao batismo aos trinta anos, por que tinha doze apóstolos, por que a mulher sofria de hemorragias há doze anos e o porquê de tudo o que, no seu delírio, foram construindo em vão. Primeira série de emissões -- Demonstraremos agora que também a primeira série de emissões deve ser rejeitada. Do Abismo e da sua Enóia foram emitidos o Nous e a Verdade, dizem eles, e nós mostraremos que é absurdo. O Nous, com efeito, é o elemento principal, máximo, origem e fonte de toda atividade intelectual e a Enóia é todo e qualquer movimento derivado dele que se concretizou. Não é possível, portanto, que o Nous se tenha originado do Abismo e da Enóia. Mais certo seria dizer que o Protopai e o Nous emitiram a filha Enóia, porque a Enóia não é a Mãe do Nous, como dizem, mas o Nous é pai da Enóia. Como então o Nous pode ser emitido pelo Protopai? Se ele ocupa o primeiro e principal lugar da sensação interna, oculta e invisível da qual procedem o sentir, a Enóia, a Entímese e aquelas coisas que não se distinguem do Nous, mas são, como dissemos acima, diferentes atitudes deles mesmos no processo do pensamento e têm nomes diferentes conforme perduram ou se intensificam e não segundo aquilo em que se transformam; eles são contidos no pensamento, emitidos juntos no verbo, enquanto o intelecto permanece no interior criando, administrando e governando livremente, com autoridade própria e da forma que quer, as coisas ditas acima. -- O primeiro movimento para alguma coisa chama-se "pensamento"; continuando a desenvolver-se e apreendendo toda a alma chama-se "consideração"; perdurando longamente no mesmo objeto, como que experimentada, chama-se "reflexão"; a reflexão muito prolongada torna-se "deliberação"; o aumento e o grande movimento de deliberação chama-se "discussão do pensamento" que, enquanto está na mente, é chamado retamente "verbo interior", do qual deriva o "verbo falado". Tudo isso que acabamos de dizer é coisa que inicia do intelecto, recebe nomes diversos enquanto se intensifica. É como no corpo humano que é, vez por vez, juvenil, viril e senil e recebe estes nomes em vista do desenvolvimento e da duração, e não segundo mutações substanciais ou o desaparecimento. Assim também aqui: o que se contempla é o que se pensa; o que se pensa é o que se sabe; o que se sabe é o que se delibera; do que se delibera se discute interiormente e disto se fala. Tudo isto, como dissemos, é dirigido pelo Nous que é invisível e emite de si, por meio das coisas mencionadas, como um raio de luz, o verbo, enquanto ele não é emitido por ninguém. -- Tudo isto se pode dizer do homem, que por sua natureza é composto de alma e de corpo. Aqueles, porém, que dizem que Deus emitiu a Enóia, a Enóia o Nous e este o Logos devem ser condenados precisamente por tratar das emissões de maneira imprópria e depois por desconhecer a Deus, ao descrever sentimentos, paixões e intenções que são próprios do homem. De fato, aplicam ao Pai de todas as coisas, que dizem desconhecido de todos, o que acontece no homem ao falar, e negam também que tenha criado o mundo para não ser julgado pequeno, e depois, lhe atribuem os sentimentos e as paixões do homem. Se, porém, tivessem conhecido as Escrituras e tivessem sido instruídos pela verdade, saberiam que Deus não é como os homens e que os seus pensamentos não são como os dos homens (Cf Is 55,8-9). O Pai de todas as coisas está bem longe dos sentimentos e das paixões humanos; é simples, sem composição e sem diversidade de membros, inteiramente igual e semelhante a si mesmo, é todo intelecto, todo espírito, todo sentimento, todo percepção, todo razão, todo ouvido, olho, luz e todo fonte de todos os bens, como falam de Deus as pessoas piedosas e religiosas. -- Deus está acima de tudo isto e por isso é inexprimível. Será chamado retamente intelecto que abrange todas as coisas mas não semelhante ao intelecto humano; será chamado justissimamente luz, mas completamente diferente do que nós conhecemos por luz. Assim o Pai de todas as coisas, em nenhuma das outras coisas será semelhante à pequenez do homem; será nomeado a partir dessas coisas, pela sua benevolência, mas é tido superior a elas pela sua grandeza. Se, portanto, nos homens o intelecto não é emitido nem separado do vivente, ele que emite todas as coisas, mas somente os seus movimentos e disposições chegam a manifestar-se, muito mais é verdade em Deus que é inteiramente intelecto: não se separará de si mesmo nem será emitido, como uma coisa, de outra qualquer. -- Se Deus tivesse emitido o Nous como eles dizem, seria pensado como composto e corpóreo, isto é, de um lado, Deus que emite, e do outro, Nous que é emitido. Se, porém, disserem que o Nous foi emitido por outro intelecto, então dividem e separam o Intelecto de Deus. Mas de onde e para onde seria emitido? O que é emitido por alguém, o é em algum sujeito. Ora, qual sujeito mais antigo do que o Intelecto de Deus em que ele seria emitido? Como haveria de ser grande o lugar que acolheu e encerrou em si o Intelecto de Deus! Se disserem que é emitido como é emitido do sol um raio de luz e é recebido pelo ar que existe antes dele, então onde encontrarão eles aquele sujeito em que foi emitido o Intelecto de Deus, que o contenha e lhe seja anterior? Ainda: como vemos o sol, longe e menor que as outras coisas, emitir seus raios de luz, assim devemos dizer que o Protopai emitiu de longe e fora de si um raio. Como então se pode pensar nalguma coisa longe ou fora de Deus, onde ele emitisse um raio? -- Se, além disso, disserem que não foi emitido fora, mas dentro do próprio Pai, é completamente supérfluo dizer que foi emitido, pois como se pode dizer emitido o que estava dentro do Pai? A emissão supõe a manifestação do emitido fora do emissor. Depois desta emissão também o Logos que deriva dela estará dentro do Pai como também deverão estar as restantes emissões do Logos. Por isso não poderão ignorar o Pai porque estão nele, como também o conhecerão mais ou menos conforme a ordem de emissão, porque todos estão envolvidos, por todos os lados, pelo Pai. E serão todos igualmente impassíveis, estando todos no seio do Pai e nenhum deles na degradação, porque no Pai não há degradação. A não ser que digam que como um círculo menor está contido num maior e dentro dele outro menor, ou que à semelhança das esferas ou dos tetrágonos, que abrangem esferas ou quadrados, o Pai contém dentro de si todas as outras emissões dos Éões. Então cada um deles seria incluído num maior e por sua vez incluiria um menor e por isso o último, o menor, que está no centro, seria tão afastado do Pai que não teria conhecido o Protopai. Ao dizer isso incluem o seu Abismo na série dos figurados e circunscritos, tornando-o, ao mesmo tempo, incluinte e incluído e então são obrigados a admitir fora dele alguma coisa que o contenha e assim a levar ao infinito o discurso sobre o que contém e o que é contido e ficará claro que todos os Éões são como corpos fechados dentro de limites. -- Mais ainda: ou declararão que é vazio ou que tudo o que lhe está dentro participa igualmente do Pai. Como os círculos ou as figuras redondas ou quadradas feitas na água participam todas da água, como as coisas construídas no ar ou na luz necessariamente fazem parte do ar ou da luz, assim aqueles que estão dentro dele participam do mesmo modo do Pai e não pode haver lugar neles para a ignorância. Onde está a ação do Pai que enche tudo? Se ele encheu tudo, aí não haverá lugar para a ignorância. Resolvida está assim toda a teoria da degradação, da emissão da matéria e da restante criação do mundo, que dizem ter-se originado da paixão e da ignorância. Ao dizer que é vazio caem na maior das blasfêmias por negar o que nele é espiritual. Como seria espiritual se não pode ao menos encher o que está dentro dele? -- Tudo o que foi dito da emissão do Nous vale da mesma forma contra o que os discípulos de Basílides tiraram dele e contra todos os gnósticos, dos quais estes aceitaram a origem das emissões e que já foram refutados no primeiro livro. Que a emissão primeira do Nous, isto é, o Intelecto, é absurdo e impossibilidade, está exaustivamente demonstrado. Vejamos agora as outras emissões. Dizem que o Nous emitiu o Logos e a Zoé, criadores do Pleroma, e tirando a idéia da emissão do Logos, isto é, o Verbo, dos sentimentos dos homens e tentando aplicá-la a Deus, como se tivessem feito grande descoberta, dizem que o Logos foi emitido pelo Nous. Mas todos vêem que, se está certo em relação aos homens, já não está certa esta ordem de emissão em relação a Deus, que está acima de todas as coisas, que é todo Nous e todo Logos, como dissemos, e no qual não existe nada de anterior, de posterior ou de diverso, sendo sempre perfeitamente igual, idêntico e único. Assim como não erra quem o diz todo visão e todo audição, porque ao ver simultaneamente ouve e, ouvindo, vê, assim também quando diz que é todo Intelecto e todo Verbo, que é Verbo ao mesmo tempo que Intelecto e que este Intelecto é idêntico a seu Verbo; ainda que diga algo a menos do Pai de todas as coisas, contudo o que diz é mais conveniente do que fazem os que transferem no Verbo eterno de Deus o modo de emissão da palavra humana, conferindo-lhe inícios e emissões por fora semelhantes à sua palavra. Mas em que se diferenciaria o Verbo de Deus, ou melhor, o próprio Deus, será ele superior ao verbo humano, se tem a mesma ordem de sucessão e o mesmo modo de emissão? -- Erram também acerca da Zoé ao dizer que é emitida em sexto lugar, quando era necessário pô-la antes de todos, porque Deus é vida, incorrupção e verdade. Estas coisas não foram emitidas segundo ordem descendente, mas são denominações das potências perpetuamente vizinhas a Deus, como é possível e digno para os homens ouvir e falar de Deus. No nome de Deus, de fato, estão compreendidos o Nous, o Logos e a Zoé, incorrupção, verdade, sabedoria, bondade e todos os atributos semelhantes. Tampouco se pode dizer que o Nous seja anterior a Zoé porque o Nous é vida, nem que a Zoé é posterior ao Nous para que este, em nenhum momento, fique sem vida, ela que é o intelecto que abrange todas as coisas, isto é, Deus. Mas se dizem que no Pai estava a Zoé e que foi emitida em sexto lugar para que o Logos vivesse, era preciso que fosse emitida bem antes, no quarto lugar, para que o Nous vivesse e até mais cedo ainda com o Abismo para que o Abismo vivesse. Juntar o Silêncio ao Protopai como cônjuge e não lhe acrescentar a Zoé, como não seria a maior burrice? -- Quanto àquela que, segundo eles, é a emissão seguinte, a do Homem e da Igreja, os próprios pais, falsamente chamados gnósticos, disputam entre si a autoria da teoria, uns acusando os outros de plagiários desajustados. E dizem que é mais conveniente para a emissão, por ser mais verossímil, que o Logos seja emitido pelo Homem e não o Homem pelo Logos, e que o Homem é anterior ao Logos e que é ele o Deus que está acima de todas as coisas. Assim, como dissemos, supondo, por verossimilhança, em Deus todos os sentimentos e movimentos da alma, gerações internas e prolação da palavra que estão no homem, erram de modo inverossímil contra Deus. Atribuindo a Deus o que há no homem e que eles experimentam em si mesmos, dão a impressão, para quem não conhece a Deus, de raciocinar corretamente e transviam as suas mentes, com o que acontece com as paixões humanas. Explicando que a origem e a emissão do Verbo de Deus se dão em quinto lugar, dizem que ensinam mistérios maravilhosos, inefáveis, profundos, não conhecidos de mais ninguém, a respeito do que o Senhor teria dito: "Procurai e encontrareis" (Mt 7,7). Assim é que procuram saber se do Abismo e do Silêncio procedem o Nous e a Verdade e se destes o Logos e a Zoé, e a seguir, do Logos e de Zoé, o Homem e a Igreja. Testemunho dos poetas antigos -- Com muito maior verossimilhança e elegância fa lou da origem do mundo um dos antigos comediógra fos, Aristófanes, na sua Teogonia. Ele diz que a Noite e o Silêncio emitiram o Caos e depois, o Caos e a Noite, Cupido; e este, a Luz e depois, segundo ele, todos os outros deuses da primeira geração. Depois disso, o cômico introduz segunda geração de deuses, a criação do mundo e conta a modelagem do homem por estes deuses. Apropriando-se deste mito, os heréticos trataram-no como algo natural, mudaram os nomes, conservando, porém, o princípio e a produção do universo. À Noite e ao Silêncio deram o nome de Abismo e Silêncio, ao Caos o de Nous, a Cupido, que para o cômico teria composto todas as coisas, o de Logos. No lugar dos primeiros e máximos deuses colocaram os Éões, e aos segundos deuses atribuíram a atividade exercida fora do Pleroma pela Mãe dos Éões, que chamam segunda Ogdôada, da qual, à semelhança deles, foi feita a criação do mundo e a modelagem do homem. Dizem que somente eles conhecem estes mistérios inefáveis e ignorados, e o que nos teatros é representado com esplêndidas invenções pelas máscaras, eles o acomodam à sua teoria, ou melhor, conservam aqueles mesmos assuntos, mudando somente os nomes. -- E não somente temos argumentos para dizer que apresentam como de sua autoria o que se encontra nos cômicos, mas também o que foi dito por todos que não conhecem a Deus e são denominados filósofos. Amontoando e costurando juntas muitas peças esfarrapadas, como num centão, fabricaram para si uma aparência fictícia à custa de falatório sutil. E a nova doutrina que ensinam, elaborada pacientemente, com arte nova, no fundo é velha e inútil, porque costuraram juntas velhas crenças, que cheiram a ignorância e irreligiosidade. Tales de Mileto disse que a origem e o princípio de todas as coisas era a água: dizer água ou Abismo é a mesma coisa. O poeta Homero definiu o Oceano como a origem dos deuses e Tétis como a mãe (Cf Homero, Ilíada 14,201) deles e os hereges os transformaram em Abismo e Silêncio. Anaximandro estabeleceu como causa primeira de todas as coisas o infinito, que continha em si, como semente, a origem delas e do qual, como diz, procederam inumeráveis mundos: estes também foram convertidos em Abismo e nos seus Éões. Anaxágoras, que recebeu a alcunha de ateu, ensinou que os viventes se originaram de sementes caídas do céu na terra e eles as transformaram nas sementes da sua Mãe, acrescentando que eles próprios eram estas sementes. Com o que, admitem, para quem tem juízo, que eles são as sementes do ateu Anaxágoras. -- Tomaram o conceito de sombra e de vazio e o adaptaram à sua teoria, de Demócrito e Epicuro que foram os primeiros a falar fartamente do vazio e dos átomos, chamando estes "ser" e aquele "não ser". Justamente como os que chamam "ser" o que está dentro do Pleroma e que corresponde aos átomos do filósofo, e "não ser" o que está fora do Pleroma e que os filósofos chamam vazio. Eis então que, estando neste mundo e fora do Pleroma, estabeleceram para si um lugar que não existe. Dizendo que estas coisas são imagens daquelas que estão acima exprimem abertamente a opinião de Demócrito e de Platão. Demócrito foi o primeio a dizer que muitas e diversas figuras do universo desceram a este mundo, e Platão, por sua vez, estabeleceu a matéria, o modelo e Deus. Seguindo a opinião destes filósofos chamam estas coisas figura dele e imagem das coisas que estão acima e, pela troca de nomes, gabam-se de ser os inventores e autores desta ficção fantástica. -- Que o Demiurgo fez o mundo com matéria preexistente já o tinham dito antes deles Anaxágoras, Empédocles e Platão, inspirados, como é fácil de entender, pela Mãe destes gnósticos. Que necessariamente todas as coisas se dissolvam naquelas das quais foram feitas e que desta necessidade até Deus seja escravo, tanto que não possa conferir a imortalidade ao mortal ou dar a incorruptibilidade ao corruptível, mas que cada um recaia, numa substância, a ele, foi afirmado também pelos estóicos, assim chamados da palavra grega "Stoá" que significa Pórtico, e por todos os poetas e escritores que não conhecem a Deus. Participando da mesma incredulidade atribuíram aos pneumáticos o lugar que lhes pertence dentro do Pleroma; aos psíquicos, o lugar no Intermediário; e aos somáticos, no elemento terrestre. Deus não teria nenhum poder contra isso, mas cada um dos seres supraditos deve voltar entre os que são da sua mesma natureza. -- Ao dizer que o Senhor é composto de todos os Éões que depuseram nele o melhor de si, não dizem nada de novo além da Pandora de Hesíodo: o que ele disse daquela estes o ensinam do Salvador, apresentando-o como um Pandorão em que cada um dos Éões depositou o que tinha de melhor. A sua indiferença acerca dos alimentos e das outras ações e a persuasão de não poder ser contaminados por nada, por causa da sua superioridade, sejam quais forem as coisas que façam ou os alimentos que tomem, herdaram-nas dos cínicos e na realidade possuem a mesma mentalidade. Usar contra a fé o esmiuçamento e a subtileza nas questões é próprio do argumentar aristotélico. -- O querer transferir este universo aos números o tiraram dos pitagóricos. De fato, foram estes os primeiros a estabelecer o início de todas as coisas nos números e o início dos números no par e no ímpar, dos quais derivam as coisas visíveis e as inteligíveis. Os princípios da substância material são uns e os da inteligência são outros e é deles que foram feitas todas as coisas, como uma estátua é composta de matéria e forma. E adaptaram esta teoria a tudo o que está fora do Pleroma. Dizem que o princípio do entendimento está no que a inteligência intui como fundamental e que procura até chegar cansada ao um e ao indivisível. O princípio de todas as coisas e a substância de todas as gerações é o Hen, isto é, o Um; dele derivam a díada, a tétrada, a pêntada e a multíplice geração dos outros; e aplicam tudo isto, palavra por palavra, ao Pleroma e ao Abismo. Procuram depois introduzir as sizígias do Um, e Marcos vangloria-se disso como da novidade maior que teria encontrado a mais que os outros, ao passo que a sua não é senão a exposição da tétrada de Pitágoras, origem e mãe de todas as coisas. -- Então diremos contra eles: todos estes que lembramos e dos quais partilhais as teorias, conheceram ou não conheceram a verdade? Se a conheceram foi supérflua a vinda do Salvador a este mundo. Com efeito, para que teria vindo a este mundo? Para trazer a verdade já conhecida a homens que já a possuíam? Se não a conheceram, como é que dizeis as mesmas coisas destes que não conheceram a verdade e vos gloriais de possuir, somente vós, a gnose superior a tudo, quando é a mesma dos que não conhecem a Deus? Estais, portanto, em contradição, chamando gnose ao desconhecimento da verdade e Paulo se expressa bem falando de "novidade de palavras" e de "falsa sabedoria" (Cf 1Tm 6,20). Verdadeiramente falsa, portanto, é a vossa gnose! Se, ao tratar destas coisas, acrescentarem impudentemente que se os homens não conhecessem a verdade, contudo a sua Mãe, semente do Pai, por meio destes homens e dos profetas, anunciou os mistérios da verdade, sem o Demiurgo o saber, então diremos que as coisas ditas acima eram de molde a não serem entendidas por todos, visto que os mesmos homens, os seus discípulos e sucessores, sabiam perfeitamente o que diziam. E mais, se a Mãe ou a Semente conheciam e anunciavam os mistérios da verdade e se esta verdade é o Pai, o Salvador, segundo eles, teria mentido ao dizer: "Ninguém conheceu o Pai a não ser o Filho" (Mt 11,27). Ora, se é conhecido pela Mãe ou pela sua Semente perde valor a frase "Ninguém conhece o Pai a não ser o Filho", salvo queiram indicar como ninguém a sua Semente ou a sua Mãe. -- Até aqui, servindo-se do sentir humano e de expressões semelhantes às de muitos que não conhecem a Deus, aliciaram alguns por uma aparência de verdade, atraindo-os com doutrinas que lhes eram familiares, para a teoria comum a todos eles. Apresentam-lhes a gênese do Verbo de Deus, da Verdade e da Vida, a gênese do Intelecto, como parteiras das emissões de Deus. Quanto ao que procede destes já não há o cuidado com a verossimilhança ou com provas, é a mentira em relação a tudo e a todos. Como quem quer capturar um animal lhe apresenta o alimento costumeiro para aliciá-lo e o agrada oferecendo-lhe a pouco e pouco a comida preferida até que o apanhe, e uma vez que o capturou o amarra firmemente e o leva pela força onde quer, assim agem os gnósticos. De mansinho, partindo de noções familiares, fazem com que, a pouco e pouco se aceitem as emissões de que já falamos e depois introduzem todas as outras espécies de emissões extravagantes e inverossímeis. Assim afirmam que dez Éões foram emitidos pelo Logos e a Zoé, e doze pelo Homem e a Igreja, e querem que se acredite sem apresentar provas, nem testemunhas, nem verossimilhanças, às cegas, e assim tal qual afirmam, que pelo Logos e a Zoé foram emitidos o Abismo e a Confusão, o Aguératos e a União, o Autoproduto e a Satisfação, o Imóvel e a Mistura, o Unigênito e a Felicidade e, da mesma forma, pelo Homem e a Igreja foram emitidos o Consolador e a Fé, o Paterno e a Esperança, o Materno e a Caridade, o Eterno e a Compreensão, o Eclesiástico e a Bem-aventurança, O Desejado e a Sofia. -- No livro precedente, ao expor diligentemente as teorias dos hereges, falamos das paixões e da desviação da Sofia, do perigo de perecer, que enfrentou, por causa da procura do Pai, como eles dizem. Falamos das emissões que aconteceram fora do Pleroma e de qual degradação, como ensinam, foi emitido o criador do mundo. Finalmente falamos do Cristo, que dizem emitido depois dos outros Éões e do Salvador que recebeu a substância dos Éões caídos na degradação. Foi necessário lembrar aqui os nomes dos Éões para que aparecesse o absurdo das suas mentiras e a inconsistência dos nomes inventados por eles. Eles próprios tiram a honra dos seus Éões com estes apelidos variados, ao passo que os pagãos dão aos seus doze deuses, que eles dizem serem imagens dos doze Éões, nomes mais verossímeis e fáceis de crer. Estes deuses têm nomes mais convenientes e poderosos, pela sua etimologia, para designar a divindade. Arbitrariedade das divisões numéricas -- Voltemos à questão das emissões. Antes de mais nada, que nos digam o motivo da emissão dos Éões sem se referir às coisas criadas. Com efeito, dizem que os Éões não foram feitos para a criação, mas a criação por causa deles; eles não são as imagens das coisas daqui de baixo, mas estas coisas são imagens deles. Portanto, como explicam a causa das imagens dizendo que o mês tem trinta dias pela via dos trinta Éões e o dia tem doze horas e o ano doze meses pela via dos doze Éões que estão no Pleroma, e assim a seguir, agora nos digam também o motivo pelo qual a emissão dos Éões foi feita desta forma: porque foi emitida como primeira e origem de todas as coisas a Ogdôada e não uma Pêntada ou uma Tríada ou uma Hebdômada ou algum agrupamento de outro número? Por que pelo Logos e a Zoé foram emitidos dez Éões, nem mais nem menos, por que também pelo Homem e a Igreja foram doze, quando poderiam ter sido mais ou menos? -- Por que o total do Pleroma foi dividido em três partes, abrangendo uma Ogdôada, uma Década e uma Duodécada e não outros números quaisquer, diferentes destes? Por que foi dividido por três e não por quatro, cinco, seis ou outro número, sem fazer referência aos números que se encontram na criação? Com efeito, eles dizem que as coisas do alto são mais antigas do que estas daqui e, portanto, devem ter motivos próprios, anteriores à criação e não relativos a ela. -- Nós, porém, ao falar da criação usamos argumentos coerentes, porque a harmonia das coisas criadas está de acordo com a harmonia superior. Não tendo a possibilidade de estabelecer uma causa própria das realidades anteriores e perfeitas em si mesmas, eles devem obrigatoriamente deparar grandes dificuldades. Eles nos fazem perguntas a respeito da criação como se não a conhecêssemos, mas, quando interrogados a respeito do Pleroma, falam de paixões humanas ou respondem-nos impropriamente com discursos acerca da harmonia da criação, isto é, acerca das coisas derivadas e não a respeito das que para eles são as primárias. De fato, nós não lhes pedimos explicações a respeito da harmonia da criação, nem a respeito das paixões humanas, mas porque o Pleroma, do qual a criatura é imagem, se compõe de grupos de oito, dez e doze elementos. Eles então responderão que o Pai lhe deu tal forma agindo ao acaso e sem premeditação e lhe atribuirão deficiências por ter feito algo de irracional, ou dirão que o Pleroma foi emitido intencionalmente em vista da criação, para que ficasse bem harmonizada. Então o Pleroma já não foi criado para si, mas em vista da imagem que havia de ser feita à imagem dele, como a estátua de barro não é modelada como fim a si mesma, mas para aquela de prata, bronze ou ouro que será fundida sobre ela. Assim a criação é superior ao Pleroma se este foi feito em ordem àquela. Infinidade de cópias -- Se, convencidos por nós que não podem explicar tal emissão do Pleroma, se recusarem a admitir o que dissemos, serão obrigados a confessar que acima do Pleroma existe outra ordem mais pneumática, mais soberana, segundo a qual foi formado o Pleroma. Com efeito, se o Demiurgo não plasmou de si mesmo a forma da criação, mas segundo a forma daquelas coisas superiores, o Abismo que fez o Pleroma daquela forma determinada, onde foi buscar a forma para as coisas feitas antes dele? Devemos admitir que o Deus, criador do mundo o criou pelo seu poder e tomando de si mesmo o modelo desta criação, ou na suposição de que alguém foi levado a fazê-lo, devemos sempre procurar de onde veio ao que é superior a isto, o modelo das coisas criadas, qual é o número das emissões e a natureza do modelo. Se foi possível ao Abismo realizar por si mesmo o modelo do Pleroma, por que o Demiurgo não pôde por si mesmo realizar este mundo? E se a criação é a imagem daqueles, o que impede dizer que eles são imagem de coisas superiores, e as superiores de outras ainda, e chegar a infinitas imagens de imagens? -- É o que aconteceu a Basílides que, sem chegar à verdade, julgou que podia evitar esta dificuldade com uma série infinita de coisas derivadas umas das outras, quando estabeleceu 365 céus criados sucessivamente um do outro por meio da semelhança; e isto, como dissemos, seria indicado pelos dias do ano, sobre os quais estaria a potência que dizem Inefável e a economia dela. Mas nem mesmo assim evita a dificuldade. Com efeito, se lhe perguntarem de onde recebe o céu superior aquela forma pela qual foram feitos sucessivamente os outros, ele responderá que a recebe da economia do Inefável. Portanto, ou diz que o Inefável fez esta obra de si mesmo ou terá que admitir uma Potência superior da qual o Inefável recebeu o modelo grandioso das coisas assim feitas por ele. -- Não é mais seguro e justo confessar logo, desde o princípio, que este Deus criador, que fez o mundo, é o único Deus e que não há outro deus além dele e que tirou de si o modelo e a forma das coisas criadas do que, cansados de tamanha impiedade e tantos raciocínios, ser obrigados a fixar o espírito num Deus único e reconhecer que é dele que vem o modelo da criação? -- Com efeito, o que os valentinianos nos censuram, isto é, de ficarmos na Hebdômada inferior sem levantar a mente às coisas superiores e de não ter o sentido das coisas do alto (Cf Cl 3,2), porque não aceitamos as coisas prodigiosas que nos contam, isso mesmo é censurado neles pelos basilidianos; atolados nas coisas inferiores não passam da primeira e da segunda Ogdôada, pensando estupidamente já ter encontrado logo depois dos trinta Éões o Pai que está acima de todas as coisas, sem considerar o Pleroma que domina os 365 céus, isto é, mais de 45 Ogdôadas. Mas alguém poderia, com o mesmo direito, apresentar também a estes a mesma dificuldade, supondo 4.380 céus ou Éões, porque os dias do ano tem este número de horas. E se, por acaso, acrescentar também o número de horas das noites de um ano, duplicaria este número. Então poderia acreditar ter descoberto imensa multidão de Ogdôadas e incomensurável produção de Éões contra o Pai que está acima de todas as coisas. Então, julgando-se o mais perfeito de todos, poderia censurar a todos a mesma coisa: de serem incapazes de elevar-se à multidão dos céus ou Éões indicada por ele, e, por falta de força, ficar em baixo, no mundo inferior ou no médio. Origem igual, igual natureza -- Vistas as muitas contradições e dificuldades existentes na produção do Pleroma e sobretudo da primeira Ogdôada, consideraremos o resto, e, por causa da insensatez deles, estudaremos coisas que não existem. Devemos fazer isso, porque nos foi confiada esta tarefa e porque queremos que todos os homens cheguem ao conhecimento da verdade (Cf 1Tm 2,4) e ainda porque você mesmo nos pediu numerosas e possíveis provas para refutar esses heréticos. -- Uma pergunta possível é: como foram produzidos os outros Éões? Unidos ao que os emitiu, como os raios ao sol, ou separados e distintos, possuindo cada um separadamente a sua própria configuração, como homem de homem, ou animal de animal, ou por germinação, como os ramos de uma árvore? São da mesma substância dos que os emitiram ou cada um tem substância própria? Foram emitidos todos ao mesmo tempo, tendo, portanto, a mesma idade ou segundo determinada sucessão, pela qual alguns deles são mais velhos e outros mais novos? E, finalmente, foram emitidos simples, uniformes e em tudo iguais e semelhantes entre si, como os espíritos ou uma chama, ou são compósitos, diversos, dessemelhantes nas suas partes? -- Mas se cada um foi emitido separadamente e conforme sua própria geração, à semelhança dos homens, ou serão gerados pelo Pai e, portanto, consubstanciais e semelhantes ao gerador; ou serão diferentes e, então, é preciso admitir que foram produzidos por outra substância. Ora, se forem semelhantes ao Pai que os gerou, serão, como ele, impassíveis para sempre; se, porém, derivam de outra substância passível, de onde virá esta diversidade de substâncias no seio de um Pleroma de incorruptibilidade? E ainda, nesta hipótese, cada um aparece distinto e separado dos outros como os homens, não unidos e misturados uns aos outros, mas cada um com forma distinta, definida, e respectiva grandeza: coisas que são próprias dos corpos e não dos espíritos. Portanto, não digam que o Pleroma é pneumático, assim como eles não o são, se é verdade que os Éões, semelhantes a homens, se banqueteiam ao lado do Pai, o qual possui os traços determinados, manifestados por aqueles que foram emitidos por ele. -- Se, porém, foram acendidos como uma chama de outra chama, os Éões do Logos, o Logos do Nous e o Nous do Abismo, talvez sejam diferentes por geração e grandeza como tocha de tocha; mas tendo a mesma substância que o autor da emissão, ou continuam todos igualmente impassíveis, ou então o Pai deles está submetido a paixões. Com efeito, a tocha acesa em segundo lugar não tem chama diferente da que já estava acesa. Eis por que quando todas as suas chamas são reunidas numa só formam, por esta concorrência, a unidade originária da única chama que existia no princípio. O que é mais recente e o que é mais antigo não se pode distinguir nem na única chama, porque ela é una, única e total, nem nas próprias tochas que receberam a chama, porque têm a mesma idade quanto à matéria substancial, sendo feitas com a única e igual matéria. Só existe uma ordem no acendimento, visto que uma foi acesa algum tempo antes e outra depois. -- Portanto, a degradação da paixão que se deu por causa da ignorância, ou atingirá de forma igual todo o Pleroma porque participa da mesma natureza e o Protopai estará na degradação da ignorância, isto é, ignorará a si mesmo; ou todas as tochas que estão no Pleroma ficarão semelhantemente impassíveis. Então, como pode sobrevir alguma paixão ao Éon mais jovem se é da chama paterna que foram formadas todas as chamas e ela é impassível por natureza? E como pode um Éon ser chamado mais velho ou mais novo que outro quando há uma única chama em todo o Pleroma? E se alguém quer chamá-los estrelas participarão da mesma natureza do universo. De fato, se "uma estrela difere da outra no esplendor" (1Cor 15,41), não o será por causa da natureza ou da substância que fazem algumas coisas passíveis e outras impassíveis. Derivando todas da única chama paterna ou são todas impassíveis e imutáveis por natureza; ou todas, como a luz do Pai, são passíveis e sujeitas às mudanças e à corrupção. -- Os mesmos motivos aplicam-se também quando dizem que a emissão dos Éões foi feita pelo Logos como os ramos da árvore, porque o Logos também é emitido pelo Pai deles. Eles são todos da mesma natureza do Pai e diferem entre si somente em ordem à grandeza e não pela natureza e completam a grandeza do Pai assim como os dedos completam a mão. E se o Pai se encontra na paixão e na ignorância também o estarão os Éões gerados por ele. Mas se é ímpio atribuir ignorância e paixão ao Pai de todas as coisas, como podem dizer que emitiu um Éon passível? E quando é à própria Sabedoria de Deus que atribuem esta impiedade, como se podem declarar homens religiosos? -- Se depois dizem que os Éões foram emitidos como os raios do sol, sendo todos da mesma natureza e origem, ou são todos passíveis juntamente com o emissor deles ou todos sempre impassíveis. De fato, não quererão admitir que de tal emissão alguns sejam passíveis e outros impassíveis. Se, portanto, dizem que são todos impassíveis eles próprios tiram a força do seu argumento: com efeito, como pode o Éon menor sofrer a paixão se são todos impassíveis? E se dizem que todos participaram da paixão dele, como alguns ousam dizer que começou no Logos e passou depois para a Sofia, poderão ser acusados de atribuir a paixão ao Logos e até ao Nous do Protopai, admitindo que o Nous do Protopai e o próprio Pai estiveram sujeitos à paixão. Com efeito, o Pai não é, como um composto vivente, algo de diferente do Nous, como já demonstramos acima, mas o Nous é o Pai e o Pai é o Nous. É necessário, por isso, que o Logos, que procede do Nous, e mais ainda o próprio Nous, que é idêntico ao Logos, sejam perfeitos e impassíveis, e que todas as suas emissões, sendo da mesma natureza, sejam perfeitas e impassíveis, sempre semelhantes àquele que os emitiu. -- De fato, o Logos não ignorou o Pai, por ser o terceiro na linha de emissões, como eles ensinam. Isto talvez possa ser admitido na geração dos homens visto que alguns deles, muitas vezes, não conhecem os pais, mas no Logos do Pai isso é absolutamente impossível. Com efeito, se o Logos está no Pai conhece aquele no qual se encontra e por isso não ignora a si mesmo, também as suas emissões, sendo suas Potências e estando sempre a seu lado, não ignoram quem as emitiu, assim como os raios luminosos não se esquecem do sol. Portanto, não é possível que a Sofia de Deus, que está dentro do Pleroma e deriva de tal emissão, tenha caído na paixão e concebido semelhante ignorância. É mais possível que a sabedoria de Valentim, que vem do diabo, se encontre tomada por toda espécie de paixão e produza um abismo de ignorância. Com efeito, quando afirmam que a Mãe deles é fruto do Éon desviado não é mais preciso procurar o motivo pelo qual os filhos de tal mãe nadem num abismo de ignorância! -- Acredito que não possam inventar outras emissões além destas; nem souberam eles indicar outras especiais, que eu saiba, mesmo depois de ter tido longas discussões com eles acerca deste argumento. Dizem que cada um foi emitido de modo tal que conheceu somente o seu emissor e não conheceu o que vinha antes dele. Não recuam mais atrás para explicar como foram emitidos ou como isto é possível em se tratando de seres espirituais. Seja qual for a direção que tomem, eles se afastam da reta razão, cegos que são acerca da verdade, a ponto de dizerem que o Logos emitido pelo Nous do Protopai foi emitido na degradação. Por isso, o Nous perfeito emitido pelo Abismo perfeito não pode produzir de si uma emissão perfeita, mas somente uma cega quanto ao conhecimento da grandeza do Pai. O Salvador teria mostrado um símbolo deste mistério no cego de nascença (Cf Jo 9,1-41), dando assim a conhecer que um Éon fora emitido cego pelo Unigênito, isto é, na ignorância. Desta forma atribuem ignorância e cegueira ao Logos de Deus na sua segunda, no dizer deles, emissão do Protopai. Sofistas admiráveis, que perscrutam as profundezas do Pai desconhecido e narram os mistérios supracelestes "em que os anjos desejam olhar" (Cf 1Pd 1,12), para aprender que o Logos emitido pelo Nous do Pai que está acima de todas as coisas foi emitido cego, ignorando o Pai que o emitiu! -- Como é, ó sofistas dos mais vazios, que o Nous do Pai e até o próprio Pai, que é Nous e é perfeito em tudo, emitiu o Logos como Éon cego e imperfeito, quando podia imediatamente produzir com ele o conhecimento do Pai, assim como dizeis que o Cristo, nascido depois de todos os outros, foi emitido perfeito? Portanto, com maior razão, o Logos, que é mais velho, havia de ser emitido perfeito por este mesmo Nous e não cego, e ele, por sua vez, não emitiria Éões mais cegos do que ele próprio, até que a vossa Sofia sempre cega não tivesse produzido tão grande quantidade de males. E o responsável de todos estes males é o vosso Pai! Com efeito, vós dizeis que a razão da ignorância é a grandeza e a potência do Pai, tornando-o semelhante ao Abismo e dando precisamente este nome ao Pai inefável. Se a ignorância é o mal do qual derivaram todos os males, e se a causa dela é a grandeza e o poder do Pai, vós o declarais o autor do mal, porque chamais de causa do mal a impossibilidade de contemplar a sua grandeza. Mas se era impossível ao Pai dar-se a conhecer às suas criaturas desde o princípio, não pôde ser culpado de não ter eliminado dos seus descendentes a ignorância. E se depois, por sua vontade, pôde fazer desaparecer a ignorância que ia aumentando com a sucessão das emissões e se tinha espalhado nos Éões, muito mais, por um ato de vontade, não deveria ter permitido que esta ignorância se produzisse quando ainda não existia. -- Então, visto que se deu a conhecer quando quis, não somente pelos Éões, mas também pelos homens nascidos nos últimos tempos, e foi ignorado porque não quis ser conhecido desde o princípio, no vosso parecer a causa da ignorância é a vontade do Pai. Se ele sabia que teria acontecido deste modo, por que não eliminou deles, antes que se produzisse, aquela ignorância que depois, como que arrependido, sarou pela emissão do Cristo? A gnose que entregou a todos pelo Cristo poderia entregá-la muito antes pelo Logos, primogênito do Unigênito. Mas se ele quis isto com previsão perfeita, então os efeitos da ignorância devem continuar e nunca serão eliminados; de fato, o que existe pela vontade do Pai deve durar quanto a sua vontade; se, porém, passam, com eles há de passar também a vontade que decidiu a natureza deles. O que os Éões aprenderam para entrar no repouso e possuir a gnose perfeita a não ser que o Pai é incompreensível e inatingível? Poderiam ter recebido esta gnose antes de cair na paixão, porque não seria diminuída a grandeza do Pai se tivessem sabido desde o princípio que o Pai era incompreensível e inatingível. Se, de fato, era ignorado por causa da imensa grandeza, pelo seu amor superabundante (Cf Ef 3,19), deveria manter impassíveis os que tinha emitido, pois nada impedia, e até era extremamente útil, que tivessem conhecido desde o princípio que o Pai era incompreensível e inatingível. Sofia-ignorância. Entímese-paixão -- Como não definir sem sentido a afirmação que Sofia se encontrou na ignorância, na degradação e na paixão? Estas coisas são estranhas e contrárias à Sofia e não a podem concernir-lhe: onde há ignorância de prudência e ignorância do útil, aí não há Sofia. Deixem de chamar com o nome de Sofia um Éon sujeito a paixões e renunciem à palavra e às paixões em questão, e não digam que o Pleroma todo é pneumático, quando um Éon, tomado por estas paixões, esteve dentro dele. Com efeito, sequer uma alma forte poderia experimentar estas paixões, para não falar de uma substância pneumática. -- Como pode a Entímese deste Éon sair dele com a paixão e tornar-se ser distinto? Não se pode entender a Entímese senão em relação a alguém, sozinha não pode existir: uma tendência má é absorvida e eliminada por uma boa, como a doença pela saúde. Qual era a tendência que precedeu a paixão? Procurar o Pai e contemplar a sua grandeza. O que a persuadiu depois e a curou? A persuasão de que o Pai é incompreensível e não podia ser encontrado. Não era bom que ela quisesse conhecer o Pai e por isso foi sujeitada à paixão; mas quando se convenceu de que o Pai é incompreensível foi curada. Até o próprio Nous que procurava o Pai deixou de procurá-lo, segundo eles, quando soube que o Pai é incompreensível. -- Como pode a Entímese separada conceber paixões que também eram suas disposições? Uma disposição está relacionada com alguém e não pode existir nem persistir por sua conta. Isto não somente é absurdo, mas também contrário a quanto foi dito por nosso Senhor: "Procurai e encontrareis" (Mt 7,7). O Senhor torna perfeitos os seus discípulos fazendo-os procurar e encontrar o Pai, mas o Cristo do alto deles, ao contrário, torna-os completamente perfeitos proibindo-lhes procurar o Pai e convencendo-os de que sequer a custa de grandes esforços o encontrariam. Eles se autodenominam perfeitos porque encontraram o Abismo, e os Éões, porque se convenceram de que quem procuravam é inacessível. -- Se, portanto, a própria Entímese não pode existir separada do Éon, proferem mentira ainda maior ao separar dela a paixão e identificando-a com a substância material, como se Deus não fosse luz (Cf 1Jo 1,5) e não houvesse um Verbo capaz de desmascará-los e de refutar-lhes a perversidade. Certamente, tudo o que o Éon sentia como desejo também o provava como paixão, e o que para eles era a Entímese, não era senão a paixão de quem se prefixara entender o incompreensível e a paixão era a Entímese: apaixonava-se por coisa impossível. Como esta disposição e esta paixão se podiam separar da Entímese e tornar-se a substância de uma matéria tão considerável, já que a Entímese era idêntica à paixão e a paixão à Entímese? Em suma, nem a Entímese sem o Éon, nem as disposições sem Entímese podem constituir uma essência separada. Portanto, cai novamente a sua Regra. -- E como poderia um Éon cair e ser tomado de paixão tendo a mesma substância do Pleroma, e o Pleroma a mesma do Pai? Coisas semelhantes colocadas juntas não se dissolvem no nada nem correm o perigo de perecer, antes perdurarão e aumentarão, como o fogo com o fogo, o vento com o vento e a água com a água; somente os contrários sofrem, se transformam e desaparecem pela ação dos contrários. Por isso, se tivesse sido emissão de luz, não poderia sofrer nem correria perigo dentro de luz semelhante, mas, pelo contrário, haveria de tornar-se mais resplandescente e aumentar, como o dia sob a ação do sol. Ora, eles dizem que o Abismo é imagem do Pai. Todos os animais selvagens, diversos e estranhos por natureza, correm o risco de eliminar-se uns aos outros, mas os que estão acostumados entre si e os que são da mesma raça não correm perigo nenhum em viver juntos, e até adquirem saúde e vida com isso. Se, portanto, este Éon foi emitido da mesma substância de todo o Pleroma não sofreria mudanças, porque se encontrava com seres semelhantes e familiares, pneumático entre pneumáticos. O medo, a consternação, a paixão, a confusão e semelhantes podem encontrar-se entre nós, corporais, pela ação dos contrários, mas a seres espirituais e envolvidos na luz não acontecem essas desgraças. Tenho a impressão de que atribuíram ao seu Éon a grande paixão de amor e ódio que se encontra no cômico Menandro. Os que imaginaram estas coisas parece que tinham em mente mais a imagem de amante infeliz do que a de substância espiritual e divina. -- Além disso, ter a idéia de procurar o Pai perfeito, de querer penetrar nele e de compreendê-lo, não podia gerar ignorância nem paixão, especialmente num Éon pneumático, mas ao contrário, perfeição, impassibilidade e unidade. Até eles, que não são senão homens, quando pensam naquele que é superior a eles, quando entendem de certa forma o Perfeito e se vêem constituídos na gnose, não afirmam que estão na paixão e na angústia, e sim que se encontram no conhecimento e na apreensão da verdade. Eles afirmam que o Salvador disse aos seus discípulos: "Procurai e encontrareis" justamente para que procurassem o Abismo inefável, por eles imaginado superior ao Criador de todas as coisas; e a si mesmos chamam de perfeitos justamente porque, na sua procura, encontraram o Perfeito, mesmo estando ainda na terra. Mas no que se refere ao Éon, que está no Pleroma, todo pneumático, que procura o Protopai, que se esforça por entrar na sua grandeza e que tem o desejo ardente de entender a Verdade paterna, dizem que teria caído em poder da paixão, de paixão tão grande que, se não recebesse a ajuda da Potência que consolida todas as coisas, ter-se-ia dissolvido na substância universal e desaparecido. -- Pretensão desvairada, digna, na verdade, da inteligência de homens abandonados pela verdade! Que este Éon seja melhor e mais antigo do que eles, reconhecem-no eles mesmos na sua Regra, ao se dizerem fruto do parto da Entímese do Éon que foi tomado pela paixão, daquele que é pai da mãe deles, isto é, o seu avô. Assim, para os netos, a procura do Pai produz verdade, perfeição, estabilidade, libertação da matéria inconsistente, como dizem, e reconciliação com o Pai. Mas para o avô esta mesma procura teria causado ignorância, paixão, medo, temor e consternação, coisas essas todas de que dizem ser feita a matéria. Destarte, procurar e estudar o Pai perfeito, desejar a comunhão e a união com ele, seria fonte de salvação para eles e de corrupção e de morte para o Éon do qual foram emitidos. Como é possível ver aí algo que não seja absurdo, vão e irracional? Os que admitem estas doutrinas são verdadeiramente aqueles cegos que se confiam a guias cegos e justamente se precipitam (Cf Mt 15,14) no abismo de ignorância que se abre embaixo deles. O germe depositado sem o Pai saber -- E que dizer do germe concebido pela Mãe segun do a forma dos anjos que estão à volta do Salvador, sem forma nem figura e imperfeito, depositado no Demiurgo, sem ele o saber, a fim de que semeado por ele nas almas provindas dele, recebesse formação e perfeição? Primeiramente se deve dizer que os anjos que estão à volta do Salvador são sem forma, sem figura e imperfeitos, porque foi depois de ser concebido à imagem deles que o germe foi dado à luz. -- Em segundo lugar, dizer que o Demiurgo ignorou a deposição nele do germe e também a fecundação que ele produziu no homem, é asserção vazia, sem consistência e que não se pode minimamente sustentar. Como poderia ignorar o germe se ele tivesse alguma substância e qualidade próprias? Com certeza, se não tivesse substância nem qualidades, se fosse nada, é lógico que o ignorasse. Se o que tem alguma ação ou qualidade própria, quer de calor, quer de velocidade, quer de doçura, quer uma diferença de luminosidade, não escapa aos homens muito menos escapará ao Deus criador do universo, que não conheceu a semente deles justamente porque é sem qualidades que a tornem útil para alguma coisa, sem substância que lhe permita alguma ação, é inteiramente inexistente. É por isso também que me parece que o Senhor tenha dito: "No dia do juízo, os homens prestarão conta de toda palavra ociosa que tenham dito. Todos os que são desta espécie e que tiverem dito coisas ociosas, semelhantes a estas, aos ouvidos dos homens, comparecerão em juízo para prestar contas das suas vãs elucubrações e das suas mentiras contra Deus" (Mt 12,36). Assim, enquanto dizem que eles conhecem o Pleroma pneumático graças à substância da semente, o homem interior lhes mostra o Pai verdadeiro: com efeito, para o elemento psíquico são necessários ensinamentos sensíveis; quanto ao Demiurgo, que recebeu em si a totalidade da semente depositada pela Mãe, dizem que ficou na mais completa ignorância e não teve percepção alguma das realidades do Pleroma. -- E não é sumamente irracional que eles sejam pneumáticos porque foi depositada nas suas almas uma partícula do Pai de todas as coisas e que as suas almas, como dizem, sejam da mesma substância do Demiurgo, o qual, tendo recebido da Mãe, de uma só vez, a totalidade da semente e possuindo-a em si, teria ficado psíquico e não teria tido absolutamente nenhuma percepção daquelas realidades superiores que eles se vangloriam de ter compreendido, ainda viventes na terra? Acreditar que a mesma semente tenha conseguido para suas almas o conhecimento e a perfeição, enquanto teria conseguido somente ignorância para o Deus que os criou é coisa de tresloucados sem juízo nenhum. -- Mais absurda ainda é a afirmação de que nesta deposição a semente é formada, acrescida e tornada apta a receber o Logos perfeito. A mistura com a matéria, que derivou a sua substância da ignorância e da degradação, seria para ela mais útil do que o foi o lume paterno. Com efeito, a visão dele causou uma produção sem forma nem figura, enquanto pela mistura com a matéria a semente recebe a forma, a figura, o crescimento e a perfeição. Se a luz que veio do Pleroma foi a causa pela qual o elemento pneumático não recebeu forma, nem figura, nem grandeza própria, enquanto tudo isso lhe seria dado e levado à perfeição pela sua descida aqui em baixo, neste mundo que chamam de trevas, esta permanência lhes foi mais útil do que a luz paterna. Então não é ridículo dizer que a Mãe, na matéria, se arriscou a ser sufocada e que pouco faltou que fosse destruída se não se tivesse levantado a si mesma com a ajuda do Pai e que a semente, nesta mesma matéria, desenvolveu-se, formou-se e tornou-se capaz de receber o Logos perfeito, e para tanto agitando-se dentro de elementos diferentes e estranhos à sua natureza, visto que são eles que dizem que o terreno se opõe ao pneumático e o pneumático ao terreno? Como então, emitida pequena, entre elementos diferentes e estranhos, conseguiu crescer, formar-se e atingir a perfeição? -- Além do que já foi dito, perguntaremos ainda se a Mãe deles emitiu a sua semente toda de uma vez ou por partes. Se foi toda de uma vez, o que foi emitido já não é criança e então é supérflua a sua descida entre os homens agora; se, porém, foi por partes, já não pode haver concepção feita à imagem dos anjos vistos pela Mãe; tendo-os visto e concebido de uma só vez, de uma só vez havia de emitir as imagens assim concebidas. -- E como é que vendo os anjos e o Salvador ao mesmo tempo, deles concebeu imagens e não do Salvador que era mais belo do que eles? Talvez não tenha concebido à imagem dele por ele não lhe ter agradado? Como é que o Demiurgo, que chamam psíquico e que, segundo eles possui grandeza e formas próprias, foi emitido perfeito segundo a sua substância, e o elemento pneumático, que deve ser mais operante do que o psíquico, foi emitido imperfeito com a necessidade de descer num elemento psíquico para ser formado, tornado perfeito e capaz de receber o Logos perfeito? Portanto, se é formado em homens terrenos e psíquicos já não é semelhante aos anjos, que chamam Luzes, mas aos homens daqui em baixo, e não terá a semelhança e a beleza dos anjos, mas das almas nas quais é formado, assim como a água que está numa vasilha lhe toma a forma, e ao congelar mostra os contornos do recipiente em que estava. Assim também as almas possuem a forma do corpo, adaptadas que são ao seu receptáculo, como dissemos acima. Portanto, o germe coagula e é formado aqui em baixo e terá a forma de homem e não de anjo. Como então poderá ser à imagem dos anjos quando foi formado à imagem dos homens? Mas, no fundo, que necessidade tinha de descer na carne, se era espiritual? Porque é a carne que precisa do elemento espiritual se se deve salvar, para ser santificada e iluminada nele, de forma que o mortal seja absorvido pela imortalidade (Cf 1Cor 15,54; 2Cor 5,4); o espiritual, porém, não tem nenhuma necessidade das coisas daqui de baixo, porque não somos nós que o tornamos melhor, mas ele a nós. -- Mais evidente à vista de todos aparece o erro deles a respeito da semente quando dizem que as almas que a receberam da Mãe são melhores do que as outras; por isso seriam honradas pelo Demiurgo e consagradas príncipes, reis e sacerdotes. Se isso fosse verdade, por primeiro Caifás, o sumo sacerdote, e Anás e os outros sumos sacerdotes, os doutores da Lei e os chefes do povo teriam acreditado no Senhor e se teriam dirigido a ele como a parente; e antes destes também o rei Herodes. Porém, nem este, nem os sumos sacerdotes, nem os chefes e os notáveis do povo acorreram a ele, mas, ao contrário, os mendigos sentados à beira do caminho, os surdos, os cegos, os conculcados e desprezados pelos outros, como diz Paulo: "Considerai a vossa vocação, irmãos, já que entre vós não há muitos sábios, nem nobres, nem poderosos; mas Deus escolheu o que havia de desprezível no mundo" (1Cor 1,26-27), deve-se dizer que estas almas não eram melhores por causa de semente depositada neles e que não era por isso que eram mais honradas pelo Demiurgo. -- Isto é suficiente para demonstrar a fragilidade, a inconsistência e a vacuidade da sua Regra. Não é necessário, como se costuma dizer, beber toda a água do mar para saber que é salgada. Como de estátua de barro com a superfície pintada para se assemelhar ao ouro, mesmo sendo de barro, alguém tirando uma porção qualquer põe à mostra o barro e liberta do erro os que procuram a verdade, assim nós, refutando não pequena parte, mas os pontos principais da sua Regra, demonstramos, para os que não querem ser enganados voluntariamente, o que há de perversidade, de astúcia, de enganador e de danoso na escola dos discípulos de Valentim e de todos os outros hereges que blasfemam o Criador e o Autor deste universo, o Deus único: foi o que quisemos mostrar apresentan-do a inconsistência do seu caminho. -- De fato, qual é o homem sensato, que se tenha aproximado, ainda que pouco, da verdade, que poderá suportar alguém dizer que acima do Deus Criador há outro Pai; que um é o Unigênito, outro o Logos de Deus, emitidos na degradação, outro ainda o Cristo, nascido depois de todos os outros Éões com o Espírito Santo, outro finalmente o Salvador, que sequer derivaria do Pai de todas as coisas, mas seria formado pelo aporte de todos os Éões caídos na degradação e que teve que ser emitido por causa desta degradação? Assim, se os Éões não tivessem caído na ignorância e na degradação, nem o Cristo, segundo eles, seria emitido, nem o Espírito Santo, nem o Limite, nem o Salvador, nem os anjos, nem a Mãe deles com a sua semente, nem o resto da criação: o universo não tivera estes grandes bens. São, portanto, irreverentes, não somente com o Criador, que eles chamam "fruto da degradação", mas também com o Cristo e o Espírito Santo, que dizem emitidos por causa da degradação, e com o Salvador, também emitido depois da degradação. Quem quererá ainda escutar o resto de suas bacharelices que se esforçaram, com experteza, de adaptar às parábolas, para precipitar-se a si mesmos no máximo da impiedade, na companhia dos que acreditaram neles? Refutação da argumentação bíblica (A partir deste número até o 35, Ireneu procura demonstrar, ridicularizando, por vezes, a falácia dos argumentos e da cabalística dos gnósticos. Sua posição é clara: somente a argumentação bíblica, interpretada na Igreja, é suficiente e transparente para o acesso ao Deus único, verdadeiro e criador de tudo e de todos). -- Mostramos agora como é sem motivo e propriedade que aplicam às suas teorias as parábolas e as ações do Senhor. Procuram mostrar que a paixão que pretensamente ocorreu com o décimo segundo Éon é indicada pelo fato de que a paixão do Salvador se deu por causa do décimo segundo apóstolo no décimo segundo mês. Segundo eles, o Salvador pregou somente durante um ano depois do batismo. Isso aparece mais claro ainda, dizem, na mulher que sofria de perda de sangue, porque sofreu doze anos e, tocando a orla do manto do Salvador, obteve a saúde graças à Potência que saiu do Salvador e que, dizem, era preexistente a ele. Porque a Potência caída em paixão se estendia e se expandia ao infinito, correndo o risco de se dissolver na substância universal, mas ao tocar a primeira Tétrada, significada pela orla do manto, sossegou e se livrou da paixão. -- Dizem que a paixão do décimo segundo Éon é simbolizada por Judas; mas como pode ser comparada a Judas que foi expulso do número dos doze e não recuperou o seu lugar? Dizem que o Éon, do qual Judas seria o tipo, foi separado da sua Entímese que foi reabilitada e aceita de volta, enquanto Judas era rejeitado e expulso e, no lugar dele, era consagrado Matias, como está escrito: "Que outro tome o encargo dele" (At 1,20; Sl 108,8). Deveriam ter dito que o décimo segundo Éon foi expulso do Pleroma e outro foi produzido ou emitido no lugar dele, se é que este Éon é representado por Judas. Dizem ainda que foi o próprio Éon que sofreu a paixão e que Judas foi o traidor: ora, eles próprios dizem que foi o Cristo e não Judas a sofrer a paixão. Como então Judas, traidor daquele que sofreu pela nossa salvação, podia ser o tipo e o símbolo do Éon caído em paixão? -- Além do mais a paixão de Cristo não foi semelhante ou se deu em circunstâncias semelhantes à do Éon. O Éon sofreu uma paixão de dissolução e de destruição, ao ponto de quem sofria assim correr o perigo de corromper-se, enquanto nosso Senhor o Cristo sofreu paixão firme e sem cedimentos, em que, longe de correr o perigo de corromper-se, fortaleceu e reconduziu o homem corrompido à incorruptibilidade. O Éon sofreu a paixão procurando o Pai sem conseguir encontrá-lo, o Senhor sofreu para levar ao conhecimento e à proximidade do Pai os que se tinham afastado. Para o Éon a procura da grandeza do Pai se tornou paixão de perdição, para nós, a paixão do Senhor, trazendo-nos o conhecimento do Pai, foi fonte de salvação. A paixão do Éon produziu um fruto femíneo, como dizem, fraco, sem forma e incapaz de agir; a paixão do Senhor frutificou em força e poder. De fato, o Senhor, "tendo subido às alturas", pela paixão, "levou cativo o cativeiro e distribuiu dons aos homens" (Ef 4,8; Sl 67,19), e concedeu aos que cressem nele "o poder de pisar as serpentes, os escorpiões e todas as potências do inimigo" (Lc 10,19), isto é, o iniciador da apostasia. O Senhor, mediante a paixão, destruiu a morte, eliminou o erro, exterminou a corrupção e destruiu a ignorância; manifestou a vida, mostrou a verdade e conferiu a incorruptibilidade. O Éon deles, pela paixão, fez aparecer a ignorância e deu ao mundo uma substância informe, da qual, segundo eles, derivaram todas as obras terrenas, a morte, a corrupção e tudo o resto. -- Portanto, nem Judas, o décimo segundo discípulo, nem a paixão de nosso Senhor, podem ser a figura do Éon caído na paixão, porque não somente nos dois casos há diferenças e divergências, como acabamos de mostrar, mas também por causa do próprio número. Que Judas seja o décimo segundo na lista evangélica dos doze apóstolos é admitido por todos; mas o Éon não é o décimo segundo, ele é o trigésimo. Com efeito, foram somente doze os Éões emitidos pela vontade do Pai, e este de quem falamos não foi emitido em décimo segundo lugar e eles mesmos o dizem emitido em trigésimo lugar. Como então Judas, que ocupa o décimo segundo lugar, pode ser a figura e a imagem de um Éon que está em trigésimo lugar? -- Se dizem que o Judas que se perde é a imagem da Entímese dele, nem assim a imagem corresponde àquela que segundo eles é a realidade. Com efeito, esta Entímese, separada do Éon, e depois formada pelo Cristo e tornada sábia pelo Salvador, depois de ter realizado todas as coisas que estão fora do Pleroma à imagem daquelas que estão dentro do Pleroma, no fim deve ser reintroduzida no Pleroma e ficar unida, segundo a sizígia, ao Salvador, que foi formado por todos os Éões. Judas, ao contrário, uma vez rejeitado, nunca mais foi readmitido no número dos discípulos, de outro modo não seria posto outro no seu lugar. E o Senhor disse dele: "Infeliz do homem por causa do qual o filho do homem é atraiçoado", e: "Era melhor para ele não ter nascido" (Mt 26,24), e, "filho da perdição" (Jo 17,12). E se eles dizem que Judas representa não a Entímese separada do Éon, mas da paixão que o envolveu, nem assim o número doze pode ser figura do três. De fato, aqui Judas é rejeitado e Matias posto no seu lugar, lá há o Éon em perigo de dissolver-se e perecer, a Entímese e a paixão: eles separam a Entímese e a paixão e dizem que o Éon foi reintegrado, a Entímese foi formada, enquanto a paixão, separada de um e de outra, constitui a matéria. Portanto são três: o Éon, a Entímese e a paixão, e Judas e Matias, que são dois, não podem ser a figura deles. -- Se dizem que os doze apóstolos representam somente os doze Éões emitidos pelo Homem e a Igreja, que nos apresentem então outros dez apóstolos para representar os dez Éões emitidos pelo Logos e Zoé. Seria absurdo que, pela eleição dos apóstolos, o Salvador tenha indicado os Éões mais jovens e por isso inferiores e não tenha indicado os mais velhos e por isso superiores, porque, se quisesse eleger os apóstolos de forma a representar, pelo seu número, os Éões que estão no Pleroma, poderia escolher outros dez apóstolos para indicar a segunda Década e, antes deles, mais oito, para indicar a primeira e fundamental Ogdôada. Depois dos doze apóstolos sabemos que nosso Senhor enviou diante de si outros setenta discípulos (Cf Lc 10,1-17), mas estes setenta não podem ser a figura nem da Ogdôada, nem da Década, nem da Triacôntada. Por qual motivo então os Éões inferiores, como já dissemos, são indicados pelos apóstolos, enquanto os Éões superiores, de quem estes foram emitidos, não têm indicação nenhuma? Se os doze apóstolos foram eleitos para indicar o número dos doze Éões, os setenta discípulos deveriam ser escolhidos para indicar setenta Éões: neste caso devem falar de oitenta e dois e não de trinta Éões. Aquele que escolheu os apóstolos para representar os Éões do Pleroma, nunca teria escolhido alguns e excluído os outros, mas por meio de todos os apóstolos teria procurado conservar o modelo e mostrar a figura dos Éões do Pleroma. -- Nem se deve silenciar sobre Paulo, mas devemos perguntar a estes, na figura de qual Éon terá ele sido posto: talvez na do Salvador, produto da invenção deles, formado pelo concurso de todos os Éões e que chamam de Tudo, porque deriva de todos, e de quem o poeta Hesíodo teria dado esplêndida figura, dando-lhe o nome de "Pandora" (Cf Hesíodo, 81), isto é, Dom de todos, porque dom excelente, provindo de todos os Éões, foi reunido nele. E é justamente a propósito dos hereges que foi dito, e o podemos citar em grego e em latim: "Hermes depositou neles palavras enganadoras e coração artificial" (Cf Hesíodo, 78) para enganar os simples e fazê-los acreditar nas suas invenções. A Mãe, isto é, Latona - o nome deriva do sentido da palavra grega que significa mover secretamente, - moveu-os secretamente, sem que o Demiurgo o soubesse, a anunciar profundos e inenarráveis mistérios para os que têm prurido nos ouvidos (Cf 2Tm 4,3). A Mãe fez enunciar o mistério não somente por meio de Hesíodo, mas também o enunciou, de maneira experta, para que ficasse escondido ao Demiurgo, nas líricas de Píndaro, no episódio de Pélope, cuja carne, cortada aos pedaços pelo pai, foi recolhida por todos os deuses, aproximada e ajuntada, significando assim Pandora. Incitados eles também por ela repetem o que os poetas disseram, porque são da mesma raça e do mesmo espírito que eles. Contra o número 30. -- O número dos trinta Éões também cai completamente, como já o demonstramos, porque, segundo eles, os Éões no Pleroma são, às vezes mais às vezes menos. Portanto, não são trinta os Éões, nem por isso o Salvador foi ao batismo aos trinta anos para indicar os trinta Éões, envolvidos no silêncio, de outro modo seria ele o primeiro a ser separado e expulso do Pleroma dos Éões. Dizem também que sofreu no décimo segundo mês, de forma que teria pregado um só ano depois do batismo e procuram explicar isso com o texto profético que diz: "Proclamar o ano de graça do Senhor, o dia da retribuição" (Cf Is 61,2; Lc 4,19). Mas são verdadeiramente cegos os que afirmam ter descoberto as profundezas do Abismo e não entendem o que é o ano de graça do Senhor e o dia da retribuição de que fala Isaías. Porque o profeta não fala de um dia de doze horas nem de um ano de doze meses, e eles mesmos reconhecem que os profetas disseram muitas coisas por meio de parábolas e alegorias e não no sentido literal das palavras. -- É chamado dia da retribuição aquele em que o Senhor "retribuirá a cada um segundo as suas obras" (Rm 2,6; Cf Mt 16,27), isto é, o dia do juízo. E o ano de graça do Senhor é o tempo presente em que são chamados os que crêem nele e se tornam aceitos por Deus, isto é, o tempo todo que intercorre entre a sua vinda e a consumação final no qual adquire como frutos aqueles que se salvam. De fato, segundo a palavra do profeta o ano é seguido pelo dia da retribuição: o profeta teria mentido se tivesse somente pregado por um ano e se tivesse falado disso. Com efeito, onde está o dia da retribuição? O ano passou e o dia da retribuição não aconteceu; e Deus ainda faz "o sol levantar-se sobre os bons e os maus, e chover sobre os justos e os injustos" (Mt 5,45). Os justos são perseguidos, atormentados e mortos e os pecadores estão na abundância e "bebem ao som das cítaras e dos tamborins sem se importar com as obras do Senhor" (Is 5,12). Ora, segundo a citação, as duas coisas devem estar juntas e o ano deve ser seguido pelo dia da retribuição; de fato se diz: Proclamar o ano de graça do Senhor, o dia da retribuição. Por isso justamente se entende por ano de graça o tempo presente em que os homens são chamados e salvos pelo Senhor ao qual seguir-se-á o dia da retribuição, ou juízo. Por outro lado, não é somente com o nome de ano que é designado este tempo, mas também é chamado dia, quer pelo profeta, quer por Paulo. Com efeito, o Apóstolo, citando as Escrituras, na carta aos Romanos diz: "Como está escrito: por tua causa somos postos à morte o dia todo, somos considerados como ovelhas destinadas ao matadouro" (Rm 8,36; Sl 43,23). A expressão "o dia todo" deve ser entendida por todo este espaço de tempo em que somos perseguidos e degolados como ovelhas. Ora, como este dia não significa um dia de doze horas, e sim o tempo todo no qual sofrem e são mortos por causa do Cristo os que crêem nele, assim também por ano não se entende o ano de doze meses, e sim todo o tempo da fé em que os homens escutam a pregação, crêem e, tornando-se aceitos pelo Senhor, são unidos a ele. -- Devemo-nos admirar bastante de como os que afirmam ter descoberto as profundezas de Deus (Cf 1Cor 2,10) não tenham procurado nos evangelhos quantas vezes, nos tempos da Páscoa, o Senhor subiu a Jerusalém depois do batismo, como de costume faziam os judeus: todos os anos, de todas as partes iam a Jerusalém para ali celebrarem a festa da Páscoa. Foi a Jerusalém pela primeira vez na festa da Páscoa, depois que em Caná da Galiléia transformou a água em vinho (Cf Jo 2,1-11), quando, como está escrito, "muitos creram nele ao ver os milagres que fazia" (Jo 2,23), como o lembra João, o discípulo do Senhor. Depois ele se retira e o encontramos na Samaria, quando se entreteve com a samaritana (Cf Jo 4,1-42); em seguida curou o filho do centurião, a distância e com uma palavra, ao dizer: "Vai, teu filho vive" (Jo 4,50). Depois disto, subiu segunda vez a Jerusalém para a festa da Páscoa, quando curou o paralítico que jazia já há trinta e oito anos à beira da piscina, e lhe ordenou levantar-se, tomar o seu leito e ir embora (Jo 5,1-15). Em seguida retirou-se ao outro lado do mar de Tiberíades, onde, com cinco pães, saciou toda aquela multidão que o tinha seguido, e ainda se encheram doze cestos com os pedaços que sobraram (Cf Jo 6,1-13). Em seguida, depois de ter ressuscitado Lázaro dos mortos (Cf Jo 11,1-44) e sendo-lhe armadas insídias pelos fariseus, se retirou à cidade de Efrém (Cf Jo 11,47-54) e de lá, "seis dias antes da Páscoa, foi a Betânia", como está escrito, de onde subiu a Jerusalém (Jo 12,1-12); aí comeu a páscoa e sofreu a paixão, no dia seguinte. Todos admitirão que três páscoas não se celebram num só ano. E o mês em que se celebrava a Páscoa e durante o qual o Senhor sofreu a paixão, não era o décimo segundo, e sim o primeiro: e eles, que se vangloriam de saber tudo, se não o souberem, podem aprendê-lo de Moisés (Cf Êx 12,11; Lv 23,5; Nm 9,5). Portanto, está claro que a interpretação do ano e do décimo segundo mês é errada e devem renunciar a ela ou ao Evangelho: do contrário, como pôde o Senhor pregar somente durante um ano? -- Foi receber o batismo com a idade de trinta anos, e depois, tendo a idade perfeita de mestre, foi a Jerusalém, e justamente podia ouvir a todos chamá-lo mestre; ele não era diferente daquilo que parecia, como dizem os que o julgam aparente, mas o que era também o mostrava. Verdadeiro mestre com a idade de mestre, sem renegar nem ultrapassar a humanidade, não aboliu em si a lei do gênero humano e santificou todas as idades, por aquela semelhança que estava nele. Veio para salvar a todos mediante a sua pessoa, todos, digo, os que por sua obra renascem em Deus, crianças, meninos, adolescentes, jovens e adultos. Eis por que passou por todas as idades, tornando-se criança com as crianças, santificando as crianças; com os adolescentes se fez adolescente, santificando os que tinham esta mesma idade e tornando-se ao mesmo tempo para eles o modelo de piedade, de justiça e de submissão. Jovem com os jovens, tornou-se seu modelo e os santificou para o Senhor; da mesma forma se tornou adulto entre os adultos, para ser em tudo o mestre perfeito, não somente quanto à exposição da verdade, mas também quanto à idade, santificando ao mesmo tempo os adultos e tornando-se também modelo para eles. E chegou até a morte para ser o primogênito entre os mortos e ter a primazia em tudo (Cf Cl 1,18), o iniciador da vida (Cf At 3,15), anterior a todos e precedendo a todos. -- Eles, porém, para confirmar a sua teoria com o que foi escrito: proclamar o ano de graça do Senhor, dizem que pregou durante um ano e sofreu a paixão no décimo segundo mês. Não se dão conta com isso que estão em contradição consigo mesmos e anulam toda a obra do Senhor, tirando-lhe o período mais necessário e honrado da vida, quero dizer, a idade madura na qual era o guia para todos com seu ensinamento. Como podia ter discípulos se não ensinava, e como podia ensinar sem a idade de mestre? Quando foi receber o batismo ainda não completara trinta anos, tinha apenas entrado nos trinta - Lucas, de fato, indica a idade do Senhor com estas palavras: "Jesus estava quase começando os trinta anos quando foi ao batismo" (Lc 3,23) - e depois do batismo pregou somente durante um ano, completando os trinta anos sofreu a paixão, quando ainda era homem jovem e não tinha ainda atingido uma idade avançada. Todos estão de acordo que trinta anos é a idade de homem ainda jovem, idade que se estende até aos quarenta; dos quarenta aos cinqüenta declina na senilidade. Era nesta idade que nosso Senhor ensinava, como o atesta o Evangelho e todos os presbíteros da Ásia que se reuniram em volta de João, o discípulo do Senhor, que ficou com eles até os tempos de Trajano, afirmam que João lhes transmitiu esta tradição. Alguns destes presbíteros que viram não somente João, mas também outros apóstolos e os ouviram dizer as mesmas coisas, testemunham isso tudo. Em quem mais devemos acreditar: nestes presbíteros ou em Ptolomeu, que nunca viu os apóstolos e sequer em sonhos seguiu algum deles? -- Os judeus que disputavam com o Senhor Jesus Cristo indicaram clarissimamente a mesma coisa. Quando o Senhor lhes disse: Abraão, vosso pai, alegrou-se porque viu o meu dia; ele viu e encheu-se de alegria, eles lhe responderam: "Ainda não tens cinqüenta anos e viste Abraão?" (Jo 8,56-57). Isto é dito justamente a um homem que passou dos quarenta, mas ainda não atingiu os cinquenta anos e está próximo deles. Para um homem que tenha trinta anos dir-se-ia: Ainda não tens quarenta anos. Os que o queriam mostrar como mentiroso não queriam ir muito além da idade que viam nele, mas lhe deviam dar a idade mais aproximada, quer a conhecessem pelo recenseamento, quer, baseados no aspecto, julgassem ter mais de quarenta anos, de qualquer forma não trinta. Seria irracional por parte deles um desvio de vinte anos quando queriam provar que ele era posterior à época de Abraão. Eles diziam o que viam e aquele que viam não era aparência, e sim era de verdade. Não devia estar longe dos cinqüenta anos e é por isso que os judeus lhe podiam dizer: Ainda não tens cinqüenta anos e viste Abraão? Concluímos que não pregou somente durante um ano e que não sofreu a paixão no décimo segundo mês. O período dos trinta aos cinqüenta anos nunca será equivalente a um ano, a não ser que lá, no Pleroma, onde estão os Éões sentados em ordem, com o Abismo, os anos tenham duração tão grande. Assim como disse o poeta Homero, ele também inspirado pela Mãe do erro deles - permiti-me a citação numa versão minha: - "Os deuses estavam sentados ao lado de Júpiter num piso de ouro e se entretinham" (Cf Homero, Ilíada 4,1). -- A ignorância deles também se manifesta a respeito daquela mulher que, sofrendo de perda de sangue, foi curada ao tocar a orla da veste do Senhor (Cf Mt 9,20-22). De fato, dizem que por meio dela indica-se aquela duodécima Potência que sofreu a paixão que perdurou indefinidamente, isto é, o duodécimo Éon. Ora, segundo o seu sistema, este Éon não é o décimo segundo, como já demonstramos. Admitamos também que, dos doze Éões, onze se mantiveram impassíveis e que somente o décimo segundo tenha caído na paixão: a mulher, porém, curada no décimo segundo ano, indica claramente que sofreu durante onze anos e que foi curada no décimo segundo. Seria mais certo dizer que a mulher é a figura destes doze Éões afirmando que onze Éões foram tomados de paixão insanável, e que foi curado o décimo segundo. Mas se a mulher sofreu durante onze anos sem ser curada e o foi somente no décimo segundo, como pode ser a figura dos doze Éões, quando onze entre eles não sofreram absolutamente nada e somente o décimo segundo foi tomado pela paixão? O tipo e a imagem diferem às vezes da realidade pela matéria ou pela natureza, mas devem conservar a semelhança com os costumes e lineamentos e por ela mostrar presentes as coisas ausentes. -- Esta não é a única mulher de quem foram determinados os anos da doença - que eles dizem concordar com a sua invenção - porque também há outra mulher que foi curada depois de dezoito anos de doença, da qual o Senhor diz: "Esta filha de Abraão, que Satanás amarrou durante dezoito aos, não deveria ser solta em dia de sábado?" (Lc 13,16). Se aquela era o tipo do décimo segundo Éon tomado pela paixão, esta deveria ser o tipo do décimo oitavo Éon tomado pela paixão. Mas eles não podem dizer isso, porque, assim sendo, a primitiva e fundamental Ogdôada deveria ser contada com os Éões tomados pela paixão. Há ainda outro doente que foi curado pelo Senhor depois de trinta e oito anos de doença, e então deveriam dizer que o trigésimo oitavo Éon também caiu na paixão. Ora, se os atos do Senhor são, como dizem, o tipo do que está no Pleroma, o tipo se deve manter sempre em tudo; mas nem a mulher curada depois de dezoito anos, nem o homem, depois de trinta e oito, podem ser aplicados à sua teoria. É ilógico e contraditório dizer que o Salvador, nalguns casos, conservou a figura do Pleroma e, noutros, não. Portanto, o tipo da mulher é diferente do que acontece com os Éões. Números irredutíveis -- A falsidade das suas invenções e a inconsistência das suas ficções aparece quando tentam trazer provas tiradas, algumas vezes, dos números, contando as sílabas dos nomes ou contando as letras das sílabas, outras, somando os números correspondentes às letras do alfabeto grego. Este procedimento é prova clara da pobreza, da inconsistência e da artificialidade de sua gnose. O nome Jesus, que pertence a outra língua, traduzido para o grego, é chamado ora de "episema", palavra de seis letras, ora de Pleroma das Ogdôadas porque possui o número 888. Mas o nome grego do Salvador, que é Sotér, e que não combina com a sua invenção nem pelo número nem pelas letras, eles o esquecem de mansinho. Portanto, se tivessem recebido da providência do Pai os nomes divinos que indicam pelo número e pelas letras o número dos Éões do Pleroma, a palavra grega Sotér deveria revelar pelo número e pelas letras gregas o mistério do Pleroma. Mas não é assim que acontece: esta palavra tem cinco letras e o valor numérico delas é 1408, que não corresponde a nada no seu Pleroma. Portanto, não é verdadeira a história do Pleroma que eles contam. -- Quanto ao nome de Jesus, na língua hebraica à qual pertence, se compõe de duas letras e meia, como dizem os sábios judeus, e significa "o Senhor que contém o céu e a terra"; no hebraico antigo "Senhor" se diz "Iah" e "céu e terra", "samaim wa'arets". O Verbo que contém o céu e a terra é o próprio Jesus. É falsa, portanto, a explicação que dão do episema e manifestamente errado o número. Na língua deles, o grego, a palavra Sotér tem cinco letras e Jesus, em hebraico, tem duas letras e meia: assim desaba o cálculo dos números, que é 888. As letras hebraicas não coincidem com os números gregos, quando deveriam coincidir, e mais antigas e excelentes deveriam salvar os cálculos numéricos dos nomes. As letras hebraicas antigas, primitivas, chamadas sacerdotais, estão dispostas em grupos de dez mais cinco, de forma que a primeira coincida com a última do grupo precedente; e estão escritas a seguir, como nós costumamos, enquanto aquelas o são da direita para a esquerda. O Cristo deveria também possuir um nome cujo número correspondesse aos Éões do Pleroma, porque foi emitido para a consolidação e correção do Pleroma, como dizem. Assim também o Pai, nos números e nas letras deveria compreender em si o número dos Éões emitidos por ele; igualmente o Abismo e não menos o Unigênito; mas sobretudo o nome hebraico que se atribui a Deus, Baruch, com duas letras e meia. Se os nomes mais importantes, tanto no grego como no hebraico, não concordam com a sua invenção nem pelo número das letras nem pela soma dos números, está claro que também o resto é impudente falsificação. -- Eles selecionam da Lei tudo o que concorda com os números de seu sistema, e, forçando os textos, se empenham em apresentar provas. Mas se a Mãe deles ou o Salvador quisessem mostrar, por meio do Demiurgo, as figuras das realidades que estão no Pleroma, teriam usado como tipo coisas mais verdadeiras e mais santas e sobretudo a arca da aliança para a qual foi construído todo o tabernáculo do testemunho. Ora, a arca foi construída com dois côvados e meio de comprimento, um e meio de largura e um meio de altura (Cf Êx 25,10); mas os números dos côvados não correspondem em nada com a sua fábula, ao passo que deveriam corresponder mais que os outros. O propiciatório também não concorda em nada com as suas explicações, como não concorda a mesa da proposição de dois côvados de comprimento, um de largura e um e meio de altura (Cf Êx 25,17 23): sequer uma das medidas destas coisas que estão no Santo dos santos lembra a Tétrada, a Ogdôada ou o resto do Pleroma. E o candelabro de sete braços e sete lâmpadas? (Cf Êx 25,31-39). Se fora feito para servir de figura deveria ter oito braços e outras tantas lâmpadas para representar a primeira Ogdôada que resplandece entre os Éões e ilumina todo o Pleroma. Contaram cuidadosamente as dez tendas do tabernáculo (Cf Êx 26,1) dizendo ser o tipo dos dez Éões, mas não contaram as de pele, que eram onze; como também não mediram o tamanho das cortinas, que mediam vinte e oito côvados. Explicam também pela década de Éões o comprimento das colunas que era de dez côvados, mas a largura de um côvado e meio que tinha cada coluna não a dizem, como não dão o total das colunas nem das travessas, porque não estão de acordo com o seu sistema (Cf Êx 26,7 2 16-28). Que dizer do óleo da unção que santificou todo o tabernáculo? Talvez o Salvador sequer tenha pensado nele, e a Mãe deles deve ter dormido quando o Demiurgo estabeleceu por sua conta o peso dele. É por isso que não está de acordo com o Pleroma: 500 siclos de mirra, 500 siclos de cássia, 250 siclos de cinamomo, 250 de cálamo balsâmico, e, além disso, o óleo, afinal, uma mistura de cinco elementos (Cf Êx 30,23-25). E o incenso composto de estoraque, craveiro e gálbano, aromas e incenso puro (Cf Êx 30,34), coisas que nem pela composição nem pelo peso se referem sequer de longe ao seu sistema. Portanto, a atitude deles é irracional e sem finura, porque nos elementos mais sublimes e sagrados da Lei não se cumprem os tipos e nos outros, quando um número está de acordo com o que dizem, afirmam que é uma figura das realidades que estão no Pleroma. Com efeito, podem-se encontrar nas Escrituras números de toda espécie, de modo que quem quiser encontra não somente a Ogdôada, a Década e a Duodécada, mas qualquer número que sirva de tipo para o erro que eles anunciam. -- Por ser verdade que o número cinco não corresponde a nada no seu sistema, que não tem equivalente nas suas invenções e que não tem utilidade alguma para demonstrar, a partir de tipos, as realidades do Pleroma, eis a prova que se tira das Escrituras. O nome Sotér tem cinco letras, mas também têm cinco letras os nomes Patér e agápe. Com cinco pães abençoados nosso Senhor saciou cinco mil homens (Cf Mt 14,15-21); cinco são as virgens sábias de quem falou o Senhor, e cinco também as estultas (Cf Mt 25,1-13). Eram igualmente cinco os homens que estavam com o Senhor no momento em que o Pai lhe dava testemunho, isto é, Pedro, Tiago, João, Moisés e Elias (Cf Mt 17,1-8). O Senhor entrou em quinto lugar no quarto da menina falecida quando a ressuscitou: de fato está escrito: "Não deixou entrar ninguém, exceto Pedro, João, o pai e a mãe da menina" (Lc 8,51). Aquele rico que estava no inferno disse que tinha cinco irmãos e pedia que alguém ressuscitado (Cf Lc 16,19-31) dos mortos fosse avisá-los. A piscina, onde o Senhor ordena ao paralítico curado que volte para casa, tinha cinco pórticos (Cf Jo 5,2-15). A estrutura da cruz tem cinco extremidades, duas no comprimento, duas na largura e uma ao centro em que se apóia o crucificado. Cada uma das nossas mãos tem cinco dedos; temos cinco sentidos; no nosso interior podemos contar cinco partes: coração, fígado, pulmões, baço e rins. Ainda: o corpo do homem pode ser dividido em cinco partes: cabeça, peito, ventre, pernas e pés. O homem passa por cinco idades: criança, menino, adolescente, adulto e velho. Moisés deu a Lei ao povo em cinco livros; cada tábua da Lei que recebeu de Deus continha cinco mandamentos. O véu que cobria o Santo dos santos tinha cinco colunas (Cf Êx 26,37). A altura do altar dos holocaustos tinha a altura de cinco côvados (Cf Êx 27,1). No deserto foram escolhidos cinco sacerdotes: Aarão, Nadab, Abiú, Eleazar, Itamar (Cf Êx 28,1). A túnica, o efod e os outros ornamentos sacerdotais eram enfeitados por uma composição de cinco elementos: ouro, púrpura violeta, púrpura escarlate, carmesim e linho fino (Cf Êx 28,5). Josué, filho de Nun, mandou fechar na gruta e depois pisar a cabeça pelo povo a cinco reis amorreus (Cf Js 10,16-27). E era possível tirar, quer das Escrituras, quer das obras da natureza, que estão debaixo dos nossos olhos, milhares e milhares de exemplos desta espécie, para exemplificar o número cinco ou qualquer número que se queira. Mas nem por isso dizemos que há cinco Éões acima do Demiurgo, nem fazemos de uma Pêntada uma entidade divina, nem tentamos confirmar fantasias sem consistência com este trabalho insano; não obrigamos uma criação tão bem ordenada por Deus a transformar-se miseravelmente na figura de realidades que não existem e tomamos cuidado para não introduzir doutrinas ímpias e sacrílegas que podem ser desmascaradas e refutadas por quem quer que esteja de posse de suas faculdades. -- Quem poderá estar de acordo com eles quanto a um ano de 365 dias, dividido em 12 meses e meses de 30 dias que sejam o tipo dos 12 Éões se o tipo não se assemelha à realidade? Lá, cada um dos Éões é a trigésima parte de todo o Pleroma e, segundo eles, o mês é um dozeavo do ano. Ora, se dividissem o ano em 30 meses e cada mês em 12 dias, podia-se pensar que esta figura se ajustava à sua invenção, mas na realidade acontece o contrário. Com efeito, o Pleroma se divide em trinta Éões e uma parte dele em doze, quando o ano é dividido em doze partes e cada uma delas em trinta. Portanto foi com pouca inteligência que o Salvador fez com que o mês seja o tipo de todo o Pleroma e o ano a figura da Duodécada que está no Pleroma: era muito mais conveniente dividir o ano em trinta partes sobre o modelo do Pleroma inteiro e o mês em doze partes, sobre o modelo dos doze Éões que estão no Pleroma. Eles dividem ainda todo o Pleroma em três grupos, a Ogdôada, a Década e a Duodécada; mas o ano se divide em quatro partes, a primavera, o verão, o outono e o inverno. Mais ainda: os próprios meses, que são a figura dos trinta Éões, não têm todos exatamente trinta dias; alguns têm mais e outros menos, de sorte que sobram cinco; até os dias não têm sempre doze horas certas, mas vão aumentando de nove a quinze horas para em seguida diminuir de quinze para nove. Por isso não foi por causa dos trinta Éões que foram feitos os meses de trinta dias, porque se assim fosse teriam exatamente trinta dias; como também não foi para figurar a Duodécada que foram feitos os dias com doze horas, porque então teriam exatamente doze horas. -- Além disso, chamando os seres terrenos de esquerda e dizendo que o que é da esquerda deve cair necessariamente na corrupção e que o Salvador veio para a ovelha desgarrada (Cf Lc 15,6) precisamente para levá-la à direita com as 99 salvas, que não se desgarraram, mas ficaram no redil, devem admitir que tudo o que é da esquerda está excluído da salvação. O que não tem número 100 devem chamá-lo de esquerda e por isso destinado a perecer. Então é de esquerda também o nome grego agápe, que pela soma do valor das letras gregas que eles fazem, tem o valor de 93. Da mesma forma a palavra "verdade", quando se faz a mesma conta, tem o número 64, se encontra entre as coisas materiais. Pois, absolutamente todos os nomes das coisas santas que não chegam ao número 100 e só têm números de esquerda devem necessariamente considerá-los corruptíveis e materiais. GNOSE VERDADEIRA E GNOSE FALSA Mistério de Deus e atitude do homem -- Ora, se alguém perguntasse: foi, então, sem motivo e ao acaso que se deu a imposição dos nomes, a escolha dos apóstolos, a atividade do Senhor, o ordenamento das coisas criadas? Nós responderíamos: absolutamente não. Deus fez tudo com a máxima sabedoria e diligência, conferindo proporção e harmonia a todas as coisas, quer as antigas, quer as que o seu Verbo fez nos últimos tempos. E não devem ser relacionadas com o número trinta, e sim com a realidade e a razão, como não se deve procurar a Deus por meio de números, sílabas e letras; porque seria argumento demasiado fraco, dada a variedade e multiplicidade deles; além disso, quem quisesse poderia usá-los, ainda hoje, como prova das coisas mais contrárias à verdade, porque podem ser interpretados de variadíssimas formas. Devem-se aplicar os números e as coisas criadas à doutrina fundamental da verdade: não é a doutrina que deriva dos números, e sim os números da doutrina; não é Deus que depende das coisas, e sim as coisas de Deus; com efeito, tudo vem de um só e único Deus. -- As coisas criadas são muitas e diversas e quando situadas no conjunto das coisas criadas estão cheias de proporção e de harmonia, mas quando consideradas uma por uma aparecem como contrárias e discordantes; é como os sons de cítara que, pelos intervalos que os separam, produzem melodia única e harmoniosa, ainda que formada por sons múltiplos e opostos. E o amante da verdade não se deve deixar enganar pelo intervalo de cada som e atribuir-lhe autor ou artista diverso, onde um teria composto os sons agudos, outro os graves e outro os intermédios, mas deve reconhecer que um só fez com que aparecesse a sabedoria, a justiça, a bondade e a munificência da obra inteira. Os que escutam a melodia devem louvar e glorificar o Artista que a fez; de alguns sons devem admirar a amplidão, de outros a doçura, de outros a fusão entre estes elementos, e de outros a idéia que querem transmitir, procurando as motivações, porém sem nunca se afastar da regra, nem afastar-se do Artista, nem renegar a fé no único Deus, criador de todas as coisas, nem blasfemar o nosso Criador. -- E se alguém não chega a encontrar a explicação de tudo o que procura, lembre-se de que é homem, infinitamente inferior a Deus, que recebeu a graça de maneira limitada (1Cor 13,9 12), que ainda não é semelhante nem igual a seu Autor e que não pode ter a experiência e o conhecimento de todas as coisas como Deus. Assim como aquele que foi criado e recebeu hoje o início de sua existência é inferior Àquele que não foi criado e é sempre igual a si mesmo, assim também é inferior Àquele que o fez na ciência e na investigação das causas supremas. Tu, ó homem, não és incriado e não existias junto a ele como o seu próprio Verbo; mas pela sua supereminente bondade recebeste agora o início da existência e aprendes do Verbo, pouco a pouco, as economias de Deus que te criou. -- Conserva a modéstia do teu saber e não tenhas a presunção, na ignorância dos teus bens, de ultrapassar o próprio Deus, porque sequer pode ser atingido; não procures o que pode haver acima do Criador, pois não o encontrarás, porque o teu Autor é sem limites. Nem vá a ele como se já o tivesses medido todo, como se já tivesses explorado toda a sua atividade criadora, como se tivesses avaliado a sua profundeza, largura e altura; não imagines acima dele outro Pai: não terias pensado justo, porque só terias pensado estupidamente contra a natureza das coisas; e se persistires em julgar-te melhor e mais sublime do que o teu Criador e pensares ter ultrapassado a esfera dele, cairás na maior loucura. -- É melhor e mais útil ser ignorante ou de pouca cultura e aproximar-se de Deus pela caridade do que julgar-se sábio e experto e encontrar-se blasfemador contra o Senhor por ter inventado outro Deus e Pai. É por isso que Paulo gritou: "A ciência infla, mas a caridade edifica!” (1Cor 8,1). Ele não condenava o conhecimento verdadeiro de Deus, porque se o tivesse feito seria o primeiro a se acusar, mas porque sabia que alguns, inflados de orgulho por causa da ciência, se afastariam do amor de Deus, julgar-se-iam perfeitos e o Criador imperfeito. É para lhes cortar o orgulho por esta pretensa ciência que Paulo diz: A ciência infla, mas a caridade edifica. Com efeito, não há orgulho maior do que se julgar melhor e mais perfeito do que o próprio criador, modelador, doador do hálito de vida e do próprio ser (Cf Sl 118,73; Jó 10,8; Gn 2,7). É melhor, repito, que alguém não saiba absolutamente nada, sequer um motivo do por que foram criadas as coisas e acreditar em Deus e perseverar no seu amor (Cf Jo 15,9-10) do que encher-se de orgulho por motivo desta pretensa ciência e afastar-se deste amor que vivifica o homem. É melhor não querer saber nada a não ser Jesus Cristo, o Filho de Deus, que por nós foi crucificado (Cf 1Cor 2,2), do que, por causa da subtileza das questões e das muitas palavras, cair na negação de Deus (As relações entre ciências e fé, ciência e revelação, razão e fé, eram preocupações dos contemporâneos de Ireneu. Ele, porém, não se envolve nestas questões. Sabe que pela razão se pode chegar ao conhecimento de Deus; a consciência plena, todavia, só acontece pela Revelação). -- Que dizer de um homem que, experimentando orgulho por causa deste esforço, ao ouvir o Senhor dizer que "os cabelos de vossa cabeça estão todos contados" (Mt 10,30), quisesse, na sua curiosidade, saber o número dos cabelos de cada cabeça e o motivo pelo qual alguém tem tantos e outro menos? Porque nem todos têm o mesmo número e se encontram milhares de milhares de números diferentes, porque alguém tem a cabeça maior e outro menor, um os têm densos e outro ralos e outro quase nenhum. E se, pensando ter encontrado este número, quisesse usá-lo como prova de um sistema que por acaso tivesse inventado? Ou se algum outro lendo o que se diz no Evangelho: "Não se vendem dois pardais por alguns centavos? No entanto nenhum deles cai no chão sem o consentimento de vosso Pai" (Mt 10,29), quisesse contar os pardais que são capturados todos os dias no mundo ou numa determinada região e procurar o motivo pelo qual ontem foi apanhado tal número, e anteontem outro e hoje outro ainda, e aplicasse o número dos pardais capturados à sua teoria, não enganaria completamente a si mesmo e não induziria à loucura enorme os que nele acreditam - visto que há sempre homens que, nestes casos, pensam ter encontrado alguma coisa mais que os seus mestres? -- Se alguém nos perguntar se Deus conhece o número total de todas as coisas que foram e são feitas, e se cada uma recebeu a própria quantidade conforme a providência de Deus, lhe responderemos afirmativamente. Com efeito, absolutamente nada do que foi e é feito escapa ao conhecimento de Deus, e pela sua providência tudo recebeu e recebe a forma, a ordem, o número e a quantidade próprios e nada foi ou é feito sem motivo e ao acaso, mas tudo com profunda harmonia e arte sublime; e há um Intelecto admirável que pode entender e dar a conhecer as causas das coisas. E se este alguém ao receber este nosso testemunho e consenso, começar a contar os grãos de areia e as pedras da terra, as ondas do mar e as estrelas do céu e perscrutar as causas dos números que pensa ter encontrado, não será julgado justamente por todos os que ainda têm bom senso como extravagante e louco que perdeu o seu tempo? E quanto mais do que os outros se ocupar nestas questões e pensar ultrapassá-los pelas suas descobertas, tratando-os de incapazes, ignorantes e psíquicos, porque não se dedicam a trabalho tão inútil, tanto mais será insensato e estúpido, semelhante a alguém fulminado pelo raio, obstinado contra Deus; pela ciência que acredita ter descoberto troca o próprio Deus, lançando a sua opinião contra a majestade do Criador. -- Em compensação, uma inteligência sã, equilibrada, piedosa e amante da verdade dedicar-se-á a considerar as coisas que Deus pôs em poder dos homens, à disposição dos nossos conhecimentos, e aplicando-se a elas com todo o seu ardor, progredirá e, pelo estudo constante, terá conhecimento profundo. Estas coisas são tudo o que cai debaixo dos nossos olhares e tudo o que está contido, claramente e sem ambigüidade, em termos próprios nas Escrituras. Eis por que as parábolas não devem ser adaptadas a coisas ambíguas, porque quem as explica o deve fazer sem acrobacias e devem ser explicadas por todos da mesma maneira, e assim o corpo da verdade se manterá íntegro, harmoniosamente estruturado e livre de transformações. Mas aplicar, nas explicações das parábolas, coisas que não são expressas claramente e são ocultas e que cada um pode imaginar da maneira que quiser é não ter nenhuma regra da verdade: quantos são os exegetas tantas serão as verdades antagônicas e as teorias contraditórias, como nas disputas dos filósofos pagãos. -- Desta forma, o homem estará sempre à procura da verdade sem nunca encontrá-la, por ter rejeitado o método próprio da pesquisa. E quando o Esposo chegar, quem não tem a sua lâmpada pronta, não iluminada por luz brilhante, recorre aos que nas trevas retorcem as explicações das parábolas, abandonando aquele que pela pregação clara lhe concederia gratuitamente a entrada, e fica excluído das núpcias (Cf Mt 25,1-12). Ora, todas as Escrituras, profecias e evangelhos, que todos têm a possibilidade de ouvir, ainda que nem todos acreditem, proclamam claramente e sem ambigüidade, excluindo qualquer outro, que um só e único Deus criou todas as coisas por meio de seu Verbo, as visíveis e as invisíveis, as celestes e as terrestres, as que vivem na água e as que se arrastam debaixo da terra, como demonstramos com as próprias palavras da Escritura. Por seu lado, o mundo em que nós estamos, por tudo o que apresenta aos nossos olhares, testemunha que é único quem o fez e o governa. Então, como parecem néscios os que diante de manifestação tão clara, estão com os olhos cegos e não querem ver a luz da pregação, que se fecham em si mesmos e com explicações obscuras das parábolas se imaginam, cada um, de ter encontrado o seu Deus! Com efeito, no que diz respeito ao Pai imaginado por eles, nenhuma Escritura diz algo claramente, em termos próprios e sem contestação possível; e eles próprios são testemunhas disso quando afirmam que o Salvador ensinou estas coisas secretamente, não a todos, mas a alguns discípulos capazes de entendê-las (Cf Mt 19,12), indicando-as por meio de provas, enigmas e parábolas. E chegam ao ponto de dizer que um é o que é chamado Deus e outro é o Pai, indicado pelas parábolas e pelos enigmas. -- Como as parábolas podem ter muitas explicações, qual é o homem, amante da verdade, que não convirá que seria perigoso e irracional basear-se nelas na procura de Deus e deixar o que é certo, indubitável e verdadeiro? Não é isso edificar a própria casa não sobre a rocha firme e estável e descoberta, mas na insegurança da areia instável? Por isso, o desmoronamento desta construção é fácil (Cf Mt 7,24-27). -- Possuindo, portanto, como Regra a própria verdade e o testemunho evidente de Deus, não devemos, ao procurar em todas as direções uma resposta às nossas questões, abandonar o sólido e verdadeiro conhecimento de Deus. Devemos, sim, orientando a solução das questões neste sentido, aprofundar a procura do mistério da economia que vem de Deus, crescer no amor daquele que tanto fez para nós e continuamente faz. Nunca devemos abandonar a convicção que nos faz proclamar, da maneira mais categórica, que ele é o único e verdadeiro Deus e Pai que fez este mundo, que plasmou o homem e o fez crescer na sua criação e o chamou da baixeza humana para as coisas maiores que estão junto de si. Assim como a criança, depois de ser concebida no seio materno é dada à luz do sol e como o trigo amadurecido na espiga é depositado no celeiro. Único e idêntico é o Criador que plasmou o seio e criou o sol; único e idêntico é o Senhor que fez crescer a espiga e multiplicou o trigo e preparou o celeiro (Cf Mt 3,12). -- Se não podemos encontrar a solução de todas as questões que são propostas nas Escrituras nem por isso devemos procurar outro Deus fora daquele que é o verdadeiro Deus; seria o máximo da impiedade. Devemos deixá-las para o Deus que nos criou, bem sabendo que as Escrituras são perfeitas, entregues pelo Verbo de Deus e pelo seu Espírito e nós tanto somos pequenos e últimos em relação ao Verbo de Deus e ao seu Espírito quanto precisamos receber o conhecimento dos mistérios de Deus. Por outro lado, não há que admirar se isso nos acontece nas coisas espirituais, celestes, que devem ser reveladas, porque até das coisas que estão ao nosso alcance - quero dizer daquelas que pertencem a este mundo criado que podemos tocar, ver, que estão ao nosso lado - muitas escapam ao nosso conhecimento e as deixamos a Deus. É necessário que ele esteja acima de todos. Que aconteceria se quiséssemos explicar as causas da cheia do Nilo? Poderíamos dizer coisas mais convincentes ou menos, mas a verdade certa e firme só Deus sabe. Nós sequer sabemos onde é a morada das aves que vêm aqui na primavera e partem no outono, contudo é fato que acontece neste mundo. Qual a explicação que poderíamos dar do fluxo e refluxo do mar, porque é evidente que estes fenômenos têm causa bem determinada. O que podemos afirmar das coisas que estão do outro lado do Oceano? Ou ainda, que sabemos sobre a origem da chuva, dos relâmpagos, dos trovões, das nuvens, da neblina, dos ventos e coisas semelhantes? Onde se armazenam a neve e o granizo (Cf Jó 38,22) e coisas semelhantes? O que sabemos da composição das nuvens, da natureza da neblina? Por que a lua é ora crescente ora minguante? Ou ainda, qual é a causa das diferenças das águas, dos metais, das pedras e coisas semelhantes? De todas estas coisas poderíamos falar longamente, nós que procuramos as causas das coisas, mas somente Deus que as fez pode dizer a verdade. -- Se, portanto, até nas coisas criadas, a ciência de algumas coisas é reservada a Deus, de outras é possível também a nós, qual é a dificuldade em pensar que entre os problemas propostos pelas Escrituras - estas Escrituras que são inteiramente espirituais - alguns os resolvamos com a graça de Deus e outros os tenhamos de deixar para ele, e não somente no mundo presente, mas também no futuro, de forma que Deus seja sempre o mestre e que o homem seja sempre o discípulo de Deus? Como disse o Apóstolo, quando será abolido tudo o que é parcial, permanecerão a fé, a esperança e a caridade (Cf 1Cor 13,9-13). A fé no nosso mestre resta firme, assegurando-nos que ele é o verdadeiro Deus, que o devemos amar sempre porque somente ele é Pai, que devemos esperar receber e aprender dele sempre mais, porque ele é bom, as suas riquezas são infinitas, seu reino sem fim, sua doutrina sem confins. Se, portanto, da maneira que acabamos de dizer, deixarmos a Deus algumas questões, conservaremos a nossa fé, e estaremos longe dos perigos e encontraremos concorde toda a Escritura que Deus nos deu; as parábolas concordarão com as passagens claras e estas explicarão as parábolas e, na polifonia dos textos, escutaremos em nós uma só melodia harmoniosa a cantar o Deus que fez todas as coisas. Se, por exemplo, nos perguntarem: O que Deus fazia antes de criar o mundo? diremos que a resposta está somente com Deus. Que Deus tenha feito este mundo por criação, com um início no tempo, é o que nos ensinam todas as Escrituras; mas o que fazia antes disso, nenhuma Escritura o diz. Portanto a resposta a esta pergunta pertence a Deus e não é necessário querer imaginar emanações sem sentido, loucas e blasfematórias (Cf 2Tm 2,23) e na ilusão de ter descoberto a origem da matéria, rejeitar a Deus que fez todas as coisas. -- Refleti, vós todos, inventores destas fábulas, que aquele que vós chamais Demiurgo é o único a ser chamado e a ser o verdadeiro Deus Pai; que as Escrituras conhecem somente este Deus; que o Senhor o confessa seu Pai (Cf Mt 11,25; Lc 10,21) e a nenhum outro mais, como demonstraremos com suas próprias palavras. Vós que o chamais fruto de degradação e produto de ignorância, que não conhece as coisas que estão acima dele e tudo o mais que dizeis acerca dele, considerai a enormidade da blasfêmia que proferis contra aquele que é o verdadeiro Deus. Pareceis dizer sinceramente que acreditais em Deus e depois, quando vos manifestais incapazes de nos mostrar outro Deus, proclamais fruto da degradação e produto da ignorância aquele mesmo em que dizeis acreditar. Esta cegueira e estultícia deriva do fato de nada reservar para Deus. Anunciais o nascimento e as gerações de Deus, do seu Pensamento, do Logos e da Vida e do Cristo baseados em nenhuma outra coisa que os sentimentos humanos; e não entendeis que esta linguagem pode servir quando se fala do homem que é ser compósito em que é legítimo distinguir, como o fizemos acima, o intelecto do pensamento; que do intelecto procede o pensamento; do pensamento a reflexão; da reflexão a palavra - o que é a palavra? Segundo os gregos uma é a faculdade que elabora o pensamento e outro o órgão pelo qual é emitida a palavra; e o homem às vezes está imóvel e silencioso e às vezes fala e age - mas Deus é todo Intelecto, todo Logos, todo Espírito que age, todo Luz, sempre igual e idêntico a si mesmo, como nos convém pensar de Deus, como o aprendemos das Escrituras, e em quem não podem existir estes sentimentos e estas divisões. A língua, que é carnal, não acompanha a velocidade do intelecto humano, que é espiritual, motivo pelo qual a nossa palavra é sufocada dentro e não é pronunciada toda de uma vez assim como foi concebida pelo intelecto, mas por partes, como a língua é capaz de fazer. -- Porém Deus, que é todo Intelecto e todo Logos, o que pensa diz e o que diz pensa, porque o seu Intelecto é a sua Palavra e a sua Palavra é o seu Intelecto, e o Intelecto que tudo abrange é o próprio Pai. Por isso, quem diz Intelecto de Deus e afirma que foi emitido, introduz uma composição em Deus como se Deus fosse uma coisa e o Intelecto principal outra. Da mesma forma, dando ao Logos o terceiro lugar nas emissões do Pai - o que explicaria por que o Logos ignora a grandeza do Pai, - estabelece profunda separação entre o Logos e Deus. O profeta, falando do Verbo, dizia: "Quem poderá contar a sua geração?" (Is 53,8). Vós, porém, descreveis a geração do Verbo do Pai. A pronúncia de uma palavra humana por meio da língua a aplicais tal e qual ao Verbo de Deus. Assim justamente sois vós próprios a dizer que não conheceis nem as coisas humanas nem as divinas. -- Orgulhosos, sem razão, pretendeis audaciosamente conhecer os inexprimíveis mistérios de Deus, enquanto o Senhor, que é o Filho de Deus em pessoa, disse claramente que só o Pai conhece o dia e a hora do juízo, com estas palavras: "Quanto àquele dia e hora, ninguém os conhece, nem mesmo o Filho, mas somente o Pai" (Mt 24,36). Se, portanto, o Filho não se envergonhou de reservar para o Pai o conhecimento deste dia, e se ele disse a verdade, também nós não nos devemos envergonhar de reservar para Deus as questões difíceis demais para nós, pois o discípulo não está acima do mestre (Cf Mt 10,24). Por isso, se alguém nos perguntar: Como foi gerado o Filho pelo Pai? responderemos que esta emissão ou geração ou enunciação ou manifestação ou seja qual for o nome com que se queira chamar esta geração inefável (Cf Is 53,8), ninguém a conhece, nem Valentim, nem Marcião, nem Saturnino, nem Basílides, nem os anjos, nem os Arcanjos, nem os Principados, nem as Potestades, mas somente o Pai que gerou e o Filho que foi gerado. Sendo, portanto, a sua geração inefável, todos os que tentam explicar as gerações e emissões não sabem o que dizem e prometem expor coisas indizíveis. Que a palavra é produzida pelo pensamento e pelo intelecto o sabem todos os homens. Portanto, os que inventaram as emissões não descobriram nada de novo, sequer um mistério escondido, aplicando coisas bem conhecidas ao Verbo, Filho unigênito de Deus; e ao mesmo tempo que o dizem inefável e indizível, eles lhe dão um nome, o descrevem, e como se lá estivessem presentes como obstetras expõem a sua emissão e geração primeiras, tornando-as semelhantes à palavra que os homens proferem. -- E falando a propósito da substância da matéria, não nos enganaremos ao dizer que Deus a criou, pois aprendemos das Escrituras que Deus tem o poder sobre todas as coisas. Mas a partir de que e como a produziu nenhuma Escritura o diz e nós não temos o direito de nos lançar, a partir das nossas opiniões, numa infinidade de conjeturas sobre Deus: este conhecimento deve ser reservado a Deus. Da mesma forma, por que, quando todas as coisas foram criadas por Deus, algumas desobedeceram e se subtraíram à submissão a Deus e outras, a maioria, permaneceram e permanecem sujeitas a quem as fez? São de naturezas diferentes as que desobedeceram e as que se mantiveram fiéis? Devemos deixar a resposta a Deus e ao seu Verbo, o único ao qual disse: "Senta-te à minha direita, até que ponha os teus inimigos como escabelo para os teus pés" (Sl 110,1). Nós por enquanto ainda estamos na terra, nem nos sentamos ainda no trono de Deus. Com efeito, se o Espírito do Salvador, que está nele, perscruta tudo, até as profundidades de Deus (1Cor 2,10), no que nos diz respeito há distinções de graças, distinções de ministérios, distinções de operações (1Cor 12,4-6), e, como diz Paulo, aqui na terra o nosso conhecimento é limitado e é limitada a nossa profecia (1Cor 13,9). Da mesma forma, então, que conhecemos só parcialmente, assim devemos deixar a solução de todas as questões àquele que nos concede limitadamente a sua graça. Para os pecadores está preparado o fogo eterno: Deus o diz expressamente e todas as Escrituras o demonstram. Como demonstram que Deus sabia que isso aconteceria e que desde o princípio o preparou para os transgressores (Cf Mt 25,41). Mas o por que da existência dos transgressores nenhuma Escritura o referiu, nem o Apóstolo o disse, nem o Senhor o ensinou. Assim se deve deixar a Deus este conhecimento bem como aquele do dia e da hora do juízo (Cf Mt 24,36) para não correr o perigo de não deixar nada para Deus, visto que também se recebe limitadamente a sua graça. E procurando conhecer coisas que estão acima de nós e presentemente nos são inacessíveis, chega-se ao atrevimento de dissecar Deus, e, julgando ter descoberto o que nunca o foi, apoiar-se no vanilóquio das emissões e dizer que o Deus Criador de todas as coisas foi emitido pela degradação e pela ignorância, construindo assim um sistema ímpio contra Deus. -- Finalmente, não tendo alguma prova para a ficção recentemente construída, servem-se ora de alguns números, ora de sílabas, ora de nomes; às vezes de letras contidas em outras letras, outras vezes de parábolas incorretamente explicadas, ou ainda de suposições gratuitas, e procuram dar consistência à fabulosa narrativa que inventaram. Com efeito, se alguém procura saber por qual motivo o Pai, que tem tudo em comum com o Filho, foi manifestado pelo Senhor como o único a conhecer o dia e a hora do julgamento, presentemente não encontrará nenhum mais conveniente, mais digno e equilibrado do que este: sendo o Senhor o único mestre verídico, queria que soubéssemos por ele que o Pai está acima de tudo; com efeito, diz: "O Pai é maior que eu" (Jo 14,28). Portanto, se o Pai foi apresentado pelo Senhor como maior quanto à ciência para que nós, enquanto estamos na figura deste mundo, deixemos a Deus a ciência perfeita e a solução destas questões e para que, procurando perscrutar a profundidade do Pai, não corramos o perigo de procurar outro Deus acima de Deus. -- Mas se alguém gosta de discutir e contradizer o que acabamos de dizer e especialmente o que o Apóstolo disse: "Nós conhecemos limitadamente e profetizamos limitadamente" (1Cor 13,9) e julga que seu conhecimento não é limitado, mas possui conhecimento universal de tudo o que existe; se pensa ser um Valentim qualquer, um Ptolomeu, um Basílides ou algum dos que pretendem ter explorado as profundidades de Deus, não se gabe, no seu vão orgulho, de conhecer melhor que os outros as coisas invisíveis e indemonstráveis, mas dedique-se a procurar as causas das coisas que estão neste mundo e que não conhecemos, como, por exemplo, o número dos cabelos da sua cabeça, o número dos pardais que são capturados todos os dias e tudo o que é imprevisível; que procure diligentemente, que vá à escola do Pai e depois nos ensine estas coisas, para que possamos acreditar nele, quando nos revelar os segredos maiores. Mas se estes perfeitos não conhecem ainda as coisas que estão em suas mãos, nos seus passos, diante de seus olhos, nas coisas da terra e especialmente como são dispostos os cabelos de suas cabeças, como poderemos acreditar neles acerca das coisas pneumáticas, supracelestes e que estão acima de Deus, as quais afirmam com segurança fantástica conhecer? Já falamos bastante sobre números, nomes, sílabas, das questões acerca das realidades que estão acima de nós, da maneira incorreta com que explicam as parábo-las; com certeza, tu poderás acrescentar muitas mais a tudo isso. As obras salvam ou condenam o homem -- Voltemos ao resto das suas argumentações. Dizem que quando da consumação final, sua Mãe voltará ao Pleroma e receberá como esposo o Salvador e que eles, que se definem pneumáticos, depois de se terem despido das almas e tornado espíritos de pura inteligência, serão esposas dos anjos pneumáticos. Por seu lado, o Demiurgo, que chamam psíquico, se retirará no lugar da Mãe e as almas dos justos repousarão, de maneira psíquica, no Lugar do Intermediário. Dizendo que os semelhantes se reunirão juntos, os pneumáticos com os pneumáticos, os terrenos com os terrenos eles se contradizem. De fato, segundo eles, não é pela sua natureza que as almas irão para o Intermediário junto com os semelhantes, e sim pe las obras, porque dizem que as almas dos justos irão para esse lugar enquanto as dos ímpios permanecerão no fogo. Se todas as almas vão ao lugar do repouso por causa da sua natureza e todas pertencem ao Intermediário pelo simples fato de que são almas, visto que são todas da mesma natureza, a fé é supérflua, como é supérflua a vinda do Salvador. Se, porém, elas vão aí por causa da sua justiça, já não é pelo fato de serem almas, mas por serem justas. Ora, se a justiça pode salvar as almas que de outra forma se perderiam, por que não poderá também salvar os corpos que colaboraram com esta justiça? Se o que salva é a natureza e a essência, todas as almas se salvarão; mas se é a justiça e a fé, por que não salvarão também os corpos que, como as almas, são destinados à corrupção? Pois tal justiça será impotente ou injusta se salvar algumas pela sua participação e outras não. -- Que as obras de justiça se cumprem nos corpos é evidente. Portanto, ou todas as almas entrarão no lugar do Intermediário e nunca haverá o juízo; ou os corpos que colaboraram na justiça ocuparão eles também o lugar do descanso junto com as almas que participaram da mesma forma nesta justiça, visto que ela é capaz de transferir para este lugar tudo o que participou nela, e a doutrina da ressurreição dos corpos aparecerá com toda a sua força e sua verdade. Esta é a doutrina em que nós cremos: Deus ressuscitará os nossos corpos mortais (Cf Rm 8,11) que guardaram a justiça e os tornará incorruptíveis e imortais. Deus é maior do que a natureza e tem em sua mão o querer, porque é bom, o poder, porque é poderoso, e o levar a cumprimento porque é rico e perfeito. -- Estes, porém, se contradizem totalmente quando declaram que nem todas as almas entrarão no Intermediário, mas somente aquelas dos justos. Com efeito, dizem que a Mãe emitiu três espécies diversas de naturezas ou substâncias: a substância terrena que deriva da angústia, da tristeza e do medo; a psíquica, derivada do ímpeto da conversão; e a pneumática, derivada da visão dos anjos que acompanham o Cristo. Se o que ela emitiu entrará de qualquer forma no Pleroma porque é pneumática enquanto o que é material ficará fora porque é material e deve ficar nas regiões inferiores e ser totalmente destruído quando se incendiará o fogo que está nela, por que a substância psíquica não irá toda a este Lugar do Intermediário, aonde eles enviam também o Demiurgo? E qual é o elemento deles que entrará no Pleroma? As almas, eles dizem, ficarão no Intermediário; os corpos, de natureza material, serão reduzidos a matéria e serão consumidos pelo fogo que está nela. Mas uma vez que o corpo será destruído e a alma ficará no Intermediário, não ficará mais nada do homem que possa entrar no Pleroma. O intelecto do homem, o pensamento, a consideração e as outras coisas desta espécie não são realidades que existem independentemente da alma, mas são movimentos e operações da própria alma que não têm existência fora da alma. O que restará deles para entrar no Pleroma? Porque eles também, como almas, ficarão no Intermediário e como corpos, queimarão com a matéria restante. -- Não obstante serem assim as coisas, eles asseguram, contra o bom senso, que subirão acima do Demiurgo. Proclamando-se superiores ao Deus que fez e ornamentou os céus, a terra, os mares e tudo o que eles contêm, proclamam-se espirituais, quando são vergonhosamente carnais pelo excesso da impiedade; ao dizer psíquico o Criador e Senhor de toda natureza espiritual, que fez os seus anjos espíritos, que os revestiu de luz como de vestimenta (Cf Sl 104,4 2), que tem nas mãos o globo da terra, cujos habitantes são, diante dele, como gafanhotos (Cf Is 40,22), que é o Deus e o criador de toda substância espiritual, eles o definem psíquico. Sem dúvida, provam realmente estar transtornados e ser atingidos pelo raio mais ainda do que os gigantes da fábula, eles que levantam o seu pensamento contra Deus, que estão inflados de presunção e bazófia, para os quais não chega todo o heléboro da terra para purgá-los e fazer-lhes vomitar a gigantesca patetice. -- Pelas obras é que se deve mostrar quem é melhor. - Somos obrigados a fazer discursos ímpios, isto é, a comparar entre si Deus e estes loucos, a descer ao seu nível para refutá-los com seus próprios argumentos. Que Deus nos perdoe! porque não queremos pôr Deus no nível deles, e sim provar e refutar a sua loucura. - Ora, em que se mostram melhores do que o Demiurgo estes, diante dos quais pasma de admiração uma multidão de loucos como se pudessem aprender deles alguma coisa superior à própria verdade? A palavra da Escritura: "Procurai e encontrareis", foi dita, explicam eles, para serem encontrados acima do Demiurgo, qualificando-se maiores e melhores do que Deus, sendo eles pneumáticos e o Demiurgo psíquico. Este é o motivo pelo qual estarão acima de Deus e entrarão no Pleroma enquanto Deus irá ao Lugar do Intermediário. Ora, provem pelas obras que são superiores ao Demiurgo; pois não é pelas palavras, e sim pelos fatos que alguém se deve mostrar superior. -- Qual é então a obra que mostrarão feita por meio deles, pelo Salvador, ou pela Mãe deles, maior, mais esplêndida, mais racional das obras realizadas por quem organizou este universo? Onde estão os céus que eles firmaram, a terra que consolidaram e as estrelas que criaram? Onde os luminares que eles acenderam e os cursos a que os obrigaram? Onde as chuvas, o frio e as neves que fizeram cair sobre a terra nos tempos propícios a cada região, ou o calor e as secas que lhe contrapuseram? Onde os rios que fizeram deslizar, as fontes que fizeram jorrar, as flores e as árvores com que adornaram a terra que está debaixo do céu? Onde está a multidão dos seres vivos - uns racionais, irracionais outros, todos eles revestidos de beleza - que formaram? Quem poderá enumerar todas as outras coisas feitas pelo poder de Deus e governadas pela sua sabedoria? Quem poderá sondar a grandeza da sabedoria de Deus que as fez? E que dizer da multidão dos seres que estão acima dos céus e que são eternos, os Anjos, os Arcanjos, os Tronos, as Dominações e as Potestades sem número? Podem, por acaso, contrapor a si mesmos diante de uma só destas obras? O que podem mostrar de semelhante feito por eles ou por meio deles quando eles próprios são criação e obra de Deus? Com efeito - para falar a sua linguagem e com ela provar a falsidade de seus argumentos - se o Salvador ou a Mãe deles se serviu deste Criador, como dizem, para fazer uma imagem das realidades interiores ao Pleroma e de tudo o que contemplou à volta do Salvador, o foi porque era melhor e mais apto para cumprir a vontade dela. Ora, nunca usaria um instrumento inferior, mas sim um superior, para formar as imagens destas realidades tão grandes. -- Então eles mesmos eram, como dizem, um fruto pneumático concebido da contemplação dos guardas do corpo dispostos em volta de Pandora. Eles estavam inativos, porque nem sua Mãe nem o Salvador nada fizeram por meio deles; eles não eram senão fruto inútil, prestável para nada: com efeito, não aparece nada que tenha sido feito por meio deles. Porém este Deus que, ao que dizem, foi emitido depois e inferior a eles, porque o classificam psíquico, foi operador perfeitamente eficaz e hábil, de sorte que, por meio dele, como o instrumento melhor e mais apto a executar a vontade da Mãe, foram feitas as imagens não somente das coisas visíveis, mas também das invisíveis, os Anjos, os Arcanjos, as Dominações, as Potências e as Virtudes. Por outro lado, parece que a Mãe não fez nada para eles, como dizem eles próprios, de forma que podem ser considerados como abortos de um parto mal sucedido; neste parto não houve a assistência das obstetras, e eles foram lançados fora como abortos, absolutamente inúteis, por não terem recebido da Mãe coisa alguma útil. Não obstante isso, eles se proclamam melhores do que aquele pelo qual foram feitas e ordenadas tantas e tão grandes coisas, quando pelo seu sistema eles resultam muito inferiores a ele. -- Suponhamos duas ferramentas ou instrumentos quaisquer e que um deles se encontre sempre em uso nas mãos do artista, de forma a fazer com ele quantas obras quiser e mostre assim a sua arte e sabedoria, e que o outro se mantenha inativo, inútil e ocioso, sem que o artista o use ou faça alguma coisa com ele; se alguém viesse dizer que o instrumento supérfluo e inativo é melhor e mais caro do que aquele que o artista usa e donde tira a sua glória, com certeza seria julgado louco e fora de si. Ora, é o que acontece com estes, que se proclamam a si mesmos pneumáticos e superiores e ao Demiurgo proclamam psíquico; que afirmam que estarão acima dele e que entrarão no Pleroma para se encontrarem com os seus esposos - como eles mesmos confessam, são mulheres - enquanto Deus é inferior e ficará no Intermediário. E de todas estas afirmações nem a sombra de uma prova. Ora, o melhor prova-se pelas obras e como todas elas foram feitas pelo Demiurgo e não podem mostrar nada de notável feito por eles, são loucos de loucura completa e insanável. -- Se quiserem sustentar que todas as coisas materiais, isto é, o céu e o universo abaixo dele, foram criadas pelo Demiurgo e que todos os seres espirituais situados acima do céu, isto é, os Principados, as Potestades, os Anjos, os Arcanjos, as Dominações e as Virtudes foram criados pelo fruto pneumático, que pretendem ser, então nós lhes responderemos, em primeiro lugar, que já provamos por meio das divinas Escrituras que todas estas coisas, visíveis e invisíveis, foram criadas pelo Deus único; e que eles não valem mais do que as Escrituras e que não somos absolutamente obrigados a deixar de lado as palavras do Senhor, nem as de Moisés e dos outros profetas que pregaram a verdade para acreditar neles que, não satisfeitos com dizer nada de verdadeiro, ainda deliram em sonhos inconsistentes. Em segundo lugar, se as coisas que estão acima dos céus foram criadas por meio deles, digam-nos qual é a natureza destes seres invisíveis, digam-nos o número dos Anjos e a ordem dos Arcanjos, dêem-nos a conhecer os mistérios dos Tronos e nos mostrem as diferenças que há entre as Dominações, os Principados, as Potestades e as Virtudes. Eles não o podem fazer, portanto, não foi por meio deles que estas coisas foram criadas. E se foram criadas pelo Demiurgo - como é o caso - estes seres são obra do Criador, são espirituais e santos e, por conseguinte, não pode ser psíquico quem criou seres espirituais: eis reduzida a nada a sua enorme blasfêmia. -- Que no céu haja criaturas espirituais o proclamam todas as Escrituras e Paulo atesta que são espirituais quando diz que foi arrebatado ao terceiro céu e, pouco depois, revela ter sido levado ao paraíso e ter escutado palavras inefáveis que o homem não pode pronunciar (Cf 2Cor 12,2-4). E a que lhe poderia ter servido o ser levado ao paraíso ou elevado ao terceiro céu, lugares estes que estão em poder do Demiurgo, se era para contemplar e escutar mistérios superiores ao Demiurgo, como alguns ousam afirmar? Se devia conhecer um mundo superior ao Demiurgo não teria ficado no domínio dele, sequer depois de ter visto tudo - segundo a doutrina deles faltavam-lhe ainda quatro céus para chegar ao Demiurgo e contemplar abaixo dele a Hebdômada - devia subir ao menos até o Intermediário, isto é, a Mãe, para aprender dela o que está dentro do Pleroma. O homem interior, invisível que falava nele, como dizem, podia muito bem chegar não somente ao terceiro céu, mas até a Mãe deles. Se eles, ou melhor, o seu homem, ultrapassarão imediatamente o Demiurgo e irão até a Mãe, muito mais facilmente isso teria acontecido ao homem do Apóstolo, nem lho poderia ter impedido o Demiurgo, ele também já submetido ao Salvador, como dizem. E, ainda que o quisesse impedir, não o conseguiria, porque não é possível que ele seja mais forte do que a providência do Pai e porque o homem interior, como dizem, é invisível até para o Demiurgo. Ora, se Paulo contou o seu arrebatamento ao terceiro céu como algo de grande e extraordinário, estes não poderão subir acima do sétimo céu, pois não são melhores do que o Apóstolo. Se pretendem ser superiores serão manifestados pelos fatos: mas ainda não se gabaram disto. Paulo acrescentou: "Se foi no corpo ou fora do corpo, Deus o sabe" (2Cor 12,2-3). a fim de que não se pense que o corpo tenha sido excluído da visão - este corpo que um dia participará no que Paulo viu e escutou aquela vez - e também para que ninguém diga que foi por causa do peso do corpo que não foi elevado mais acima, mas que é permitido àqueles que, como o Apóstolo, são perfeitos no amor de Deus, contemplar até lá, mesmo sem o corpo, os mistérios espirituais, que são as obras de Deus que fez o céu e a terra, que plasmou o homem e o colocou no paraíso (Cf Gn 1,1; 2,7 15). -- Deus fez, portanto, as coisas espirituais de que foi espectador o Apóstolo no terceiro céu e as palavras indizíveis que não é permitido ao homem dizer por serem espirituais é ainda este mesmo Deus que as faz ouvir, da forma que ele quer, aos que são dignos, pois o paraíso é dele. E este Deus é verdadeiramente Espírito de Deus e não um Demiurgo psíquico, de outra forma nunca teria feito as coisas espirituais. Se, ao contrário, é psíquico, digam-nos quem fez as coisas espirituais. Também não têm meios para mostrar alguma coisa feita pela emissão da Mãe, que dizem ser eles. Não somente não podem fazer algo de espiritual, mas sequer uma mosca, uma pulga ou um destes pequenos insetos desprezados a não ser da forma estabelecida no princípio por Deus, pela deposição de uma semente num animal da mesma espécie. Como também nada foi feito pela Mãe sozinha, porque, dizem, é o emitido que é o Demiurgo e o Senhor de toda a criação. E este Demiurgo e Senhor de toda a criação eles pretendem seja de natureza psíquica, enquanto eles, não sendo nem demiurgos nem senhores de nada, que não fizeram nada do que está fora deles, sequer o seu corpo, dizem ser espirituais. E os que estão sujeitos, até contra a vontade, a muitos sofrimentos no corpo, se proclamam espirituais e superiores ao Criador! -- Justamente, portanto, os acusamos de se terem afastado consideravelmente da verdade. Se o Salvador fez por meio dele as coisas criadas não lhes é inferior, mas se mostra melhor por ser autor delas também, porque eles também se encontram entre as que foram criadas. Como podem, então, ser de natureza pneumática se aquele que as fez é de natureza psíquica? Mas - o que somente pode ser verdadeiro e que demonstramos com argumentos fortíssimos e provas irrecusáveis - se o Criador, livremente e de sua iniciativa, fez e ordenou todas as coisas e se a sua vontade é a única matéria donde tirou todas elas, então aquele que fez todas as coisas é o Deus único, o único Onipotente, o único Pai, que criou e fez todas as coisas, as visíveis e as invisíveis, as sensíveis e as inteligíveis, as celestes e as terrestres. Com o Verbo de seu poder tudo compôs e tudo ordenou por meio da sua Sabedoria; ele que tudo contém e que nada o pode conter. Ele é o Artífice, o Inventor, o Fundador, o Criador, o Senhor de todas as coisas e não existe outro fora e além dele, nem a Mãe que eles se arrogam, nem o outro deus que Marcião inventou, nem o Pleroma dos 30 Éões cuja inanidade demonstramos, nem o Abismo, nem o Protoprincípio, nem os Céus, nem a Luz virginal, nem o Éon inefável, nada de tudo o que foi sonhado por eles e por todos os hereges. Só um é o Deus Criador que está acima de todo Principado, Potência, Dominação e Virtude: ele é o Pai, é Deus, é o Criador, o Autor, o Ordenador, que fez todas as coisas de si mesmo, isto é, por meio de seu Verbo e Sabedoria, o céu e a terra, o mar e tudo o que eles contêm. Ele é o justo, o bom; ele quem modelou o homem, plantou o paraíso, construiu o mundo, quem produziu o dilúvio e salvou Noé; ele é o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, o Deus dos viventes, anunciado pela Lei, pregado pelos profetas, revelado por Cristo, transmitido pelos apóstolos, crido pela Igreja; ele é o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo; por meio do Verbo que é seu Filho é revelado e manifestado a todos que ouvem a revelação; e o conhecem aqueles aos quais o Filho o revelou. O Filho que está sempre com o Pai e que desde o princípio sempre revela o Pai aos Anjos e Arcanjos, às Potestades e Virtudes e a todos a quem Deus se quer revelar. Aplicações a cada uma das teorias -- Refutados os valentinianos, refutada está toda a multidão dos hereges. O que afirmamos contra o Pleroma e tudo o que está fora dele, serviu para demonstrar que o Pai de todas as coisas seria limitado e circunscrito por aquilo que está fora dele, se é que há alguma coisa fora dele, e que, portanto, seria necessário admitir muitos Pais, muitos Pleromas e muitos mundos criados nos quais uns começariam onde os outros acabam. E que todos fechados em si mesmos não investigariam sobre os outros com os quais não têm parte nem comunicações; que não haveria um Deus de todas as coisas e seria eliminado o nome de Onipotente. Tudo isso vale também contra os discípulos de Marcião, de Simão, de Menandro e, de modo geral, contra todos os que introduzem separação semelhante entre o mundo e o Pai. Outros dizem que o Pai de todas as coisas contém tudo, mas que o nosso mundo não é criação dele, e sim de alguma Potência ou de anjos que ignoravam o Pai, o qual estaria inscrito na imensidade do universo, como o centro no círculo ou a mancha no manto. Mostramos que não é verossímil que este mundo tenha sido feito por algum outro que não o Pai de todas as coisas. Tudo isso vale também contra os discípulos de Saturnino, de Basílides, de Carpócrates e de todos os outros gnósticos que dizem as mesmas coisas. O que dissemos acerca das emissões, dos Éões e da degradação e para mostrar a inconsistência da sua Mãe refuta também Basílides e todos os falsos gnósticos que dizem as mesmas coisas com outras palavras e mais, demonstra que estes fazem do que está fora da verdade uma característica da sua doutrina. O que dissemos acerca dos números vale para todos os que alteram a verdade neste sentido. E, finalmente, o que foi dito sobre o Demiurgo, para provar que somente ele é Deus e Pai de todas as coisas, e tudo o que será dito nos livros seguintes, é contra todos os hereges que o digo. Poderás refutar os mais moderados e humanos deles e dissuadi-los de blasfemar o seu Criador, Autor, Nutrício e Senhor e de lhe atribuir a origem da degradação e da ignorância; mas afastarás para longe de ti os mais ferozes e intratáveis, para que não tenhas de suportar nunca mais o seu palavreado. -- Além disso, procurar-se-á convencer os discípulos de Carpócrates e de Simão e os que têm fama de operar prodígios de que o que fazem não é nem pelo poder de Deus, nem pela verdade, nem como benfeitores dos homens, mas com dano e erro, com truques mágicos e todas as fraudes, mais perniciosos do que úteis aos que, seduzidos, acreditam neles. Com efeito, não podem restituir a vista aos cegos nem o ouvido aos surdos, nem afugentar os demônios - a não ser os que são enviados por eles mesmos, se é que o podem fazer, - nem curar os enfermos, os coxos, os paralíticos ou doentes noutras partes do corpo, como acontece muitas vezes por causa de doença, nem de restituir a integridade dos membros a acidentados. Está tão longe deles o pensamento de ressuscitar os mortos - como o fez o Senhor e como o fizeram os apóstolos pela oração e como, em caso de necessidade, aconteceu mais de uma vez, toda a Igreja local pedindo fraternalmente com jejuns e orações, voltou o espírito do morto (Lc 8,55) e foi concedida às orações dos santos a vida do homem - que nem o julgam possível: para eles a ressurreição dos mortos consiste no conhecimento do que eles chamam de verdade. -- Quando, junto a eles, é o erro, a sedução, a fantasia da mágica que são postos diante dos homens, na Igreja, ao contrário, agem, para o bem dos homens, a misericórdia, a piedade, a firmeza, a verdade, não somente sem remuneração e de graça, mas dando o que é nosso pela saúde dos homens e muitas vezes os doentes recebem de nós o que precisam e que não têm. Verdadeiramente, com este comportamento eles provam que estão totalmente alheios à natureza divina, à bondade de Deus e ao poder espiritual e que, ao contrário, estão repletos de todo tipo de fraude, de inspiração rebelde, de atividade diabólica e de fantasias idolátricas. São verdadeiramente os precursores daquele dragão que com embustes semelhantes arrastará com sua cauda um terço das estrelas e as fará cair sobre a terra (Cf Ap 12,4), e os devemos evitar como evitamos aquele dragão, e quanto mais parecem operar prodígios tanto mais nos devemos acautelar deles como de gente que recebeu espírito maior de iniqüidade (Cf Ef 6,12). Por este motivo se alguém prestar atenção a sua maneira de agir verá que o seu comportamento é todo um com o dos demônios. Sobre a necessidade de fazer todo tipo de experiências -- Os ensinamentos do Senhor derrubam completamente a sua ímpia doutrina sobre as ações humanas, segundo a qual eles devem praticar todas as ações possíveis, até as más. O Senhor não somente condena quem pratica o adultério (Para todo este número, Cf Mt 5,21-44; 13,43; Mc 9,48), mas também quem o deseja; não somente quem mata é condenado por ele como réu de homicídio, mas também quem se irrita sem motivo com o seu irmão. O Senhor ordenou não somente não odiar os homens, mas também amar os inimigos; não somente não jurar falso, mas sequer jurar; não somente não falar mal do próximo, mas sequer chamar alguém de imbecil e idiota, sob pena de merecer o fogo do inferno; não somente não esbofetear, mas, esbofeteados, oferecer a outra face; não somente não tirar as coisas dos outros, mas sequer pedir devolvidas as próprias, quando tiradas; não somente não ofender o próximo e não lhe fazer mal, mas ser pacientes e bons quando maltratados e rezar para que se arrependam e salvem. Em resumo: não imitar em nada as ofensas, a raiva e o orgulho dos outros. Se Aquele que se gloriam de ter por mestre e que dizem ter tido alma mais excelente e forte do que a dos outros homens teve o máximo cuidado em nos prescrever algumas coisas porque boas e excelentes e em nos proibir outras, não somente nos fatos, mas também nos pensamentos que levam a ações más, como maus, nocivos e perversos, como é que podem dizer, sem se envergonhar, que este mestre é o mais forte e excelente entre os homens e logo depois formular abertamente regras contrárias ao seu ensinamento? Se não existissem o mal e o bem, mas fosse somente opinião humana que algumas coisas são justas e outras injustas, nunca teria declarado no seu ensinamento: "Os justos brilharão como o sol no reino de seu Pai"; e os injustos e os que não fazem obras de justiça enviá-los-á ao fogo eterno "onde o seu verme nunca morrerá e o fogo não se apagará". -- Mas enquanto dizem que devem realizar todas as ações e comportamentos de forma a concretizá-los numa só vida, se possível, e atingir assim o estado perfeito, nunca se vê que se tenham esforçado por fazer o que diz respeito à virtude, ao trabalho, à honra, à arte e àquelas coisas reconhecidas como boas por todos. Se devem dedicar-se à toda forma possível de atividade, deveriam começar por aprender todas as artes, sem exceção; aquelas que se exercem nos discursos ou nas obras, aquelas que se aprendem com o domínio sobre si e se adquirem com o esforço e o exercício perseverante, como, por exemplo, a música, a aritmética, a geometria, a astronomia e todas as outras disciplinas teóricas; todos os ramos da medicina, a ciência das plantas medicinais, as disciplinas que visam à saúde humana; a pintura, a escultura do bronze, do mármore, e semelhantes; além disso, toda a espécie de agricultura, de veterinária, de pastorícia e de artesanato; de enciclopédia, de náutica, de ginástica, de caça, de estratégia, de governo e tantas outras artes, que nem a fadiga de toda uma vida conseguiria ensinar-lhes sequer a décima milésima parte. Eles que se dizem obrigados a experimentar toda atividade sequer se esforçam por aprender algumas destas artes, mas se entregam a prazeres, à luxúria e a vícios torpes. Eis que assim condenam-se a si próprios pela lógica da sua doutrina, porque, faltando-lhes tudo o que acabamos de dizer, irão para o castigo do fogo. Ao mesmo tempo que professam a filosofia de Epicuro e a indiferença dos cínicos, gloriam-se de ter por Mestre Jesus, o qual dissuade os seus discípulos não somente de praticar más ações, mas também de toda palavra ou pensamento repreensíveis, como acabamos de mostrar. -- Dizem ainda que suas almas derivam da mesma esfera que a de Jesus e que lhe são semelhantes e até melhores. Mas em comparação com as obras que Jesus fez para o bem e a consolidação dos homens eles não podem mostrar ter feito algo que, de alguma forma, seja semelhante ou comparável. E se fazem alguma coisa, é, como dissemos, por intermédio da magia, com a intenção de enganar os simples. Longe de procurar algum fruto ou proveito para aqueles em favor dos quais dizem operar prodígios, contentam-se com atrair meninos impúberes e os mistificam mostrando-lhes aparições que logo se dissolvem sem ter durado uma fração de segundo, mostrando-se assim semelhantes não a nosso Senhor Jesus, e sim a Simão, o mago. E, enquanto o Senhor ressuscitou dentre os mortos ao terceiro dia, se deu a conhecer a seus discípulos e foi levado ao céu diante de seus olhares, esse tipo de homens morrem, mas não ressuscitam nem se manifestam a ninguém; daí se pode deduzir que suas almas não se parecem em nada com a de Jesus. -- Se ainda disserem que o Salvador fez tais coisas somente na aparência, lhes apresentaremos os escritos dos profetas e, servindo-nos deles, lhes mostraremos que tudo foi realizado exatamente como foi predito; e que somente ele é o Filho de Deus. Eis por que em seu nome os seus verdadeiros discípulos, depois de ter recebido dele a graça, agem para o bem dos outros homens, conforme o dom que cada um recebeu dele: alguns expulsam os demônios, com tanta certeza e verdade, que, muitas vezes, os que foram libertos destes espíritos maus cre ram e entraram na Igreja; outros têm o conhecimento do futuro, visões e oráculos proféticos; outros impõem as mãos sobre os doentes e lhes restituem a saúde; e como dissemos, também alguns mortos ressuscitaram e ficaram conosco por muitos anos. E que mais? Não é possível dizer o número de carismas que, no mundo inteiro, a Igreja recebeu de Deus, no nome de Jesus Cristo, crucificado sob Pôncio Pilatos e que distribui todos os dias em prol dos homens, a ninguém enganando e não exigindo dinheiro de ninguém: porque como de graça recebeu de Deus de graça distribui (Cf Mt 10,8). -- E não é com a invocação dos anjos que ela faz estas coisas, nem com encantamentos ou outras práticas torpes, e sim de maneira lícita e clara, elevando preces a Deus, que fez todas as coisas; invocando o nome de nosso Senhor Jesus Cristo faz prodígios para o bem dos homens e não para os enganar. Se, portanto, o nome de nosso Senhor Jesus Cristo ainda agora é benéfico e cura com toda certeza e verdade todos os que, não importa em que lugar, crêem nele - o que não acontece no nome de Simão, nem de Menandro, nem de Carpócrates, nem de outro qualquer, - é claro que, tendo-se feito homem e vivido com a obra da sua criação, fez verdadeiramente tudo pelo poder de Deus, conforme a vontade do Pai de todas as coisas, da maneira que os profetas anunciaram. Quais são estas profecias o diremos na exposição das provas tiradas dos profetas. A transmigração das almas -- Refutamos a transmigração das almas de corpo em corpo pelo fato de elas não se lembrarem de nada do passado. Com efeito, se foram enviadas a este mundo para praticar todas as ações deveriam lembrar-se daquelas que já fizeram para completar o que ainda falta e não ter que se envolver sempre nas mesmas experiências. A união ao corpo não poderia apagar totalmente a lembrança do que viram anteriormente, quando vêm precisamente por isso. Como agora a alma lembra a maioria das coisas que vê em si e age em imaginação e as participa ao corpo que adormecido repousa, e às vezes até depois de muito tempo que acordou alguém conta o que viu em sonho, da mesma forma a alma deveria lembrar-se das ações feitas antes da sua vinda ao corpo. Com efeito, se o que foi visto em imaginação e por breves instantes por ela só durante o sono ela o lembra, depois de se misturar ao corpo e espalhar em todos os seus membros, com muito maior razão se lembraria das atividades às quais se dedicou pelo tempo considerável de toda existência anterior. -- Não podendo responder a estes argumentos, Platão, este antigo ateniense que foi o primeiro a adotar esta doutrina, introduziu a bebida do esquecimento, pensando com isso escapar à dificuldade. Sem fornecer prova alguma ele declarou peremptoriamente que o demônio que preside à entrada desta vida faz beber a taça do esquecimento às almas, antes de ingressar no corpo. E não se apercebeu de ter caído em dificuldade maior. Se beber a taça do esquecimento pode tirar a lembrança de tudo o que foi feito como é que tu, Platão, sabes isso, visto que a tua alma está presentemente num corpo e que antes de entrar nele o demônio lhe fez beber a taça do esquecimento? Se lembras o demônio, a bebida e a entrada, deves também lembrar tudo o resto; se o ignoras é porque nem o demônio é verdadeiro nem tudo o resto desta exótica teoria da bebida do esquecimento. -- Contra aqueles que dizem que o próprio corpo é o esquecimento vai isto: como é que a alma pode lembrar e comunicar aos outros o que viu durante o sonho e em pensamento enquanto o corpo dorme? Se o corpo é o esquecimento, a alma que se encontra dentro de um corpo não se lembraria do que conheceu alguma vez com os olhos e os ouvidos, porque bastaria levantar os olhos das coisas que também desapareceria a memória delas. Encontrando-se no próprio esquecimento a alma só poderia conhecer o que vê no momento presente. Então como poderia ter aprendido e lembrar-se das coisas divinas estando num corpo que, como eles dizem, é o próprio esquecimento? Até os profetas, estando na terra, depois de voltar a si, se lembram e comunicam aos outros o que viram e entenderam espiritualmente durante as visões celestes e o corpo não lhes tira a lembrança do que viram em espírito, mas a alma instrui o corpo e lhe comunica a visão espiritual que teve. -- Com efeito, o corpo não é mais poderoso do que a alma, ele que é animado, vivificado, desenvolvido e articulado, mas é a alma que domina e manda no corpo. Sem dúvida, a alma é travada na sua presteza, visto que o corpo participa do seu movimento, mas nem por isso perde a sua ciência. O corpo é parecido com o instrumento enquanto a alma exerce a função do artista. Como o artista concebe prontamente dentro de si uma obra de arte, mas a realiza lentamente por meio do instrumento, por causa da inércia do objeto, assim a presteza de espírito do artista, misturando-se com a lentidão do instrumento, realiza uma obra que participa das duas coisas. Assim a alma unida ao seu corpo é um pouco impedida pelo fato de sua presteza estar misturada com a lentidão do corpo, mas nem por isso perde todo o seu poder; comunicando a sua vida ao corpo ela não cessa de viver. Assim se dá quando ela comunica ao corpo as outras coisas: ela não perde nem a ciência que possuía nem a lembrança dela. -- Por isso, se ela não lembra nada do passado, mas tem o conhecimento das coisas presentes, nunca esteve em outros corpos, nunca fez o que não conhecia, nem conhece o que não viu. Como cada um de nós recebe da arte de Deus o próprio corpo assim tem a sua própria alma, porque Deus não é tão pobre e indigente que não possa dar a cada corpo a sua alma e seu próprio caráter. E por isso, quando será completado o número que ele preestabeleceu, todos os inscritos na vida (Cf Ap 21,27) ressurgirão com seu corpo, sua alma e seu espírito com os quais agradaram a Deus; e os que mereceram os castigos recebê-los-ão, com suas almas e seus corpos nos quais se afastaram da bondade divina. E tanto uns como os outros deixarão de gerar e de ser gerados, de casar-se e tomar maridos (Cf Mt 22,30), e completada a multidão do gênero humano predefinida por Deus e atingida a perfeição, conservem a harmonia recebida do Pai. -- O Senhor ensinou clarissimamente que as almas não só perduram sem passar de corpo em corpo, mas conservam imutadas as características dos corpos em que foram colocadas e se lembram das ações que fizeram aqui na terra e das que deixaram de fazer. É o que está escrito na história do rico e de Lázaro que repousava no seio de Abraão (Cf Lc 16,19-31). Nela se diz que o rico, depois da morte, conhecia tanto Lázaro como Abraão e que cada um estava no lugar a ele destinado. O rico pedia a Lázaro, ao qual tinha recusado até as migalhas que caíam de sua mesa, que o socorresse; com a sua resposta, Abraão mostrava conhecer não somente Lázaro, mas também o rico e ordenava que os que não quisessem ir para aquele lugar de tormentos escutassem Moisés e os profetas antes de esperar o anúncio de alguém ressuscitado dos mortos. Tudo isso supõe clarissimamente que as almas permanecem, sem passar de corpo em corpo, que possuem as características do ser humano, de sorte que podem ser reconhecidas e que se recordam das coisas daqui de baixo; que também Abraão possuía o dom da profecia e que cada alma recebe o lugar merecido mesmo antes do dia do juízo. -- Aqui alguns poderão dizer que as almas que tiveram há pouco tempo o início da sua existência não podem durar indefinidamente e que, ou devem ser incriadas para ser imortais, ou se receberam o início da existência necessariamente morrem com o seu corpo. Ora, estes devem saber que somente Deus, o Senhor de todas as coisas, é sem princípio e sem fim, e se mantém verdadeiramente e sempre idêntico a si mesmo. Que todas as coisas por ele criadas no passado e no presente, sejam quais forem, recebem o princípio da existência e por isso são inferiores ao seu criador, justamente por serem criadas. Que, não obstante isso, perduram e prolongam a sua existência na amplidão dos séculos, segundo a vontade de Deus Criador, o qual lhes dá, inicialmente, o devir e depois o ser. -- Como o céu que está sobre nós, o firmamento, o sol, a lua, todas as estrelas e o seu esplendor que antes não existiam, foram criados e duram muito tempo, segundo a vontade de Deus, assim não se engana quem pensa o mesmo das almas, dos espíritos e de todas as coisas criadas, porque todas elas receberam o início de sua existência e perduram pelo tempo que Deus quer que existam e durem. Também o Espírito profético testemunha a favor desta doutrina quando diz: "Porque ele falou e foram feitas; ele mandou e foram criadas. Ele as estabeleceu pelos séculos e pelos séculos dos séculos" (Sl 148,5-6; 33,9). E do homem que seria salvo diz: "Ele te pediu a vida e lhe concedeste a longevidade pelos séculos dos séculos" (Sl 20,5). O Pai de todas as coisas concede a duração pelos séculos dos séculos aos que são salvos, porque não é nem de nós nem de nossa natureza que vem a vida, mas ela é concedida segundo a graça de Deus. Portanto, quem guardar o dom da vida dando graças àquele que lha deu receberá também a longevidade pelos séculos dos séculos, mas quem a recusar com ingratidão para com o Criador por tê-lo criado, não reconhecendo aquele que lha deu, priva-se por sua conta da duração pelos séculos dos séculos. Por isso o Senhor dizia aos que lhe são ingratos: "Se não fostes fiéis no pouco, quem vos confiará o muito?" (Lc 16,11), deixando entender que todos os que são ingratos na curta vida temporal com aquele que lha concedeu, não merecem receber dele a longevidade nos séculos dos séculos. -- Como o corpo animado pela alma não é a alma, mas comunica com a alma até que Deus quiser, assim a alma não é ela própria a vida, mas participa da vida que Deus lhe deu. Por isso a palavra inspirada diz do primeiro homem: "Ele foi feito alma vivente" (Gn 2,7), ensinando-nos que a alma é vivente por participação da vida, de forma que uma coisa é a alma e outra é a vida que está nela. Se, portanto, é Deus que dá a vida e a sua duração perpétua, não é impossível que as almas que antes não existiam, depois que Deus quis que existissem, perdurem nesta existência. O que deve mandar e dominar em tudo é a vontade de Deus; tudo o resto deve ceder diante dela, subordinar-se e pôr-se a seu serviço. Quanto à criação e à perpetuidade da alma é suficiente o que foi dito até aqui. -- Basílides, além das coisas ditas acima, é obrigado a dizer que, pelo seu sistema, não foram criados uns pelos outros somente 365 céus, mas que multidão inumerável de céus foi, é e será continuamente criada e que nunca cessará esta criação. Se, com efeito, por derivação do primeiro céu, foi feito segundo à sua imagem, depois terceiro à imagem do segundo, e assim para todos os seguintes; do que é o nosso céu e que eles dizem último, necessariamente há de derivar outro semelhante a ele e do outro ainda, e por conseqüência nunca cessará a derivação a partir dos céus já feitos, nem a produção de céus novos e assim se deve admitir número imenso não limitado de céus. -- Os outros, chamados abusivamente gnósticos e que dizem que os profetas profetizaram em nome de deuses diferentes, são refutados facilmente, pelo fato de que todos os profetas pregaram um só Deus e Senhor, Criador do céu e da terra e de tudo o que eles contêm, e anunciaram a vinda do seu Filho, como demonstraremos nos livros seguintes, com base nas Escrituras. Nomes divinos diferentes -- Se alguns quiserem objetar que na língua hebraica, usada na Escritura, há nomes diferentes, como Sabaoth, Elohim, Adonai e outros semelhantes, procurando com isso demonstrar a existência de Potências e deuses diferentes, estes devem aprender que todos indicam e se referem a um único e mesmo Deus. Com efeito, em hebraico, o nome Elohim significa verdadeiro Deus; e Elloeuth, em hebraico, significa: O que contém todas as coisas. A palavra Adonai às vezes significa Inominável e Admirável, às vezes, quando com dois "d" e aspirado, como, por exemplo: Addonai, designa Aquele que separa a terra das águas para que estas não mais a invadam. Da mesma forma Sabaoth com ômega na última sílaba significa voluntário, com ómicron significa primeiro céu. Da mesma forma, Jaoth, com a última sílaba longa e aspirada, significa medida fixa, mas, quando se escreve com ómicron, significa aquele que afugenta os maus. E todos os outros nomes são apelativos de único ser, como, por exemplo, no latim, Senhor das Potências, Pai de todas as coisas, Deus onipotente, o Altíssimo, Senhor dos céus, Criador, Ordenador e semelhantes, e não pertencem a seres diferentes, mas somente a um só e único: designam um só Deus e Pai que contém todas as coisas e que a todas dá a existência (A verdade que o autor quer afirmar é inegável, porém, seus argumentos são limitados demais e atestam, antes, a falta de conhecimento suficiente de hebraico). CONCLUSÃO -- Que as nossas palavras concordam com a pregação dos apóstolos, o ensinamento do Senhor, o anúncio dos profetas e dos apóstolos, o ministério da Lei, que louvam um único e mesmo Deus Pai de quem todas as coisas têm sua origem e não de deuses ou Potências diferentes, mas de um só e único Pai o qual proporciona as coisas segundo a natureza e as disposições do objeto; que todas as coisas visíveis e invisíveis, todos os seres sem exceção foram criados não pelos anjos ou qualquer outra Potência, mas somente por Deus e Pai, penso que tenha sido suficientemente demonstrado nas numerosas páginas em que provamos que existe somente um Deus e Pai, Criador de todas as coisas. Mas para que não se pense que nos queiramos esquivar das provas tiradas das Escrituras do Senhor - elas que proclamam esta doutrina da maneira mais aberta e clara, ao menos por quem as estuda na sinceridade - exporemos no livro seguinte as Escrituras divinas e as provas que delas se deduzem e as exporemos diante dos olhos de todos os que amam a verdade..

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